Por Allan Kardec
Lê-se no Écho de l'Aisne, de 1º de agosto de 1866:
"Não se fala em nosso interior senão das maravilhas realizadas no campo de Châlons, por um jovem zuavo espírita que diariamente faz novos milagres.
"Numerosos comboios de doentes se dirigem a Châlons e, coisa incrível, um bom número deles voltam curados.
"Nestes últimos dias um paralítico, vindo de carro, depois de ter sido visto pelo `jovem espírita' achou-se radicalmente curado e voltou para casa galhardamente a pé.
"Quem puder explique estes fatos, que tocam ao prodígio; sempre há os que são exatos e afirmados por grande número de pessoas inteligentes e dignos de fé."
Renaud
Este artigo é produzido textualmente pela Presse Illustrée de 6 de agosto. O Petit Jorunal, de 17 de agosto, conta o fato nestes termos:
"Depois de ter podido visitar o quartel imperial, que penso já tenhais descrito aos leitores, isto é, a morada mais inteligente e, ao mesmo tempo, a mais simples que possa ter um soberano, mesmo que apenas por alguns dias, passei a tarde a correr à procura do zuavo magnetizador.
"Esse zuavo, um simples músico, é, há três meses, o herói do campo e suas imediações. É um homenzinho magro, moreno, de olhos profundamente enterrados nas órbitas, uma verdadeira fisionomia de derviche torneiro. Dele contam coisas incríveis e sou forçado a não falar senão do que contam, porque, desde alguns dias, por ordem superior, teve ele que interromper as sessões públicas que fazia no ‘Hotel de la Meuse’. Vinham de dez léguas ao redor. E1e recebia vinte e cinco a trinta doentes por vez, e à sua voz, ao seu olhar, ao seu toque, pelo menos dizem, subitamente os surdos ouviam, os mudos falavam, os coxos se iam, sobraçando as muletas.
"Tudo isto é bem certo? Nada sei. Conversei uma hora com ele. Chama-se Jacob, é simplesmente burginhão, exprime-se com facilidade, deu-me a impressão dos mais convencidos e dos mais inteligentes. Sempre recusou qualquer espécie de remuneração e não gosta de agradecimentos. Além disso, prometeu-me um manuscrito que lhe foi ditado por um Espírito. Inútil vos dizer que vos falarei dele assim que o receber, contudo se o Espírito tiver espirito."
René de Pont-Jest
Enfim, o Écho de L 'Aisne, depois de haver citado o fato, em seu número de 1º de agosto, assim o comenta no número de 4:
"No número de quarta-feira última que não se fala em nosso interior senão das curas realizadas no campo de Châlons, por um jovem zuavo espírita.
"Creio fazer bem em vos pedir que o reprima, porque um verdadeiro exército de doentes se dirige diariamente para o campo. Os que voltam satisfeitos animam outros a os imitar. Ao contrário, os que nada ganharam, não calam as censuras e as zombarias.
"Entre essas duas opiniões extremas, há uma prudente reserva que `bom número de doentes' deve tornar como regra de conduta como guia do que podem fazer.
"Essas `curas maravilhosas', esses `milagres', corno os chamam, em geral, os mortais, nada têm de maravilhoso, nada de miraculoso.
"De saída, causam admiração porque não são comuns; mas como nada do que se realiza não deixa de ter uma causa, foi preciso procurar o que produz tais fatos, e a ciência explicou.
"As impressões morais fortes sempre tiveram a faculdade de agir sobre o `sistema nervoso'; - as curas obtidas pelo zuavo espírita não atingem senão as moléstias deste sistema. Em todas as épocas, na antigüidade como nos tempos modernos, tem sido assinaladas curas em grande número de casos. Nada há, pois, de extraordinário que hoje as mesmas causas produzam os mesmos resultados.
"É, pois, apenas aos doentes do `sistema nervoso' que é possível `ir ver e esperar'."
Antes de qualquer outro comentário, faremos uma ligeira observação sobre este último artigo. O autor constata os fatos e os explica a seu modo. Conforme ele, essas curas nada tem de maravilhoso ou de miraculoso. Sobre este ponto estamos de perfeito acordo: o Espiritismo diz claramente que não faz milagres; que todos os fatos, sem exceção, que se produzem por influência mediúnica, são devidos a uma força natural e se realizam em virtude de uma lei tão natural quanto a que faz transmitir um telegrama ao outro lado do Atlântico em alguns minutos.
Antes da descoberta da lei da eletricidade, semelhante fato teria passado pelo milagre dos milagres. Suponhamos por um instante que Franklin, ainda mais iniciado do que o era sobre as propriedades do fluido elétrico, tivesse lançado um fio metálico através do Atlântico e estabelecido uma correspondência instantânea entre a Europa e a América, sem lhe indicar o processo, que teriam pensado dele? Incontestavelmente teriam gritado milagre. Ter-lhe-iam atribuído um poder sobrenatural. Aos olhos de muita gente teria passado por feiticeiro e por ter o diabo às suas ordens. O conhecimento da lei da eletricidade reduziu esse pretenso prodígio às proporções dos efeitos naturais. Assim de uma porção de outros fenômenos.
Mas são conhecidas todas as leis da natureza? A propriedade de todos os fluidos? Não é possível que um fluido desconhecido, como por tanto tempo foi a eletricidade, seja a causa de efeitos inexplicados, produza sobre a economia resultados impossíveis para a Ciência, com a ajuda dos meios limitados de que dispõe? Então! Aí está todo o segredo, porque o Espiritismo só tem mistérios para os que não se dão no trabalho de o estudar. Essas curas tem muito simplesmente por princípio uma ação fluídica dirigida pelo pensamento e pela vontade, em vez de o ser por um fio metálico. Tudo está em conhecer as propriedades desse fluido, as condições em que pode agir e saber dirigi-lo. Além disso, é preciso um instrumento humano suficientemente provido desse fluido e apto a lhe dar a energia suficiente.
Esta faculdade não é privilégio de um indivíduo. Por isto mesmo que está na natureza, muitos a possuem, mas em graus muito diferentes, como todo o mundo há de ver, posto que mais ou menos longe. No número dos que dela são dotados, alguns agem com conhecimento de causa, como o zuavo Jacob. Outros malgrado seu, e sem se dar conta do que se passa neles; sabem que curam, e eis tudo. Perguntai-lhes como e nada sabem. Se forem supersticiosos, atribuirão seu poder a uma causa oculta, à virtude de algum talismã ou amuleto que, na realidade, não serve para nada. E assim com todos os médiuns inconscientes, cujo número é grande. Inúmeras pessoas são, elas próprias, a causa primeira dos efeitos que admiram, mas não explicam. Entre os negadores mais obstinados muitos são médiuns sem o saber.
O jornal em questão diz: "As curas obtidas pelo zuavo espírita não atingem senão as moléstias do sistema nervoso. São devidas à influência da imaginação, constatada por grande números de fatos. Houve dessas curas na antigüidade, como nos tempos modernos, assim, nada tem de extraordinário."
Dizendo que o Sr. Jacob só curou afecções nervosas o autor se adianta um tanto levianamente, porque os fatos contradizem essa afirmação. Mas admitamos que seja assim. Essas espécies de afecções são inumeráveis e precisamente destas em que a Ciência é, o mais das vezes, forçada a confessar a sua impotência. Se, por um meio qualquer dela se pode triunfar, não é um resultado importante? Se esse meio estiver na influência da imaginação, que importa? Por que o negligenciar? Não é melhor curar pela imaginação do que não curar absolutamente? Entretanto, parece-nos difícil que só a imaginação, ainda que excitada ao mais alto grau, possa fazer marchar um paralítico e restaurar um membro anquilosado. Em todo o caso, desde que, segundo o autor, curas de doenças nervosas em todos os tempos foram obtidas por influência da imaginação, os médicos não são desculpados por se obstinarem no emprego de meios impotentes, quando a experiência lhes mostra outros eficazes. Sem o querer o autor lhes faz o processo.
Mas, diz ele, o Sr. Jacob não cura a todos. É possível e, mesmo, certo. Mas que é o que isto prova? Que ele não tem um poder curador universal. O homem que tivesse tal poder seria igual a Deus, e o que tivesse a pretensão de o possuir não passaria de um tolo presunçoso. Se não se curasse senão quatro ou cinco doentes em dez, reconhecidos incuráveis pela Ciência isto bastaria para provar a existência da faculdade. Há muitos médicos que façam tanto?
Há muito tempo conhecemos pessoalmente o Sr. Jacob como médium escrevente e propagador zeloso do Espiritismo, sabíamos que havia feito alguns ensaios parciais de mediunidade curadora, mas parece que esta facilidade teve nele um desenvolvimento rápido e considerável durante sua estada no campo de Châlons. Um dos nossos colegas da Sociedade de Paris, o Sr. Boivinet, que mora no departamento do Aisne, teve a bondade de nos enviar um relatório muito circunstanciado dos fatos que são de seu conhecimento pessoal. Seus profundos conhecimentos do Espiritismo, juntos a um caráter isento de exaltação e de entusiasmo, lhe permitiram apreciar as coisas corretamente. Seu testemunho tem, pois, para nós, todo o valor do de um homem honrado imparcial e esclarecido, e o seu relatório tem toda a autenticidade desejável. Temos assim, os fatos, atestados por ele como constatados, como se nós mesmos os tivéssemos testemunhado. A extensão desses documentos não nos permite sua publicação por inteiro nesta revista, mas nós os coordenamos para os utilizar ulteriormente, limitando-nos por hoje a lhes citar as passagens essenciais:
"... Com o fito de bem justificar a confiança que tendes em mim, informei-me, já por mim mesmo, já por pessoas inteiramente honestas e dignas de fé, das curas bem constatadas, operadas pelo Sr. Jacob. Aliás, essas pessoas não são espíritas, o que tira às suas afirmações toda suspeita de parcialidade em favor do Espiritismo.
"Reduzo de um terço as apreciações do Sr. Jacob quanto ao número dos doentes por ele recebidos, mas parece que estou aquém, talvez muito aquém da verdade, estimando esta cifra em 4.000, sobre os quais um quarto foi curado e os três quartos aliviados. A afluência era tal que a autoridade militar emocionou-se e o consignou, interditando as visitas para o futuro. Sei pelo próprio chefe da estação que a estrada de ferro transportava diariamente massas de doentes ao campo.
"Quanto à natureza das doenças sobre as quais exerceu mais particularmente a sua influência, é-me impossível dize-lo. São sobretudo os enfermos que a eles se dirigiram, e são estes, por conseqüência, que figuram em maior número entre os seus clientes satisfeitos. Mas muitos outros aflitos poderiam apresentar-se a ele com sucesso.
"Foi assim que em Chatères, aldeia vizinha daquela em que resido, vi e revi um homem de cerca de cinqüenta anos que, desde 1856 vomitava tudo o que comia. No momento em que foi ver o zuavo, tinha partido muito doente e vomitava ao menos três vezes por dia. Vendo-o, o Sr. Jacob lhe disse: "Estais curado!" e, durante a sessão, convidou-o a comer e beber. O pobre camponês, vencendo a apreensão, comeu e bebeu e não se sentiu mal. Desde mais de três semanas não mais experimentou o menor mal-estar. A cura foi instantânea. Inútil acrescentar que o Sr. Jacob não o fez tomar qualquer medicamento e não lhe prescreveu nenhum tratamento. Somente a sua ação fluídica, como uma comoção elétrica, tinha bastado para restabelecer os órgãos em seu estado normal."
Observação: Esse homem é dessas naturezas frustas, que se exaltam muito pouco. Se, pois, uma só palavra houvesse bastado para superexcitar sua imaginação a ponto de curar instantaneamente uma gastrite crônica, seria preciso convir que o fenômeno seria ainda mais surpreendente que a cura, e mereceria bem alguma atenção.
"A filha do dono do `Hotel de la Meuse', em Mourmelon, doente do peito, estava tão fraca a ponto de não sair do leito. O zuavo a convidou a levantar-se, o que ela fez imediatamente. Com a estupefação de numerosos espectadores, desceu a escada sem auxílio e foi passear no jardim com o seu novo médico. Desde esse dia a moça passa bem. Não sou médico, mas não creio que esta seja uma doença nervosa.
"Sr. B..., gerente de pensão, que dá pulos à idéia da intervenção dos Espíritos nos nossos assuntos, contou-me que uma senhora, há muito doente do estômago, tinha sido curada pelo zuavo e que, desde então tinha engordado notavelmente cerca de vinte libras.
Observação: Esse senhor, que se exaspera à idéia da intervenção dos Espíritos, ficaria muito chocado se, quando morrer, seu Espírito pudesse vir assistir às pessoas que lhe são caras, curá-las e lhes provar que ele não está perdido para elas.
"Quanto aos enfermos, propriamente ditos, os resultados por eles obtidos são mais estupefacientes, porque o olho aprecia imediatamente os resultados.
"Em Treloup, aldeia a 7 ou 8 quilômetros daqui, um velho de setenta anos estava entrevado e nada podia fazer. Deixar a sua cadeira era quase impossível. A cura foi completa e instantânea. Ontem ainda me falaram do caso. Então! diziam-me, eu o vi, o Pai Petit; ele ceifava!
"Uma mulher de Mourmelon tinha a perna encolhida, imobilizada; o joelho estava à altura do estômago. Agora anda e passa bem.
"No dia em que o zuavo foi interdito, um pedreiro percorreu exasperado o Mourmelon e dizia que queria enfrentar os que impediam o médium de trabalhar. Esse pedreiro tinha os punhos voltados para os lados internos dos braços. Hoje os seus punhos se movem como os nossos e ganha mais dois francos por dia.
Quantas pessoas chegaram carregadas e voltaram sós, tendo recuperado o uso de seus membros durante a sessão!
"Uma menina de cinco anos, trazida de Reims, e que nunca tinha andado, andou imediatamente.
"O fato seguinte foi, por assim dizer, o ponto de partida da faculdade do médium ou, pelo menos, o exercício público dessa faculdade, tornada notória:
"Chegando a Ferté-sous-Jouarre, e dirigindo-se para o campo, o regimento de zuavos estava reunido na praça pública. Antes de debandar a banda executa uma marcha. No número dos espectadores achava-se uma menina num carrinho, empurrado por seus pais. A menina foi assinalada ao zuavo por um de seus camaradas. Terminada a música, ele se dirige para ela e dirigindo-se aos pais, lhe pergunta: "Então esta menina é doente? - Ela não pode andar, foi a resposta. Há dois anos tem na perna um aparelho ortopédico. - Tirais, então, o aparelho, do qual não mais precisa". Isto foi feito, não sem alguma hesitação e a menina andou. Então foram ao café e o pai, louco de alegria, queria que o homem dos refrescos abrisse o seu negócio, para que os zuavos bebessem.
"Agora vou contar como o médium procedia, isto é, vou descrever uma sessão, que não assisti, mas que me foi minuciosamente descrita por vários doentes.
"O zuavo faz entrarem os doentes. As dimensões do local limitam o seu número. É assim que, ao que afirmam, transportou-se do hotel da Europa, onde não podia admitir senão dezoito pessoas por vez, para o `Hotel de la Meuse', onde eram admitidos vinte e cinco ou trinta. Entram. Os que moram mais longe são geralmente convidados a vir primeiro. Certas pessoas querem falar. "Silencio!" diz ele "os que falarem serão postos na rua!" Ao cabo de dez ou quinze minutos de silêncio e imobilidade geral, ele se dirige a alguns doentes, raramente interroga, mas lhes diz o que sofrem. Depois, passeando ao longo da grande mesa, em redor da qual estão sentados os doentes, fala a todos, mas sem ordem; toca-os mas sem os gestos que lembram os magnetizadores; depois despede todos, dizendo a uns: `Estais curados; ide embora'; a outros: ‘Curareis sem nada fazer; apenas tendes fraquezas'; a outros, mais raramente: `Nada posso por vós.' Querem agradecer, e ele responde muito militarmente, que nada tem que agradecer e põe os clientes para fora. Às vezes lhes diz: `Vossos agradecimentos? Dirigi-os à Providência.'
"A 7 de agosto uma ordem do marechal veio interromper o curso das sessões. Logo após a interdição, e visto a enorme afluência dos doentes em Mourmelon, tiveram que empregar a respeito do médium um meio sem precedentes. Como não havia cometido nenhuma falta e observava a disciplina muito rigorosamente, não podiam prendê-lo. Ligaram um plantão à sua pessoa, com ordem de o seguir a toda parte e impedir que alguém dele se aproximasse.
"Disseram-se que foram toleradas todas essas curas, contanto que a palavra Espiritismo não fosse pronunciada e não creio que o Sr. Jacob o tenha feito. Foi a partir desse momento que agiram contra ele com rigor.
"De onde o pavor que causa o simples nome do Espiritismo, mesmo quando só faz o bem, consola os aflitos, alivia a humanidade sofredora? De minha parte creio que certas pessoas temem que ele faça muito bem.
"Nos primeiros dias de setembro o Sr. Jacob quis vir passar dois dias em minha casa, cumprindo urna promessa eventual que me tinha feito no campo de Châlons. O prazer que tive em recebê-lo foi decuplicado pelos serviços que pode prestar a bom número de infelizes. Depois de sua partida, quase que diariamente estava ao corrente do estado dos doentes tratados, e aqui dou o resultado de minhas observações. A fim de ser exato como um levantamento estatístico, e a título de informações posteriores, se for o caso, aqui os cito nominalmente. (Segue uma lista de trinta e tantos nomes, com indicação da idade, da doença e dos resultados obtidos).
"O Sr. Jacob é sinceramente religioso. Dizia-me ele: `O que eu faço não me admira. Eu faria coisas muito mais extraordinárias e não ficaria mais espantado, porque sei que Deus pode, se o quiser. Só uma coisa me admira: é ter tido o imenso favor de ter sido o instrumento que Ele escolheu. Hoje ficam admirados do que obtenho, mas quem sabe se num mês, num ano, não haverá dez, vinte, cinqüenta médiuns como eu e ainda mais fortes que eu? O Sr. Kardec, que procura e deve procurar estudar fatos como estes que se passam aqui, deveria ter vindo. Hoje, amanhã, posso perder a minha faculdade e para ele seria um estudo perdido. Ele deve fazer o histórico de semelhantes fatos.' "
Observação: Sem dúvida ter-nos-íamos sentido feliz em ser testemunha dos fatos relatados acima, e provavelmente teríamos ido ao campo de Châlons, se tivéssemos tido a possibilidade e se tivéssemos sido informado em tempo hábil Só o soubemos por via indireta dos jornais, quando estávamos em viagem e confessamos não ter uma confiança absoluta em seus relatos. Teríamos muito o que fazer se fosse preciso ir em pessoa controlar tudo o que relatam do Espiritismo, ou mesmo tudo quanto nos é assinalado em nossa correspondência. Não podíamos lá ir senão com a certeza de não ter uma decepção e quando o relatório do Sr. Boivinet nos chegou, o campo estava interdito. Atrás, a vista desses fatos nada nos teria ensinado de novo, pois cremos compreendê-los. Ter-se-ia apenas tratado de lhe constatar a realidade. Mas o testemunho de um homem como o Sr. Boivinet, ao qual tínhamos mandado uma carta para o Sr. Jacob, pedindo nos informasse do que teria visto, nos bastava completamente. Não houve, pois, perda para nós, além do prazer de ter visto pessoalmente o Sr. Jacob em trabalho, o que esperamos possa dar-se alhures, fora do campo de Châlons.
Não falamos das curas do Sr. Jacob senão porque autênticas. Se nos tivessem parecido suspeitas ou manchadas pelo charlatanismo e por uma bazófia ridícula, que as tivessem tornado mais prejudiciais do que úteis à causa do Espiritismo, ter-nos-íamos abstido, posto se tivesse podido dizer, como o fizemos em várias outras circunstâncias, não querendo fazer o editor responsável de nenhuma excentricidade, nem secundar as vistas ambiciosas e interesseiras, que por vezes se ocultam sob aparências de devotamento. Eis por que somos circunspectos em nossas apreciações dos homens e das coisas e também porque nossa Revista não se transforma em incensório em proveito de ninguém.
Mas aqui se trata de uma coisa séria, fecunda em resultados, e capital no duplo ponto de vista do fato em si e da realização de uma das previsões dos Espíritos. Com efeito, desde longe data, eles anunciaram que a mediunidade curadora desenvolver-se-ia em proporções excepcionais, de maneira a fixar a atenção geral, e nós felicitamos o Sr. Jacob por ser um dos primeiros a fornecer o exemplo Mas aqui, como em todos os gêneros de manifestações, para nós a pessoa, se apaga diante da questão principal.
Desde que o dom de curar não é resultado do trabalho, nem do estudo, nem de um talento adquirido, aquele que o possui não pode considerá-lo um mérito. Louva-se um grande artista, um sábio, porque devem o que são os próprios esforços. Mas o médium melhor dotado não passa de instrumento passivo, de que os Espíritos se servem hoje e podem deixar amanhã. Que seria o Sr. Jacob se perdesse a sua faculdade, que ele prudentemente prevê? O que era antes: o músico dos zuavos Ao passo que, embora isto aconteça, ao sábio sempre restará a Ciência e ao artista o talento. Somos feliz por ver o Sr. Jacob partilhar destas idéias, portanto , não é a ele que se dirigem estas reflexões. Ele será igualmente de nossa opinião, não temos dúvida, quando dissermos que o que constitui um mérito real no médium, o que se deve e pode louvar com razão, é o emprego que faz de sua faculdade; é o zelo, o devotamento, o desinteresse com os quais a põe ao serviço daqueles a quem ela pude ser útil; é ainda a modéstia, a simplicidade, a abnegação, a benevolência que respiram em suas palavras e que todas as suas ações justificam, porque essas qualidades lhe pertencem mesmo. Assim, não é o médium, que se deve pôr num pedestal, do qual poderá descer amanhã: é o homem de bem, que sabe tornar-se útil sem ostentação e sem proveito para a sua vaidade.
O desenvolvimento da mediunidade curadora forçosamente terá conseqüências de alta Importância, que serão objeto de um exame especial e aprofundado em próximo artigo.
Fonte: Revista Espírita, outubro de 1866
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