Por Anderson Santiago
Considerado
por Allan Kardec como um Espírito que produziu comunicações que traziam
o cunho incontestável da profundeza e da lógica, Erasto é um daqueles
Espíritos a quem podemos chamar de sábio e profundo conhecedor da
fenomenologia mediúnica. Não por acaso são encontradas muitas
comunicações de sua autoria em um capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo e por todo O Livro dos Médiuns.
O capítulo XX, Influência Moral do Médium,
é um destes. Tendo por objetivo aprofundar o conhecimento sobre a
influência moral do médium na produção dos fenômenos espíritas, este
capítulo é rico em informações para os espiritistas. Nele, Kardec
desejava precaver os adeptos do Espiritismo contra o perigo de
subestimar ou superestimar a influência dos médiuns na transmissão dos
despachos de além túmulo.
Ele deve ser estudado atendendo ao sábio conselho dado pelo codificador, quando alerta que “o estudo prévio da teoria é indispensável, se o médium pretende evitar os inconvenientes inseparáveis da falta de experiência” [1]. Aprendemos neste capítulo que não existem médiuns perfeitos na Terra, mas bons médiuns, o que segundo os Espíritos já é muito, pois eles são raros! Até porque,
“O
médium perfeito seria aquele que os maus Espíritos jamais ousassem
fazer uma tentativa de enganar. O melhor é o que, simpatizando somente
com os bons Espíritos, tem sido enganado menos vezes”.
É
importante observar este trecho com atenção. Primeiro, porque não
existe médium infalível. O que nos leva à certeza de que não há
comunicação isenta de falhas, muito menos inquestionável. Segundo,
porque se o melhor médium é o que tem sido enganado menos vezes, como
supor que exista algum ‘intocado’ pelos Espíritos inferiores? Por
exemplo: justamente pelo valor da sua história e da sua importância para
o movimento espírita brasileiro e mundial, supor ser o Chico Xavier
perfeito e isento de falhas seria demonstrar ignorar os mais básicos
princípios do Espiritismo. Condenar uma análise crítica feita sobre
alguma das suas obras psicografadas seria ignorar as insistentes
recomendações feitas por Kardec e principalmente por São Luís quando
afirma que
“Por
mais legítima confiança que vos inspirem os Espíritos [...], há uma
recomendação que nunca seria demais repetir e que deveis ter sempre em
mente ao vos entregardes aos estudos: a de pesar e analisar, submetendo ao mais rigoroso controle da razão TODAS as comunicações que receberdes;
a de não negligenciar, desde que algo vos pareça suspeito, duvidoso ou
obscuro, de pedir as explicações necessárias para formar a vossa
opinião”(Grifos nossos). [2]
A questão 10, do capítulo supracitado é valiosíssima por afirmar que
“Os Espíritos bons permitem que os melhores médiuns sejam às vezes enganados, para que exercitem o seu julgamento e aprendam a discernir o verdadeiro do falso.
Além disso, por melhor que seja um médium, jamais é tão perfeito que
não tenha um lado fraco, pelo qual possa ser atacado. Isso deve
servir-lhe de lição. As comunicações falsas que recebe de quando em
quando são advertências para evitar que se julgue infalível e se torne orgulhoso. Porque o médium que recebe as mais notáveis comunicações não pode se vangloriar mais do que o tocador de realejo, que basta virar a manivela de seu instrumento para obter belas árias”.
É
incrível observar que se a maioria dos médiuns se propusesse a estudar
esta magnífica obra de forma séria e metódica, a prudência teria evitado
que diversas obras de conteúdo duvidoso tivessem sido publicadas, o que
tornaria o movimento espírita brasileiro muito mais sério, respeitado e
livre dos pseudossábios e mistificadores que entravam a sua obra de
emancipação de consciências.
Entretanto,
por mais sublimes e indispensáveis sejam estas informações, não são as
únicas pérolas encontradas neste capítulo. Existe ainda uma advertência
de Erasto com relação às comunicações repletas de ideias heterodoxas, “espiriticamente falando”
que possam vir dos Espíritos e que poderiam ser insinuadas em meio às
coisas boas junto a fatos imaginados, asserções mentirosas, com tamanha
habilidade que poderiam enganar as pessoas de boa fé. Ele ainda estimula
a eliminação sem piedade de toda palavra e toda frase equívoca, conservando-se na comunicação somente o que a lógica aprova ou o que a doutrina já ensinou; afirma que “onde
a influência moral do médium se faz realmente sentir é quando este
substitui pelas suas ideias pessoais aquelas que os Espíritos se
esforçam por lhe sugerir. É quando ele tira da sua própria imaginação, as teorias fantásticas que ele mesmo julga, de boa fé [mas nem sempre], resultar de uma comunicação intuitiva”
(Grifos nossos). Erasto também alerta ser necessário aos dirigentes
espíritas possuírem um tato apurado e uma rara sagacidade para poder
discernir as comunicações verdadeiras e não ferir o amor próprio
daqueles que se permitem iludir com jóias falsas.
É neste momento que ele nos oferece um de seus mais famosos e importantes conselhos:
“Na
dúvida, abstém-te, diz um dos vossos provérbios. Não admitais, pois, o
que não for para vós de evidência inegável. Ao aparecer uma nova
opinião, por menos que vos pareça duvidosa, passai-a pelo crivo da razão e da lógica. O que a razão e o bom senso reprovam rejeitai corajosamente.
MAIS VALE REJEITAR DEZ VERDADES DO QUE ADMITIR UMA ÚNICA MENTIRA, UMA
ÚNICA TEORIA FALSA. Com efeito, sobre essa teoria poderíeis edificar
todo um sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um
monumento construído sobre a areia movediça. Entretanto, se rejeitais hoje certas verdades, porque não estão para vós clara e logicamente demonstradas, logo um fato chocante ou uma demonstração irrefutável virá vos afirmar a sua autenticidade”.
Embora
ela tenha se tornado uma regra de ouro [a frase destacada em
maiúsculo], conforme J. Herculano Pires afirmou, devendo ser
constantemente observada nos trabalhos e estudos espíritas, isolada do
seu contexto ela perde a sua riqueza, o seu caráter especial, ficando
deslocada e nem sempre parecendo justa. Analisemos a sua estrutura.
Primeiro
reencontramos um sábio provérbio: “na dúvida, abstém-te”. Pois quem
nunca duvidou não pode afirmar que encontrou a verdade, que adquiriu a
convicção. O codificador é um belo exemplo de como a dúvida, sem
exageros, conduz à verdade. É valiosíssimo o depoimento de Kardec
encontrado em Obras Póstumas, onde ele afirma que um dos
primeiros resultados das suas observações foi saber que os Espíritos
nada mais são que as almas dos homens, possuindo conhecimentos limitados
à sua condição evolutiva e que por isto as suas opiniões tinham o valor
de uma opinião pessoal, nada mais. Foi esta verdade, compreendida desde
o início que o protegeu de acreditar ingenuamente na infalibilidade dos
Espíritos e de elaborar teorias prematuras com base nos ditados de uns
ou de alguns [5]. Quantas teorias não são construídas dentro desta
perspectiva? Os vários corpos do perispírito, em gritante oposição ao
conceito formulado pelo codificador, a magia, as informações e
afirmações sobre Física Quântica relacionados com o Espiritismo são
alguns exemplos de ‘teorias’ edificadas em informações pessoais dos
Espíritos como se fossem absolutamente verdadeiras. Elas não foram
observadas, analisadas, criticadas, reavaliadas para serem aceitas como
verdades verificadas. Aqui é onde entra a importância da abstenção. Pois
se não possuo a firme convicção oriunda da análise sistemática,
racional e eminentemente lógica e da experiência, como posso supor que
uma determinada informação é verdadeira? Não podemos agir por achismos
dentro do movimento espírita.
Em
segundo lugar encontramos a importância de passar toda opinião, por
menos duvidosa que pareça, pelo crivo da razão e da lógica. Como afirma
Erasto, “é incontestável que, submetendo-se ao cadinho da razão e da lógica todas as observações sobre os Espíritos e todas as suas comunicações, será fácil rejeitar o absurdo e o erro”
[6]. As palavras destacadas dão um valor importantíssimo à citação.
Primeiro porque ressalta a importância de que haja um exame severo sobre
os Espíritos comunicantes e suas comunicações. Segundo por que para
Erasto, quem assim procede, não encontra dificuldades em perceber a
ponta da orelha do mentiroso, do pseudossábio, do fanfarrão. Até porque
estes Espíritos mistificadores podem, fingindo amor e caridade, semear a
desunião e retardar o progresso da humanidade e da Ciência Espírita ao
propagarem seus sistemas absurdos, muitas vezes com a ajuda não só de
médiuns imprevidentes, mas de casas espíritas que se julgam
privilegiadas, ou onde reinam a superstição e a falta de um estudo
sistemático da Codificação. Não é à toa que Herculano Pires escreve que a
“confiança de Kardec na análise racional das comunicações é acertada, mas depende do critério seguro de quem analisa. Por
isso mesmo é conveniente fazer a análise em conjunto e recorrer, no
caso de dúvida, a outras pessoas de reconhecido bom senso. O Espírito
farsante pode influir sobre um indivíduo e sobre um grupo, o que tem
ocorrido com freqüência em virtude da vaidade, da pretensão ou do
misticismo dominante. Comunicações avulsas e até obras mediúnicas
alentadas, evidentemente falsas, têm sido publicadas, aceitas e até
mesmo defendidas por grupos e instituições diversas”. [3]
Terceiro,
após as considerações acima expostas, compreendemos que o conselho do
Erasto visa antes à prudência que o exagero. E isto fica muito claro
quando ele desenvolve seu raciocínio, no fim deste parágrafo, ao afirmar
que se hoje rejeitamos certas verdades, pelo fato de não estarem devidamente demonstradas
amanhã um fato “chocante” poderá afirmar a sua autenticidade. E este é o
ponto chave da sua afirmação, pois se não temos certeza de uma opinião,
como podemos provar a sua autenticidade? Por mais respeitável que seja o
nome que subscreva a comunicação, por mais atraente que seja uma
teoria, só o tempo e uma metodologia de pesquisa adequada poderão provar
que ela está correta. É por isto que não devemos ter medo de rejeitar
uma ideia, sem, no entanto, ignorar que ela pode, se for testada e
averiguada, provar estar certa. Esta observação é confirmada por Kardec
da seguinte forma:
“Se
é certo que a utopia de hoje se torna muitas vezes a verdade de amanhã,
deixemos que o futuro realize a utopia de hoje, mas não enredemos a
Doutrina com princípios, que possam ser considerados quimeras e a tornem
rejeitada pelos homens positivos” [4].
Como
pudemos ver nesta sucinta análise, não é absurdo rejeitar dez verdades
para não ter que aceitar uma mentira porque não estão clara e
logicamente demonstradas. E é justamente por conselhos como estes,
compreendidos em seu contexto, que Kardec considerou Erasto um Espírito
Superior, pois só um poderia ensinar tanto com tão pouco. O estudo das
suas mensagens deve ser obrigatório nas casas espíritas. E diferente de
outros “espíritos famosos” da atualidade, muito verbosos e prolixos, com
suas dezenas de perispíritos e magos, este sim é um ilustre
desconhecido que precisa ser redescoberto!
[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 23ª Ed. SP – LAKE, 2004. Cap. XVII, p. 177
[2] ______. Idem. Cap. XXIV, item 266, p. 236
[3] ______. Idem, ibidem
[4] ______. Obras Póstumas. 14ª Ed. SP, LAKE – 2007. Segunda parte, Dos Cismas, p. 282
[5] ______. Idem, p. 218
[6] ______. O Evangelho segundo o Espiritismo. 61ª Ed. SP – LAKE, 2006. Cap. XXI, item 10, p. 265
Fonte: Blog "Análises Espíritas" - http://analisesespiritas.blogspot.com/2011/08/kardec-e-os-conselhos-de-erasto.html