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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Os Rustenistas de Ontem e de Hoje


Por Nazareno Tourinho

Na edição de 1920 de Os Quatro Evangelhos, de Jean Baptiste Roustaing, feita pela Federação Espírita Brasileira, há um Capítulo que deixou de figurar nas edições seguintes e que interessa à FEB esconder das novas gerações de espíritas.

Por que interessa à FEB esconder?

Porque ela, para continuar liderando o nosso movimento doutrinário sem abrir mão do docetismo (tese do corpo fluídico de Jesus), precisa fazer acreditar que as brochuras de Roustaing, onde esta teoria é exposta e exaltada, representam uma contribuição ao Espiritismo e não uma dissidência de seus princípios fundamentais.

A realidade histórica, no entanto, é que Os Quatro Evangelhos produzidos por Roustaing com mensagens psicográficas de uma só médium, Emmilie Collignon, surgiram em nosso meio ideológico como um cisma e não como obra complementar a de Allan Kardec.

Os modernos docetistas buscam encobrir o fato porque isto lhes convém, pois apenas assim poderão sobreviver entre nós como companheiros de crença, disfarçando as tendências católicas. Na orelha da capa do livro OS ADEPTOS DE ROUSTAING, de Luciano dos Anjos, por exemplo, é dito que a obra do mencionado autor, no seu aparecimento, foi aplaudida por Kardec – grande mentira, consoante prova o Capítulo não mais impresso pela Federação Espírita Brasileira depois da descuidosa edição de Os Quatro Evangelhos feita em 1920.

Em tal Capítulo os seguidores de Roustaing dos primeiros tempos, muito mais honestos que os de hoje, criticam duramente o codificador do Espiritismo pelo texto publicado na Revista Espírita de “junho de 1867” (o mês está correto mas o ano é 1866 e não 1867) no qual a novidade rustenista teria sido “aplaudida”. Queixam-se da reação fria de Kardec, insinuam que ele tinha pretensões de infalibilidade (página 47), atribuem-lhe “ideias preconcebidas” (p.48), acusam-no de propagar “santo terror” pelas “manifestações físicas” (idem) e por aí vão até retirarem a máscara de católicos envergonhados, confessando: “A nossa obra se destina a crear a base e os fundamentos da egreja una e universal do Christo para a éra nova” (página 68, grafia da época, ou seja, de 1920; o referido Capítulo, embora apresente a assinatura de Roustaing, pela redação de alguns trechos parece ser de autoria de seus seguidores; está redigido de maneira tão confusa que lendo a página 47 a gente não sabe se foi Kardec que desejou “um enterro de primeira classe” para os Evangelhos de Roustaing ou foi Roustaing que o desejou para o EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, de Kardec).

O projeto malogrado da doutrina de Roustaing consistia em situá-la como “abridora da phase theológica” do Espiritismo (página 43), identificando filosoficamente a doutrina codificada por Kardec com o Catolicismo também no sombrio aspecto da velha e surrada exegese bíblica.

Afirmamos que os primitivos defensores de Roustaing eram mais honestos do que os atuais porque, ao invés de agirem maquiavelicamente, tiveram a dignidade de admitir e rebater as restrições de Allan Kardec ao docetismo. Eles não encobriram a verdade, como agora o fazem no Brasil os dirigentes da FEB. Reproduziram, no Capítulo a que aludimos, o inteiro teor do texto com o qual o mestre de Lyon recepcionou Os Quatro Evangelhos do antigo bastonário da Corte Imperial de Bordéus, constante do número da Revista Espírita de junho de 1866.

Em tal escrito o Codificador começa, como manda a finura da boa educação, fazendo sóbria referência ao mérito da novidade rustenista (toda obra intelectual possui algum mérito), contudo logo a seguir aponta-lhe graves erros ou pelo menos imperdoáveis precipitações. Após justificar porque escrevera O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO e não um tratado com ranço teológico semelhante ao de Roustaing, sentencia Kardec:

“O autor desta nova obra julgou dever seguir outra orientação: em logar de proceder gradativamente, quis de um salto atingir o fim. Assim é que tratou certas questões que ainda não julgáramos opportuno abordar e a respeito das quaes, portanto, lhe deixamos a responsabilidade, assim como aos espíritos que as commentaram. Consequente com o nosso princípio, que consiste em regular a marcha pelo desenvolvimento da opinião, não daremos, até nova ordem, a essas theorias, nem approvação, nem desapprovação, confiando ao tempo o encargo de as sanccionar ou contradictar. Convém, pois, considerar taes explicações como opiniões pessoaes dos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, que, em todo caso, precisam da sancção da apreciação universal e, até confirmação mais ampla, não devem ser tidas como parte integrante da doutrina espírita.” (Páginas 44 e 45, grafia da época.)

Mais à frente, manifestando-se sobre a tese central da obra de Roustaing, isto é, o corpo fluídico de Jesus, Kardec declara:

“Sem a prejulgarmos, adeantaremos que a essa theoria já foram feitas objecções sérias e que, a nosso ver, os factos podem perfeitamente ser explicados sem que se saia da humanidade corporal.”

Esta posição do Codificador do Espiritismo foi reforçada posteriormente, conforme ninguém ignora, até que em seu último livro, A Gênese, dado a lume em 1868, ele condena em definitivo a concepção docetista como parte integrante da Doutrina Espírita, ao realçar que Jesus, como homem, tinha a organização dos seres carnais (página 310 na 28ª edição da FEB).

Consoante acaba de ser demonstrado de maneira irretorquível, Jean-Baptiste Roustaing foi um elemento discordante de Allan Kardec e não colaborador. A edição de sua obra feita no ano de 1920 pela própria FEB documenta isso. Como viu o leitor, não inventamos nada.

Fonte:
TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

Um comentário:

  1. A obra de Roustaing merece todo o respeito que merecem todas as opiniões. Mas há que definir claramente o que é Espiritismo e o que é Roustenismo. Era bom que a FEB, pelo peso que tem no movimento espírita internacional, abandonasse essa postura 'espiritólica', e seguisse claramente os princípios espíritas.

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