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quinta-feira, 31 de julho de 2014

[VÍDEO] - Reencarnação na Bíblia - Severino Celestino

Severino Celestino da Silva  possui doutorado em Odontologia pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco (1994). Atualmente é professor associado da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de Odontologia.Atua também na área de teologia-bíblia-religião e tradução de textos sagrados do hebraico para o português. Coordena o grupo de pesquisa intitulado BERESHIT. Atualmente cursa pós-doutorado em Ciências das Religiões na Universidade Metodista de São Paulo.



quarta-feira, 16 de julho de 2014

A conspiração do silêncio em torno do Espiritismo

Por Dora Incontri

Resolvi escrever no meu blog esse desabafo porque é necessário pelo menos que aqui, num terreno meu, e livre, eu possa dizer tudo o que penso e me seja garantida uma escuta honesta.

Há uma conspiração do silêncio de 150 anos em torno do Espiritismo e eu, como militante da ideia emancipadora da Pedagogia Espírita, sofro na pele diariamente esse silenciamento em forma de censura, de boicote, de patrulhamento ideológico, de que aliás, os próprios espíritas, muitas vezes fazem parte, por medo, covardia e por falta de entendimento do que o Espiritismo representa.

Kardec foi banido da cultura do século XIX, juntamente com todos os que o sucederam em pesquisas sérias a respeito dos fenômenos espíritas, como Crookes, Geley, Lodge, Zöllner, Lombroso, Conan Doyle e tantos outros. Se estes continuam a ser respeitados nos domínios do conhecimento cientifico em que se destacaram – as biografias, os artigos científicos, a divulgação de seus nomes omitem sutilmente que eles tenham se envolvido com esse modismo ultrapassado do século XIX e início do século XX.

É evidente que se entendermos o Espiritismo como mais uma religião, piegas, retrógrada, desatualizada em relação aos avanços do pensamento contemporâneo, enfim uma ideia ultrapassada do século XIX, não há como não manter um desprezo em relação a essa corrente de pensamento, a Kardec e a tudo o que vem com o qualificativo de espírita. E quando se silenciam os cientistas que pesquisaram e os pensadores que filosofaram é o que vai ficar mesmo do Espiritismo. Porque é verdade que o movimento espírita no Brasil muitas vezes apresenta exatamente esse perfil, movido por um mercado editorial altamente comercial, que publica majoritariamente hoje livrinhos de autoajuda e romances sem nenhuma consistência literária ou filosófica.

Então, para as pessoas que guardam essa imagem do Espiritismo, não adianta eu falar que fiz minha tese sobre Pedagogia Espírita na USP, patrocinada pelo CNPq; não adianta explicar que temos uma proposta de inter-religiosidade; não adianta fazer 5 magníficos congressos brasileiros de Pedagogia Espírita e dois inesquecíveis congressos internacionais de Educação e Espiritualidade, colocando a Pedagogia Espírita em pé de igualdade com outras pedagogias, em diálogo com elas, como a Waldorf, a de Paulo Freire, a de Montessori, a anarquista e tantas outras, que foram representadas nesses congressos!

Não adianta um trabalho sacrificial de 10 anos de ABPE e 16 de Editora Comenius justamente tentando resgatar o próprio Espiritismo como uma proposta cultural, como uma espiritualidade universalista, como um pensamento progressista e atual, filosófica e cientificamente consistente!

O que acontece? Tivemos eu e o Alessandro Cesar Bigheto um livro de Filosofia para o ensino médio avaliado duas vezes por ineletctualóides patrulheiros de uma universidade pública, para entrar como livro a ser adotado pelo governo para as escolas públicas. E qual a primeira objeção feita ao livro (o que dá para perceber que o restante é procura de pelo em ovo!)? É que em 400 páginas, mencionamos uma vez o nome de Kardec, como um pensador do século XIX. Mas mencionamos também Dalai Lama, Leonardo Boff, Confúcio, Lao Tsé, Madre Teresa de Calcutá – porque o livro é interdisciplinar e plural e pretende dialogar com várias árias e correntes. Mas como mencionamos uma vez Kardec, é proselitista! E estamos fora do programa do governo.

Essa postura vem de fora, dos não-espíritas, acadêmicos, que vivem em seus feudos dogmáticos (marxistas, freudianos, lacanianos, piagetianos……) que sentem um absoluto desprezo pelo pensamento espírita e nem sequer se dão ao trabalho de pesquisar e ver que existem intelectuais dignos que defendem essa corrente. Podem aceitar um Leonardo Boff, que nunca deixou de ser católico. Aceitam um Rubem Alves, que tem suas raízes protestantes. Mas torcem o nariz para um Herculano Pires ou para uma Dora Incontri.

Eu já presenciei uma banca da Unicamp brigar na minha frente se eu deveria ser aceita ou não num concurso de professores, pelo fato de eu ter como um dos meus objetos de pesquisa o Espiritismo. E eu já era doutora e pós-doutora pela USP. Obviamente não passei no concurso e em nenhum outro. Mas claro que, como em todo processo de discriminação, seja com negros, mulheres, homossexuais, a coisa é velada. Se forem indagados, os examinadores dirão que havia melhores candidatos, etc.

E quando vamos divulgar nossos eventos? Já o tema de espiritualidade encontra resistência! Mas se sabem que é a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita que está promovendo um evento, mesmo que não tenha nada a ver com o Espiritismo, qualquer divulgação nos meios de comunicação nos é vedada. Mas não ocorre o mesmo se há um evento na PUC (que é católica) ou na Universidade Mackenzie (que é presbiteriana).

Para esse patrulhamento ideológico, para que os espíritas não tenham uma voz na sociedade – digo uma voz consistente e respeitada, no pensamento acadêmico, nos meios de comunicação e não aparecer com ideias chinfrins que nem espíritas são, como crianças índigo em novela da Globo – unem-se ateus, marxistas, evangélicos, católicos… todos excluem o espiritismo e se negam terminantemente a nos dar uma voz.

Mas o pior não é isso! Os próprios espíritas assumem esse papel, de calar outros espíritas que estejam trabalhando para marcar um espaço de atuação do Espiritismo na sociedade, a partir de uma visão progressista, plugada no mundo.

Quando entrei com minha tese sobre Pedagogia Espírita na USP, depois de 5 anos de tentativas, quem me ajudou foi um católico e uma judia. Professores titulares espíritas, a quem eu havia pedido para serem meus orientadores, fugiram da raia. Felizmente, honrei a confiança com que esses professores me ajudaram e minha pesquisa foi financiada pelo CNPq, tendo todos os relatórios aprovados, sem nenhum reparo. Não estou dizendo isso para me gabar, mas apenas para pontuar que o trabalho tinha respaldo e coerência.

Veja-se outra experiência nossa: pessoas amigas, espíritas, que frequentam nossos eventos, e nos elogiam e usam nossos materiais, promovem eventos grandes e pequenos de educação e não nos convidam. Outros fazem projetos, diálogos, reportagens, que contam com nosso apoio, e não nos mencionam.

E o que eu já tive de ouvir de inúmeras pessoas, inclusive próximas, amigas, parceiras, que me aconselharam a não usar o nome espírita na Pedagogia que propomos! Então, em vez de vencer o preconceito e quebrar o boicote, devemos ceder? Esconder a nossa identidade? Ou estão os próprios espíritas convencidos de que o Espiritismo é um discurso atrasado, um positivismo do século XIX ou uma ingenuidade filosófica?

Isso para não mencionar o movimento institucional espírita que também nos discrimina. Aí não é por sermos espíritas, mas por sermos críticos de um espiritismo excessivamente religioso, que perdeu a sua identidade cultural e filosófica. Ou porque adotamos posturas questionadoras e emancipadas, embora justamente por isso sejamos leais a Kardec e à sua proposta. Mas não somos chamados para o diálogo. A conspiração do silêncio também se manifesta aí.

Todo esse silenciamento e esse boicote tem consequências práticas muito óbvias: a dificuldade de nos mantermos financeiramente e levarmos adiante a proposta. Hoje, mata-se uma ideia, deixando-a à míngua de recursos financeiros. E a conspiração do silêncio têm essa função. Mas vamos resistindo com a ajuda dos que nos compreendem.

Será que estamos falando grego, perguntou uma querida amiga minha? Será que não dá para entender que estamos falando a partir de um lugar? O lugar é o Espiritismo compreendido como um projeto cultural, filosófico e sobretudo pedagógico, que tem direito à cidadania acadêmica, que tem representatividade social para aparecer na mídia, que tem consistência teórica para dialogar com outras correntes de ideias! Que a Pedagogia Espírita caminha em diálogo com as pedagogias mais avançadas da atualidade (quem promoveu um congresso para mostrar isso fomos nós mesmos, mas os que participaram e gostaram e se beneficiaram dessa participação, nem sempre reconhecem nosso valor)! Não dá para notar que não queremos doutrinar ninguém no Espiritismo, tanto que em nossos congressos falam pessoas de todas as religiões, budistas, islâmicas, judeus, afro-brasileiros e também marxistas e ateus?… E ao fazer isso, estamos justamente seguindo a proposta de Kardec, que dizia que a verdade está em toda parte? Quem tem essa postura plural em nossa sociedade? As universidades não têm! As religiões não têm. E nós temos e não somos respeitados e valorizados por isso! Obviamente que há pessoas e grupos que reconhecem nosso trabalho e nos apoiam! Não quero parecer ingrata com esses. Mas o boicote é grande.

Enfim, desabafo aqui, apenas para desabafar, porque o silêncio provavelmente deve continuar. Por isso, grito: Temos o direito de ser, de existir e de marcar um território de influência na sociedade.

Fonte: http://doraincontri.com/2014/07/14/a-conspiracao-do-silencio-em-torno-do-espiritismo/

sábado, 12 de julho de 2014

Primeiras lições de moral da infância

Por Allan Kardec

De todas as chagas morais da Sociedade, parece que o egoísmo é a mais difícil de desarraigar. Com efeito, ela o é tanto mais quanto mais é alimentada pelos próprios hábitos da educação. Parece que se toma a tarefa de excitar, desde o berço, certas paixões que mais tarde tornam-se uma segunda natureza. E admiram-se dos vícios da Sociedade, quando as crianças o sugam com o leite. Eis um exemplo que, como cada um pode julgar, pertence mais à regra do que à exceção.

Numa família de nosso conhecimento há uma menina de quatro a cinco anos, de uma inteligência rara, mas que tem os pequenos defeitos das crianças mimadas, isto é, é um pouco caprichosa, chorona, teimosa, e nem sempre agradece quando lhe dão qualquer coisa, o que os pais cuidam bem de corrigir, porque fora esses defeitos, segundo eles, ela tem um coração de ouro, expressão consagrada. Vejamos como eles se conduzem para lhe tirar essas pequenas manchas e conservar o ouro em sua pureza.

Um dia trouxeram um doce à criança e, como de costume, lhe disseram: “Tu o comerás se fores boazinha”. Primeira lição de gulodice. Quantas vezes, à mesa, não dizem a uma criança que não comerá tal petisco se chorar. “Faze isto, ou faze aquilo”, dizem, “e terás creme” ou qualquer outra coisa que lhe apeteça, e a criança se constrange, não pela razão, mas em vista de satisfazer a um desejo sensual que aguilhoam.

É ainda muito pior quando lhe dizem, o que não é menos frequente, que darão o seu pedaço a uma outra. Aqui já não é só a gulodice que está em jogo, é a inveja. A criança fará o que lhe dizem, não só para ter, mas para que a outra não tenha. Querem dar-lhe uma lição de generosidade? Então lhe dizem: “Dá esta fruta ou este brinquedo a fulaninho”. Se ela recusa, não deixam de acrescentar, para nela estimular um bom sentimento: “Eu te darei um outro”, de modo que a criança não se decide a ser generosa senão quando está certa de nada perder.

Certo dia testemunhamos um fato bem característico neste gênero. Era uma criança de cerca de dois anos e meio, a quem tinham feito semelhante ameaça, acrescentando: “Nós o daremos ao teu irmãozinho, e tu ficarás sem nada.” Para tornar a lição mais sensível, puseram o pedaço no prato do irmãozinho, que levou a coisa a sério e comeu a porção. À vista disso, o outro ficou vermelho e não era preciso ser nem o pai nem a mãe para ver o relâmpago de cólera e de ódio que partiu de seus olhos. A semente estava lançada: poderia produzir bom grão?

Voltemos à menina, da qual falamos. Como ela não se deu conta da ameaça, sabendo por experiência que raramente a cumpriam, desta vez foram mais firmes, pois compreenderam que era necessário dominar esse pequeno caráter, e não esperar que com a idade ela adquirisse um mau hábito. Diziam que é preciso formar cedo as crianças, máxima muito sábia e, para a pôr em prática, eis o que fizeram: “Eu te prometo, disse a mãe, que se não obedeceres, amanhã cedo darei o teu bolo à primeira menina pobre que passar.” Dito e feito. Desta vez queriam manter a promessa e dar-lhe uma boa lição. Assim, no dia seguinte, de manhã, tendo visto uma pequena mendiga na rua, fizeram-na entrar e obrigaram a filha a tomá-la pela mão e ela mesma lhe dar o seu bolo. Então elogiaram a sua docilidade. Moral da história: A filha disse: “Se eu soubesse disto teria me apressado em comer o bolo ontem.” E todos aplaudiram esta resposta espirituosa. Com efeito, a criança tinha recebido uma forte lição, mas de puro egoísmo, da qual não deixará de aproveitar-se uma outra vez, pois agora sabe quanto custa a generosidade forçada. Resta saber que frutos dará mais tarde esta semente quando, com mais idade, a criança fizer a aplicação dessa moral em coisas mais sérias que um bolo.

Sabe-se todos os pensamentos que este único fato pode ter feito germinar nessa cabecinha? Depois disto, como querem que uma criança não seja egoísta quando, em vez de nela despertar o prazer de dar e de lhe representar a felicidade de quem recebe, impõem-lhe um sacrifício como punição? Não é inspirar aversão ao ato de dar e àqueles que necessitam?

Outro hábito, igualmente frequente, é o de castigar a criança mandando-a comer na cozinha com os criados. A punição está menos na exclusão da mesa do que na humilhação de ir para a mesa dos serviçais. Assim se acha inoculado, desde a mais tenra idade, o vírus da sensualidade, do egoísmo, do orgulho, do desprezo aos inferiores, das paixões, numa palavra, que com razão são consideradas como as chagas da Humanidade.

É preciso ser dotado de uma natureza excepcionalmente boa para resistir a tais influências, produzidas na idade mais impressionável, na qual não podem encontrar o contrapeso nem da vontade, nem da experiência. Assim, por pouco que aí se ache o germe das más paixões, o que é o caso mais ordinário, dada a natureza da maioria dos Espíritos que se encarnam na Terra, ele não pode deixar de desenvolver-se sob tais influências, ao passo que seria preciso observar-lhe os menores traços para reprimi-los.

A falta, sem dúvida, é dos pais, mas é preciso dizer que muitas vezes estes pecam mais por ignorância do que por má vontade. Em muitos há, incontestavelmente, uma culposa despreocupação, mas em muitos outros a intenção é boa, no entanto, é o remédio que nada vale, ou que é mal aplicado.

Sendo os primeiros médicos da alma de seus filhos, os pais deveriam ser instruídos, não só de seus deveres, mas dos meios de cumpri-los. Não basta ao médico saber que deve procurar curar, é preciso saber como agir. Ora, para os pais, onde estão os meios de instruir-se nesta parte tão importante de sua tarefa? Hoje dá-se muita instrução à mulher; fazem-na passar por exames rigorosos, mas algum dia foi exigido da mãe que soubesse como fazer para formar o moral de seu filho? Ensinam-lhe receitas caseiras, mas foi iniciada aos mil e um segredos de governar os jovens corações?

Os pais, portanto, são abandonados sem guia à sua iniciativa. É por isto que tantas vezes seguem caminhos errados. Assim recolhem, nos erros dos filhos já crescidos, o fruto amargo de sua inexperiência ou de uma ternura mal compreendida, e a Sociedade inteira lhes recebe o contragolpe.

Considerando-se que o egoísmo e o orgulho são reconhecidamente a fonte da maioria das misérias humanas; que enquanto eles reinarem na Terra não se pode esperar nem paz, nem caridade, nem fraternidade, então é preciso atacá-los no estado de embrião, sem esperar que fiquem vivazes.

Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem dúvida nenhuma, e não hesitamos em dizer que ele é o único suficientemente poderoso para fazê-lo cessar, pelo novo ponto de vista com o qual ele permite perceber a missão e a responsabilidade dos pais; dando a conhecer a fonte das qualidades inatas, boas ou más; mostrando a ação que se pode exercer sobre os Espíritos encarnados e desencarnados; dando a fé inquebrantável que sanciona os deveres; enfim, moralizando os próprios pais. Ele já prova sua eficácia pela maneira mais racional empregada na educação das crianças nas famílias verdadeiramente espíritas. Os novos horizontes que abre o Espiritismo fazem ver as coisas de outra maneira. Sendo o seu objetivo o progresso moral da Humanidade, ele forçosamente deverá iluminar o grave problema da educação moral, primeira fonte da moralização das massas. Um dia compreender-se-á que este ramo da educação tem seus princípios, suas regras, como a educação intelectual, numa palavra, que é uma verdadeira ciência. Talvez um dia, também, será imposta a toda mãe de família a obrigação de possuir esses conhecimentos, como se impõe ao advogado a de conhecer o Direito.

(Revista Espírita, fevereiro de 1864)

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Movimento e Pesquisas Espíritas

Por Carlos Antônio de Barros

Muita gente em nosso meio acredita que a Doutrina Espírita esteja pronta e acabada. Assim pensa os espíritas religiosos. Logo, não tem porquê nem para quê acrescentar algo mais em nome da Ciência.

A palavra "inacabada", contudo, soa como herética aos ouvidos dos espíritas religiosos que acham não ter mais o que estudar e pesquisar, em face do "complemento definitivo" feito com os livros psicografados por Chico Xavier sob a orientação do seu orientador espiritual, Emmanuel.

Os espíritas que simpatizam com o aspecto científico da Doutrina não se conformam com a ideia de segui-la no formato "igrejificado", respingada de dogmas e atavismos teológicos que a deixa obscurecida pela fé cega.

Esta pendenga doutrinária, infelizmente, acabou dividindo o movimento em grupos que, soberbamente, classificam Allan Kardec como "superado" e que decidiram pesquisar a Bíblia para explicar o Espiritismo, com o propósito de trazer "novas luzes" para O Evangelho Segundo o Espiritismo.

Os espíritas filosóficos - aqueles que se autodenominal de "livres pensadores", correm por fora de todo esse imbróglio preservando-se de atritos e contendas inúteis.

Alguns desses filósofos, evidentemente, admiram a sede conhecimentos dos espíritas científicos e pretendem dividir com estes as pesquisas que o Espiritismo "inacabado" tanto reclama.

Grupos, núcleos e associações espíritas estão se mobilizando em todo o País, implementando projetos para formar novos pesquisadores imbuídos do espírito perspicaz e investigativo de Kardec. Não se sabe ao certo se os projetos vão tomar a dimensão desejada e encontrar respostas em meio a tantas questões que permeiam o complexo campo da Ciência Espírita.

O saudoso e respeitado pesquisador paulista, José Herculano Pires (1914-1979), refere-se à Epistemologia Espírita - Estudo Crítico do Conhecimento Científico à Luz do Espiritismo, como indispensável à sua compreensão.

Segundo Herculano Pires, Kardec examina a posição epistemológica do Espiritismo na "Introdução do Estudo da Doutrina", que abre O Livro dos Espíritos. Resta saber, portanto, quem se interessou e leu essa relevante introdução.

Um texto que a maioria dos espíritas acha chato porque não traz nenhuma revelação dos mais sombrios umbrais ou alguma curiosidade sobre a colônia Nosso lar.

Lembrando: a posição epistemológica do Espiritismo não pode ser modificada a bel prazer dos espíritas entusiasmados com o seu pseudo-saber.

Fonte: Kardec Ponto Com

segunda-feira, 7 de julho de 2014

[VÍDEO] - Animais no mundo espiritual

Da Allan Kardec TV

Sérgio Aleixo responde: Há animais no mundo espiritual?

A Razão do Espiritismo

Por Michel Bonnamy

Juiz de instrução; membro dos congressos científicos de França; antigo membro do conselho geral de Tarn-et-Garonne. 

Quando apareceu o romance Mirette, os Espíritos disseram estas palavras notáveis na Sociedade de Paris:

“O ano de 1866 apresenta a filosofia nova sob todas as formas; mas ainda é a haste verde que encerra a espiga de trigo, e para mostrá-la espera que o calor da primavera a tenha feito amadurecer e entreabrir-se. 1866 preparou, 1867 amadurecerá e realizará. O ano se inicia sob os auspícios de Mirette e não se escoará sem ver aparecerem novas publicações do mesmo gênero, e ainda mais sérias, no sentido que o romance far-se-á Filosofia e a Filosofia far-se-á História.” (Revista, fevereiro de 1867).

Antes já haviam dito que se preparavam diversas obras sérias sobre a filosofia do Espiritismo, nas quais o nome da Doutrina não seria timidamente dissimulado, mas em altas vozes confessado e proclamado por homens cujo nome e posição social dariam peso à sua opinião; e acrescentaram que o primeiro apareceria provavelmente pelo fim do corrente ano.

A obra que anunciamos realiza completamente esta previsão. É a primeira publicação deste gênero na qual a questão é encarada em todas as suas partes e em toda a sua grandeza. Pode-se dizer, então, que ela inaugura uma das fases da existência do Espiritismo. O que a caracteriza é que não é uma adesão banal aos princípios da Doutrina, uma simples profissão de fé, mas uma demonstração rigorosa, onde os adeptos, eles próprios, encontrarão novas ideias. Lendo essa argumentação densa, levada, se assim se pode dizer, até a minúcia, e por um encadeamento lógico das ideias, perguntaremos, por certo, por que estranha extensão do vocábulo poderíamos aplicar ao autor o epíteto de louco. Se ele é um louco que assim discute, poderemos dizer que às vezes os loucos tapam a boca dos que se dizem sábios. É uma defesa em regra, onde se reconhece o advogado que quer reduzir a réplica aos seus últimos limites; mas aí reconhecemos, também, aquele que estudou sua causa seriamente e a perscrutou nos seus mais minuciosos detalhes. O autor não se limita a emitir a sua opinião: ele a fundamenta e dá a razão de ser de cada coisa. É justamente por isso que ele intitulou seu livro A Razão do Espiritismo.

Publicando essa obra, sem disfarçar a sua personalidade com o menor véu, o autor prova que tem a verdadeira coragem de sua opinião, e o exemplo que dá é um tributo ao reconhecimento de todos os espíritas. O ponto de vista em que se colocou é principalmente o das consequências filosóficas, morais e religio­sas, aquelas que constituem o objetivo essencial do Espiritismo e dele fazem uma obra humanitária.

Ademais, eis como ele se expressa no prefácio.

“Está nas vicissitudes das coisas humanas, ou melhor, parece fatalmente reservado a toda ideia nova, ser mal acolhida ao seu aparecimento. Como, na maioria das vezes, ela tem por missão derrubar ideias que a precederam, encontra uma resistência muito grande da parte do entendimento humano.

“O homem que viveu com os preconceitos não acolhe senão com desconfiança a recém-chegada, que tende a modificar, mesmo a destruir combinações e ideias estratificadas em seu espírito, a forçá-lo, numa palavra, a novamente pôr mãos à obra, para correr atrás da verdade. Além disto, ele se sente humilhado em seu orgulho, por ter vivido no erro.

“A repulsa que a ideia nova inspira é muito mais acentuada ainda quando traz consigo obrigações, deveres; quando impõe uma linha de conduta mais severa.

“Ela encontra, enfim, ataques sistemáticos, ardentes, encarniçados, quando ameaça posições estabelecidas, e sobretudo quando se acha em face do fanatismo ou de opiniões profundamente arraigadas na tradição dos séculos.

“As doutrinas novas, assim, têm sempre numerosos detratores; muitas vezes elas têm mesmo que sofrer perseguição, o que levou Fontenelle a dizer que ‘se tivesse todas as verdades na mão, teria o cuidado de não abri-la.’

“Tais eram o desfavor e os perigos que esperavam o Espiritismo ao seu aparecimento no mundo das ideias. Os insultos, a troça, a calúnia não lhe foram poupados, e talvez venha também o dia da perseguição. Os adeptos do Espiritismo foram chamados iluminados, alucinados, simplórios, loucos, e a esse fluxo de epítetos que, entretanto, pareciam contradizer-se e excluir-se, acrescentaram os de impostores, de charlatães, de emissários de Satã, enfim.

“A qualificação de louco é a que parece mais especialmente reservada a todo promotor ou propagador de ideias novas. É assim que trataram de louco o primeiro que disse que a Terra gira em torno do Sol.

“Também era louco o célebre navegador que descobriu um novo mundo. Ainda era louco, para o areópago da Ciência, aquele que descobriu a força do vapor. E a douta assembleia acolheu com um sorriso desdenhoso a sábia dissertação de Franklin sobre as propriedades da eletricidade e a teoria do para-raios.

“Ele também não foi tratado de louco, o divino regenerador da Humanidade, o reformador autorizado da lei de Moisés? Não expiou por um suplício ignominioso a inoculação na Terra dos benefícios da moral divina?

“Galileu não expiou como herético, num sequestro cruel e pelas mais amargas perseguições morais, a glória de ter sido o primeiro a ter a iniciativa do sistema planetário cujas leis Newton devia promulgar?

“São João Batista, o precursor do Cristo, também tinha sido sacrificado por vingança dos culpados cujos crimes verberava.

“Os apóstolos, depositários dos ensinamentos do divino Messias, tiveram que selar com sangue a santidade de sua missão. E a religião reformada, por sua vez, não foi perseguida e, após os massacres de São Bartolomeu, não teve que sofrer as dragonadas?

“Enfim, remontando até o ostracismo inspirado por outras paixões, vemos Aristides exilado e Sócrates condenado a beber cicuta.

“Sem dúvida, graças aos costumes suaves que caracterizam o nosso século, sob o império de nossas instituições e das luzes que freiam a intolerância fanática, as fogueiras não mais se erguerão para purificar com suas chamas as doutrinas espíritas, cuja paternidade pretendem fazer remontar a Satã. Mas elas devem esperar, também elas, um levante dos mais hostis e ataques de ardentes adversários.

“Contudo, este estado militante não poderia enfraquecer a coragem daqueles que são animados por uma convicção profunda, dos que têm a certeza de ter nas mãos uma dessas verdades fecundas que constituem, em seus desdobramentos, um grande benefício para a Humanidade.

“Mas, seja qual for o antagonismo às ideias ou às doutrinas que o Espiritismo suscitar; sejam quais forem os perigos que ele deva abrir sob os passos dos adeptos, o espírita não poderia deixar essa luz sob o alqueire e se recusar a dar-lhe todo o brilho que ela comporta, o apoio de suas convicções e o testemunho sincero de sua consciência.

“O Espiritismo, revelando ao homem a economia de sua organização, iniciando-o no conhecimento de seu destino, abre um campo imenso às suas meditações. Assim, o filósofo espírita chamado a levar suas investigações a esses novos e esplêndidos horizontes, só tem por limite o infinito. De certo modo, ele assiste ao conselho supremo do Criador. Mas o entusiasmo é o escolho que ele deve evitar, sobretudo quando lança suas vistas sobre o homem, que se tornou tão grande e que, entretanto, orgulhosamente se faz tão pequeno. Não é senão esclarecido pelas luzes de uma prudente razão e tomando como guia a fria e severa lógica que ele deve dirigir as peregrinações no domínio da ciência divina, cujo véu foi erguido pelos Espíritos.

“Este livro é o resultado de nossos próprios estudos e de nossas meditações sobre este assunto que desde o princípio nos pareceu de uma importância capital, e de consequências da mais alta gravidade. Reconhecemos que estas ideias têm raízes profundas e nelas entrevimos a aurora de uma era nova para a Sociedade. A rapidez com que elas se propagam é um indício de sua próxima admissão entre as crenças aceitas. Em razão de sua própria importância, não nos contentamos com afirmações e argumentos da doutrina; não só nos asseguramos da realidade dos fatos, mas perscrutamos com minuciosa atenção os princípios deles decorrentes. Buscamos a sua razão com uma fria imparcialidade, sem negligenciar o estudo não menos consciencioso das objeções que opõem os antagonistas. Como um juiz que escuta as duas partes, pesamos maduramente os pró e os contra. É, pois, depois de haver adquirido a convicção que as alegações contrárias nada destroem; que a Doutrina repousa em bases sérias, numa lógica rigorosa, e não em devaneios quiméricos; que ela contém o gérmen de uma renovação salutar do estado social surdamente minado pela incredulidade; que é, enfim, uma poderosa barreira contra a invasão do materialismo e da desmoralização, que julgamos dever dar nossa apreciação pessoal, e as deduções que tiramos de um estudo atento.

“Assim, tendo encontrado uma razão de ser para os princípios desta nova ciência que vem tomar um lugar entre os conhecimentos humanos, intitulamos nosso livro A Razão do Espiritismo [1]. Este título é justificado pelo ponto de vista sob o qual encaramos o assunto, e aqueles que nos lerem reconhecerão sem esforço que este trabalho não é produto de um entusiasmo inconsiderado, mas um exame refletido maduramente e friamente.

“Estamos convictos que qualquer pessoa sem ideia preconcebida de oposição sistemática que fizer, como nós fizemos, um estudo consciencioso da Doutrina Espírita, considerá-la-á como uma das coisas que interessam no mais alto grau ao futuro da Humanidade.

“Dando a nossa adesão a essa doutrina, usamos do direito de liberdade de consciência que a ninguém pode ser contestado, seja qual for a sua crença. Com mais forte razão, esta liberdade deve ser respeitada quando tem por objetivo princípios da mais alta moralidade, que conduzem os homens à prática dos ensinamentos do Cristo e, por isso mesmo, são a salvaguarda da ordem social.

“O escritor que consagra sua pena a traçar a impressão que tais ensinamentos deixaram no santuário de sua consciência, deve guardar-se bem de confundir as elucubrações brotadas no seu horizonte terrestre com os raios luminosos que partiram do Céu. Se ele limitar-se aos pontos obscuros ou ocultos às suas explicações, pontos que ainda não lhe é dado conhecer, é que, aos olhos da sabedoria divina, eles ficam reservados para um grau superior na escala ascendente de sua depuração progressiva e de sua perfectibilidade.

“Não obstante, apressemo-nos em dizê-lo, todo homem convicto e consciencioso, consagrando suas meditações à difusão de uma verdade profunda para a felicidade da Humanidade, molha a pena na atmosfera celeste, onde nosso globo está imerso, e recebe incontestavelmente a centelha da inspiração.”



A indicação do título dos capítulos dará a conhecer o quadro abarcado pelo autor.

1. Definição do Espiritismo. ─ 2. Princípio do bem e do mal. 3. União da alma com o corpo. ─ 4. Reencarnação. ─ 5. Fre­nologia. ─ 6. Do pecado original. ─ 7. O inferno. ─ 8. Missão do Cristo. ─ 9. O purgatório. ─ 10. O Céu. ─ 11. Pluralidade dos globos habitados. ─ 12. A caridade. ─ 13. Deveres do homem. ─ 14. Perispírito. ─ 15. Necessidade da revelação. ─ 16. Oportunidade da revelação. ─ 17. Os anjos e os demônios. ─ 18. Os tempos preditos. ─ 19. A prece. ─ 20. A fé. ─ 21. Resposta aos insultadores. ─ 22. Resposta aos incrédulos, ateus e materialistas. ─ 23. Apelo ao clero.

Lamentamos que a falta de espaço não nos permita reproduzir tantas passagens quantas desejaríamos. Limitar-nos-emos a algumas citações.



Cap. III, pág. 41. ─ “A utilidade recíproca e indispensável da alma e do corpo para sua cooperação respectiva constitui, pois, a razão de ser de sua união. Ela constitui a mais, para o espírito, as condições militantes na via do progresso, onde está chamado a conquistar sua personalidade intelectual e moral.

“Como esses dois princípios realizam normalmente, no homem, o fim de sua destinação? Quando o espírito é fiel às suas aspirações divinas, restringe os instintos animais e sensuais do corpo e os reduz à sua ação providencial na obra do Criador; desenvolve-se, cresce. É a perfeição da própria obra que se realiza. Ela chega à felicidade, cujo último termo é inerente ao grau supremo da perfectibilidade.

“Se, ao contrário, abdicando a soberania que é chamado a exercer sobre o corpo, ele cede ao arrastamento dos sentidos, e se aceita suas condições de prazeres terrestres como único objetivo de suas aspirações, falseia a razão de ser de sua existência e, longe de realizar os seus destinos, fica estacionário; ligado a esta vida terrestre que, entretanto, não deveria ter sido para ele senão uma condição acessória, porquanto não poderia ser o seu fim, o Espírito, de chefe que era, torna-se subordinado; como insensato, aceita a felicidade terrena que os sentidos lhe permitem experimentar e que lhe propõem satisfazer, assim nele abafando a intuição da felicidade verdadeira que lhe está reservada. Eis a sua primeira punição.”

No capítulo VII, do inferno, pág. 99, encontramos esta notável apreciação da morte e dos flagelos destruidores: 

“Seria enumerando os flagelos que espalham sobre a Terra o terror e o espanto, o sofrimento e a morte, que acreditariam poder dar a prova das manifestações da cólera divina?

“Sabei, pois, temerários evocadores das vinganças celestes, que os cataclismos que assinalais, longe de ter o caráter exclusivo de um castigo infligido à Humanidade, são, ao contrário, um ato da misericórdia divina, que fecha a esta o abismo onde a precipitavam suas desordens, e lhe abre as vias do progresso que deve levá-la ao caminho que ela deve seguir para assegurar a sua regeneração.

“Que são esses cataclismos, senão uma nova fase na existência do homem, uma era feliz, marcando para os povos e a Humanidade inteira o ponto providencial de seu adiantamento?

“Sabei, pois, que a morte não é um mal. Farol da existência do Espírito, ela é sempre, porquanto vem de Deus, o sinal de sua misericórdia e de sua assistência benevolente. A morte não é senão o fim do corpo, o termo de uma encarnação, e nas mãos de Deus, é o aniquilamento de um meio corruptor e vicioso, a interrupção de uma corrente funesta, à qual, num momento solene, a Providência arranca o homem e os povos.

“A morte não é senão um tempo de interrupção na prova terrestre. Longe de prejudicar o homem, ou melhor, o Espírito, ela o chama para recolher-se no mundo invisível, quer para reconhecer suas faltas e lamentá-las, quer para esclarecer-se e se preparar, por firmes e salutares resoluções, para retomar a prova da vida terrestre.

“A morte não gela o homem de pavor, a não ser que, muito identificado à Terra, ele não tenha fé em seu augusto destino, do qual a Terra não é senão a dolorosa oficina onde se deve realizar a sua depuração.

“Cessai, pois, de crer que a morte seja um instrumento de cólera e de vingança nas mãos de Deus; sabei, ao contrário, que ela é ao mesmo tempo a expressão de sua misericórdia e de sua justiça, seja detendo o mau na via da iniquidade, seja abreviando o tempo de provas ou de exílio do justo sobre a Terra.

“E vós, ministros do Cristo, que do alto da cátedra da verdade proclamais a cólera e a vingança de Deus, e pareceis, por vossas eloquentes descrições da fantástica fornalha, atiçar as suas chamas inextinguíveis para devorar o infeliz pecador; vós que, de vossos lábios tão autorizados, deixais cair esta aterradora epígrafe: ‘Jamais! ─ Sempre!’ esquecestes as instruções de vosso divino Mestre?” 

Citaremos, ainda, as passagens seguintes, extraídas do capítulo sobre o pecado original: 

“Em vez de criar a alma perfeita, quis Deus que não fosse senão por longos e constantes esforços que ela chegasse a se desprender deste estado de inferioridade nativa, e gravitar para seus augustos destinos.

“Para chegar a esses fins, tem ela, pois, que romper os laços que a prendem à matéria, resistir ao arrastamento dos sentidos, com a alternativa de sua supremacia sobre o corpo, ou da obsessão exercida sobre ela pelos instintos animais.

“É desses laços terrestres que cabe a ela libertar-se, e que nela constituem as condições de sua inferioridade. Eles não são outra coisa além do pretenso pecado original, o alvéolo que cobre a sua essência divina. O pecado original constitui, assim, o ascendente primitivo que os instintos animais devem ter exercido, de início, sobre as aspirações da alma. Tal é o estado do homem que o Gênesis quis representar sob a figura simples da árvore da ciência do bem e do mal. A intervenção da serpente tentadora não é outra coisa senão os desejos da carne e a solicitação dos sentidos. O Cristianismo consagrou esta alegoria como um fato real, ligando-se à existência do primeiro homem, e é sobre esse fato que baseou o dogma da redenção.”

“Colocado neste ponto de vista, é preciso reconhecê-lo, o pecado original deve ter sido, e com efeito foi, o de toda a posterioridade do primeiro homem, e assim o será durante uma longa série de séculos, até a libertação completa do Espírito da constrição da matéria, libertação que sem dúvida tende a se realizar, mas que ainda não se fez em nossos dias.

“Numa palavra, o pecado original constitui as condições da natureza humana carregando os primeiros elementos de sua existência, com todos os vícios que ela engendrou.

“O pecado original é o egoísmo e o orgulho, que presidem a todos os atos da vida do homem;

“É o demônio da inveja e do ciúme, que roem o seu coração;

“É a ambição que perturba o seu sono;

“É a cupidez, que não pode saciar a avidez de lucro;

“É o amor e a sede de ouro, este elemento indispensável para dar satisfação a todas as exigências do luxo, do conforto, do bem-estar, que persegue o século com tanto ardor.

“Eis o pecado original proclamado pelo Gênesis, que o homem sempre ocultou em si; ele não será apagado senão no dia em que, compenetrado de seus altos destinos, o homem abandonar, conforme a lição do bom La Fontaine, a sombra pela presa; no dia em que renunciar à miragem da felicidade terrena, para voltar todas as suas aspirações para a felicidade real que lhe está reservada.

“Que o homem aprenda, pois, a se tornar digno de seu título de chefe entre todos os seres criados, e da essência etérea emanada do próprio seio de seu criador, da qual ele foi forjado. Que seja forte para lutar contra as tendências de seu envoltório terreno, cujos instintos são estranhos às suas aspirações divinas e não poderiam constituir sua personalidade espiritual; que seu objetivo único seja sempre gravitar para a perfeição de seu último fim, e o pecado original não mais existirá para ele.” 

O Sr. Bonnamy já é conhecido de nossos leitores, que puderam apreciar a firmeza e a independência de seu caráter, bem como a elevação de seus sentimentos, por sua notável carta que publicamos na Revista de março de 1866, no artigo intitulado: O Espiritismo e a Magistratura. Ele vem hoje, por um trabalho de alto alcance, emprestar resolutamente o apoio e a autoridade de seu nome a uma causa que, na sua consciência, considera como a da Humanidade.

Entre os adeptos já numerosos que o Espiritismo conta na magistratura, o Sr. Jaubert, vice-presidente do tribunal de Carcassone, e o Sr. Bonnamy, juiz de instrução em Villeneuve-sur-Lot, são os primeiros que abertamente arvoraram a bandeira. E o fizeram, não no dia seguinte à vitória, mas no momento da luta, quando a Doutrina está exposta aos ataques de seus adversários e quando seus adeptos ainda estão sob os golpes da perseguição. Os espíritas atuais e os do futuro saberão apreciá-lo e não o esquecerão. Quando uma doutrina recebe os sufrágios de homens tão justamente considerados, é a melhor resposta às diatribes de que ela pode ser objeto.

A obra do Sr. Bonnamy deixará sua marca nos anais do Espiritismo, não só como primeira no seu gênero, cronologicamente, mas sobretudo por sua importância filosófica. O autor aí examina a Doutrina em si mesma, discute os seus princípios, dos quais tira a quintessência, fazendo abstração completa de toda personalidade, o que exclui qualquer pensamento de camarilha.

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[1] Um volume in-12; preço 3 francos; pelo correio 3,35 francos. Livraria Internacional, Boulevard Montmartre, 15 – Paris.

Retirado de: Allan Kardec » Revista Espírita 1867 » Novembro » Notícias bibliográficas 

Fonte: IPEAK - http://www.ipeak.com.br/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=6116&idioma=1

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O lar de uma família espírita

Por Allan Kardec

Há três anos a Sra. G... ficou viúva, com quatro crianças. O filho mais velho é um rapaz amável, de dezessete anos, e a filha mais moça uma encantadora menina de seis. Desde muito tempo essa família se dedica ao Espiritismo, e antes mesmo que esta crença se tivesse tornado tão popular como hoje, marido e mulher tinham uma espécie de intuição que diversas circunstâncias haviam desenvolvido. O pai do Sr. G... havia aparecido para ele várias vezes, na mocidade, sempre para preveni-lo de coisas importantes ou para lhe dar conselhos úteis. Fatos semelhantes também se haviam passado entre os seus amigos, de sorte que para eles a existência de além-túmulo não era objeto da menor dúvida, assim como não o era a possibilidade de nos comunicarmos com nossos entes queridos.

Quando o Espiritismo surgiu, foi apenas a confirmação de uma ideia bem assentada e santificada pelo sentimento de uma religião esclarecida, pois aquela família é um modelo de piedade e de caridade evangélica. Na nova ciência aprenderam os meios mais diretos de comunicação. A mãe e um dos filhos tornaram-se excelentes médiuns. Mas, longe de empregar essa faculdade em questões fúteis, todos consideravam-na precioso dom da Providência, do qual não era permitido servir-se senão para coisas sérias. Assim, jamais a praticavam sem recolhimento e respeito, e longe das vistas dos importunos e curiosos.

Nesse meio tempo o pai adoeceu. Pressentindo seu fim próximo, reuniu os filhos e lhes disse: “Meus caros filhos e minha amada mulher. Deus me chama para Ele. Sinto que vou deixar-vos daqui a pouco, mas também sinto que por vossa fé na imortalidade encontrareis força para suportar esta separação com coragem, assim como eu levo o consolo de que poderei sempre estar entre vós e vos ajudar com os meus conselhos. Assim, chamai-me quando eu não estiver mais na Terra. Virei sentar-me ao vosso lado e conversar convosco, como o fazem os nossos antepassados. Na verdade, estaremos menos separados do que se eu partisse para uma terra distante.

Minha cara esposa, deixo-te uma grande tarefa, mas quanto mais pesada for, mais gloriosa será. Tenho certeza de que os nossos filhos te ajudarão a suportá-la. Não é, meus filhos? Auxiliareis a vossa mãe; evitareis tudo quanto possa fazê-la sofrer; sereis sempre bons e benevolentes para com todos; estendereis a mão aos vossos irmãos infelizes, porque não haveis de querer estendê-la um dia pedindo em vão para vós. Que a paz, a concórdia e a união reinem entre vós. Que jamais o interesse vos separe, porque o interesse material é a maior barreira entre a Terra e o Céu. Pensai que estarei sempre junto a vós; que vos verei como vos vejo neste momento, e ainda melhor, pois verei o vosso pensamento. Não queirais, assim, entristecer-me depois da morte, do mesmo modo que não o fizestes durante a minha vida”.

É um espetáculo realmente edificante a vida dessa piedosa família. Alimentadas nas ideias espíritas, essas crianças não se consideram separadas do pai. Para elas, ele está presente. Temem praticar a menor ação que possa desagradá-lo. Uma noite por semana, e às vezes mais, é consagrada a conversar com ele. Existem, porém, as necessidades da vida, que devem ser providas, pois a família não é rica. É por isso que um dia certo é marcado para essas conversas piedosas e sempre esperadas com impaciência. Muitas vezes pergunta a pequenina: “É hoje que papai vem?” Esse dia transcorre entre conversas familiares e instruções proporcionadas à inteligência, algumas vezes infantis, outras vezes graves e sublimes. São conselhos dados a propósito de pequenas travessuras que ele assinala. Se faz elogios, também não poupa críticas, e o culpado baixa os olhos, como se o pai estivesse diante dele; pede-lhe perdão, que por vezes só é concedido depois de algumas semanas de prova. Sua sentença é esperada com febril ansiedade. Então, que alegria, quando o pai diz: “Estou contente contigo!” Entretanto, a mais terrível sentença é: “Não virei na próxima semana.”

A festa anual não é esquecida. É sempre um dia solene, para o qual convidam os avós e demais mortos da família, sem esquecer um irmãozinho, falecido há alguns anos. Os retratos são enfeitados de flores e cada criança prepara um pequeno trabalho, por vezes apenas uma saudação tradicional. O mais velho faz uma dissertação sobre assunto grave; uma das meninas toca um trecho de música; a menor conta uma fábula. É o dia das grandes comunicações, e cada convidado recebe uma lembrança dos amigos que deixou na Terra.

Como são belas essas reuniões, na sua tocante simplicidade! Como tudo, ali, fala ao coração! Como é possível sair delas sem estar impregnado do amor ao bem? Nenhum olhar de mofa, nenhum sorriso cético vem perturbar o piedoso recolhimento. Alguns amigos que partilham das mesmas convicções e que são devotos da religião da família, são os únicos admitidos a participar desse banquete do sentimento.

Ride quanto quiserdes, vós que zombais das coisas mais santas. Por mais soberbos e endurecidos que sejais, não vos faço a injúria de acreditar que o vosso orgulho possa ficar impassível e frio ante tal espetáculo.

Um dia, entretanto, foi de luto para a família, dia de verdadeiro pesar: o pai havia anunciado que durante algum tempo, longo tempo mesmo, não poderia vir. Ele havia sido chamado para uma importante missão longe da Terra. A festa anual não deixou de ser celebrada, mas foi triste, pois o pai lá não estava. Ao partir, ele havia dito: “Meus filhos, que ao meu retorno eu vos encontre todos dignos de mim”, e cada um se esforça por tornar-se digno dele. Eles ainda estão esperando.

(Revista Espírita, setembro de 1859)