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quarta-feira, 9 de março de 2011

Centros Espíritas - Identificação, Estrutura e Funcionamento

Por Nícia Cunha

Centradas no entendimento religioso da Doutrina Espírita, sofrendo influências de diversas religiões, especialmente as cristãs, africanas e indígenas, as casas espíritas tradicionalmente ostentam nomes que remetem ao conceito de lugar sagrado.

Assim, acompanhando a adjetivação espírita, não é incomum encontrar termos como: templo, congregação, sinagoga, tenda, casa de pai fulano, centro de irmão beltrano, etc. Existem ainda instituições que reverenciam ícones católicos, homenageiam pessoas já mortas ou ainda vivas, que se destacaram no meio espírita e que são consideradas quase “santas”.

Incorrem em erro, pois essa nomenclatura nega, altera ou reduz a identidade espírita e suas propostas originais. É contraproducente também em termos de comunicação social, pois utilizam signos e linguagem que não a especificam ideologicamente, não esclarecem qual seja sua visão, suas metas, ou como atuam.

Deveria haver no âmbito espírita, um movimento de conscientização sobre essas impropriedades, visando eliminar essas denominações, substituindo-as por outras que melhor definissem a atividade, o caráter e o propósito da doutrina.

A estrutura funcional e as práticas da maioria dos centros espíritas são tão inadequadas quanto os nomes. A rigor, inexistem instituições nos moldes do Instituto Parisiense de Estudos Espíritas, fundado por Kardec, que atuava sob enfoque filosófico e com metodologia científica de pesquisa.

A descoberta (e não uma revelação, no sentido místico) da realidade do espírito e do intercâmbio entre encarnados e desencarnados, impôs um conceito ético e moral, que, entretanto não justifica o desenvolvimento de uma religião. Não é necessário seguir um credo, para se viver com moralidade e ética.

A maioria dos espíritas brasileiros, e conseqüentemente, a sociedade em geral, acha que Kardec recomendava práticas evangelizadoras por haver escrito o livro "O Evangelho Segundo o Espiritismo". Kardec não escreveu ou compilou obras de pregação religiosa, não visava fazer apologia e proselitismo cristão. Seu objetivo era o de explicar o pensamento de Jesus sob o enfoque espírita. Por isso, naquela obra, endossou apenas o aspecto moral de seus ensinamentos, não sancionou sua biografia divinizada e seus milagres, alertando para a falta de comprovação histórica desses relatos dos evangelhos canônicos.

Nem mesmo a máxima espírita mais conhecida – “Fora da caridade não há salvação”, escapou de desvirtuamento, pois não é uma recomendação explícita, mas uma paráfrase. O movimento espírita fixou-se em atividades de consolo espiritual e distribuição de bens materiais, distanciando-se do cerne da proposta doutrinária, que privilegia a educação individual e coletiva, única saída para a elevação qualitativa da sociedade. Seria o caso de se perguntar a que se dedicarão os espíritas, quando não mais houver pobres no planeta. Ou de que se ocupam as criaturas que habitam orbes mais avançados do Universo, que não tenham tais desníveis sociais.

Há casas espíritas cujos nomes enfatizam essa distorcida noção de caridade: Pão dos Pobres, Socorristas de Maria, Amantes da Pobreza, etc. Inclusive, nestes dois últimos exemplos, além de incorrerem no erro conceitual, o fazem também no semântico, pois as denominações podem ter dupla significação: pessoas que socorrem a santa católica; amor à pobreza, propriamente dita.

Discriminam os carentes já a partir dos nomes, mantêm atividades assistencialistas sem desenvolver trabalhos educativos que despertem potencialidades e firmem noções de cidadania, para conscientizá-los sobre seus direitos e deveres, tanto individuais como coletivos.

Dessas e de outras interpretações incorretas derivam-se os problemas de caracterização e funcionamento de um centro espírita. A obra kardequiana afirma que a Doutrina Espírita não possui dogmas, hierarquias e cultos. Causa espanto, o fato de os espíritas repetirem essa definição, mas não assumirem que, na prática, há hierarquização e ritualização.

De fato, a federativa nacional é vaticanista, as estaduais funcionam como arcebispados e os centros como paróquias. Em todos os níveis, a quase totalidade dos dirigentes é vitalícia, ou promovem alternâncias periódicas entre os integrantes de grupos fechados e inamovíveis.

No Brasil, o Centro Espírita já virou igreja. É um fato sociologicamente definido. A sua estrutura funcional repete rituais de outras religiões cristãs. As missas católicas adotam módulos entremeados de cânticos e responsórios: Introdução, Ofertório, Leitura do Evangelho, Consagração da Hóstia, Comunhão, Bênção Final, com água benta aspergida sobre a assistência ou individualmente colhida à saída do recinto.

Na casa espírita, sempre de maneira solene e mística, acontecem: prece de abertura, pequena leitura ou preleção religiosa, palestra/sermão de caráter evangélico, oração final, passes e ingestão de "água fluidificada". Algumas instituições até adotam coros e cantorias. A coincidência não é fortuita. É atavismo e desconhecimento do que realmente seja a filosofia espírita.

Para os espíritas religiosos, está tudo correto, embora a divergência com o que Kardec ensinou e praticou. Segundo esse segmento, o espírita deve mesmo ser um pregador do Evangelho, ainda que em nítida desvantagem em relação aos católicos e protestantes que estudam teologia para bem desempenhar seu trabalho, que além do mais, é profissão.

Excetuando algumas pessoas que usam seus conhecimentos gerais e acadêmicos para embasar suas prédicas, a grande maioria é composta por pessoas comunicativas, imbuídas de espírito missioneiro, não raro vaidosas e/ou fanáticas, que embora bem intencionadas, não possuem preparo intelectual ou doutrinário.

Disso, resulta empirismo, interpretações pessoais ou de grupos. Não há estudos, mas sim, catequese. Paradoxalmente, onde deveria haver livre exame de conteúdos, só ocorre veiculação de conceitos repetidos. Os líderes das instituições não se questionam e nem permitem questionamentos sobre a correção do teor daquilo que divulgam. Ficam ofendidos quando isso ocorre, procuram afastar, disfarçada ou ostensivamente, a pessoa que provoca o debate ou diverge. Com poucas exceções, o ensino doutrinário é uma balbúrdia sem metodologia aplicada, tem caráter limitado e reducionista, é feito por tradição oral, tem apenas enfoque evangelizador. Quando muito, os monitores usam apostilas mal compiladas, com pouca base na Codificação, mas que reproduzem idéias de autores encarnados e desencarnados de obras denominadas “literatura complementar”.

O espírita se jacta, afirmando que a doutrina, além de ser religião, é filosofia e ciência. Mas não se faz ciência nos centros espíritas. Não há pesquisas ou experiências metodologicamente estruturadas, ou efetiva comprovação de fenômenos. É só crença, visão estratificada, dedução empírica ou simplesmente, vôos da imaginação. Onde a ciência, então?

Na França, depois de Kardec, o Espiritismo morreu. Muitas razões são apontadas, sendo a mais consistente, os entraves decorrentes das duas grandes guerras do Século XX, que assolaram a Europa. Curiosamente, elas não mataram outras idéias vigentes ou introduzidas à época, que ainda hoje honram e destacam os franceses, ciosos da racionalidade aprendida com seus proeminentes pensadores (René Descartes à frente) e magistralmente utilizada por Kardec.

É muito provável que o aniquilamento da doutrina Kardecista na França tenha ocorrido devido às influências místicas, pois impulsionada por Roustaing, caiu na vala comum da religiosidade crédula. Há uma real possibilidade de ali ter sido esquecida porque deixou de ter o apelo da razão e da lógica, sob as quais nasceu.

No Brasil, firmou-se o avesso dessa gênese: a liderança mística adotou, expandiu e sedimentou a visão religiosa, sem raciocinar que, se Deus é perfeito, portanto despido de prepotência e vaidade, não impõe e nem precisa de nossas súplicas, reverências e bajulações, dispensando dogmas, ritos e crendices no trajeto de sua criatura em direção à perfeição relativa que pode alcançar.

Retirado do site http://assepe.org.br/txt_nicia_centros.html

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