Por José Rodrigues
Informação e jornalismo são especialidades da comunicação. Esta, caracteriza-se pela formação da comunidade, o resultado de tornar comuns, do conhecimento de maior número de receptores, os fatos, descobertas, fenômenos. Na verdade, quem comunica faz uma partilha, distribui ou redistribui alguma coisa, exercita um processo que pode ter múltiplas consequências, de ordem econômica, social, política, moral, comportamental e que sofre censuras ou estímulos, conforme os interesses em jogo.
Comunicar, no entanto, não é tudo. Buzinar é uma forma de comunicação, como o é uma placa de contramão no trânsito. Quando se buzina, pode-se apenas estar dando um sinal de alerta, como de um aviso “cheguei”. Muitas buzinadas podem demonstrar impaciência, irritação, má-educação; pode-se até estabelecer um código de sons ou de ruídos com o mesmo instrumento, dando forma à comunicação: eis o conceito de informação.
Informar, informação (do latim informatio) significa organizar, dar forma à mensagem que se quer transmitir.
Pode-se passar a informação por vários meios, um deles o jornal, base da atividade chamada jornalística. Esses processos se tornaram tão importantes no mundo que se criaram em seu torno novas ciências e se buscam sempre novas tecnologias para aperfeiçoá-los, torná-los mais rápidos, precisos, nítidos, e o quanto possível, ao alcance da maioria.
Arthur Clark, tido como o pai da comunicação, diz: “Não se locomova, comunique-se”. Para ele, o homem é um animal comunicativo por excelência, e que pode passar mais tempo sem beber água do que sem informações.
Mas ao contrário de outras formas de comunicação, que podem ser estáticas, como a placa do trânsito, a jornalística tem uma exigência essencial, a bilateralidade, tanto que Tristão de Athayde classificou o jornalismo como literatura sob pressão. Portanto, fazer jornal é entrar em uma via de mão dupla, contar com o feedback (o retorno) para continuar, corrigir rumos, formas, pois do contrário se estará fazendo apenas divulgação, propaganda ou propagação.
JORNALISMO ESPÍRITA
O jornalismo espírita, nascido com a Revista Espirita, de Allan Kardec, em 1858, procurou desenvolver-se, diria, com preocupações laicas e dentro de padrões de bilateralidade. No número um da Revista, Kardec dá ampla abertura ao objeto do novo mundo que descobria, ao afirmar: “A consequência capital que se destaca desses fenômenos (espíritas) é a comunicação que os homens podem estabelecer com os seres do mundo incorpóreo e, dentro de certos limites, o conhecimento que podem adquirir de seu estado futuro”. Não se preocupava, como se vê, com ideias catequistas, de mão única, em termos de comunicação.
Ainda explicando os objetivos da publicação e assim caracterizando o seu sentido jornalístico, delineia: “No que concerne às manifestações atuais, relataremos todos os fenômenos patentes que testemunharmos ou que chegarem ao nosso conhecimento, sempre que nos parecerem merecedores da atenção dos nossos leitores. (...) À citação dos fatos ajuntaremos a pesquisa das causas que os poderiam ter produzido”.
Autores espíritas que se seguiram a Allan Kardec desde o final do século passado ao início deste, mantiveram a mesma linha prioritariamente informativa dos fenômenos, objeto de suas investigações. Conhecer e informar caracteriza qualquer ciência, mesmo a filosófica, tal como Allan Kardec definiu o Espiritismo. Tratava-se, para Kardec e seus contemporâneos, de pegar os fios da meada da história do homem, pois aí também estaria a história da Doutrina Espírita, um grande mergulho no Ser para que, dos conhecimentos do presente e do passado, se perscrutasse o futuro.
Mas, esse entendimento original teria modificações profundas ao longo do tempo, antecipando-se o consolo, que seria uma consequência, à informação. Talvez pela forte prevalência do pensamento católico na vida brasileira, não apenas a literatura espírita, como o jornalismo espírita, penetraram por linhas de comparação e confronto, abrindo então escolas nada investigativas e muito afirmativas sobre posições doutrinárias. Não se queria provar o Espírito, mas destruir o inferno ou o céu católicos, os rituais e o profissionalismo religioso. Essa postura ganhou muito corpo, direcionando o interesse dos espíritas, marcadamente os de formação religiosa. De forma imperceptível criava-se uma nova religião e, como tal, desprezava-se a pesquisa, sem a qual ideia alguma consegue subsistir e avançar.
INFORMAÇÃO X CONSOLO
Quando se coloca o consolo à frente da informação, supõe-se que há uma ideia de hegemonia, de lavagem cerebral, talvez disfarçada. Um desconsolado é alguém carente de muitas coisas, de afeto, carinho, compreensão e também de conhecimentos específicos sobre o universo que não lhe atendeu as expectativas e o frustrou. Nem Jesus preocupou-se em ser um modelo de consolo. Ao contrário, não perdeu as oportunidades de fixar posições que implicassem em mudanças, como quando se dirigiu ao jovem rico para que vendesse tudo o que tinha e desse o resultado aos pobres, ou quando expulsou os vendilhões do templo. Os hipócritas, coitados, não tiveram vez: “ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós”.
O recado era claro, nada de proselitismo, aliciamento nem venda de ameaças, como se tem feito em nome de supostas mediunidades, através de diagnósticos apressados, que procuram sobrecarregar pessoas com responsabilidades acima de suas compreensões e possibilidades. E ainda se chama a isso de consolo!
A imprensa espírita, o nosso jornalismo, refletiria esse estágio limitado, aprisionador do verdadeiro pensamento doutrinário do Espiritismo e indo mais além. Fez-se a escola do não-questionamento, do oba-oba, quer dizer, o Espiritismo é o maior e estamos conversados. Foi a longa fase dos estereótipos, da voz modulada, das imitações de grandes oradores, das confrarias e endeusamentos de médiuns. Não foi por menos que J. Herculano Pires, com rasgos de independência, bradou: “chega de pieguice religiosa, de palestras sem fim sobre a fraternidade impossível no meio de lobos vestidos de ovelhas. Chega de caridade interesseira, de imprensa condicionada à crença simplória, de falações emotivas que não passam de formas de chantagem emocional”.
Foi também por causa desse modelo que a imprensa espírita desdenhou a modernização de sua imagem, mantendo-se por muitos anos sem preocupações de forma, sem diagramar as páginas, sem utilizar ilustrações como fotos e desenhos. Sinônimo de pobre, esse trabalho não avançaria para uma temática aberta, onde o pensamento espírita pudesse ser cotejado com o de outras escolas. Fez-se o espírita sem problemas. Mas existiria mesmo esse personagem? Ou na hora do vamos ver, o mundo se apresentaria com toda sua realidade e peso?
LINGUAGEM DOUTRINÁRIA
Ao tratar da teoria do conhecimento, Johannes Hessen, professor da Universidade de Colônia, Alemanha Ocidental, coloca que a verdade resulta do relacionamento entre o pensamento e o objeto. O pensamento pode correr pelo dogmatismo, pelo cepticismo, subjetivismo e relativismo, como pelo pragmatismo ou através do criticismo. Há um valor fundamental para a experiência na acumulação do conhecimento, que, todavia, não é absoluto. O pensamento, conforme coloca Hessen, goza de uma autonomia sem limites e que nem sempre segue os parâmetros da razão. Para em algum momento torná-lo lógico, há que se recorrer ao criticismo, um meio termo entre o dogmatismo e o ceticismo. É preciso pedir contas, saber dos motivos, perguntar à razão, para que o conhecimento se incorpore ao saber e se chegue à verdade.
Naturalmente que, em termos espíritas, o objeto do jornalismo depende do objeto espírita em si. Em outros termos, o que é o Espiritismo e qual sua utilidade no mundo? Aqueles que se satisfizerem com os conceitos salvacionistas de Espiritismo farão um jornalismo consolativo, talvez dramático, sancionador de penas e castigos. Não diria que esses comunicadores desprezam os porquês, mas se caracterizam pela utilização de estereótipos, de textos padronizados pela literatura mediúnica, com teses conformistas e de efeitos superficiais.
O conceito evolucionista de Espiritismo, bem posto por Manuel S. Porteiro ao tratar da vida como um fenômeno dínamo-genético e da história como expressão do dínamo- psiquismo dos seres vivos até o homem, certamente produzirá um jornalismo no qual a informação terá antecedência ao consolo. Da função-drama nem há o que falar. Se consolo houver, será resultado da exposição de ideias, em linguagem doutrinária e não doutrinante, da pesquisa, do debate, do estudo, da exposição dos fatos seguindo uma argumentação desapaixonada.
A imprensa maior, mesmo com suas linhas ideológicas, preocupa-se hoje e muito em trabalhar com textos mais abertos, sem a intenção de fazer a cabeça do leitor. Jornais que têm adotado essa linha ganharam mais leitores, enquanto os carrancudos, de pautas fechadas, tratam de modificar-se naquela direção.
Se o jornalismo espírita quiser sobreviver, de certo modo respeitando o intelecto de quem lê, terá que, primeiro, auscultar de novo seu objeto — para que existo? — e depois avançar em direção ao debate, mesmo porque não há conhecimentos acabados por definitivo. Terá que ir atrás da informação, no sentido jornalístico do termo, numa busca permanente e incessante; senão, deixará de fazer jornal e de praticar jornalismo.
Fonte: Abertura - jornal de cultura espírita, junho de 1990. Licespe – Santos-SP.
José Rodrigues (1937-2010), economista e jornalista, um dos fundadores e editores do site Pense - Pensamento Social Espírita e fundador da ARS - Ação de Recuperação Social, de Santos-SP, foi redator do periódico Espiritismo e Unificação e membro do conselho de redação do Abertura - jornal de cultura espírita. É autor do livro “Vila Socó: Uma Tragédia Programada”.
Retirado do site PENSE - Pensamento Social Espírita - http://viasantos.com/pense/arquivo/1376.html
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