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sábado, 10 de dezembro de 2011

O Espírita na sociedade

Por Maria Ribeiro

“Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus não deu inutilmente ao homem a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação.” (O Livro dos Espíritos, 766) Esta é a primeira questão do capítulo VII da terceira parte intitulado LEI DE SOCIEDADE, onde os Espíritos Codificadores afirmam ser a vida social uma lei natural.

Todas as sociedades são organizadas por leis e normas estabelecidas pelos homens ou seus representantes. O que se espera, é que os homens se adequem às leis, e estas se aperfeiçoem à medida que os próprios homens também se melhorem.

Estas leis nem sempre estão de acordo com uma verdadeira justiça; nem sempre atendem ou agradam a todos, e, em muitos casos, isto acontece pela falta de vontade política agregada à indiferença de toda uma sociedade, que por medo ou ignorância, não reage contra os abusos que se sucedem.

É comum nos estudos ou palestras ouvirem-se de alguns confrades colocações desfavoráveis acerca das questões políticas, como se o assunto fosse antidoutrinário.

Os homens hoje não deveriam se comportar como simples instrumentos alienados e marginalizados na sociedade em que vivem e os Espíritas deveriam discutir mais sobre política, afinal é um Espírito encarnado e integrante da mesma engrenagem político-social.

O Espiritismo não sugere o distanciamento das questões do mundo, mas a proximidade com estas para a promoção do aperfeiçoamento em conjunto. Esta evasão só reforça o quanto o atraso moral-espiritual ainda prevalece. Os adeptos do Espiritismo precisam tirar as vendas dos olhos para enxergarem que as soluções dos problemas sociais virão da sociedade unida num propósito. Mas como saber este propósito se ninguém se une para discuti-lo?  No item XIII da introdução de O Livro dos Espíritos, Kardec anunciou: “Portanto, não nos enganemos: o estudo do Espiritismo é imenso, toca em todas as questões da metafísica e da ordem social, e é todo um mundo que se abre diante de nós”.

Jesus, em inúmeras passagens narradas nos Evangelhos, fez questão de deixar bem claro que conhecia muito bem os valores reinantes na sociedade de sua época, aos quais repudiava. Como exemplos, a passagem da expulsão dos mercadores do templo (Mt 21, 12 e seg.) e todo o sermão do cenáculo (Mt 23). A postura de um Jesus ingênuo e passivo não coaduna com a sua condição missionária de tão elevada envergadura.

Ao se exercer o papel de eleitor, delega-se a alguns o poder de representação sócio-política, mas a maioria não percebe que se coloca como apenas um instrumento de fazer politiqueiros, corruptos e enganadores do povo. Muitos Espíritas sequer teriam coragem de se referir a esta classe com tais palavras, por acharem que ofendem a “nossos irmãos equivocados”. Com certeza, são nossos irmãos e também equivocados. Porém isso não faz deles menos responsáveis pela ambição desmedida em nome da qual permitem que milhares de outros irmãos morram de inanição, não tenham assistência médica e moradia decente. Isto é só para falar do básico, pois enquanto se gastam milhões de reais com viagens para o exterior, ou mesmo com o vai e vem dentro do próprio território brasileiro, há pessoas que não têm sequer o dinheiro para pagar um cinema. Ninguém, nem os Espíritas, precisam se fazer de cegos, mudos e surdos para que se demonstre uma superioridade moral ainda não atingida. Aliás, o ato de fingir, em si mesmo, é sinal de inferioridade.

Não se pode permitir que os homens eleitos estejam acima de normas éticas, mas ninguém toma conhecimento do que fazem, muito menos obriga-os a cumprirem seus deveres de homens públicos, que gerenciam os recursos financeiros devendo prestar contas à sociedade, fazendo cumprir que os direitos sejam iguais.

A questão 932 de O Livro dos Espíritos esclarece: “- Por que, no mundo, os maus, tão freqüentemente, sobrepujam os bons em influência?” – Pela fraqueza dos bons; os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, dominarão”. Os Espíritos não afirmam que os habitantes do mundo são bons, pois em várias outras colocações deixaram bem claro a real situação moral-intelectual destes. Certamente fazem uma comparação dos que dominam sem escrúpulos e dos dominados que não apresentam nenhuma reação para que se reverta o quadro de abusos que culmina nas misérias físicas e morais. Pois muito bem: os Espíritos afirmam que pode ocorrer uma mudança significativa quando as pessoas pararem de baixar a cerviz diante das situações em que são colocadas, e, pacificamente, reivindicar seus direitos. No capítulo terceiro de A Gênese, item 8, o mestre lionês definiu assim o mal: “O mal é a ausência do bem, como o frio é a falta de calor. ..o mal provém unicamente do homem.”

Num movimento espírita como o que se tem, onde se prega que o mal não merece comentário, não se formam adeptos conscientes de seu papel social, sequer moral, uma vez que não se aprende a reconhecer, ajuizar e julgar o que é o mal.

O comportamento servil e submisso não caracteriza sinal de elevação ou sequer de disciplina e também não representa elemento promovedor de paz ou o que quer que seja. Atente-se a estas palavras do Mestre Jesus: “A seara é grande, e poucos os seareiros. Vou orar e pedir ao pai da seara que mande mais seareiros para a sua seara”. Ou seja, muitos irmãos acreditam que a seara está só na Casa Espírita. O universo é a grande seara; cada orbe é uma seara e seus habitantes estão incumbidos de fazê-lo avançar. O mesmo se dá com as sociedades - a nossa sociedade carece de seareiros, de trabalhadores que visem o bem comum. Jesus se refere a transformadores, a pessoas promotoras de mudanças. Como é que se pode pensar num mundo melhor se as pessoas não conseguem sequer registrar uma queixa contra uma propaganda enganosa; ou cobrar pontualidade dos ônibus coletivos?

Ser Espírita implica, necessariamente, compreender que os mecanismos das leis Divinas estão presentes para que a vontade do Pai seja feita. Queira-se ou não, isto acontece independente da aceitação humana, ou mesmo, do conhecimento humano. Ao compreender tais mecanismos, o homem se situa como sujeito, não mais como objeto, e passa a perceber que a ele cabe determinada quota de obrigações individuais, que ele pode julgar inexpressivas, mas que, no coletivo, representarão grandes feitos. A vida social impõe ao homem dinamismo, atividades; não pode se tornar um ser passivo diante de um mundo onde ainda há pessoas que morrem de fome, onde ainda existem analfabetos, onde cresce o número de viciados em drogas, quadro, aliás, considerado pandêmico pela Organização Mundial de Saúde. A Doutrina Espírita é o chamamento do Cristo a convocar a humanidade ainda uma vez para a remoção do egoísmo, individual e coletivo. Permanecer alheio às maldades que existem só piora as coisas.

Não se pode ficar aguardando por um mundo de regeneração, acreditando que as tarefas assumidas nas Casas Espíritas, ou trabalhos voluntários que se assumem nas diversas instituições de caridade sejam suficientes para que esta regeneração aconteça. Crença bastante pueril! Ouçam-se as palavras dos dignos Codificadores dos dois planos, na questão 1018 de O Livro dos Espíritos: “O bem reinará sobre a Terra quando, entre os Espíritos que vêm habitá-la, os bons vencerem sobre os maus. Então farão nela reinar o amor e a justiça que são a fonte do bem e da felicidade...Todos vós, homens de fé e de boa vontade, trabalhai, portanto, com zelo e coragem na grande obra da regeneração, porque colhereis centuplicado o grão que houverdes semeado. Infelizes aqueles que fecham os olhos à luz, porque se preparam para longos séculos de trevas e decepções...”

Com estas palavras, ficam os adeptos convidados a estudar as Letras Espíritas e delas retirar a lição que falta para uma efetiva ação no bem – o legítimo bem é o bem comum.

Um comentário:

  1. Parabéns pela coragem e visão realista do que é nossa sociedade e do dever do verdadeiro espírita. Chega de pieguismo barato, religiosismo indiferente. O Espiritismo é comprometimento com a melhoria da sociedade, agindo não somente na autotransformação, más na transformação da sociedade, onde foi chamado a viver.

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