Por Maria Ribeiro
Dar-se-á continuidade a respeito das ditas mensagens psicografadas que trazem revelações da vida de Jesus não contadas nos Evangelhos. Pois bem, estes textos caíram no gosto de grande número de adeptos e são utilizados inclusive para basearem os estudos realizados nos Centros quando o tema é a figura do Mestre.
Sem querer repetir o que grandes estudiosos do passado e do presente incansavelmente dizem, há nisto grande perigo, e o mais imediato é realmente a assimilação de tais ensinamentos pelos não estudiosos com sua consequente permanência na ignorância. Coisas que parecem inofensivas podem causar, como tem causado, grandes transtornos no ME.
Não se pode negar que trata-se de empreendimento por demais audacioso, e claro, temerário. Até certo ponto, também as tentativas de interpretações de passagens evangélicas caíram num terrível vício de floreações por demais exageradas, trocando as falas simbólicas do Cristo por outras simbologias, muitas vezes vagas e sem fundamento prático. Há inúmeras obras disseminadas no ME de conteúdo pretensamente "evangélico", para cujas interpretações deve ter havido um esforço enorme de imaginação.
Sobre isto, entretanto, é preciso que fique muito claro que tanto os escritores quanto suas obras são respeitados, mediante a fraternidade que deve unir todos os homens. Mas até certo grau, pois nenhuma literatura pode superar aquela trazida pelos Espíritos Superiores na Codificação. Quando a Codificação deixa de ser o parâmetro então se torna difícil que os confrades se dialoguem, pois que falarão de coisas diversas.
A Doutrina Espírita é como o cérebro e a medula espinal que comandam as funções do corpo e seus membros, de maneira que, se por alguma razão, os membros começam a ganhar vida própria e a agir por si mesmos, caminharão para rumos incertos.
Não se trata de querer impor o conhecimento trazido pela Doutrina como o único verdadeiro, trata-se de admitir que o conhecimento trazido pela Doutrina teve um mestre criterioso, sensato, racional. Aliás ele próprio garantiu que haveria complementos, já que a Doutrina Espírita é uma ciência e como tal não estará estagnada. O grave problema é que as falas consideradas "complemento da Doutrina" simplesmente a contradizem sem nenhum constrangimento, sendo aceitas sem critério algum por boa parte de adeptos deslumbrados com as "novidades".
Os textos da Codificação não foram poupados, pois também surgiram os que querem "interpretá-los!"
Com poucos minutos de conversa é possível reconhecer os que "se formam" fora da escola kardequiana: acham que sua literatura agradável, floreada e poética lhes ensina tudo sobre Espiritismo; acreditam que a instituição que se intitula para o ME quase que como um vaticano para os católicos é simplesmente o máximo, visto que confiável, acima de qualquer suspeita. Geralmente são pessoas "nascidas na Doutrina" ou foram adotadas pelos "donos dos centros", de quem recebem orientações. A verdade é que muitos entraram na Doutrina, mas não percebem diferença entre ela e o Movimento Espírita.
Não se pode ter nada contra o romantismo e a poesia, isto alivia as tensões, as carências. O problema é fazer alguém encontrar lógica nas coisas mais absurdas, às vezes até ridículas.
Sobre as experiências de Jesus nos bastidores dos evangelhos, descritas nas psicografias, já se pôde constatar duas versões distintas para o mesmo fato. Fosse verdadeiro, o desfecho seria o mesmo, obedecendo ao estilo de cada médium-espírito, claro. O que ocorre, entretanto, é que muitos absorvem muito rápido o que ouvem e, como são orientadas a lerem estas obras, sedimentam o erro que cria raiz. Não adquirem o hábito de ler Kardec, e o que chamam livros de estudo, não passam de releituras infiéis de pontos doutrinários mal compreendidos.
Não bastam os ensinos do Sermão da Montanha, verdadeiro código de ética descrito principalmente no livro de Mateus? Neste, Jesus fala claramente sobre como o homem deve se conduzir consigo mesmo, em sociedade e com Deus.
Jesus entra justamente neste ponto: consta que ele era um homem dócil, brando, meigo. Estas qualidades parecem tocar mais de perto as pessoas. E pensar que nele estas qualidades eram reflexo de sua grande sabedoria, exige um raciocínio que a Doutrina nos propõe quando fala da progressão dos Espíritos. No ME há os que enxergam em Jesus algo tão extraordinário que se esquecem de que ele é um Espírito que evoluiu obedecendo às mesmas leis impostas para todos.
Mas Jesus era também um homem enérgico e esta nuance de sua personalidade parece não ser muito atraente.
O homem doce e meigo afaga, compreende, oferece conselhos e um ombro para chorar, cura feridas. Mas o enérgico fala o que é preciso que se ouça, fala o que é preciso ser falado. E fala naturalmente, pois sabe que há uma realidade indesejável, prejudicial, que precisa ser contida. Ele só demonstra energia quando se refere aos teimosos, a pessoas que cometem erros por gosto de fazê-lo. É um homem maduro que ensina de forma que todos compreendam, de acordo com a maturidade de cada um.
O "Conheça-te a ti mesmo" proposto pelo filósofo da antiguidade e relembrada pelos reveladores da espiritualidade, significa encarar aos próprios defeitos e não fugir deles, fingir que não existem. O que se faz é o que Freud chama de negação - processo mental usado para a recusa da percepção de realidades internas ou não, geralmente fatos ou eventos desagradáveis ou dolorosos. Deve ser por isso que vê-se pessoas insatisfeitas com a Verdade o tempo todo, se debatendo, se magoando por que estão diante de realidades que precisam mudar. Isto é Jesus falando e multidões se recusando a ouvir.
O problema é que toda mudança requer trabalho e causa transtorno, por isto a inação parece mais cômoda. Então é preciso surgir o homem enérgico, o homem verdade: Jesus.
Metaforicamente, então é o momento de crucificar Jesus, posto que ele é a Verdade.
Para os espíritas a figura de Jesus não pode ser amesquinhada conforme o fizeram outrem. Espíritos Perfeitos sabem todas as coisas. Mas, repetidamente, ouve-se falar em "duas asas da evolução"- referência aos aspectos evolutivos moral e intelectual, pois que não se compreendeu até hoje que o progresso intelectual leva ao moral, infalivelmente; separações de conceitos como "Evangelho e Doutrina", quando os próprios Espíritos em resposta a Kardec na conhecida questão 625 de O Livro dos Espíritos propagam ser Jesus - seus ensinamentos - o modelo e guia da Humanidade. A imaginação criou com isto uma religião espírita, cheia de dogmas, ritualismos e preceitos que se vê em combate com as contradições criadas por ela mesma ao longo do tempo.
Jesus não é o santo, o inocente que morreu na cruz conforme se ouve nas evangelizações. Jesus é um Espírito hierarquicamente elevado que se propôs a instruir um grupo de Espíritos ignorantes. Daí ele afirmar ser o mestre. Aquela figura de coitadinho não comunga com a real condição de um mestre, muito menos com a condição de Espírito Perfeito...
Jesus é o símbolo da Moral, dos ricos valores que um homem deve haurir em sua trajetória, não para encontrar-se com Deus, aquele Deus majestoso, "cheio de glórias"... mas para encontrar-se a si mesmo, pois quando isso acontecer, Deus terá deixado de ser um mistério, suas leis magnânimas serão parceiras benquistas do Homem Moralizado.
Em algum momento da eternidade, o Espírito que surgiu a dois mil anos sob o nome de Jesus nada mais era do que alguém em condições parecidas com as que se conhecem: dificuldades, defeitos, falhas, erros, quedas. Num outro momento da eternidade, o Homem Moralizado será também um símbolo da Moral para outros homens ignorantes.
É a lei da vida - solidariedade.
- Leia aqui a primeira parte deste texto.
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