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quarta-feira, 24 de junho de 2009

Jean Baptiste Roustaing, o inimigo de Allan Kardec

Por Josué de Freitas

Jean Baptiste Roustaing foi um advogado francês, nascido em Bordéus. Viveu na França, no tempo em que Allan Kardec estava preparando a Codificação. Chegou a trocar algumas correspondências com o Codificador, mas a amizade entre ambos não foi adiante.

Com a ajuda da médium Émile Collignon, Roustaing publicou ditados de alguns Espíritos que os assistiam, denominados mais tarde de "Os Quatro Evangelhos" ou "Revelação da Revelação". Essas obras se caracterizavam por apresentarem graves contradições doutrinárias em relação aos princípios do Espiritismo. Allan Kardec fez algumas críticas a esses escritos, que acabaram por desagradar profundamente o advogado. Roustaing e seus discípulos, aborrecidos, fizeram uma resposta ao Codificador, inserida no livro primeiro de sua obra, depois retirada arbitrariamente pela Federação Espírita Brasileira – FEB, adepta das teses roustainguistas.

Os Espíritos que ditaram "Os Quatro Evangelhos" disseram ser nada menos que os Evangelistas, assistidos pelos Apóstolos e pelo profeta Moisés. Além dessa superioridade suspeita, ainda afirmaram que a obra era a "Revelação da Revelação", algo mais especial e superior à própria Codificação. Tratava-se de um fato estranho.

Por que o Alto enviaria uma outra revelação no mesmo tempo em que Allan Kardec dava vida ao Espiritismo, a Terceira Revelação? Ninguém explicava o fato.

As entidades desencarnadas que trabalhavam com Roustaing e Collignon , usavam de meios estranhos ao sistema espírita: eram totalmente alheios do Controle Universal dos Espíritos. Uma grande insensatez que os roustainguistas não se davam conta.

Se os livros de Jean Baptiste Roustaing tivessem ficado na França, possivelmente logo teriam desaparecido. Mas eles vieram parar no Brasil e, por meio de uma série de acontecimentos ligados ao nascimento do Movimento Espírita, tornaram-se o próprio espírito do sistema.

Tudo começou na gênese da Federação Espírita Brasileira - FEB. Quando os primeiros grupos espíritas estavam se formando, alguns deles já possuíam as obras de J. B. Roustaing. Numa sessão histórica, ocorrida em fevereiro de 1889 na Sociedade Espírita Fraternidade, no Rio de Janeiro, o médium Frederico Pereira da Silva recebeu uma mensagem que fora assinada pelo Espírito do próprio Codificador. Dentre outras incoerências ditadas pela entidade, o suposto Allan Kardec dizia que um Espírito chamado Ismael iria guiar o Movimento Espírita Brasileiro.

Iniciavam-se assim, as distorções no sistema espírita nascente. A metodologia kardequiana e as instruções de Allan Kardec para estruturarem o Movimento Espírita começavam a ser deixadas de lado. O comando do movimento seria passado a uma entidade e, no lado material, sua direção estaria entregue a uma só casa espírita, que assumiu o papel de Comitê Central, sem no entanto guiar-se pelas suas regras. Nascia o embrião da FEB, chamada depois de Casa Máter do Espiritismo e eleita por seus seguidores como a representante do Cristo na Terra.

Ninguém percebeu, mas o espírito do sistema espírita assemelhava-se ao Catolicismo que, também a seu modo, dizia representar Deus na Terra. Neste tempo, havia desentendimentos entre os grupos espíritas sobre as práticas e os delineamentos em torno do futuro. Alguns centros, denominados "científicos", preferiam um Espiritismo mais objetivo e prático. O grupo sob a influência de Ismael, no entanto, não pensava assim. Como era místico, preferia uma conduta mais voltada à religiosidade. Logo tratou de convencer uma importante figura da época a passar para suas fileiras. Tratava-se de Bezerra de Menezes. Com a ajuda dele, a FEB conseguiu dominar a maioria das sociedades espíritas.

Bezerra era um homem ponderado e político. Por ter saído recentemente das fileiras católicas, adaptou-se rapidamente ao misticismo de Ismael. Os principais centros espíritas da época estudavam as teorias kardequianas, mas os místicos tinham uma especial atenção com os Evangelhos de Roustaing, porque os consideravam um "curso superior" de Espiritismo. Allan Kardec passou então a ser interpretado à luz do pensamento roustainguista.

A comunicação de Allan Kardec, dada através do médium Frederico, era apócrifa. Porém, por falta de espírito crítico, todos a aceitaram, pensando tratar-se mesmo de uma mensagem do Codificador. Na verdade, manifestava-se o espírito Ismael, ligado ao círculo de idéias de J. B. Roustaing. O Espírito preparava o terreno para estabelecer um campo de atuação imenso, a conhecida "Seara de Ismael". Encontrando nos brasileiros profundas raízes católicas, não teve dificuldades para criar uma espécie de "catolicismo espírita".

Quando se examina "Os Quatro Evangelhos", de J. B. Roustaing, começa-se a entender mais facilmente as raízes dos problemas existentes no Movimento Espírita, e os motivos pelos quais os centros costumam assemelhar-se a pequenas igrejas. Os Espíritos que ditaram as obras de Roustaing eram uma falange de entidades ligadas à Igreja Católica medieval.

Nos Quatro Evangelhos, Maria é virgem. Para mantê-la como na Igreja, os Espíritos roustainguistas criaram um Jesus de corpo fluídico, que não teria tido encarnação. Assim, a sexualidade de Maria não macularia o Senhor. O Jesus divinizado da Igreja transformou-se no Jesus sem pecados de Roustaing que, segundo seus livros, jamais encarnou e teve evolução em linha reta, diferente dos outros irmãos seus. Como a carne na Igreja é símbolo do pecado, os Quatro Evangelhos também a abominaram, como sendo algo sujo e colocaram a encarnação como fruto do castigo.

Através da Federação Espírita Brasileira - FEB, Ismael aproximou-se de Francisco Cândido Xavier, o famoso médium de Uberaba, MG, e ditou-lhe uma obra que seria o corolário do "Trono de Deus" na Terra: "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho". Embora com o nome do respeitável Humberto de Campos (Irmão X) para impor-se com mais facilidade, as idéias exaradas são as mesmas. Qualquer observador que lê "Lázaro Redivivo" e "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" nota que eles foram escritos por dois Espíritos de características diferentes, principalmente quanto ao caráter. O suposto "Irmão X", do "Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", faz pura apologia à FEB, e cria a lenda de Ismael, para deleite de seus seguidores. Foi assim que nasceu o livro que faria os espíritas acreditarem que o Brasil estava destinado a governar o mundo. Por trás dessa obra estava a FEB; atrás dela, o Grupo Ismael e, no invisível, o "anjo" com sua falange.

Em alguns períodos distintos, o "anjo" Ismael exerceu uma influência estranha no trabalho mediúnico de Chico Xavier. As pessoas que o assessoravam não perceberam a presença dessa entidade e deixaram passar nos livros psicografados pelo médium alguns conceitos eminentemente roustainguistas e mesmo certas contradições doutrinárias patentes. O Espírito não se importou de assinar algumas comunicações com os nomes do eminente Emmanuel e mesmo do pródigo André Luiz.

No livro "O Consolador", o Espírito comete um erro primário: diz que não recomenda a ninguém que se faça evocações (como na Igreja) e que seria mais seguro esperar que as manifestações ocorressem espontaneamente. Mal sabia que o Codificador havia dito justamente o contrário, que as comunicações espontâneas é que são as mais perigosas. E não pára aí. Assume uma posição favorável à existência das almas gêmeas, contrariando a teoria básica de "O Livro dos Espíritos". O erro é grosseiro e a FEB trata de corrigi-lo rapidamente. A entidade confunde a localização da sede da memória, dizendo que ela se encontra no perispírito, parafraseando o erro histórico de Gabriel Dellane, contrariando ambos os ensinamentos dos Espíritos superiores.

A força dos livros psicografados, corroborada pela exemplar idoneidade de Francisco Cândido Xavier, tornou-se poderosa alavanca para a expansão das idéias ismaelinas. Formou-se o sistema espírita que conhecemos, com características eminentemente católicas. Hoje, o espírito de Roustaing continua mais presente do que nunca. Pode-se encontrá-lo na mentalidade de algumas federações, nas atitudes passivas dos espíritas, na falta de gosto pelo estudo, no pouco conhecimento doutrinário, nas palavras vazias de oradores pomposos, na política unificacionista (uma versão moderna do "Fora da Igreja não há salvação") e na imprensa espírita com suas gloríolas e ídolos. Os que afirmam não compreender a causa de tantas preocupações com a teoria roustainguista, não percebem que estão mergulhados nela, dirigidos por um sistema espírita entranhado por inércia, comodismo, fantasias e estagnação, emperrando o crescimento espiritual das criaturas.

O sistema de pensamento e investigação desenvolvido por Allan Kardec é o grande ausente no Movimento Espírita. No final de sua vida, o Codificador estava só. Alguns detratores seus, que se diziam espíritas, afirmavam que ele queria apoderar-se da verdade e se fazer dono do Espiritismo. Jean Baptiste Roustaing e seus seguidores estavam entre eles.

Pouco antes de desencarnar, o Codificador começou a preparar instruções para salvaguardar o movimento nascente de falsas interpretações. Não chegou a terminar seu trabalho. Quando se lê seus últimos apontamentos, nota-se, com tristeza, que suas preciosas instruções sobre a condução do Movimento Espírita jamais foram seguidas por seus adeptos. Bom número deles sequer conhece suas obras, instrui-se em livros subsidiários nem sempre idôneos e, frequentemente, é vítima de Espíritos enganadores.

Mudar essa mentalidade vigente, conduzindo parte desses seguidores de Allan Kardec ao encontro das instruções do Codificador do Espiritismo, é tarefa urgente. Espera-se que os espíritas sérios reunam forças em torno desse ideal. Hoje, diversos grupos no país que buscam restabelecer essa base doutrinária.

Na cidade de São José do Rio Preto, Sp, existe o Movimento de Reformas. Sua proposta é a de estimular os centros espíritas a se ajustarem conforme as orientações da Codificação, fazendo com que se instale neles o gosto pelo estudo, pelo raciocínio, pela investigação mediúnica e pelo trabalho metódico.

Nota: Os que não concordam com estes escritos certamente nos julgarão entregues às trevas e a serviço do mal. De nossa parte, continuaremos exercendo nosso direito de livre exame, analisando fatos, tirando conclusões, como discípulos da escola kardequiana que somos.

Fonte: http://www.novavoz.org.br/polemico-04.htm