ALGUNS COMENTÁRIOS CRÍTICOS SOBRE O LIVRO “NÃO SERÁ EM 2012”, DE MARLENE NOBRE E GERALDO LEMES.
POR LEONARDO MONTES
montes@hotmail.com.br
Resumo: Este artigo
apresenta algumas críticas ao livro “Não será em 2012” (2011), de
Marlene Nobre e Geraldo Lemes, no qual é dada publicidade a uma suposta
revelação feita pelo médium Chico Xavier, em 1986, sobre o que seria a
data-limite para o fim do velho mundo. A partir dessa data, o mundo
entraria num rápido progresso ou desaceleraria, conforme o que ocorrer
neste intervalo de tempo. Para fundamentar tal proposta, os autores
utilizaram várias profecias e referências das obras de Allan Kardec e
Chico Xavier. Constatou-se, também, o que parece ser a fonte original da
revelação. A argumentação dos autores revelou-se pouco consistente, com
uma série de paradoxos doutrinários, apelos à autoridade e exacerbação
da fé.
Palavras-chave: Profecias, Maias, 2012, Mundo de Regeneração.
Introdução
Em Maio de 2011, o jornal Folha Espírita, nº 439
1,
sacudiu o Movimento Espírita com uma revelação: Chico Xavier teria dito
a Geraldo Lemes, em 1986, em uma conversa informal pela madrugada
Uberabense, que a data-limite para o “velho mundo” (ou seja, a
transformação do planeta de mundo de provas e expiações para um mundo de
regeneração) não seria 2012 (conforme alguns creem), mas, 2019. Em
resumo, tal revelação consiste na ideia de que a chegada do homem à Lua
despertou certo interesse (e receio) da comunidade espiritual do Sistema
Solar (?). Uma reunião foi marcada entre as potencialidades angélicas
(?) de nosso Sistema, na qual o futuro da humanidade seria decidido.
Ficou acordado, mediante intervenção direta de Jesus, tido como
governador espiritual da Terra, que a humanidade teria o prazo de 50
anos, a contar da chegada do homem à Lua (20/07/1969-20/07/2019) para
que os países aprendessem a conviver em harmonia, evitando a todo custo
uma terceira Guerra Mundial. Caso consiga, a humanidade entraria em uma
fase de progresso nunca antes vista, em que veríamos a cura das doenças e
a solução das crises humanitárias. Caso contrário, uma nova idade das
trevas abater-se-ia, podendo levar até mil anos para se recompor (p.
58).
Tal revelação causou relativo impacto no Movimento Espírita, gerando discussões e debates
2.
Nos últimos meses, no entanto, a discussão esfriou, e o tema ficou em
segundo plano. Todavia, acredito que, até a chegada de 2019, esse tema
virá à tona diversas vezes. Tendo isso em vista, e também pela
insistência de alguns amigos que me pediam uma opinião, elaborei o
presente artigo. Para analisar tal situação, é preciso focar em
determinados assuntos, pois, apesar de ser um livro pequeno, apresenta
uma série de questões que, para serem devidamente observadas,
demandariam grande empenho e conhecimento histórico profundo. Dessa
forma, dividirei a análise em cinco partes, a saber: 1) reflexões sobre a
revelação; 2) breve análise das profecias apresentadas; 3) divergências
doutrinárias; 4) revelação ou reinterpretação? 5) conclusão.
1. REFLEXÕES SOBRE AS SUPOSTAS REVELAÇÕES
Quando tive notícias
sobre o caso, a primeira pergunta que me fiz foi: Por que só agora? Se
esta conversa com Chico Xavier ocorreu em 1986, por que só agora, em
2011(25 anos depois), é que veio a público? Isso me levou a outras
questões, como: Quando Chico Xavier soube destas revelações? Se as
conhecia desde o princípio, por que não as divulgou (ver item 4)? Por
que esperar 17 anos (1969-1986) para contar isto a alguém? Segundo
Geraldo Lemes, a conversa ocorreu em 1986. Geraldo Lemes guardou segredo
até que não suportando a própria consciência, resolveu contá-lo à
Marlene Nobre que, por sua vez, confidenciou-lhe, apesar de já terem se
tornado públicas outras revelações que Chico Xavier ter-lhe-ia feito,
não sobre a data-limite do velho mundo, mas sobre o papel do Brasil
nesse processo. Dessa forma, os autores resolveram dar publicidade às
revelações, unindo-as num tema comum. Primeiramente, em forma de
entrevistas ao jornal Folha Espírita e, posteriormente, em um livro e
DVD.
Se Chico Xavier confiava na revelação,
como parecia confiar (p. 49), é estranhíssimo o fato de tê-la mantido em
sigilo. Chico Xavier é uma personalidade reconhecida pelo seu desapego e
dedicação ao bem, trajetória que lhe rendeu o título de Mineiro do
Século. Não vejo razões, portanto, para que algo de tal magnitude
ficasse em oculto. Entretanto, é possível que ele não tivesse se dado
conta, inicialmente, da magnitude dessa revelação. Pode ser que ele
tenha ficado ciente em qualquer ano entre 1969 e 1986, o que nos levaria
a mais perguntas sobre os motivos de tê-la mantido oculta neste
período. Talvez só tenha tido conhecimento desta revelação em 1986. Não
sabemos. Infelizmente, os autores não se preocuparam em esclarecer este
ponto.
Passamos, então, à segunda questão mais
impactante: Por que Geraldo Lemes guardou consigo por 25 anos esta
informação? Ele também crê firmemente em sua veracidade (p. 45). Mas,
possivelmente, não quisesse se expor. Acredito, contudo, que,
provavelmente, tenha esperado tempo suficiente para observar se a
revelação faria ou não sentido. Novamente, porém, os autores não se
preocuparam em esclarecer os motivos da reserva, por isso especulo.
Em termos matemáticos simples, já se
passaram 42 dos 50 anos previstos, isto é, 84% do tempo previsto
transcorreram sem nenhuma guerra que pudesse pôr toda a humanidade em
risco. Restariam, portanto, 16% do tempo para que uma terceira Guerra
Mundial ou uma guerra nuclear (condição expressa da revelação) aconteça e
tire-nos a possibilidade de rápida ascensão. As probabilidades, nesse
caso, estão a nosso favor.
Um dos pontos curiosos e que me pareceram
descontextualizados é a preocupação excessiva (p. 52) com armamento
nuclear. Tal é que a condição estabelecida por Jesus e pelos demais
espíritos é a de que a humanidade não se lance em uma guerra mundial ou
nuclear. A ameaça nuclear era tema recorrente no fim do período da
guerra fria e faria muito sentido se tal revelação surgisse naquela
época. Atualmente, a problemática nuclear parece estar mais associada
aos riscos que essa tecnológica impõe à humanidade, como no recente caso
da usina de Fukushima
3, no Japão, do que alguma disposição
dos países para um conflito desta natureza. Entretanto, cabe ressaltar, a
humanidade não se livrou desse problema e, eventualmente, vemos o
cadáver insepulto do armamento nuclear desfilando nos noticiários,
principalmente entre países como a Coréia do Norte, Paquistão, Irã, etc.
Configura-se, desse modo, uma ameaça real, mas com muito menos força e
evidências de consecução que o período da guerra fria.
Um dos pontos destacados com ênfase no
texto seria o papel do Brasil neste processo regenerador. Como se sabe,
desde a publicação do livro: Brasil, coração do Mundo, Pátria do
Evangelho, onde o Brasil é colocado com destaque na possível condução
do mundo pós-apocalíptico, escolhido por Jesus para ser o “coração do
mundo”, é cada vez mais comum o apelo nacionalista/patriota na
literatura espírita. Há exaltação à nacionalidade e até mesmo a
tentativa de minimizar os problemas brasileiros (p. 75).Contudo, não
entrarei no mérito dessa questão.
2. BREVE ANÁLISE DAS PROFECIAS APRESENTADAS
Como dito
anteriormente, os autores buscaram em diversas profecias subsídios para
sustentar a ideia de uma renovação que se operará em futuro próximo.
Começam (p. 13) por fazer uma breve explicação da profecia Maia sobre
2012, a fim de demonstrar os motivos pelos quais eles aceitariam a
profecia em essência, porém não na data prevista e, sim, em 2019. A
primeira coisa que me chamou a atenção foi a data grafada como sendo a
da referida profecia: 22 de Dezembro de 2012, enquanto, na realidade, é
21 de Dezembro de 2012
4. Por que motivo este erro? Ao analisarmos a entrevista de Fernando Malkun, disponível na internet
5,
observamos que Amantino de Freitas, em nome da Folha Espírita (FE), faz
um questionamento citando a data como sendo 22 de Dezembro e Fernando
Malkun, estudioso do assunto, não o corrige. Como este capítulo cita
essa entrevista, acredito que os autores se basearam nela para escrever
sobre 2012. Seja como for, o fato é que a data é repetida erroneamente
por todo o livro.
Não entrarei no mérito das crenças de
Fernando Malkun. Contudo, cabe ressaltar que, atualmente, muitos
estudiosos avaliam o calendário Maia de modo diferente
6, não
vendo nele mais do que o fim de um ciclo de tempo (como o fim de
Dezembro, para o nosso calendário) ou, ainda, que a conversão da data
para o nosso calendário possa estar errada, como afirma o professor da
Universidade da Califórnia, Gerardo Aldana, que em artigo publicado
7,
diz que a margem de erro varia entre 50 e 100 anos. Dessa forma, se 21
de Dezembro de 2012 passar, e o mundo não se modificar mais do que o
esperado, os crentes na profecia reconhecerão o erro e desistirão da
ideia, certo? Errado! Um fato psicologicamente interessante sobre as
profecias é que, ao falharem, geralmente não faz com que os crentes
desistam dela, ao contrário, faz com que se apeguem mais ainda. Isso foi
estudado na década de 50 por Leon Festinger e sua tese foi chamada de
Teoria da dissonância cognitiva
8.
Ao fim do primeiro capítulo (p. 18),
observei o que me parece a mais clara, simples e direta referência ao
argumento da autoridade. Os autores negam a profecia Maia porque Chico
Xavier havia dito que seria 2019, isto é, não tiveram interesse em
refutar a profecia Maia que, em linhas gerais, atende ao mesmo objetivo
da revelação que trouxeram. Porém, desacreditam na data pelo simples
fato de Chico Xavier ter-lhes dito o contrário. Ao longo dos próximos
capítulos, outras profecias são citadas para demonstrar o plano de
renovação existente há milênios com o objetivo de mudar o planeta.
2.1 Profecias de Lucas
Uma análise minuciosa
das profecias bíblicas exigiria tempo e conhecimentos dos quais não
disponho. Dessa forma, vou-me ater apenas a alguns exemplos citados no
livro que, via de regra, servem igualmente para todo o resto, uma vez
que a interpretação dos autores sobre as profecias bíblicas,
a priori, parece distante de seu contexto histórico e possui viés tendencioso.
A primeira profecia citada (p. 34) encontra-se no livro de Lucas (21:20), que diz:
“Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação”.
Em seguida (p. 35), os autores dizem:
“Parece bem claro que a cidade de
Jerusalém está envolvida nesses acontecimentos finais, anunciados pelo
profeta Daniel e retomados por Lucas, porque será sitiada pelos
exércitos”.
Jerusalém foi destruída pelo menos três vezes: Em 587 a.C, por Nabucodonosor; Em 70 d.C por Tito; e em 135 por Adriano
9.
A qual destruição a profecia se referia? É fácil encontrarmos
referências, por parte dos crentes na profecia, de que tal narrativa
seria o cerco de Tito a Jerusalém, em 70 d.C, quando grandes atrocidades
ocorreram. Flávio Josefo, historiador da época, escreveu:
“É então um caso miserável, uma visão que
até poria lágrimas em nossos olhos, como os homens aguentaram quanto ao
seu alimento [...] a fome foi demasiado dura para todas as outras
paixões [...] a tal ponto que os filhos arrancavam os próprios bocados
que seus pais estavam comendo de suas próprias bocas, e o que mais dava
pena, assim também faziam as mães quanto a seus filhinhos [...] quando
viam alguma casa fechada, isto era para eles sinal de que as pessoas que
estavam dentro tinham conseguido alguma comida, e então eles arrombavam
as portas e corriam para dentro [...] os velhos, que seguravam bem sua
comida eram espancados, e se as mulheres escondiam o que tinham dentro
de suas mãos, seu cabelo era arrancado por fazerem isso [...]” (Guerras
dos Judeus, livro 5, capítulo 10, seção 3).
Sem adentrar o mérito da veracidade de
tal profecia e considerando que os próprios estudiosos da Bíblia fazem
referência ao cumprimento da mesma como sendo o ataque a Jerusalém em 70
d.C, por que razão traçar qualquer paralelo com o presente?
2.2 Profecias de João
Há apenas uma rápida citação sobre João
(p. 33). No entanto, não vejo necessidade de maior aprofundamento. No
livro de Apocalipse, capítulo 1, versículos 1 e 3, fica claro que as
revelações de João se referiam a um curto período de tempo, sem relação,
portanto, com o momento atual.
2.3 Profecias de Daniel
Essas profecias estão inseridas no Antigo
Testamento, no período de reinado de Nabucodonosor II, algo em torno de
600 anos a.C. Os autores utilizaram-se de várias passagens do capítulo 8
do livro de Daniel (versículos: 13, 15, 17,18, etc.) que de fato falam
sobre acontecimentos futuros (Dan. 8, 17), no intuito de fazer parecer
presente o tempo da profecia.
No entanto, pulam os versículos 21 e 22
que exemplificam a visão de Daniel com acontecimentos ligados aos reinos
da “Pérsia” e da “Grécia”, e passam direto para o versículo 23 (p. 34),
no qual de fato se fala sobre um rei que se levantará e “
será quebrado sem intervir mão de homem”
(Dan. 8, 25). A própria profecia, no entanto, delimita as nações
envolvidas (Dan. 8, 21-22). Mas, o que dizem os estudiosos da Bíblia?
Muitos acreditam que tais profecias referem-se aos Romanos. Diz Edward
O. Bragwell
10: “
Seria nos dias desses reis, os romanos, que o Deus do céu estabeleceria um reino que jamais haveria de ser destruído”
Mais uma vez, o que se tenta
contextualizar é tido, por parte dos estudiosos, como acontecimentos
históricos, ou seja, já ocorridos, não havendo, portanto, relação com o
presente. Os autores concluem que o trecho “
mas será quebrado sem intervir mão de homem”, refere-se a desastres naturais a se realizarem em futuro breve (p. 34).
2.4 Profecias de Ezequiel e Zacarias
Novamente, os autores fazem uma relação extraordinária. Dizem (p. 36) –
“É
impressionante a descrição de Zacarias (Vers. 12 do Cap. 14) quanto às
consequências da guerra, dá para supor que é um conflito nuclear,
escrito há 2500 anos”. De trás, para frente, podemos dizer que a
data é aproximadamente correta, apesar de que este capítulo tenha sido
escrito, provavelmente, por volta de 300 a.C. Assim diz o versículo
citado:
“Esta será a praga com que o Senhor
ferirá todos os povos que guerrearam contra Jerusalém: apodrecer-se-á a
sua carne, estando eles de pé, e se lhes apodrecerão os olhos nas suas
órbitas, e a língua se lhes apodrecerá na boca”.
Tal descrição refere-se às
consequências de um ataque nuclear? É pouco provável. Na verdade, além
de descrever a cruel concepção de Deus do Antigo Testamento, tido como
“Senhor dos Exércitos”, tal versículo é apenas a demonstração do “poder
de Deus” sobre os inimigos de seu povo. Todo o capítulo 14, como se vê
nos versículos: 1, 3, 9, 16, 19, 21 etc., demonstram apenas como Deus
iria ajudar o seu povo a conquistar Jerusalém. Mais uma vez, portanto, a
descontextualização é flagrante.
2.5 O Sermão Profético
Para fundamentar a atualidade da profecia
de Jesus sobre as “tribulações”, os autores baseiam-se (p. 39) nos
evangelhos de Mateus, capítulo 24; Marcos, capítulo 13 e Lucas, capítulo
21. Citam, principalmente, os versículos 6 e 8 do capítulo 24 de
Mateus, que dizem:
“E ouvireis de guerras e de rumores de
guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo
aconteça, mas ainda não é o fim”. (Mateus 24:6)
“Mas todas estas coisas são o princípio de dores.” (Mateus 24:8)
Para justificar a “grande tribulação
[...] os momentos mais terríveis pelos quais a Terra vai passar
brevemente” (p. 40), valem-se de Lucas:
“E haverá sinais no sol e na lua e nas
estrelas; e na terra angústia das nações, em perplexidade pelo bramido
do mar e das ondas”. (Lucas 21:25)
Esta última passagem de Lucas de fato é
um tanto emblemática e não será analisada neste artigo. Todos os demais
versículos reunidos transmitem a ideia de que grandes “tribulações”
marcariam o fim dos tempos em acontecimentos futuros. Mas, o que os
autores não mostraram?
Utilizando-se das mesmas referências originais, podemos ler em Mateus:
“Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam”. (Mateus 24:34)
Em Marcos:
“Na verdade vos digo que não passará esta geração, sem que todas estas coisas aconteçam”. (Marcos 13:30)
Em Lucas:
“Em verdade vos digo que não passará esta geração até que tudo aconteça”. (Lucas 21:32)
Ou seja, na sequência natural dos
capítulos, os próprios Evangelistas escrevem que, seja quando for, tais
profecias se cumpririam ainda na presente geração. Dessa forma, como
podem ser um anúncio para o futuro, ou ainda, como pretendem os autores
(p. 40), para o século XX?
3. DIVERGÊNCIAS
3.1 Divergência em A Gênese
Ainda na introdução (p. 07), os autores
citam um texto de A Gênese (itens 1 e 6 do capítulo XVIII), no qual se
lê sobre as transformações que aguardariam a Terra, pois havia chegado o
tempo de mudanças. Ressaltam que o processo de transformação era atual,
não sendo, portanto, algo a se iniciar no futuro: encontrava-se em
plena marcha, o que estou de acordo. Posteriormente (p. 08), os autores
fazem crer que a suposta revelação de Chico Xavier sobre 2019, seja uma
espécie de fase final do período de mudança assinalado pelos espíritos
em A Gênese. O que há em comum entre as duas ideias? Posso resumir que
ambas dizem que a humanidade irá melhorar-se continuamente, a ponto de,
em dado momento, superar suas crises, inaugurando uma nova era de paz e
prosperidade nunca antes vista na Terra. Mas, como isto se daria?
Segundo A Gênese de Allan Kardec (Cap.
XVIII), cada vez mais, menos espíritos inclinados ao mal encarnariam e
mais espíritos propensos ao bem viriam em seus lugares. Esse processo,
consolidando-se através de várias gerações, povoaria nosso planeta de
espíritos bons, que, parafraseando Carl Sagan, teriam mais de nossas
virtudes e menos de nossas fraquezas. Contudo, segundo a tese
apresentada pelos autores, isso também deve ocorrer. Porém, com um
limite: se, até 2019, a humanidade não mergulhar em conflitos bélicos de
grandes proporções ou numa guerra nuclear (p. 51), fantásticos
progressos seriam vistos. Mas, se o contrário acontecer, as próprias
“forças da natureza” poriam fim à guerra. Mergulharíamos em trevas
profundas (p. 52), propensos a
“terremotos gigantescos; maremotos e ondas (tsunamis) consequentes; veríamos a explosão de vulcões há muito extintos” etc.
Todavia, os trechos citados de A Gênese,
isoladamente, levam a uma interpretação equivocada daquilo que dizem em
seu contexto original, como se pode ver:
“Mas, uma mudança tão radical como a que
se está elaborando não pode realizar-se sem comoções. Há,
inevitavelmente, luta de ideias. Desse conflito forçosamente se
originarão passageiras perturbações, até que o terreno se ache aplanado
e restabelecido o equilíbrio. É, pois, da luta das ideias que
surgirão os graves acontecimentos preditos e não de cataclismos ou
catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais foram
consequência do estado de formação da Terra. Hoje, não são mais as
entranhas do planeta que se agitam: são as da Humanidade”. (Cap. XVIII,
item 7)
Há outra referência muito precisa sobre o assunto, da qual vou expor apenas o necessário:
“A Terra, no dizer dos Espíritos, não
terá de transformar-se por meio de um cataclismo que aniquile de
súbito uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe
sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma na ordem natural das
coisas”. (Cap. XVIII, item 27)
“Tudo, pois, se processará exteriormente,
como sói acontecer, com a única, mas capital diferença de que uma
parte dos Espíritos que encarnavam na Terra aí não mais tornarão a
encarnar. Em cada criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e
inclinado ao mal, que antes nela encarnaria, virá um Espírito mais
adiantado e propenso ao bem”. (Cap. XVIII, item 27)
Torna-se textualmente evidente que, para
Kardec, o processo de transformação da Terra causaria conflitos de
ideias e revoluções humanas, mas não desastres naturais. Dessa forma,
fica enfraquecida a iniciativa de usar o livro A Gênese como base à
revelação apresentada.
3.2 Escolhas individuais, decisões coletivas?
Segundo Geraldo Lemes (p. 51), Chico Xavier teria dito:
“Segundo a imposição do Cristo, as nações
mais desenvolvidas e responsáveis da Terra deveriam aprender a se
suportarem umas às outras, respeitando as diferenças entre si,
abstendo-se de se lançarem a uma guerra de extermínio nuclear. A face da
Terra deveria evitar a todo custo a chamada III Guerra Mundial”.
Essa opinião coloca como responsáveis
pelo que ocorrer com o Planeta aqueles que governam as nações. Porém,
logo em seguida, lê-se:
“Ah! Geraldinho, caso a humanidade
encarnada decida seguir o infeliz caminho da III Guerra Mundial, uma
guerra nuclear de consequências imprevisíveis e desastrosas” [...]
(p.52)
Ou ainda:
“Como poderemos facilmente concluir, tudo
dependerá, em última análise, de nossas próprias escolhas, enquanto
entidades individuais ou coletivas, para nosso progresso e ascensão
espiritual” [...] (p. 58)
Podemos facilmente compreender que o
destino das nações está nas mãos dos governantes que podem, de um
momento para o outro, reverter o cenário mundial, declarando uma guerra
de grande abrangência, ainda que protestem seus cidadãos. A história já
nos mostrou isso. Mas, como explicar este aparente paradoxo? Como as
decisões pessoais poderiam intervir neste processo? Estariam
referindo-se às revoluções populares como recentemente vimos na chamada
primavera Árabe
11?
Como eu poderia intervir caso algum país
como a Coréia do Norte, por exemplo, decidisse declarar guerra contra a
Coréia do Sul e isso – vamos supor – causasse um novo conflito global?
Suspeito que uma grande parcela da população da Coréia do Norte não
deseja um conflito dessa natureza, muito embora seus governantes talvez o
façam.
Exemplos assim abundam pelo mundo e
somos obrigados a refletir: Seria justo que a humanidade inteira
sofresse por um conflito que talvez seja decidido por meia dúzia de
pessoas? Por que, ao invés de mergulhar o mundo em sombras e ficarmos à
mercê dos cataclismos, esses espíritos causadores de conflitos não
sejam, como propõe a obra de Kardec, simplesmente retirados da Terra
para um mundo mais adequado ao seu progresso em vez de mergulhar toda a
humanidade, por decisões que, provavelmente, não teríamos nenhum tipo
de controle, em uma era de sofrimento inimaginável? E as perguntas
continuam.
Não obstante esse paradoxo, outro me parece saltar aos olhos, quando se lê:
“[...] Após o alvorecer do ano 2000 da
Era Cristã, os espíritos empedernidos no mal e na ignorância não mais
receberiam a permissão para reencarnar na face da Terra. Reencarnar
aqui, a partir desta data, equivaleria a um valioso prêmio justo,
destinado apenas aos espíritos mais fortes e preparados, que souberam
amealhar, no transcurso de múltiplas reencarnações, conquistas
espirituais relevantes como a mansidão, a brandura, o amor à paz e à
concórdia fraternal entre povos e nações”. (p. 56)
Se, a partir do ano 2000, espíritos
inclinados ao bem estão encarnando, em 2019 teremos apenas jovens com
idade insuficiente para poderem administrar cargos de relevância nas
decisões mundiais. Para ser presidente do Brasil, por exemplo, é
necessário ter no mínimo 35 anos. O presidente mais jovem a assumir o
poder foi Collor (1990) aos 40 anos de idade. O deputado mais jovem até o
momento é Hugo Motta, que assumiu o poder aos 21 anos, etc. Que tipo de
revolução poder-se-ia esperar dessa geração que supostamente está
encarnando a partir de 2000? No momento em que escrevo, estamos no fim
de Janeiro de 2012, e nestes 12 anos do novo século nada me leva a crer
que uma revolução causada por essa faixa etária esteja por vir, mas
posso estar errado.
Suponhamos, então, que desde o ano 2000 estejamos lidando com espíritos muito adiantados que possuem
“conquistas espirituais relevantes como a mansidão, a brandura, o amor à paz e à concórdia fraternal entre povos e nações” (p. 56)
. Seria
justo que essa geração de espíritos sofresse, como no exemplo anterior,
os resultados de ações que provavelmente não teriam nenhum controle?
Isto é, espíritos que viriam nos ajudar com seus bons pendores a
desenvolver o mundo sofreriam, juntamente com os demais, um turbilhão de
consequências sobre as quais não tiveram responsabilidade?
4. REVELAÇÃO ou REINTERPRETAÇÃO?
Se houvesse algum
momento a partir da década de 1970 para que tal revelação pudesse ser
dita de forma ampla para uma grande parcela da população brasileira,
espírita e não-espírita, qual seria o momento ideal? Essa perguntou
norteou meus pensamentos em busca de evidências de que, talvez, Chico
Xavier tivesse feito menção à revelação. Tal situação parece ter
ocorrido em 1971, no programa Pinga-Fogo, no qual se podem ver duas
ocasiões que possuem grande semelhança com o relato de Geraldo Lemes.
Na edição de 1971, Helle Alves pergunta a
Chico Xavier (34min.), sobre o avanço da humanidade, como afirmam os
espíritas e outras correntes espiritualistas, fazendo um comparativo com
as recentes guerras e crises, que não favoreciam a concepção de um
melhoramento progressivo da Humanidade. Como Chico Xavier explicaria
esse paradoxo? A resposta é transcrita abaixo conforme consta no áudio
original:
“Esses
fenômenos todos, diz nosso Emmanuel, que está presente, caracterizam
mesmo o período de transformação em que nós nos encontramos. Diz ele: O
nosso companheiro materialista, dirá: Natureza! – Mas, para nós, os
religiosos, natureza é sinônimo de manifestação de Deus! Então, Deus
cria a natureza, Deus cria a vida, mas o homem, os homens ou as mulheres
do planeta, são filhos de Deus e podem modificar a criação de Deus. Nós
nos encontramos no limiar de uma era extraordinária, se nos mostrarmos,
capacitados coletivamente a recebê-la com a dignidade devida. Se, os
países mais cultos do globo, puderem suportar a pressão de seus próprios
problemas sem entrar em choques destrutivos, como por exemplo, guerras
de extermínio, que deixarão consequências, imprevisíveis para nós todos
no planeta [...] Então, veremos uma era extraordinariamente maravilhosa.
A própria automação, diz ele [Emmanuel], nos está dizendo, que nós
vamos ser aliviados ou quase que aposentados do trabalho mais rude no
trato com o planeta, para a educação da nossa vida mental, através de
informações do universo, com o proveito enorme, proveito incalculável,
para beneficio da humanidade. Mas, isso terá um preço, terá o preço da
paz. Se nós pudermos nos suportarmos uns aos outros, quando não nos
pudermos amarmos uns aos outros, segundo os preceitos de Jesus, até que
essa era prevaleça, provavelmente no próximo milênio, não sabemos se no
princípio, se no meados ou se no fim. O terceiro milênio nos promete
maravilhas. Mas, se o homem, filho e herdeiro de Deus, também se mostrar
digno dessas concessões”.
Em outro momento, Saulo Gomes lê a
pergunta de Luiz Lopes Correia (49min), em que ele questiona se a
humanidade entraria em contato com civilizações de outros planetas em
tempo breve. Chico Xavier responde:
“Estamos
subordinando a resposta ao mesmo critério com que foi estruturada a
informação para a nossa estimada entrevistadora [Helle Alves] que falou
sobre a nova era… Se, não entramos numa guerra de extermínio, nos
próximos 50 anos, então, nós podemos esperar realizações extraordinárias
da ciência humana partindo da lua. Então, diz o nosso Emmanuel, que
está presente, que quando Cristovam Colombo perambulava pelas cortes
Européias, pedindo socorro para descobrir um caminho mais fácil para as
Índias, muita gente considerou o programa dele como absolutamente inútil
a humanidade, que aquilo era uma despesa absolutamente inócua e que
iria pesar demasiadamente no orçamento de qualquer povo, até que ele
conseguisse o apoio de Fernando e Isabel, então soberanos de Castela.
Mas, nós hoje sabemos, depois de cinco séculos quase – mais de quatro
séculos – a importância do feito. Então, nós não podemos também acusar
os nossos irmãos que estão se dirigindo à lua para pesquisas que devem
ser consideradas da máxima importância para o nosso progresso futuro,
porque as despesas efetuadas com isso serão naturalmente compensadas
com, talvez, a tranquilidade para uma sociedade mais pacífica na Terra,
porque se não entrarmos, por exemplo, num conflito de proporções
imensas, então, na lua, é possível que o homem construa as cidades de
vidro, as cidades estufas, onde cientistas possam estabelecer pontos de
apoio para observação da nossa galáxia. Essas cidades não são sonhos da
ciência! Essas cidades, naturalmente, com muito sacrifício da humanidade
Terrestre, podem ser feitas e, provavelmente, vamos dizer, vai se
obter, azoto e oxigênio e usinas, vamos dizer, de alumínio, e formações
de vidro e matéria plástica da própria lua para construção destes
redutos da ciência Terrestre e, provavelmente, a água será fornecida
pelo próprio solo lunar. Então, teremos, quem sabe, a possibilidade de
entrar em contato com outras comunidades da nossa galáxia. Então, vamos,
definitivamente, encerrar o período bélico na evolução dos povos
Terrestres, porque nós vamos compreender que fazemos parte de uma
família Universal, que não somos o único mundo criado por Deus. O
próprio Jesus, a quem reverenciamos como nosso Senhor e Mestre, disse:
Há muitas moradas na casa de meu Pai. Portanto, nós precisamos
prestigiar a paz dos povos, a tranquilidade de todos, com o respeito de
todos, com a veneração máxima pela ciência, para que nós possamos
auferir esses benefícios no futuro, talvez, mais próximo do que remoto.
Se ‘nós fizermos por merecer’.
Eu não saberia dizer até que ponto tais
informações eram mesmo previsões ou não mais do que projeções,
expectativas, que, à época, se tinha sobre a tecnologia e o avanço da
humanidade. É curioso, no entanto, observar: a) a importância da chegada
do homem à Lua; b) o prazo de 50 anos para mudança de comportamento; c)
a não concretização de uma nova grande guerra; d) as consequências
positivas da não-realização de uma grande guerra, que são a essência da
revelação trazida por Geraldo Lemes, encontram-se integralmente na
resposta de Chico Xavier, 40 anos antes.
Apenas detalhes como: a) a reunião de
espíritos angélicos na chegada do homem à Lua; b) as consequências
negativas de uma Guerra Mundial ou nuclear; c) O papel do Brasil (não
abordado neste artigo, por considerar este quesito especulação de uma
especulação) d) os cataclismos decorrentes de uma Guerra Mundial; e) a
reencarnação a partir do ano 2000 de espíritos bons; f) o período em
torno de 1000 anos para recuperação da humanidade, caso o prazo de 50
anos não seja cumprido, é que não foram abordados nesse programa.
Dessa forma, pergunto-me: Seria a
revelação de Geraldo Lemes não mais do que um enredo que tem por base as
informações que Chico Xavier trouxe no programa Pinga-Fogo, em 1971?
5. CONCLUSÃO
A análise da obra “Não será em 2012”, na
qual é dada publicidade a uma suposta revelação feita por Chico Xavier a
Geraldo Lemes sobre o futuro da humanidade, possibilita observar uma
série de argumentos pouco embasados, interpretações bíblicas
tendenciosas, além de evidências de que elementos essenciais da
“revelação” já haviam sido expostos em 1971, durante o programa
Pinga-Fogo, cujo entrevistado era Chico Xavier.
Não foi encontrada nenhuma evidência
forte o suficiente para crer que tal revelação tenha ocorrido, sendo
preciso confiar no relato unilateral de Geraldo Lemes ou nas correlações
estabelecidas por Marlene Nobre no Jornal A Folha Espírita, cujos
textos formam a base do livro. Também não foi satisfatoriamente
respondido o motivo pelo qual tal “revelação” ter sido ocultada do
público durante tanto tempo.
Antes da publicação deste artigo, um
e-mail foi encaminhado para a editora a fim de que os erros encontrados
(data da profecia Maia (p. 13); data da chegada do homem à Lua (p. 50) e
a grafia do nome “Deodoro da Fonseca” (p.69)) possam ser corrigidos nas
edições futuras.
O autor deste artigo não tem problema em rever seu ponto de vista e encontra-se aberto ao diálogo.
Autorizo o uso do presente artigo para fins não comerciais desde que citada a fonte.
Referências:
1 NOBRE, Marlene. Revelações apontam que o futuro da Terra está nas mãos do homem.
Folha Espírita, Jabaquara, n. 439, maio 2011. Disponível, em:
http://www.vinhadeluz.com.br//site/noticia.php?id=760. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
2 MAURA, RITA.
Livro “Não será em 2012″ de Marlene Nobre e Geraldo Lemos Neto. Disponível, em:
http://www.forumespirita.net/fe/livros/livro-’nao-sera-em-2012′-de-marlene-nobre-e-geraldo-lemos-neto/. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
3 AMPUDIA, Ricardo.
Entenda o acidente nuclear em Fukushima, no Japão. Disponível, em:
http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/pratica-pedagogica/entenda-acidente-nuclear-japao-621879.shtml. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
4 OLIVEIRA, Carlos.
Fim do Mundo a 21 de Dezembro de 2012. Disponível em:
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=21960&op=all. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
5 FREITAS, Amantino.
O calendário é muito preciso. Disponível, em:
http://www.folhaespirita.com.br/v2/node/207. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
6 ROTHMAN. Paula.
Calendário Maia não tem apocalipse, diz especialista. Disponível, em:
http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/calendario-maia-nao-tem-apocalipse-diz-especialista-01122011-21.shl. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
7 TERRA.
Erro: calendário Maia não acaba em 2012, diz pesquisador. Disponível, em:
http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI4745350-EI8147,00-Erro+calendario+maia+nao+acaba+em+diz+pesquisador.html. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
8 WIKIPEDIA.
Dissonância Cognitiva. Disponível, em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Disson%C3%A2ncia_cognitiva. Acesso: 14 de Fevereiro de 2012.
9 WIKIPEDIA.
Destruição de Jerusalém. Disponível, em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Destrui%C3%A7%C3%A3o_de_Jerusal%C3%A9m. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
10 BRAGWELL, Eduard
. Daniel – O Profeta do Reino. Disponível, em:
http://www.estudosdabiblia.net/a13_14.htm. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
11 ESTADÃO.
Um ano de primavera Árabe, a primavera inacabada. Disponível, em:
http://topicos.estadao.com.br/primavera-arabe. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
Referência original:
NOBRE, Marlene; LEMOS, Geraldo.
Não será em 2012: Chico Xavier revela a data-limite do velho mundo. São Paulo: FE editora, 2ª reimpressão, 2011.