Pages

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Kardec e a Evolução do Espiritismo

Por José Herculano Pires

As declarações de Kardec, quanto à natureza evolutiva do Espiritismo, têm servido de justificação para muitas confusões doutrinárias. Renovadores encarnados e reveladores desencarnados apóiam-se nas próprias palavras do codificador, para desfigurarem a codificação. E quando alguém se levanta em defesa da pureza da doutrina, é logo acusado de retrógrado. Entretanto, a verdade é que Kardec só admitia a evolução mediante rigoroso controle dos fatos e das comunicações mediúnicas, estas sempre sujeitas ao exame do bom-senso e ao critério da universidade.

A facilidade com que hoje se aceitam inovações doutrinárias é simplesmente espantosa. Há uma sede tremenda de “novidades”, alimentada na fogueira da curiosidade malsã e da vaidade pessoal sem limites. Pessoas que não chegaram a ler "O Livro dos Espíritos”, que não conhecem a doutrina, apegam-se a mensagens pretensamente reveladoras e sustentam que Kardec está superado. Por outro lado, divulgadores mais informados fazem palestras, escrevem artigos e livros em que os princípios basilares da doutrina são esquecidos, em favor de teorias novas e sem base. Tudo por que? Porque o Espiritismo tem de evoluir, segundo afirmam, e não podemos “estacionar em Kardec”.

No capítulo primeiro de “A Gênese” item 55, o codificador afirma que a natureza evolutiva da revelação espírita, declarando que está “apoiada em fatos, tem de ser, e não pode deixar de ser, essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação”. Mas os que citam as palavras de Kardec nesse sentido nem sequer atentam para a significação desse trecho, em que o codificador se refere ao progresso geral das ciências e particularmente às relações do Espiritismo com as ciências. É claro que o Espiritismo não poderia estacionar, num mundo em que tudo evolui, tudo se transforma.

Negar a evolução do Espiritismo seria negar a sua lei fundamental, que é exatamente a lei da evolução.

Mas aceitar para a doutrina uma evolução anárquica, sem controle, sem leis, feita ao sabor da novidadeirice, e das vaidades pessoais é atentar contra o patrimônio doutrinário que recebemos, e pelo qual devemos zelar.

O progresso do Espiritismo não se faz através de “revelações mirabolantes”, dadas em tom profético, derramadas em palavreado pomposo, nem através de teorias pessoais, sutilmente elaboradas no recesso dos gabinetes, e menos ainda com a adoção de processos mágicos e rituais religiosos. Todas essas formas pertencem exatamente ao antiespiritismo, a um passado em que as idéias espíritas estavam sufocadas sob as falsas interpretações dos fatos. Depois do aparecimento do “Livro dos Espíritos” que deu cumprimento à promessa do Consolador, os problemas espirituais saíram da nebulosa das suposições absurdas, das afirmações dogmáticas e das interpretações pessoais, passando ao terreno positivo da observação e da experiência. O Espiritismo tirou fatos chamados supranormais do plano da charlatanice, para torná-los objeto de pesquisa científica e reflexão filosófica.

Vejamos para comprovar isso, o que diz Kardec em “A Gênese”, item 55 do primeiro capítulo: “O Espiritismo não estabelece, como princípio absoluto, senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou que ressalta logicamente da observação. Esta característica fundamental do Espiritismo não pode ser esquecida, quando falamos em evolução da doutrina. Os princípios doutrinários, firmados cientificamente, através da experiência e da observação, só podem ser alterados ou acrescentados por meio de novas conquistas positivas, de evidência universal. Fora disso, não temos evolução, mas retrocesso. Já no tempo de Kardec havia muitas “revelações” imaginosas, que o codificador não levou em consideração, por não conterem nenhum elemento de segurança.

Muitas “mensagens mirabolantes” lhe foram enviadas e Kardec as deixou prudentemente de lado.
Grande parte das “novidades” mediúnicas de hoje são infinitamente inferiores àquelas comunicações.

Outra tendência bastante acentuada entre nós é a do desprezo pelas ciências positivas. O amor do maravilhoso provoca vertigens no meio espírita, quando Kardec advertiu que o Espiritismo é a própria negação do maravilhoso.

Explicando os fatos supranormais pela descoberta das leis naturais do espírito, a doutrina afasta a possibilidade do milagre e conduz os homens à compreensão dos processos dinâmicos da natureza. Não existe o sobrenatural, porque este só podia existir diante da ignorância da extensão das leis naturais, que não se limitam ao plano da matéria. Por isso mesmo, Kardec acentuou que o Espiritismo e as ciências se completam e devem avançar de mãos dadas. Em “A Gênese”, esclarece que o Espiritismo só pode aparecer em meados do século dezenove, porque dependia do desenvolvimento científico: “só podia vir depois da elaboração das ciências”. (Cap. I, item 18).

Como vemos, desprezar as ciências é negar as próprias condições de desenvolvimento da doutrina espírita.

Não existe evidentemente, uma sujeição do Espiritismo às ciências, mesmo porque, segundo acentua Kardec, o Espiritismo é também uma ciência, aplicada ao elemento espiritual universo. Mas existe uma relação direta e necessária, que os próprios Espíritos Superiores respeitam, em suas comunicações. Isso está bem claro no item 54 do capítulo primeiro de “A Gênese”, quando Kardec declara que os Espíritos não precipitam suas revelações. “Eles não enfrentam as questões, diz o codificador – senão na medida em que os princípios sobre que tenham de apoiar-se estejam suficientemente elaborados, e bastante amadurecida a opinião para os assimilar. É mesmo de notar-se que, todas as vezes que os centros particulares quiseram tratar de questões prematuras não obtiveram mais do que respostas contraditórias, nada concludentes. Quando, ao contrário, chega o momento oportuno o ensino se generaliza e se unifica, na quase universalidade dos centros”.

Afinal “o Espiritismo evolui e tem forçosamente de evoluir, mas, dentro das leis que regem o seu desenvolvimento, nos quadros precisos da codificação kardeciana, que não é uma elaboração pessoal, como sabemos, mas um trabalho conjugado de encarnados, sob a égide do Espírito da Verdade. A codificação é a rocha em que se alicerça a doutrina, e a pedra-de-toque para verificação das “novas verdades” que forem surgindo. Sem essa base e essa medida, estaremos arriscados a fazer o Espiritismo retroceder no tempo e no espaço, a título de fazê-lo evoluir”.

Chico Xavier não é Kardec!

Por Dora Incontri

Não é objetivo deste artigo atacar quem quer que seja, por manifestar opinião contrária à que vou expor. Mas há questões que devem ser tratadas com cuidado para não se tornarem elemento de confusão. A crítica franca, aberta, racional, própria dos postulados espíritas, deve ser praticada, fraternalmente claro, sob pena de imergirmos de novo nas trevas medievais. Onde não houver questionamento e crítica, onde não houver debate transparente, certamente haverá dominação, ignorância, apatia e graves entraves à autonomia da razão humana e ao desenvolvimento espiritual da humanidade.

Como em minhas viagens pelo Brasil afora, sou indagada sobre a polêmica em foco, resolvi manifestar-me publicamente para examiná-la com as ferramentas críticas que tomo emprestado de Kardec.

Que Chico Xavier seja a reencarnação de Kardec não seria uma hipótese a ser discutida, porque se trata de um absurdo tão sem fundamento que deveria chocar o bom senso de qualquer um (já vi até não-espíritas que conhecem superficialmente a doutrina se mostrarem perplexos diante da idéia). Mas já que se trata de uma afirmação na pena de alguns escritores e médiuns, atuantes no movimento, não podemos deixar de analisá-la.

AS AFIRMATIVAS SOBRE REENCARNAÇÕES

Em primeiro lugar, deveríamos evitar a leviandade que tomou conta de escritores e médiuns espíritas nos últimos anos: afirma-se com o maior descompromisso e sem nenhuma demonstração de evidência que fulano é reencarnação de cicrano e geralmente são pessoas famosas, já desencarnadas, ou personagens históricas - que não podem contradizer tais afirmações. É perfeitamente legítimo o estudo de casos de reencarnação, mas eles precisam ser fruto de pesquisa, de preferência de pessoas próximas e, se alguma hipótese for apresentada de personalidades de projeção, deve-se fazê-lo com todo o cuidado, com argumentos bem fundamentados e ainda assim não passará de uma hipótese a ser examinada e comentada por outros pesquisadores.

Um exemplo positivo de um estudo com critério é Eu sou Camille Desmoulins, de Luciano dos Anjos e Hermínio Miranda. São centenas de páginas de pesquisa, em que a personalidade em questão participou, fez regressão de memória, e o autor realizou exaustivas buscas de documentos históricos, etc. Outro estudo sério é o de Hernani Guimarães de Andrade, com personagens desconhecidas - crianças com lembranças de outras vidas - em seu livro Reencarnação no Brasil. (De passagem, fica aqui a nossa carinhosa vibração ao Hernani, desencarnado há alguns dias). Isso apenas para citar autores brasileiros. No plano internacional, há, por exemplo, a excelente pesquisa feita por Ian Stevenson.

Outra forma de estudo de personalidade através de reencarnações foi a realizada pela saudosa e sensatíssima médium Yvonne A. Pereira, no caso de suas próprias vidas passadas. Não houve aí a identificação das personalidades históricas ou a comprovação dessa identidade, mas uma regressão de memória, promovida pelos Espíritos superiores, para mostrar a trajetória evolutiva de um espírito feminino. Trata-se assim de um estudo psicológico através dos tempos, sem compromisso com a evidência histórica. Uma possibilidade interessante e legítima.

O que não pode acontecer - e acontece com bastante freqüência - é simplesmente alguém sair anunciando que fulano foi tal pessoa e aceitar-se isso como fato consumado. Aí exorbita-se do estudo de caso, da pesquisa científica, para se tornar mediunismo inconseqüente e dogmatismo sem fundamento.

O pior é quando tais afirmativas contrariam as evidências mais óbvias e a coerência mais superficial entre uma personalidade e outra, que se supõe ser a mesma.

Ou seja, para falar de reencarnação é preciso usar os critérios próprios do espiritismo: pesquisa científica, coerência racional, podendo-se valer igualmente da intuição mediúnica. Mas se essa intuição vier desacompanhada dos outros aspectos, pode se tornar misticismo.

A IDENTIDADE DO EU

Um dos pontos fundamentais demonstrados pelo espiritismo, que aliás se insere plenamente na tradição socrático-platônica-cristã, é a idéia de uma identidade individual, permanente, que está em progresso e mutação, mas guarda um eu reconhecível, com características próprias de personalidade, com memórias e potencialidades particulares. Até os Espíritos puros, que atingiram a perfeição, cuja personalidade nos é difícil examinar, mantêm, segundo a doutrina espírita, ainda e sempre sua individualidade.

Nos estudos criteriosos de reencarnação, essa verdade salta ao olhos: ninguém poderia negar que Luciano dos Anjos é Camille Desmoulins. As duas individualidades são parecidíssimas. Até nos traços físicos. E isso não é tão incomum. Ian Stevenson faz um estudo intrigante dos sinais de nascença. Às vezes, a ligação com a encarnação anterior é tão vívida, que a criança nasce até com marcas do tipo de morte que teve ou algum trauma sofrido.

Assim como na comunicação de um Espírito por um médium, para sua identificação devem entrar uma série de fatores, evidências, muitas inesperadas, aparentemente fortuitas, mas que no seu conjunto conferem uma forte sensação de que a personalidade comunicante é aquela: na reencarnação, dá-se o mesmo. Apenas um quadro de muitos detalhes, coincidências significativas, semelhanças, nos dá alguma convicção de que tal pessoa esteja ali, reencarnada.

Se nos limitássemos a tratar de casos de reencarnação que obedecessem aos critérios mencionados, evitaríamos lançar a idéia no ridículo.

O CASO CHICO-KARDEC

Poderia escrever muitas páginas com todos os pontos de total dissemelhança entre a personalidade de Kardec e de Chico. Em primeiro lugar, estabeleçamos alguns parênteses. O que sabemos de mais sólido sobre outras existências de Kardec - o resto são inoportunas especulações - são as duas que ele aceitava: a de druida e a de Jan Huss (esta, segundo informação que Canuto de Abreu teria visto em seus manuscritos, antes da Segunda Guerra). Mas, nos três momentos conhecidos, dá para notar a coerência de uma personalidade corajosa, viril, segura, austera, de mente límpida e clara (o estilo de Jan Huss é o mesmo de Kardec, simples e cristalino, preciso e firme) e sempre dedicada à educação. Os druidas eram sacerdotes-educadores, Huss foi reitor da Universidade de Praga e Rivail/Kardec foi educador durante mais de trinta anos na França. Quanto ao seu estilo, ele mesmo adverte que não tinha vocação poética, não apreciava metáforas, mas queria atingir o máximo de didatismo e simplicidade. Para isso, tanto Huss quanto Kardec escreveram gramáticas.

Huss desafiou a Igreja Católica e morreu cantando na fogueira em 1415, depois de ter escrito cartas belíssimas da prisão, mostrando sua firmeza e serenidade. Kardec desafiou a Ciência oficial, a religião tradicional e todo sistema acadêmico estabelecido, fundando um novo paradigma para o conhecimento humano, numa síntese genial. Quando estudamos sua vida e sua personalidade, vemo-lo mover-se com absoluta segurança de si, com total equilíbrio, desde os primeiros textos pedagógicos aos 24 anos, até a redação da última Revista Espírita, que deixou pronta antes de morrer. Os próprios Espíritos Superiores o chamam de mestre. O Espírito da Verdade o trata de forma amorosa, aconselhando-o sempre com respeito ao seu livre-arbítrio, à sua capacidade intelectual e à sua estatura moral.

Kardec se ocultou tanto atrás da obra, pela sua extrema modéstia e reserva (que não era a humildade mística de Chico, que se autodenominava verme, besta, pulga, cisco ...), que os próprios adeptos do espiritismo não sabem aquilatar-lhe a grandeza.

Agora, analisemos a pessoa Chico Xavier, que conheci desde a minha primeira infância. Trata-se de uma personalidade doce, amorosa, bastante feminina, emocional, mística, com forte vocação literária e poética (ao contrário de Kardec) mas uma personalidade fraca. Basta ver sua relação com Emmanuel. Seu guia espiritual, aliás forte e altivo, sempre manteve com Chico uma postura disciplinar, rígida, admoestando-o se o via fraquejar.

Vêem-se diversas situações desse tipo, na leitura do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior, que considero a biografia mais confiável e mais bem escrita, porque feita por um profissional do jornalismo, entre tantas que mais parecem relatos de vida de santo da Idade Média, pela linguagem melada, pela louvação exagerada e pelo cunho miraculoso. Basta lembrar de Chico, gritando em pânico, porque o avião em que estava ameaçava cair e Emmanuel, diante dele, dizendo: "Dá testemunho da tua fé, da tua confiança na imortalidade! (...) morra com educação!" . Este o Espírito que enfrentou a fogueira, cantando, sem retirar uma palavra do que dissera? A resposta, o próprio Emmanuel já deu ao Chico certa vez: "Meu filho, você é planta muito fraca para suportar a força das ventanias. Tem ainda muito o que lutar para um dia merecer ser preso e morrer pelo Cristo."

Noutras ocasiões, os próprios encarnados tiveram de adverti-lo severamente, como no caso da adulteração do Evangelho segundo o Espiritismo, na década de 70, que levou Herculano Pires a escrever um livro, Na Hora do Testemunho, no qual quase obrigou Chico à retratação pública, por ter apoiado indiretamente a edição adulterada.

Chico é, pois, um Espírito bom, em processo de resgate e regeneração, ainda enfrentando conflitos internos e desequilíbrios e tendo necessidade do freio curto de Emmanuel para se manter na linha das próprias obrigações. Nunca, diga-se, ele mesmo se viu ou se assumiu de outra forma. Kardec, ao contrário, já 600 anos atrás não revela conflito, não se mostra abalado por nada. Seu companheiro de Reforma, Jerônimo de Praga, chegou a abjurar, com medo da fogueira. Arrependeu-se depois e enfrentou a morte com galhardia. Mas em Jan Huss não há hesitação ou fraqueza, apenas a altivez do Espírito que já atingiu a estatura de um missionário.

Da mesma forma Kardec. Nem sabemos o quanto ele sofreu e foi perseguido, pois não se queixava. Apenas nas entrelinhas de Obras Póstumas, quando se refere por exemplo à Sociedade Espírita de Paris como um ninho de intrigas, é que de longe vislumbramos o que deve ter passado. Mas nunca o vemos abatido ou choroso.

Quanto à linguagem de Chico é também oposta à de Kardec. Trata-se de uma linguagem literária, ornamentada, própria do médium - pois sabemos que o médium influencia as comunicações. Se Chico não tinha cabedal literário nesta vida, é certo que o trouxe de outras, para se tornar o intérprete de tantos literatos do Além. Se Kardec tivesse escrito, por exemplo, Mecanismos da Mediunidade, seria certamente numa linguagem bem mais objetiva, menos literária e mais digerível.

Vou mais longe. Sem ofensa ou menosprezo pelo grande Espírito de Emmanuel, ele próprio fica bem abaixo da estatura espiritual de Kardec. Basta lembrar que, enquanto Jan Huss estava morrendo na fogueira por criticar os abusos da Igreja e duzentos anos depois, seu discípulo Comenius estava inaugurando a Pedagogia moderna, em oposição à educação jesuítica; Emmanuel - leia-se Manuel da Nóbrega - estava ainda a pleno serviço da Igreja, imerso no projeto de catequese jesuítica. Tanto ele quanto Anchieta talvez tivessem suas críticas ao movimento de que participavam e sem dúvida deram contribuição meritória ao início da educação brasileira. Mas estavam ainda com as correntes mais conservadoras da história, ao passo que Huss (depois Kardec) inaugurara já novas relações entre Deus e o homem, sendo retomado na Reforma de Lutero e aprofundado na proposta educacional de Comenius, que estava a anos luz adiante da proposta jesuíta.

Com isso, não estou diminuindo a importância nem da personalidade histórica de Manuel da Nóbrega, nem do Espírito Emmanuel, entidade que respeito e amo muito, nem menosprezando a obra que fez por intermédio do Chico. Mas é preciso reconhecer a superioridade de Kardec, coisa que tanto Emmanuel, quanto Chico, sempre reconheceram. Certo dia disse Emmanuel a Chico - e esta é uma passagem conhecida de todos - que se ele, Emmanuel deixasse Jesus ou Kardec, o pupilo deveria deixá-lo. Ora, o guia se submetia a Kardec, como Kardec poderia ser seu tutelado?

O QUE ESTÁ POR TRÁS DESSA IDÉIA

Tudo isso poderia não passar de uma discussão vazia, simples questão de opinião, sem maiores conseqüências. Mas vejo graves problemas nessa polêmica e só por isso meti-me a falar no assunto. Afirmar que Chico Xavier é reencarnação de Kardec é submeter Kardec ao Chico ... logicamente, pela lei da evolução, o mais recente é mais evoluído e portanto vai mais adiante do que o anterior. O que se esconde por trás dessa idéia subliminar, implícita na tese de um ser reencarnação do outro? É que abandonamos, ou pelo menos desvalorizamos, os critérios de racionalidade, objetividade, cientificidade, além dos aspectos pedagógicos e da linguagem clara e democrática de Kardec, com todo seu pensamento de vanguarda - para valorizarmos mais a linguagem melíflua (muitas vezes piegas) de Chico, o espiritismo visto predominantemente como religião e os aspectos conservadores tanto do pensamento do médium, quanto de Emmanuel.

Querem ver um exemplo? Kardec, em pleno século XIX, aclamava todas as conquistas da emancipação feminina. Em artigos na Revista Espírita, apóia a reivindicação do voto feminino, parabeniza as primeiras mulheres a se formarem médicas ... exalta a participação intelectual da mulher. Emmanuel não deixa de mostrar, em diversas passagens de seus livros, ranços de machismo lusitano, romano e da igreja, sempre colocando a mulher ideal como a mais submissa e calada possível.

A tese de que Chico seria Kardec desqualifica Kardec e exalta indevidamente Chico Xavier, colocando-o num pedestal de idolatria que nenhum ser humano deve ocupar. E isso está bem situado nos rumos que o movimento espírita brasileiro tem tomado: trata-se de um movimento que exalta personalidades mediúnicas (quando Kardec mal nos deixa conhecer o nome dos médiuns que trabalhavam com ele, porque não se constrói liderança em mediunidade, como os antigos pajés da tribo ou as passadas pitonisas da Antigüidade), preferindo o emocionalismo à racionalidade, o igrejismo ao debate filosófico e científico.

É por isso que meu trabalho tem sido no sentido de resgatar Kardec e seus antecessores diretos: Comenius, Rousseau, Pestalozzi - todas personalidades de vanguarda, com pensamento social avançado, com projetos libertários de educação. É desse caldo cultural que nasceu o espiritismo. Transplantado para o Brasil, ganhou as cores místicas da cultura católica, de herança jesuítica, que formou a nação brasileira. É verdade que apenas um povo com o nosso coração e com a criatividade e a intuição mediúnicas como as nossas poderia acolher o espiritismo. É verdade que Emmanuel continuou a sua obra de primeiro educador do Brasil e fez bem a sua parte, por intermédio do Chico, que também fez a sua. Mas não é por isso que devemos colocar os carros na frente dos bois e perder a raiz pedagógica, racional e consistente que nos identifica. E essa raiz é representada por Kardec, que por todas as razões vistas e muitas outras que não é possível comentar aqui, não reencarnou como Chico, não reencarnou ainda, porque teríamos de reconhecê-lo por sua mente poderosa, por sua liderança equilibrada e segura e por trazer uma contribuição muito melhor que a de Chico e mesmo melhor que a do próprio Kardec, pois senão não haveria razão para reencarnar-se.

Texto extraído do folheto distribuído pela editora Publicações LACHÂTRE, por ocasião da XI Bienal do Livro, realizada no Rio de Janeiro, retirado do Informativo Lachâtre, maio/junho de 2003.

Dora Incontri (São Paulo, 1962) é uma jornalista, escritora brasileira. É doutora em educação pela Universidade de São Paulo. É um importante nome da Pedagogia espírita. Por todo Brasil, participa de seminários proferindo palestras embasadas neste tema.

O perfil do difusor da Doutrina Espírita

Todo aquele que se dispõe a difundir o legado kardequiano, deve, imediatamente, lembrar-se que o faz por livre iniciativa, devendo, portanto, estar ciente de suas qualificações na competência dessa responsabilidade.

É de pleno conhecimento dos espíritas ser missão do homem inteligente na Terra utilizar os recursos de sua inteligência para desenvolver as retardatárias e conduzi-las a Deus. Desse modo, todo espírita que acolheu por seu livre pensar a mensagem do Consolador, tem, por responsabilidade intrínseca a essa adesão, sua difusão por considerá-la roteiro seguro para a consecução desse objetivo. É por isso que o primeiro alvo nessa tarefa deva ser ele próprio. O Evangelho Segundo o Espiritismo alerta-nos sobre a obrigação moral que temos, primeiramente, diante de nós mesmo, para só depois, tê-la para com os outros. Isso implica no reconhecimento de que somos os primeiros a quem devemos evangelizar.

Outra questão relevante, para análise do tema, dá-se com relação à ineficácia do proselitismo como meio de difusão da Doutrina Espírita. Constitui-se pré-requisito de sua mensagem, a crença em Jesus, além da fidelidade aos seus ensinamentos. Assim, o Consolador veio para os que já têm um patamar de crenças e convicções, que lhes possa lastrear o devido entendimento. Disse-nos o Mestre: “se me amais, guardais os meus mandamentos...”. Esta convocação explicita que a primeira condição para o seguirmos é que já o tenhamos reconhecido e aceitado seus ensinamentos; a segunda, é para que lhe sejamos fieis (guardai os meus mandamentos), ou seja, que não tenhamos deturpado a mensagem que nos legou. Quem abriga dúvidas em seu íntimo, por não ter, ainda, compreendido Jesus e não estar em condições de destinatário da Mensagem do Consolador, não pode colocar-se na condição de seu propagador. O Consolador não veio para os que não crêem, não sabem, nem querem saber. Veio para esclarecer os que já crêem e já sabem. Veio complementar o que já fora dito. Veio para os que já reconhecem a Deus, e o reconhecendo, aceitam seus desígnios e buscam caminhar ao Seu encontro, aprimorando-se no caminho de sua própria perfeição. Antes de tudo, veio, para quem já se reconhece e se conduz, na condição de “inteligência retardatária”.

Do difusor da mensagem espírita, espera-se que, evangelizando-se continuamente, saiba-se cristão e alvo da mensagem do Consolador. Assim qualificado, apto estará a atender ao convite: “ide e pregai. Convosco estão os Espíritos elevados”. Nessas condições, identificará com clareza o seu lugar na tarefa, almejando êxito.

O difusor espírita - trabalhador de última hora - saber-se-á profeta a quem foi delegada a “missão de instruir os homens e de lhes revelar as coisas ocultas e os mistérios da vida espiritual”. E a tarefa abraçada, na condução dos homens a Deus, por intermédio dos recursos proporcionados pela difusão da mensagem espírita-cristã, dar-se-á, mais pelo exemplo, do que por belas exortações, ou exibições de prodigiosa memória e capacidade de citações. Seu comprometimento com o mundo redundará em coerência entre sua vivência cidadã e a mensagem cristã que difundirá por seu intermédio. Suas atitudes ativas revestir-se-ão de ética, comprometimento e correção diante dos seus semelhantes e do próprio planeta. Será reconhecido por isso. Sua preocupação diária será a de banir o orgulho e o egoísmo que se contradizem com a mensagem cristã de que se dispõe portador. Atuante, trabalhará com afinco para despojar-se desses males objetivando permitir que se lhes aflorem os sentimentos de humildade, fraternidade e muita tolerância para com seus semelhantes.

O difusor da mensagem espírita será aquele espírita sincero, preocupado, antes de tudo, com o seu aprimoramento moral. Será um convertido aos postulados Espíritas, (por isso, estudioso e conhecedor profundo) convicto daquilo que difunde e do seu papel na difusão, fiel aos postulados de Kardec e de Jesus, cuidadoso na formulação das idéias e conceitos que expõe em nome do Consolador.

Saberá que deverá apropriar-se e expor a Doutrina sob dois princípios indissociáveis: esclarecimento e consolação. Por isso, só esclarecerá se for para consolar, evitando abordar temas polêmicos, para os quais, as reuniões de estudo (e não as palestras) serão as melhores ocasiões.

O difusor espírita saberá que, antes de tudo, como adepto da Doutrina, cumpre-lhe um dever, o dever de difundir a mensagem consoladora a todos que dela queiram acercar-se, assim, não violentará crenças nem violará idéias. Crerá na afirmação do Espírito de Verdade, quando diz: “Venho instruir e consolar os pobres deserdados. Venho dizer-lhes que elevem a sua resignação ao nível de suas provas, que chorem, porquanto a dor foi sagrada no Jardim das Oliveiras, mas que esperem, pois que também, a eles os anjos consoladores lhes virão enxugar as lágrimas.”

O difusor da Doutrina Espírita falará com precisão e clareza, pois que a clareza – já nos esclareceu Kardec – “é da sua (da Doutrina Espírita) essência mesma e é donde lhe vem toda a força, porque faz ir direto à inteligência. Nada tem de misteriosa e seus iniciados não se acham de posse de qualquer segredo, oculto ou vago”.

O expositor da Doutrina Espírita saberá que, ao expô-la, por seu intermédio, assume sérias responsabilidades, não só diante de quem lhe convidou, ou delegou-lhe a tarefa, mas diante de Deus, de Jesus, de Kardec e dos Benfeitores Espirituais. Portanto, estará atento para a mensagem de Lucas (XII: 447,48) que recomenda: “muito se pedirá àquele a quem muito se houver dado e maiores contas serão tomadas àqueles a quem mais coisas se haja confiado”.

Ciente de si, de suas limitações e de suas responsabilidades, o difusor espírita atenderá com competência e propriedade ao chamado: “Ide e pregai, que as populações atentas recolherão ditosas as vossas palavras de consolação, de fraternidade, de esperança e paz.” Saber-se-á mídia e mensagem de um precioso legado.

O difusor da mensagem espírita, á luz desses princípios, buscará o recurso das técnicas como meras coadjuvantes para o bom desempenho de sua missão, porque, antes de tudo, será um autêntico e sincero porta-voz de Jesus e de Kardec, objetivando conduzir as inteligências retardatárias ao Pai Criador, principalmente, porque, antes, estará preocupado e cuidando de conduzir-se a si mesmo, nesta caminhada.

Fonte de Consulta:

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

1 Atua no Movimento Espírita Federativo Estadual, em Mato Grosso do Sul, desde 1988.

MARIA ANGELA COELHO MIRAULT PINTO é Doutora (2002) e Mestre (1998) em Comunicação e Semiótica pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Didática do Ensino Superior pela Universidade Católica Dom Bosco (1995) e Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas, pelas Faculdades Integradas de Comunicação e Turismo Hélio Alonso, no Rio de Janeiro (1976)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Ramatis

Por Ary Lex:

Há cerca de quarenta anos, surgiu, no Paraná, um médium até então desconhecido nos meios espíritas daquele Estado, por não militar na Federação ou em núcleos conhecidos.

Ramatis começou com algumas mensagens, recebidas sempre sozinho em sua residência, atribuídas a um espírito de oriental, cujo pseudônimo adotado foi Ramatis (foto). A que mais aceitação obteve foi “Magia de redenção”, já então preocupado o autor com os problemas da magia e com os habitantes de outros astros.

Seu livro “A vida no planeta Marte” foi um verdadeiro sucesso. Tornou-se a coqueluche de milhares de espiritualistas. Queriam os crentes saber se os marcianos tinham mãos como as nossas, nariz iguais aos nossos, escudos etc. Entende-se o sucesso, conhecendo-se a tendência à fantasia, comum em nosso povo. Já estavam surgindo os filmes de ficção.

Ainda, por cima, os livros de Ramatis foram escritos com redação boa, agradável sequência, e, no meio dos absurdos, muitas noções exatas e conceitos interessantes.

Os livros de Ramatis passaram a ser muito vendidos e lotaram as livrarias e bibliotecas espíritas, praticamente do Brasil inteiro. Em muitos centros espíritas e federações, vendia-se mais Ramatis do que o total dos livros da Codificação! Diziam: “Kardec está superado, pois temos, agora, as novas revelações de Ramatis”.

Felizmente ainda existem pessoas equilibradas e que sabem analisar as coisas. J. Herculano Pires, esse brilhante sociólogo e jornalista, que brindou o mundo espírita com numerosos livros de valor, mantinha, no Diário de S. Paulo, durante muitos anos, uma coluna com o pseudônimo “Irmão Saulo”, lida por espíritas e não-espíritas. Herculano resolveu fazer uma oportuna campanha de esclarecimento, com relação aos livros de Ramatis, publicando numerosos comentários naquele jornal. Reconhecendo o valor intelectual de Ramatis, mas igualmente conhecendo o perigo das idéias exóticas, Herculano classificou-o como espírito “pseudo-sábio”. Realmente. “Perigoso não é o expositor ou autor que só diz tolices, vazadas em linguagem obscura, pobre, cheia de erros gramaticais e idéias pueris. Perigoso, sim, é o que expõe certo número de noções exatas, que usa argumentação brilhante, mas introduz, de permeio, idéias erradas e perigosas. Assim, tais idéias têm grande probabilidade de aceitação. É o que acontece com Ramatis”.

Vejamos o que diz “O Livro dos Médiuns” – pergunta 296 – Pergunta sobre os outros mundos: “Qual o grau de confiança que podemos ter nas descrições dos espíritos sobre os outros mundos?

R. – Isso depende do grau de adiantamento real dos espíritos que dão essas descrições. Porque compreendeis que os espíritos vulgares são tão incapazes de vos informar a respeito, como um ignorante o seria, entre vós, no tocante aos países da Terra. Formulais, muitas vezes, sobre esses mundos, questões científicas que esses espíritos não podem resolver. Se são de boa fé, falam a respeito disso, segundo suas idéias pessoais. Se são levianos, divertem-se a vos dar descrições bizarras e fantásticas, tanto mais que esses espíritos, tão imaginoso na erraticidade, como na Terra, tiram da própria imaginação o relato de muitas coisas que nada têm de real.” Retrato perfeito de Ramatis, traçado cem anos antes…

Em cada ano, vinha um novo livro de Ramatis. Em 1962, “O sublime peregrino”, contando a vida de Jesus. A diretoria da Federação Espírita do Estado de São Paulo preocupada com o rumo que as coisas tomavam, solicitou à Comissão de Doutrina que fizesse um estudo minucioso e desapaixonado sobre esse livro. A comissão, da qual fazíamos parte, elaborou o seguinte parecer, que foi aprovado unanimemente pelo Conselho Deliberativo da Feesp:

“O livro em apreço apresenta algumas facetas interessantes e vários capítulos perfeitamente aceitáveis; todavia contém erros doutrinários clamorosos à luz do Espiritismo, como os contidos nos capítulos 4 e 5, que poderá semear a confusão nos meios espíritas. Admite a influência astral sobre as criaturas como força decisiva no seu destino (páginas 36 e 54); admite que os destinos estão traçados há muito tempo (pág. 56); e, pior que tudo, faz distinção entre Jesus e o Cristo, dizendo que o “Cristo Planetário” é uma entidade arcangélica, enquanto Jesus de Nazaré foi o seu médium mais perfeito na Terra (pág.62). Ramatis usa, constantemente, imagens e expressões católicas, como: arcanjo planetário, comando angélico, empreitada satânica, angelitude, coletividades satânicas, espíritos diabólicos, Salvador dos homens, atender à vontade do Senhor, a fim de redimir a humanidade, Jesus se glorificou pela sua própria morte sacrificial na cruz, carregava nos ombros frágeis a cruz das dores e do sofrimento de todos os homens etc. A todo instante, valoriza a influência dos astros, coisa jamais aceita por Kardec. Introduz conceitos orientais na interpretação da vida de Jesus.

Para que não haja confusões doutrinárias, considera a Federação que a leitura do livro só deveria ser feita por pessoas bem esclarecidas na Doutrina, com capacidade para extrair as noções boas da obra, escoimando-as das graves falhas à luz da Codificação, a fim de que se evitem os perigosos desvios doutrinários, uma vez que a obra não pode ser considerada de teor espírita por vir profundamente eivada de expressões não-espíritas, essencialmente esotéricas e católicas”.

Ary Lex foi professor titular de Biologia Educacional e Biologia I da Universidade Mackenzie por 15 anos. Como orador e escritor espírita foi sempre intransigente defensor dos princípios doutrinários, não se recusando às polêmicas quando se tratava de defender suas idéias de pureza da doutrina.Escreveu muitos artigos na imprensa espírita e publicou as seguintes obras: "Pureza Doutrinária", "Do sistema nervoso à mediunidade", "60 anos de Espiritismo no Estado de São Paulo" (nossa vivência), tendo ainda participado em vários boletins da AMESP.

BIOGRAFIA - Divaldo Pereira Franco

Divaldo é um verdadeiro apóstolo do Espiritismo. Dos seus oitenta anos, sessenta foram devotados à causa Espírita e às crianças excluídas, das periferias de sua Salvador. Nasceu em cinco de maio de 1927, na cidade de Feira de Santana, Bahia, e desde a infância se comunica com os espíritos. Cursou a Escola Normal Rural de Feira de Santana, recebendo o diploma de professor primário, em 1943. Trabalhou como escriturário no antigo IPASE, em Salvador, aposentando-se em 1980.

É reconhecido como um dos maiores médiuns e oradores Espíritas da atualidade e o maior divulgador da Doutrina Espírita por todo o Mundo.

Seu currículo revela um exímio e devotado educador com mais de 600 filhos adotivos e mais de 200 netos, atendendo atualmente a cerca de 3.000 crianças, adolescentes e jovens de famílias de baixa renda, por dia, em regime de semi-internato e externato.

Orador com mais de 11.000 conferências, em mais de 2.000 cidades em todo o Brasil e em 62 países, concedendo mais de 1.100 entrevistas de rádio e TV, em mais de 450 emissoras. Recebeu mais de 700 homenagens, de instituições culturais, sociais, religiosas, políticas e governamentais.

Como médium, publicou 202 livros, com mais de 8 milhões de exemplares, onde se apresentam 211 Autores Espirituais, muitos deles ocupando lugar de destaque na literatura, no pensamento e na religiosidade universais. Dessas obras, houve 92 versões para 16 idiomas (alemão, albanês, catalão, espanhol, esperanto, francês, holandês, húngaro, inglês, italiano, norueguês, polonês, tcheco, turco, russo, sueco e sistema Braille). Além de 17 escritos por outros autores, sobre sua vida e sua obra. A renda proveniente da venda dessas obras, bem como os direitos autorais foram doados, em Cartório, à Mansão do Caminho e outras entidades filantrópicas.

Espírita convicto, fundou o Centro Espírita Caminho da Redenção em sete de setembro de 1947.

Dois anos depois, iniciou a sua tarefa de psicografia. Diversas mensagens foram escritas por seu intermédio. Sob a orientação dos Benfeitores Espirituais guardou o que escreveu, até que um dia recebeu a recomendação para queimar tudo o que escrevera até ali, pois não passava de simples exercício. Com a continuação, vieram novas mensagens assinadas por diversos Espíritos, dentre eles: Joanna de Ângelis, que durante muito tempo apresentava-se como Um Espírito Amigo, ocultando-se no anonimato à espera do instante oportuno para se identificar. Joanna revelou-se como sua orientadora espiritual, escrevendo inúmeras mensagens, num estilo agradável repassado de profunda sabedoria e infinito amor, que conforta as pessoas necessitadas dando diretriz espiritual.

Em 1964, Divaldo, sob orientação de Joanna de Ângelis, selecionou várias mensagens de autoria da mentora e enfeixou-as no livro Messe de Amor, que se tornou o primeiro livro psicografado por Divaldo. Atualmente, o médium é recordista e conta com 202 títulos publicados, incluindo os biográficos que retratam sua vida e obra.

MANSÃO DO CAMINHO

Divaldo Pereira Franco é emérito educador. Fundou em 1952, na cidade de Salvador, Bahia, com Nilson de Souza Pereira, a Mansão do Caminho, instituição que acolheu e educou crianças sob o regime de Lares Substitutos.

Em 20 Casas Lares, educou mais de 600 filhos, hoje emancipados, a maioria com família constituída.

Na década de 60, iniciou a construção de escolas, oficinas profissionalizantes e atendimento médico.

Hoje, a Mansão do Caminho é um admirável complexo educacional com 83.000 m2 e 50 edificações que atende a três mil crianças e jovens de famílias de baixa renda, na Rua Jaime Vieira Lima, n° 1 , Pau da Lima, um dos bairros periféricos mais carentes de Salvador. O complexo atende a diversas atividades sócio-educacionais como: enxovais, Pré-Natal, Creche, escolas de ensino básico de 1º e 2º graus, Informática, Cerâmica, Panificação, Bordado, Reciclagem de Papel, Centro Médico, Laboratório de Análises Clínicas, Atendimento Fraterno, Caravana Auta de Souza, Casa da Cordialidade e Bibliotecas. Mais de 30 mil crianças passaram, até hoje, pelos vários cursos e oficinas da Mansão do Caminho. A obra é basicamente mantida com a venda dos livros mediúnicos e das fitas gravadas nas palestras, seminários, entrevista e mensagens por Divaldo.

Fonte: site da Mansão do Caminho http://www.mansaodocaminho.com.br

quarta-feira, 29 de julho de 2009

OLE - Considerações sobre a Pluralidade das Existências


Por Allan Kardec

222.O dogma da reencarnação, dizem algumas pessoas, não é novo e foi retirado de Pitágoras. Mas jamais dissemos que a doutrina espírita fosse uma invenção moderna. O Espiritismo deve ter existido desde a origem dos tempos, pois decorre da própria Natureza. Temos sempre procurado provar que se encontram os seus traços desde a mais alta Antiguidade. Pitágoras, como se sabe, não é o criador do sistema de metempsicose, que tomou dos filósofos indianos e dos meios egípcios, onde ela existia desde de épocas imemorais. A idéia da transmigração das almas era, portanto, uma crença comum, admitida pelos homens mais eminentes. Por que maneira chegou até eles? Não sabemos. Mas, seja como for, uma idéia não atravessa as idades e não é aceita pelas inteligências mais adiantadas, se não tiver um aspecto sério. A antiguidade desta doutrina, portanto, em vez de ser uma objeção, devia ser antes uma prova a seu favor. Há, porém, como igualmente se sabe, entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação, a grande diferença de que os Espíritos rejeitam, da maneira mais absoluta, a transmigração do homem nos animais e vice-versa.

Os Espíritos, ensinando o dogma da pluralidade das existências corpóreas, renovam uma doutrina que nasceu nos primeiros tempos do mundo, e que se conservou até os nossos dias, no pensamento íntimo de muitas pessoas. Apresentam-na, porém, de um ponto de vista mais racional, mais conforme às leis progressivas da natureza e mais em harmonia com a sabedoria do Criador, ao despojá-la de todos os acréscimos da superstição. Uma circunstância digna de nota é que não foi apenas neste livro que eles a ensinaram, nos últimos tempos: desde antes da sua publicação, numerosas comunicações da mesma natureza foram obtidas, em diversas regiões, e multiplicaram-se consideravelmente depois. Seria o caso, talvez, de examinar-se por que todos os Espíritos não parecem de acordo sobre este ponto. É o que faremos logo mais.

Examinemos o assunto por outro ângulo, fazendo abstração da intervenção dos Espíritos. Deixemo-los de lado por um instante. Suponhamos que esta teoria não foi dada por eles; suponhamos mesmo que nunca se tenha cogitado disto com os Espíritos. Coloquemo-nos momentaneamente numa posição neutra, admitindo o mesmo grau de probabilidade para uma hipótese e outra, a saber: a da pluralidade e a da unicidade das existências corpóreas, e vejamos para que lado nos levam a razão e o nosso próprio interesse.

Certas pessoas repelem a idéia da reencarnação pelo único motivo de que ela não lhes convém, dizendo que lhes basta uma existência e não desejam iniciar outra semelhante. Conhecemos pessoas que, à simples idéia de voltar à Terra, ficam enfurecidas. Só temos a lhes perguntar se Deus devia pedir-lhes conselho e consultar os seus gostos, para ordenar o Universo. De duas uma: a reencarnação existe ou não existe. Se existe, é inútil opor-se a ela, pois terão de sofrê-la, sem que Deus lhes peça permissão para isso. Parece-nos ouvir um doente dizer: — Já sofri hoje demais e não quero tornar a sofrer amanhã. Qualquer que seja a sua má vontade, isso não o fará sofrer menos amanhã e nos dias seguintes, até que consiga curar-se. Da mesma maneira, se essas pessoas devem reviver corporalmente, reviverão, tornarão a reencarnar-se; perderão o tempo de protestar, como uma criança que não quer ir à escola ou um condenado, à prisão, pois terão de passar por ela. Objeções dessa espécie são demasiado pueris para merecerem exame mais sério. Diremos, entretanto, a essas pessoas, para tranqüilizá-las, que a doutrina espírita sobre a reencarnação não é tão terrível como pensam, e que, se a estudassem a fundo, não teriam do que se assustar. Saberiam que essa nova existência depende delas mesmas: será feliz ou desgraçada, segundo o que tiverem feito neste plano, e podem desde já elevar-se tão alto, que não mais deverão temer nova queda no lodaçal.

Supomos falar a pessoas que acreditam num futuro qualquer após a morte, e não às que só têm o nada como perspectiva, ou que desejam mergulhar a sua alma no Todo Universal, sem conservar a individualidade, como as gotas de chuva no oceano, o que vem a ser mais ou menos a mesma coisa. Se acreditais num futuro qualquer, por certo não admitireis que ele seja o mesmo para todos, pois qual seria a utilidade do bem? Por que reprimir-se, por que não satisfazer a todas as paixões, a todos os desejos, mesmo à custa dos outros, pois que isso não teria conseqüência? Acreditais, pelo contrário, que esse futuro será mais ou menos feliz ou desgraçado, segundo o que tivermos feito durante a vida; e tereis o desejo de que seja o mais feliz possível, pois que deverá durar pela eternidade? Teríeis, por acaso, a pretensão de ser uma das criaturas mais perfeitas que já passaram pela Terra, tendo, assim, o direito imediato à felicidade dos eleitos? Não. Admitis, então, que há criaturas que valem mais do que vós e têm direito a uma situação melhor, sem por isso vos considerardes entre os réprobos. Pois bem, colocai-vos por um instante, pelo pensamento, nessa situação intermediária, que será a vossa, como o admitis, e suponde que alguém venha dizer-vos: — “Sofreis, não sois tão felizes como poderíeis ser, enquanto tendes diante de vós os que gozam de uma felicidade perfeita; quereis trocar a vossa posição com a deles?” — “Sem dúvida!”, responderíeis, “mas o que devo fazer?” — “Quase nada: recomeçar o que fizestes mal e tratar de fazê-lo melhor.” — Hesitaríeis em aceitar, mesmo que fosse ao preço de muitas existências de provas?

Façamos uma comparação mais prosaica. Se a um homem que, sem estar na miséria extrema, passa pelas privações decorrentes da sua precariedade de recursos viessem dizer: 

— “Eis uma imensa fortuna, que podereis gozar, sendo, porém, necessário trabalhar rudemente durante um minuto”—; fosse ele o maior preguiçoso da terra, e diria sem hesitar: — “Trabalhemos um minuto, dois minutos, uma hora, um dia, se for preciso! O que será isso, para acabar a minha vida na abundância?” Ora, o que é a duração da vida corporal, em relação à da eternidade? Menos que um minuto, menos que um segundo.

Ouvimos algumas vezes este raciocínio: Deus, que é soberanamente bom, não pode impor ao homem o reinicio de uma série de misérias e tribulações. Acharão, por acaso, que há mais bondade em condenar o homem a um sofrimento perpétuo, por alguns momentos de erro, do que em lhe conceder os meios de reparar as suas faltas? Dois fabricantes tinham, cada qual, um operário que podia aspirar a se tornar sócio da firma. Ora, aconteceu que esses dois operários empregaram mal, certa vez, o seu dia de trabalho e mereceram ser despedidos. Um dos fabricantes despediu o seu empregado, apesar de suas súplicas, e este, não mais encontrando emprego, morreu na miséria. O outro disse ao seu: — “Perdeste um dia e me deves uma compensação; fizeste mal o trabalho e me deves a reparação; eu te permito recomeçar; trata de fazê-lo bem, e eu te conservarei, e poderás continuar aspirando à posição superior que te prometi”. Seria necessário perguntar qual dos dois fabricantes foi mais humano? Deus, que é a própria clemência, seria mais inexorável que um homem? O pensamento de que a nossa sorte está para sempre fixada, em alguns anos de prova, ainda mesmo quando nem sempre dependesse de nós atingir a perfeição sobre a Terra, tem qualquer coisa de pungente, enquanto a idéia contrária é eminentemente consoladora, pois não nos tira a esperança. Assim, sem nos pronunciarmos pró ou contra a pluralidade das existências, sem admitir uma hipótese mais do que a outra, diremos que, se pudéssemos escolher, ninguém preferiria um julgamento sem apelo. Um filósofo disse que, se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo, para a felicidade do gênero humano; o mesmo se poderia dizer da pluralidade das existências. Mas, como dissemos, Deus não pede licença, não consulta as nossas preferências; as coisas são ou não são. Vejamos de que lado estão as probabilidades, e tomemos o problema sob outro ponto de vista, fazendo sempre abstração do ensinamento dos Espíritos e unicamente, portanto, como estudo filosófico.
Se não há reencarnação, não há mais do que uma existência corporal, isso é evidente. Se nossa existência corporal é a única, a alma de cada criatura foi criada por ocasião do nascimento, a menos que admitamos a anterioridade da alma. Mas neste caso perguntaríamos o que era a alma antes do nascimento, e se o seu estado não constituiria uma existência, sob qualquer forma. Não há, pois, meio-termo: ou a alma existia ou não existia antes do corpo. Se ela existia, qual era a sua situação? Tinha ou não consciência de si mesma? Se não a tinha, era mais ou menos como se não existisse; se tinha, sua individualidade era progressiva ou estacionária. Num e noutro caso, qual a sua situação ao chegar ao corpo? Admitindo, de acordo com a crença vulgar, que a alma nasce com o corpo ou, o que dá no mesmo, que antes da encarnação só tinha faculdades negativas, formulamos as seguintes questões:

l. Por que a alma revela aptidões tão diversas e independentes das idéias adquiridas pela educação?

2. De onde vem a aptidão extra-normal de algumas crianças de pouca idade para esta ou aquela ciência, enquanto outras permanecem inferiores ou medíocres por toda a vida?

3. De onde vêm, para uns, as idéias inatas ou intuitivas, que não existem para outros?

4. de onde vêm, para certas crianças, os impulsos precoces de vícios ou virtudes, esses inatos de dignidade ou de baixeza, que contrastam com o meio em que nasceram?

5. Por que alguns homens, independentemente da educação, são mais adiantados que os outros?

6. Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomarmos uma criança hotentote, de peito, e a educarmos, enviando-a depois aos mais renomados liceus, faremos dela um Laplace ou um Newton?

Perguntamos qual a Filosofia ou a Teosofia(1) que pode resolver esses problemas. Ou as almas são iguais ao nascer, ou não o são: quanto a isso não há dúvida. Se são iguais, por que essas tamanhas diferenças de aptidões? Dirão que dependem do organismo. Mas nesse caso, teríamos a doutrina mais monstruosa e mais imoral. O homem não seria mais que uma máquina, joguete da matéria; não teria a responsabilidade dos seus atos; tudo poderia atribuir-se às suas imperfeições físicas. Se as almas são desiguais, foi Deus quem as criou assim. Então, por que essa superioridade inata, conferida a alguns? Essa parcialidade estaria conforme à sua justiça e ao amor que dedica por igual a todas as criaturas?
Admitamos, ao contrário, uma sucessão de existências anteriores e progressivas, e tudo se explicará. Os homens trazem, ao nascer, a intuição do que já haviam adquirido. São mais ou menos adiantados, segundo o número de existências por que passaram ou conforme estejam mais ou menos distanciados do ponto de partida: precisamente como, numa reunião de pessoas de todas as idades, cada uma terá um desenvolvimento de acordo com o números de anos vividos. Para a vida da alma, as existências sucessivas serão o que os anos são para a vida do corpo. Reuni um dia mil indivíduos de um até oitenta anos; suponde que um véu tenha sido lançado sobre todos os dias anteriores, e que, na vossa ignorância, julgais todos eles nascidos no mesmo dia: perguntaríeis, naturalmente, por que uns são grandes e outros pequenos, uns velhos e outros jovens, uns instruídos e outros ainda ignorantes. Mas, se a nuvem que vos oculta o passado for afastada, se compreenderdes que todos viveram por mais ou menos tempo, tudo estará explicado. Deus, na sua justiça, não podia ter criado almas mais perfeitas e outras menos perfeitas, mas, com a pluralidade das existências, a desigualdade que vemos nada tem de contrário à mais rigorosa equidade. É porque só vemos o presente e não o passado, que não o compreendemos. Este raciocínio repousa sobre algum sistema, alguma suposição gratuita? Não, pois partimos de um fato patente, incontestável: a desigualdade de aptidões e do desenvolvimento intelectual e moral. E verificamos que esse fato é inexplicável por todas as teorias correntes, enquanto a explicação é simples, natural, lógica, por uma nova teoria. Seria racional preferirmos aquela que nada explica à outra que tudo explica?
No tocante à sexta pergunta, dirão sem dúvida que o hotentote é uma raça inferior. Então perguntaremos se o hotentote ó ou não humano. Se é humano, por que teria Deus, a ele e a toda a sua raça, deserdado dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se o não é, por que procurar fazê-lo cristão? A doutrina espírita é mais ampla que tudo isso. Para ela, não há muitas espécie de homens, mas apenas homens, seres humanos cujos espíritos são mais ou menos atrasados, mas sempre suscetíveis de progredir. Isso não está mais conforme à justiça de Deus?
Vimos a alma no seu passado e no seu presente. Se a considerarmos quanto ao futuro, encontraremos as mesmas dificuldades.
1. Se a existência presente deve ser decisiva para a sorte futura, qual é, na vida futura, respectivamente, a posição do selvagem e a do homem civilizado? Estarão no mesmo nível ou estarão distanciados no tocante à felicidade eterna?
2. O homem que trabalhou toda a vida para melhorar-se estará no mesmo plano daquele que permaneceu inferior, não por sua culpa, mas porque não teve o tempo nem a possibilidade de melhorar?
3. O homem que praticou o mal, por não ter podido esclarecer-se, culpado por um estado de coisas que dele em nada dependeu?
4. Trabalha-se para esclarecer os homens, para os moralizar e civilizar. Mas, para um que se esclarece, há milhões que morrem cada dia antes que a luz consiga atingi-los. Qual é a sorte destes? Serão tratados como réprobos? Caso contrário, o que fizeram eles para merecerem estar no mesmo plano que os outros?
5. Qual é a sorte das crianças que morrem em tenra idade, antes de poderem ter feito o mal ou o bem? Se estiverem entre os eleitos, por que esse favor, sem nada terem feito para o merecer? Por que privilégio foram elas subtraídas às tribulações da vida?
Há uma doutrina que possa resolver essas questões? Admiti as existências sucessivas, e tudo estará explicado de acordo com a justiça de Deus. Aquilo que não pudermos fazer numa existência, faremos em outra. É assim que ninguém escapa à lei do progresso. Cada um será recompensado segundo o seu verdadeiro merecimento, e ninguém é excluído da felicidade suprema, a que pode aspirar, sejam quais forem os obstáculos que encontre no seu caminho.
Essas questões poderiam ser multiplicadas ao infinito, porque os problemas psicológicos e morais que não encontram solução, a não ser na pluralidade das existências, são inumeráveis. Limitamo-nos apenas aos mais gerais. Seja como for, talvez se diga que a doutrina da reencarnação não é admitida na Igreja; isto seria, portanto, a subversão da religião. Nosso objetivo não é, no momento, tratar desta questão, bastando-nos haver demonstrado que ela é eminentemente moral e racional. Ora, o que é moral e racional não pode ser contrário a uma religião que proclame Deus como a bondade e a razão por excelência. O que teria acontecido à religião se, contra a opinião universal e o testemunho da Ciência, tivesse resistido à evidência e expulsado de seu seio quem não acreditasse no movimento do sol e nos seis dias da criação? Que crédito mereceria e que autoridade teria, entre os povos esclarecidos, uma religião baseada nos erros evidentes, oferecidos como artigos de fé? Quando a evidência foi demonstrada, a Igreja sabiamente se alinhou ao seu lado. Se está provado que existem coisas que seriam impossíveis sem a reencarnação, se certos pontos do dogma não podem ser explicados senão por este meio, será necessário admiti-la e reconhecer que o antagonismo entre essa doutrina e os dogmas é apenas aparente. Mais tarde mostraremos que a religião talvez esteja menos afastada desta doutrina do que se pensa, e que ela não sofreria mais, ao admiti-la, do que com a descoberta do movimento da Terra e dos períodos geológicos, que a princípio pareciam opor um desmentido aos textos sagrados. O princípio da reencarnação ressalta, aliás, de muitas passagens das Escrituras, encontrando-se especialmente formulado, de maneira explícita, no Evangelho:
“Descendo eles da montanha (após a transfiguração), Jesus lhe: preceituou, dizendo: — Não digais a ninguém o que vistes, até que o Filho do Homem seja ressuscitado de entre os mortos. Seus discípulos então o interrogaram, e lhe disseram: — Por que dizem então os escribas que é necessário que Elias venha primeiro ? E Jesus, respondendo, lhes disse: — Em verdade, Elias virá primeiro e restabelecerá todas as coisas. Mas eu vos declaro que Elias já veio, e eles não o conheceram, antes o fizeram sofrer, tudo quanto quiseram. Assim também eles farão morrer o Filho do Homem. Então entenderam os discípulos que era de João Batista que ele lhes havia falado. “ (São Mateus, cap. XVII.)
Ora, se João Batista era Elias, houve então a reencarnação do Espírito ou da alma de Elias no corpo de João Batista.
Seja qual for, de resto, a opinião que se tenha sobre a reencarnação, que a aceitem ou não, ninguém a ela escapará por causa da crença em contrário. O ponto essencial é que se apóia na imortalidade da alma, nas penas e recompensas futuras, no livre-arbítrio do homem, na moral do Cristo, e, portanto, não é anti-religioso.
Raciocinamos, como dissemos, fazendo abstração de todo o ensinamento espírita, que, para certas pessoas, não tem autoridade. Se, como tantos outros, adotamos a opinião referente à pluralidade das existências, não é somente porque ela veio dos Espíritos, mas porque nos parece a mais lógica e a única que resolve as questões até então insolúveis. Que ela nos viesse de um simples mortal, e a adoraríamos da mesma maneira, não hesitando em renunciar à nossas próprias idéias. Do mesmo modo, nós a teríamos repelido, embora viesse dos Espíritos, se nos parecesse contrária à razão, como repelimos tanta outras. Porque sabemos por experiência que não se deve aceitar de olhos fechados tudo o que vem dos Espíritos, como aquilo que vem da parte do homens. Seu primeiro título aos nossos olhos é, e antes de tudo, o de se lógica. Mas ainda tem outro, que é o de ser confirmada pelos fatos: fato positivos e por assim dizer materiais, que um estudo atento e raciocinado pode revelar a quem se der ao trabalho de observá-los com paciência perseverança e diante dos quais a dúvida não é mais possível. Quando esses fatos se popularizarem, como os da formação e do movimento da Terra, ser necessário reconhecer a evidência, e os seus opositores terão gasto em vão os argumentos contrários.
Reconhecemos, em resumo, que a doutrina da pluralidade das existências é a única a explicar aquilo que, sem ela, é inexplicável. Que é eminentemente consoladora e conforme à justiça mais rigorosa, sendo para o homem a tábua de salvação que Deus lhe concedeu, na sua misericórdia.
As próprias palavras de Jesus não podiam deixar dúvida a respeito. Eis o que se lê no Evangelho segundo São João, capítulo III:
“3. Jesus, respondendo a Nicodemos disse, — Em verdade, em verdade, te digo que, se um homem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.
“4. Nicodemos lhe disse: — Como pode um homem nascer, quando está velho?” Pode ele entrar de novo no ventre de sua mãe e nascer uma segunda vez?
“5. Jesus respondeu:— Em verdade, em verdade, te digo que, se um homem não nascer da água e do espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do espírito é espírito. Não te maravilhes de eu te haver dito: necessário vos é nascer de novo.” (Ver a seguir, o artigo Ressurreição da carne, item 1010.) (1)
Fonte: KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de José Herculano Pires.

(1) A reencarnação está hoje provada, através dos casos de lembranças de vidas anteriores em crianças, de pesquisas hipnóticas de regressão da memória, de avisos mediúnicos de renascimento com sinais e condições posteriormente verificados. Embora as Ciências oficiais ainda relutem em aceitar essas provas, a Ciência Espírita as considera válidas e espera para breve a sua aceitação oficial. (N. do T.)

(1) - Kardec não se refere à doutrina da Sociedade Teosófica, que só foi fundada mais tarde, em 1875, mas à teosofia num sentido geral, como era então conhecida a palavra, ou seja, uma forma de conhecimento intuitivo ou racional das coisas divinas. (N.do T.)

Um pintor cego. Dá para explicar?

por Milton R. Medran Moreira*

Os gênios também divergem. Discípulos dissentem de seus mestres. Foi o que aconteceu entre Platão e Aristóteles e suas respectivas teorias do conhecimento. Platão defendia a tese das ideias inatas. Para ele, a alma, e só ela, era detentora do conhecimento. Seu mais famoso discípulo discordou. Aristóteles cunhou a frase que aprendi nos velhos tempos de latim: “Nihil est in intelelectu quod non prius fuerit in sensu” (nada está no intelecto que não tenha primeiro passado pelos sentidos). Ou seja: é pela visão, pelo tato, pelos sentidos corporais, enfim, que adquirimos o conhecimento. Sem experienciar, nada aprendemos. Diferente de seu mestre para quem “aprender é recordar”, ou seja, é acessar o imenso universo das ideias que deixamos lá fora da caverna, onde estamos acorrentados e permaneceremos enquanto nossa alma não se libertar do corpo.

Estou recorrendo aos dois gênios da Grécia Antiga para tentar desvendar um mistério de nossos dias. Na Turquia, não muito distante, pois, da pátria onde se deu esse embate intelectual, um homem chamado Esref Armagan encanta e confunde o mundo. Encanta porque pinta maravilhosamente bem. Uma pintura leve, cheia de cores, de gramados muito verdes, de casinhas multicoloridas com vasos de flores nas janelas e passarinhos pousando nelas. Confunde porque esse homem nasceu cego. Nunca enxergou. Sua relação com tudo o que o rodeia dá-se preferentemente pelo tato. Para pintar seus quadros toca nas flores, nas plantas, nas pessoas e, depois, reproduze-as com os acréscimos que sua alma de artista é capaz de criar.

De sua alma, eu falei? Bem, aí é que a coisa pega. O mundo pós-moderno está muito mais para aristotélico do que platônico. A alma dos filósofos idealistas, que foram tantos e tão ricos e que se derramaram também pela modernidade, já não conta para a ciência dos neurônios e dos bits. Juntos, estes se apresentam como capazes de explicar todas as maravilhas dos homens e das máquinas. A neurociência localiza no cérebro a sede e a causa de cada emoção, de cada gesto e comportamento, do bem e do mal. E nessa ditadura neuronial não sobra lugar para a alma. Esta, antes liberta no vasto mundo das ideias, agora é propriedade exclusiva das religiões. Prisioneira do dogma, foi encerrada no quarto escuro do mistério.

Platão não teria dúvida. O pintor que nasceu sem os olhos nem sempre teria sido cego. Sua alma, viajora do tempo, antes de aprisionar-se ao corpo, percebera e retivera as imagens que hoje pinta mesmo sem as ver. Para os neurocientistas, no entanto, há um campo no cérebro onde se formam as imagens captadas pela visão. Quem não enxerga, como Esref, pode suprir isso com os outros sentidos, especialmente o tato, formando, naquela mesma área cerebral, as imagens que consegue reproduzir em tintas com seu pincel.

Só não consigo entender como Esref, sem ver, pinta o gramado de verde, as flores com suas cores originais, os telhados vermelhos com a neve branca. Ou melhor, consigo, sim. Para isso, preciso harmonizar as relações Platão/Aristóteles: sim, é a alma que conhece, como disse um. Sim, o conhecimento chega pelas percepções sensoriais, como afirmou outro. A síntese dessas duas afirmativas, à primeira vista antagônicas, se dá pela lei das vidas sucessivas e pelas reminiscências que delas guarda a alma ou espírito. Uma lei em tudo racional, capaz de interpretar o fenômeno Esref. Mas para aceitá-la será preciso enfrentar dois dogmas da pós-modernidade: o de que a alma não existe, e o de que se, vá lá, possa existir, é coisa que deve ser aprisionada no quarto escuro do mistério e da fé.

* Milton R. Medran Moreira é Jornalista e membro correspondente da Associação de Estudos e Pesquisas Espíritas de João Pessoa.

Para maiores informações, clique aqui.

terça-feira, 28 de julho de 2009

BIOGRAFIA - Manoel Philomeno de Miranda

Em 14 de novembro de 1876 nasceu, em Jangada, município do Conde, Estado da Bahia, o discípulo fiel da seara de Jesus, Manoel Philomeno de Miranda.

Conheceu o Espiritismo em 1914 através do médium Saturnino Favila. Por essa época conheceu, também, José Petitinga, estabelecendo forte amizade com ele, ao mesmo tempo em que começava a freqüentar as sessões da União Espírita Baiana que havia sido recentemente fundada, em 1915.

Discípulo de José Petitinga, tinha a mesma maneira especial de tratar e doutrinar os assistentes das sessões da "União", sempre baseadas num magistral versículo evangélico.

Desde 1918, Miranda participava assiduamente das sessões, interessado superiormente nos assuntos doutrinários do Espiritismo e sendo um dos mais firmes adeptos dos seus ensinos.

Fez parte da diretoria da União Espírita Baiana desde 1921 até o dia da sua desencarnação, em 14 de julho de 1942. Também presidia as sessões mediúnicas e trabalhos do Grupo Fraternidade, sempre muito empenhado em tratar as obsessões.

Durante esse longo período Miranda foi um baluarte do Espiritismo. Onde estivesse, aí estaria a doutrina e sua propaganda exercida com proficiência de um doutor, um abnegado. Delicado no trato, mas heróico na luta.

Publicou, sem o seu nome, as obras "Resenha do Espiritismo na Bahia" e "Excertos que justificam o Espiritismo", além do opúsculo "Porque sou Espírita" em resposta ao Pe. Huberto Rohden.

Sofrendo do coração, subia as escadas a fim de não faltar às sessões, sorrindo e sempre animado. Queria extinguir-se no seu cumprimento. Sentia imensa alegria em dar os seus dias ao serviço do Cristo. Sobre as suas últimas palavras, assim escreve A M. Cardoso e Silva: "Agora sim! Não vou porque não posso mais. Estou satisfeito porque cumpri o meu dever. Fiz o que pude... o que me foi possível. Tome conta dos trabalhos, conforme já determinei". Era antevéspera da sua desencarnação.

Querido de quantos o conheceram - pois quem o conhecia não podia deixar de amá-lo -, até o último instante demonstrou a firmeza da tranqüilidade dos justos, proclamando e testemunhando a grandeza imortal da Doutrina Espírita.

Divaldo Pereira Franco nos conta como iniciou seu relacionamento com o amoroso Benfeitor, conforme relato no livro Semeador de Estrelas, da escritora e médium Suely Caldas Schubert:

"No ano de 1950 Chico Xavier psicografou para mim uma mensagem ditada pelo Espírito José Petitinga e no próximo encontro uma outra ditada pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. ( ... )

"No ano de 1970 apareceu-me o Espírito Manoel Philomeno de Miranda, dizendo que, na Terra, havia trabalhado na União Espírita Baiana, tendo exercido vários cargos, dedicando-se, especialmente à tarefa do estudo da mediunidade e da desobsessão. (...)

"Quando chegou ao Mundo Espiritual foi estudar em mais profundidade as alienações por obsessão e as técnicas correspondentes da desobsessão. (...)

"Convidado por Joanna de ngelis, para trazer o seu contributo em torno da mediunidade, da obsessão e desobsessão, ele ficou quase trinta anos realizando estudos e pesquisas e elaborando trabalhos que mais tarde iria enfeixar em livros. (...)

"Ao me aparecer, então, pela primeira vez, disse-me que gostaria de escrever por meu intermédio.

"Levou-me a uma reunião, no Mundo Espiritual, onde reside, e ali, mostrou-me como eram realizadas as experiências de prolongamento da vida física através da transfusão de energia utilizando-se do perispírito.

"Depois de uma convivência de mais de um mês, aparecendo-me diariamente, para facilitar o intercâmbio psíquico entre ele e mim, começou a escrever "Nos Bastidores da Obsessão", que são relatos, em torno da vida espiritual, das técnicas obsessivas e de desobsessão. ( ... )

"Na visita que Manoel Philomeno me permitiu fazer à Colônia em que ele se hospedava, levou-me a uma curiosa biblioteca. Mostrou-me como são arquivados os trabalhos gráficos que se fazem na Terra. Disse-me que, quando um escritor ou um médium, seja quem for, escreve algo que beneficia a Humanidade - no caso do escritor - é um profissional, mas, o que ele produz é edificante, nessa biblioteca fica inscrito, com um tipo de letra bem característico, traduzindo a nobreza do seu conteúdo. À medida que a mente, aqui, no planeta, vai elaborando, simultaneamente vai plasmando lá, nesses fichários muito sensíveis, que captam a onda mental e tudo imprimem.

"Quando a pessoa escreve por ideal e não é remunerado, ao se abrirem esses livros, as letras adquirem relevo e são de uma forma muito agradável à vista, tendo uma peculiar luminosidade. Se a pessoa, porém, o faz por ideal e estando num momento difícil, sofrido, mas ainda assim escreve com beleza, esquecendo-se de si mesma, para ajudar a sociedade, a criatura humana, ao abrir-se o livro, as letras adquirem uma vibração musical e se transformam em verdadeiros cantos, em que a pessoa ouve, vê e capta os registros psíquicos de quando o autor estava elaborando a tese.
"O oposto também é verdadeiro. ( ... )

"Eis porque vale a pena, quando estamos desalentados e sofridos, não desanimarmos e continuarmos as nossas tarefas, o que lhes dá um valor muito maior. Porque o trabalho diletante, o desportivo, o do prazer, já tem, na própria ação, a sua gratificação, enquanto o de sacrifício e de sofrimento exige a abnegação da pessoa, o esforço, a renúncia e, acima de tudo, a tenacidade, para tornar real algo que gostaria que acontecesse, embora o esteja realizando por entre dores e lágrimas."

Miranda, pela psicografia de Divaldo Franco, nos presenteia com diversos livros acerca da delicada problemática da obsessão, dentre os quais destacam-se: Entre os Dois Mundos, Trilhas da Libertação, Nos Bastidores da Obsessão, "Nas Fronteiras da Loucura, Tormentos da Obsessão, Sexo e Obsessão, e Reencontro com a Vida, dentre vários outros.

Fonte: O Espiritismo.com.br

BIOGRAFIA - Batuíra

Antônio Gonçalves da Silva Nascido em 19 de março de 1839, em Portugal, na Freguesia de Águas Santas, hoje integrada no Conselho da Maia.

Completada a sua instrução primária, veio para o Brasil, com apenas onze anos de idade, aportando no Rio de Janeiro, a 03 de janeiro de 1850.

Devido a ser um moço muito ativo, correndo daqui para acolá, a gente da rua o apelidara "o batuíra", o nome que se dava à narceja, ave pernalta, muito ligeira, de vôo rápido, que freqüentava os charcos na várzea formada, no atual Parque D. Pedro II, na cidade de São Paulo, pelos transbordamentos do rio Tamanduateí. Desde então o cognome "Batuíra" foi incorporado ao seu nome.

Batuíra desempenhou uma série de atividades que não cabe registrar nesta concisa biografia, entretanto, podemos afirmar que defendeu calorosamente a idéia da abolição da escravatura no Brasil, quer seja abrigando escravos em sua casa e conseguindo-lhes a carta de alforria, ou fundando um jornal a fim de colaborar na campanha encetada pelos grandes abolicionistas Luiz Gama, José do Patrocínio, Raul Pompéia, Paulo Ney, Antônio Bento, Rui Barbosa e tantos outros grandes paladinos das idéias liberais.

Homem de costumes simples, alimentando-se apenas de hortaliças, legumes e frutas, plantava no quintal de sua casa tudo aquilo de que necessitava para o seu sustento. Com as economias, adquiriu os então desvalorizados terrenos do Lavapés, em São Paulo, edificando ali boa residência e, ao lado dela, uma rua particular com pequenas casas que alugava a pessoas necessitadas. O tempo contribuiu para que tudo ali se valorizasse, propiciando a Batuíra apreciáveis recursos financeiros. A rua particular levaria, posteriormente, nome de Rua espírita, a qual existe até hoje.

Tomando conhecimento das altamente consoladoras verdades do Espiritismo, integrou-se resolutamente nessa causa, procurando pautar seus atos nos moldes dos preceitos evangélicos. Identificou-se de tal maneira com os postulados espíritas e evangélicos que, ao contrário do "moço rico" da narrativa evangélica, como que procurando dar uma demonstração eloqüente da sua comunhão com os preceitos legados por Jesus Cristo, desprendeu-se de tudo quanto tinha e pôs-se a seguir as suas pegadas. Distribuiu o seu tesouro na Terra, para entrar de posse daquele outro tesouro dos Céus.

Tornou-se um dos pioneiros do Espiritismo no Brasil e fundou o "Grupo Espírita Verdade e Luz", onde, no dia 6 de abril de 1890, diante de enorme assembléia, dava início a uma série de explanações sobre "O Evangelho Segundo o Espiritismo".

Nessa oportunidade deixara de circular a única publicação espírita da época, intitulada "Espiritualismo Experimental" redigida desde setembro de 1886, por Santos Cruz Junior. Sentindo a lacuna deixada por essa interrupção, Batuíra adquiriu uma pequena tipografia, a que denominou "Tipografia Espírita", iniciando a 20 de maio de 1890, a publicação de um quinzenário de quatro páginas com o nome "Verdade e Luz", posteriormente transformado em revista e do qual foi o diretor- responsável até a data de sua desencarnação. A tiragem desse periódico era das mais elevadas, pois de 02 ou 03 mil exemplares, conseguiu chegar até 15 mil, quantidade fabulosa para aquela época, quando nem os jornais diários ultrapassavam a casa dos 03 mil exemplares. Nessa tarefa gloriosa e ingente, Batuíra despendeu sua velhice. Era de vê-lo, trôpego, de grandes óculos, debruçado nos cavaletes da pequena tipografia, catando, com os dedos trêmulos, letras no fundo dos caixotins.

Para a manutenção dessa publicação, Batuíra despendeu somas respeitáveis, já que as assinaturas somavam quantia irrisória. Por volta de 1902 foi levado a vender uma série de casas situadas na Rua Espírita e na Rua dos Lavapés, a fim de equilibrar suas finanças.

Não era apenas esse periódico que pesava nas finanças de Batuíra. Espírito animado de grande bondade, coração aberto a todas as desventuras, dividia também com os necessitados o fruto de suas economias. Na sua casa a caridade se manifestava em tudo: jamais o socorro foi negado a alguém, jamais uma pessoa saiu dali sem ser devidamente amparada, havendo mesmo muitas afirmativas de que "um bando de aleijados vivia com ele". Quem ali chegasse, tinha cama, mesa e um cobertor.

Certa vez um desses homens que viviam sob o seu amparo, furtou-lhe um relógio de ouro e corrente do mesmo metal. Houve uma denúncia e ameaças de prisão. A esposa de Batuíra lamentou- se, dizendo: "é o único objeto bom que lhe resta". Batuíra, porém, impediu que se tomasse qualquer medida, afirmando: "Deixai-o, quem sabe precisa mais do que eu".

Batuíra casou-se em primeiras núpcias com Da. Brandina Maria de Jesus, de quem teve um filho, Joaquim Gonçalves Batuíra, que veio a desencarnar depois de homem feito e casado. Em segundas núpcias, casou-se com Da. Maria das Dores Coutinho e Silva; desse casamento teve um filho, que desencarnou repentinamente com doze anos de idade. Posteriormente adotou uma criança retardada mental e paralítica, a qual conviveu em sua companhia desde 1888.

Figura bastante popular na cidade de São Paulo, Batuíra tornou-se querido de todos, tendo vários órgãos da imprensa leiga registrado a sua desencarnação e apologiado a sua figura exponencial de homem caridoso e dedicado aos sofredores. Desencarnou em 22 de janeiro de 1909 em São Paulo.

Fonte: Grandes Vultos do Espiritismo, de Paulo Alves Godoy, Edições FEESP

Suicídio: uma abordagem espiritual

O suicídio é uma prática condenada por diversas religiões, entre elas, o Espiritismo.

O ser humano, muito individualista e materialista, se apega na maioria das vezes ao seu Eu, fixando a mente em seus problemas que julga ser os maiores do Universo.

Se limita à matéria, às paixões e aos vícios. Sendo assim, o seu mundo se reduz às coisas passageiras, esquecendo da eternidade que é a alma. Sua preocupação se torna uma obsessão; as pessoas ao seu redor muitas vezes não notam seus problemas, pois o indivíduo sabe camuflar de tal forma que quando o suicídio acontece é surpresa para todos.

Sabemos das dificuldades que cada um enfrenta no dia-a-dia. Cada um, realmente, carrega a sua cruz. Neste processo evolutivo as dificuldades enfrentadas são as mesmas, o que difere é que para uns pode ser menos penoso, devido a sua forma de ver os acontecimentos, ou seja, a evolução individual é algo primordial para que possamos ter um melhor entendimento da vida.

Atualmente, cerca de um milhão de pessoas cometem suicídio todos os anos, conforme dados da Organização Mundial da Saúde. Entre os países desenvolvidos, o Japão ocupa o primeiro lugar, e há tempos atrás ficou conhecido como o “Reino dos Suicídios”. Neste país, está se tornando comum a prática do suicídio coletivo. Em 2003, o Japão registrou 34 suicídios cometidos em duplas ou grupos por pessoas que se conheceram pela internet e faziam pactos. Também neste mesmo ano, foram registrados 34.427 suicídios no Japão, 7,1% a mais que em 2002. Está se tornando uma coisa tão comum que todos os anos diversos escritores lançam livros sobre este assunto. O livro Manual Completo do Suicídio, de Wataru Tsurumi, teve sua primeira edição lançada em 4 de julho de 1993, e se tornou um best-seller, pois descrevia inúmeras formas de suicídio, com ranking de facilidade, dor e dicas estratégicas.

Suicídio coletivo

O suicídio coletivo é uma prática antiga. Ficou conhecida devido às seitas que pregavam uma filosofia que chegava a psicotizar o indivíduo. Extraí de um site que fala um pouco da história das seitas, alguns dos suicídios coletivos mais famosos:

1978 – Vocês se lembram de Jim Jones? Era um líder fanático que se intitulava “pastor do Templo do Povo”. Possuía guarda-costas chamados de “anjos” e levou aproximadamente 900 pessoas ao suicídio na Guiana.

1985 – Na ilha de Mindanao, nas Filipinas, sessenta integrantes da tribo Ata são encontrados mortos em conseqüência de um envenenamento ordenado pelo “guru” Datu Mangayanon.

1987 – Em Yongin, arredores da capital Seul (Coréia do Sul), trinta e dois discípulos da sacerdotisa Park Soon-Ja foram encontrados com a garganta destroçada. Uma autópsia revelou que eles beberam um veneno muito potente.

1993 – Cinqüenta e três habitantes de um bairro de Ta He, 300 quilômetros a noroeste de Hanói, se suicidaram com armas de fogo para “chegar ao paraíso” prometido pelo chefe Ca Van Liem. Entre as vítimas estavam dezenove crianças.

1994 – Cinqüenta e três membros da seita “Ordem do Templo Solar” cometeram, igualmente, suicídio coletivo. A seita parecia praticar um tipo de culto solar. A morte dos membros parecia fazer parte de um ritual que levaria os indivíduos da seita para um outro planeta-estrela chamado “Sirius”. Para apressar a viagem, várias das vítimas, incluindo algumas crianças, foram mortas com disparos na cabeça ou asfixiadas com bolsas plásticas pretas ou envenenadas. Dois membros da seita, antes de morrer, deixaram escrito que eles estavam “deixando esta terra para encontrar uma nova dimensão de verdade e absolvição, longe da hipocrisia deste mundo”.

1997 – A seita americana “Porta do Céu”, Heaven’s Gate, fundada nos EUA em 1972 por Marshall Applewhite e Bonnie Lu Trousdale Nettles, cometeu suicídio coletivo. O saldo de mortos foi de trinta e nove pessoas. Homens de 26 a 72 anos, da classe média e alta, ingeriram comprimidos de fenobarbital acompanhado por forte dose de vodka, esperando irem embora da terra na cauda do cometa Halley.

1998 – No dia 05 de outubro de 1998, seis membros da seita conhecida como Igreja Youngsang (Vida Eterna), uma das muitas seitas apocalípticas da Coréia do Sul, e seu líder, Jong-min, 57 anos, foram encontrados queimados mortos em uma mini-van após um ritual religioso. A polícia coreana disse que o líder deixou sua casa em Seul, em julho, com seis seguidores, dizendo que eles estavam embarcando em uma viagem eterna.

2000 – Cerca de oitocentas pessoas que estavam envolvidas com a seita “Movimento Pela Restauração dos Dez Mandamentos” morreram carbonizadas na sede da seita, em Uganda, na África. Antes de cometerem o suicídio coletivo, o líder da seita os incentivou a abandonarem seus bens, pois iriam se encontrar com a Virgem Maria. Pelo jeito, o único mandamento que a seita não quis restaurar foi o “Não matarás”.

A timidez e o suicídio

O psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo publicou um estudo sobre as pessoas que praticam o suicídio, fazendo um paralelo com a timidez: “Obviamente, a problemática é mundial; vide o episódio no Japão sobre o suicídio coletivo dos hikikomoris (tímidos ou reclusos). Neste caso específico, a timidez caminhou para o suicídio, devido às pressões de uma determinada cultura que talvez não preste a atenção devida ao relacionamento humano, mas tão somente ao desempenho profissional e competição, embora não seja um aspecto encontrado apenas no Japão. (...) O tímido teme a situação de prova a todo o momento; quando se retira do contato cria uma ficção de vitória por não ter que passar por determinado apuro, mesmo que isto lhe custe um prazer futuro. (...) O tímido, na verdade, comete uma espécie de “estelionato social”; sua lei é retirar, sendo que os aspectos de egoísmo estão totalmente presentes. (...) O último estágio do processo da timidez é a depressão profunda ou o transtorno do pânico e até o suicídio, quando a pessoa não consegue mais nenhum tipo de satisfação devido a sua conduta masturbatória perante a vida. (...) O suicídio e timidez têm como temática básica a questão de como enfrentar a profunda solidão. O primeiro não enxerga nenhuma alternativa para resolver o dilema; o segundo se acostumou e desfruta da mesma”.

Alguns julgam a prática do suicídio um ato corajoso, outros, um ato covarde. A realidade é que é um ato penoso para quem pratica, pois seus problemas estarão apenas começando, após esta fuga da matéria. Ninguém queira conhecer o “Vale dos Suicidas”, ou melhor, deveriam ter pelo menos uma visão deste lugar para que tenham consciência de que se o inferno existe, ali é o lugar.

Um dos maiores escritores de Portugal, Camilo Castelo Branco, se suicidou aos 65 anos com um tiro no ouvido, quando foi acometido por uma cegueira, devido a uma doença nos olhos. Alguns anos mais tarde, por meio da médium Yvonne Pereira, escreveu Memórias de um Suicida, no qual descreveu com riqueza de detalhes a situação dos que suicidam e sua permanência no Vale dos Suicidas. Em determinado momento, ele fala sobre entidades perversas que escravizam criaturas nas condições amargurosas em que se via. Aprisionado, juntamente com outros suicidas, foram obrigados a fazer uma caminhada “penosamente, por um vale profundo, onde nos vimos obrigados a enfileirar-nos de dois a dois, enquanto faziam idênticas manobras os nossos vigilantes. Cavernas surgiram de um lado e outro das ruas que se diriam antes estreitas gargantas entre montanhas abruptas e sombrias, e todas numeradas. Tratava-se, certamente, de uma estranha “povoação”, uma “cidade” em que as habitações seriam cavernas, dada a miséria de seus habitantes, os quais não possuiriam cabedais suficientes para torná-las agradáveis e facilmente habitáveis (...) Não se distinguiria terreno, senão pedras, lamaçais ou pântanos, sombras, aguaceiros... Sob os ardores da febre excitante da minha desgraça, cheguei a pensar que, se tal região não fosse um pequeno recôncavo da Lua, existiriam por lá, certamente, locais muito semelhantes”.

Dessa forma, imaginem um grupo de suicidas chegando do “outro lado”, tomando ciência de que a vida continua, apesar da promessa de “paraíso” feita por “religioso” ou através de um pacto mal planejado pela Internet, onde a realidade não corresponde com a ilusão dos suicidas que terão que responder por estes atos. A frustração ao chegar do outro lado faz com que os suicidas se arrependam ardentemente, porém, é tarde demais.

Orientações espíritas

Em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, lê-se que “as conseqüências do suicídio são muito diversas: não há penas fixadas e, em todos os casos, são sempre relativas às causas que o provocaram. Mas uma conseqüência à qual o suicida não pode fugir é o desapontamento. De resto, a sorte não é a mesma para todos: depende das circunstâncias. Alguns expiam sua falta imediatamente, outros em uma nova existência que será pior que aquela da qual interromperam o curso”.

Entrevistei Richard Simonetti, um dos mais conceituados escritores espíritas. Perguntei: Quando uma determinada “religião” ou “líder religioso” levam seus seguidores ao suicídio coletivo, quem terá maior dosagem de culpa? Qual o grau de responsabilidade do líder religioso e do seu seguidor? Ele respondeu que “a responsabilidade maior será do líder, que terá, inclusive, o compromisso de ajudar seus seguidores a se recomporem”.

Indaguei novamente: “Caso o seguidor desta seita foi induzido ao suicídio, mesmo assim ele responderá por este ato praticado contra si próprio? Ele informou que “sim, porque não foi obrigado a matar-se, simplesmente rendeu-se às sugestões recebidas”.

Sendo assim, temos consciência de que tanto pela iniciativa, quanto pela indução, iremos responder pelos nossos atos, afinal, temos o livre-arbítrio para tomar as decisões que achamos cabíveis naquele momento, muitas vezes, sem ter a noção exata das conseqüências futuras.

Quando se deseja algo, seja bom ou ruim, temos ao nosso lado espíritos que irão captar as imagens em nossa mente e poderão, dessa forma, criar condições para que o nosso objetivo se concretize. Em se tratando de suicídio, obsessores irão envolver sua presa para que esta pratique este ato. No suicídio coletivo, uma legião de obsessores poderá estar pronta a “encaminhar” para as zonas sombrias seus desafetos do passado ou apenas indivíduos com a mesma afinidade de pensamentos e propósitos.

Independente do país, o suicídio coletivo é uma realidade. As autoridades devem tomar consciência da seriedade deste assunto e um estudo mais profundo deve ser elaborado para tentar evitar tal atrocidade. Aos candidatos ao suicídio coletivo, reflitam muito bem antes. Procurem ajuda, seja com amigos, parentes ou uma determinada religião que trabalhe o emocional da pessoa, mostrando uma visão global e cristã da vida. Nos centros espíritas, pode-se obter ajuda através de palestras educativas e esclarecedoras, passe, tratamento da desobsessão, água fluidificada, leituras edificantes e o culto do evangelho no lar.

Não se deixe levar pelas ilusões de um mundo melhor pós-suicídio, afinal a porta falsa do suicídio é uma armadilha para um caminho sem volta.

É nossa obrigação acolher com carinho as pessoas que sabemos ter tendência suicida. Devemos estar atentos, para que elas não cometam esta atrocidade contra si mesmas. Muitas vezes, o medo faz com que procurem outras pessoas com o mesmo intuito suicida, se encorajando, acabam praticando o suicídio coletivo.

Artigo publicado na edição 43 da Revista Cristã de Espiritismo.