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quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Desencarne de Allan Kardec noticiado pelo "Le Journal Paris"


Aquele que, por tanto tempo, figurou no mundo científico e religioso sob o pseudônimo de Allan Kardec, chamava-se Rivail e morreu aos 65 anos.

Vimo-lo deitado num simples colchão, no meio daquela sala das sessões que há longos anos presidia; vimo-lo com o rosto calmo, como se extinguem aqueles a quem a morte não surpreende, e que, tranqüilo quanto ao resultado de uma vida vivida honesta e laboriosamente, deixam como que um reflexo da pureza de sua alma sobre esse corpo que abandonam à matéria.

Resignados pela fé numa vida melhor e pela convicção da imortalidade da alma, numerosos discípulos foram dar um último olhar a esses lábios descorados que, ainda ontem, lhes falava a linguagem da Terra. Mas já tinham a consolação do além-túmulo; o Espírito de Allan Kardec viera dizer como tinha sido o seu desprendimento, quais as suas impressões primeiras, quais de seus predecessores na morte tinham vindo ajudar sua alma a desprender-se da matéria. Se “o estilo é o homem”, os que conheceram Allan Kardec vivo só podiam comover-se com a autenticidade dessa comunicação espírita.

A morte de Allan Kardec é notável por uma coincidência estranha. A Sociedade formada por esse grande vulgarizador do Espiritismo acabava de chegar ao fim. O local abandonado, os móveis desaparecidos, nada mais restava de um passado que devia renascer sobre bases novas. Ao fim da última sessão, o presidente tinha feito suas despedidas; cumprida a sua missão, ele se retirava da luta diária para se consagrar inteiramente ao estudo da Filosofia Espiritualista. Outros, mais jovens - os valentes - deviam continuar a obra, e fortes na sua virilidade, impor a verdade pela convicção.

Que adianta contar detalhes da morte? Que importa a maneira pela qual o instrumento se quebrou e porque consagrar uma linha a esses restos integrados no imenso movimento das moléculas? Allan Kardec morreu na sua hora. Com ele fechou-se o prólogo de uma religião vivaz que, irradiando cada dia, em breve terá iluminado a Humanidade. Ninguém melhor que Allan Kardec poderia levar a bom termo essa obra de propaganda, à qual era preciso sacrificar as longas vigílias que nutrem o espírito, a paciência que ensina continuamente, a abnegação que desafia a tolice do presente para só ver a radiação do futuro.

Por suas obras, Allan Kardec terá fundado o dogma pressentido pelas mais antigas sociedades. Seu nome, estimado como o de um homem de bem, é desde muito tempo vulgarizado pelos que crêem e pelos que temem. É difícil realizar o bem sem chocar os interesses estabelecidos.

O Espiritismo destrói muitos abusos; - também reergue muitas consciências doloridas, dando-lhes a convicção da prova e a consolação do futuro.

Hoje os espíritas choram o amigo que os deixa, porque o nosso entendimento, demasiado material, por assim dizer, não se pode dobrar a essa idéia da passagem. Mas, pago o primeiro tributo à inferioridade do nosso organismo, o pensador ergue a cabeça, e para esse mundo invisível, que sente existir além do túmulo, estende a mão ao amigo que se foi, convencido de que seu Espírito nos protege sempre.

O Presidente da Sociedade de Paris morreu, mas o número dos adeptos cresce dia a dia, e os valentes, cujo respeito pelo mestre os deixava em segundo plano, não hesitarão em se afirmar, para o bem da grande causa.

Esta morte, que o vulgo deixará passar indiferente, é um grande fato na história da Humanidade. Este não é apenas o sepulcro de um homem; é a pedra tumular enchendo o vazio imenso que o Materialismo havia cavado sob os nossos pés, e sobre o qual o Espiritismo espalha as flores da esperança.

Pagès de Noyez - Le Journal Paris - 3/4/1869

Retirado do site "Página Espírita".