Por Allan Kardec
Escrevem-nos de Gramat, no Lot:
“Numa casa da aldeia de Coujet, comuna de Bastat, no departamento de Lot, há cerca de dois meses ouvem-se ruídos extraordinários. A princípio eram golpes secos e muito semelhantes a pancadas de um machado no soalho e escutados por todos os lados: sob os pés, acima da cabeça, nas portas, nos móveis. Depois as passadas de um homem descalço e o tamborilar de dedos nas vidraças. Os moradores ficaram amedrontados e mandaram rezar missas. A população inquieta ia até a aldeia e escutava; a polícia tomou conhecimento, fez várias pesquisas e o barulho aumentou. Em breve as portas se abriam; os objetos eram revirados; as cadeiras projetadas pela escada; os móveis transportados do rés-do-chão para o sótão. Tudo quanto informo ocorre em pleno dia e é atestado por grande número de pessoas. A casa não é um pardieiro antigo, sombrio e negro, que só pelo aspecto faz sonhar com fantasmas. É uma construção recente e risonha. Os proprietários são gente boa, incapazes de querer enganar e morrem de medo. Entretanto muitas pessoas pensam que ali não há nada de sobrenatural e procuram explicar tudo quanto se passa de extraordinário quer pela física, quer pelas más intenções que atribuem aos moradores. Eu, que vi e acredito, resolvi dirigir-me ao senhor para saber quais são os Espíritos que fazem todo esse barulho e conhecer o meio, caso exista, de silenciá-los. É um serviço que prestaria a essa boa gente, etc...”
Os fatos dessa natureza não são raros. Todos eles se assemelham mais ou menos e, em geral, só diferem pela intensidade e por sua maior ou menor tenacidade. Em geral, as pessoas pouco se inquietam quando eles se limitam a alguns ruídos sem consequência, mas tornam-se verdadeira calamidade quando atingem certas proporções.
Nosso distinto correspondente pergunta-nos quais os Espíritos que fazem esse barulho. Não há dúvidas quanto à resposta. Sabe-se que só os Espíritos de uma ordem muito inferior são capazes de tanto.
Os Espíritos superiores, assim como entre nós as pessoas graves e sérias, não se divertem a fazer algazarra. Muitas vezes chamamo-los a fim de lhes perguntar por que motivo assim perturbam o repouso alheio. A maior parte não tem outro objetivo senão divertir-se. São antes Espíritos levianos do que maus. Riem-se do medo que provocam, como das inúteis pesquisas para descobrir a causa do tumulto. Muitas vezes se obstinam junto a um indivíduo que gostam de vexar e que perseguem de casa em casa; outras vezes se ligam a um determinado lugar, sem qualquer motivo, a não ser por capricho. Por vezes também é uma vingança que levam a efeito, como teremos ocasião de ver. Em certos casos, sua intenção é mais louvável: querem chamar a atenção e estabelecer contato, seja para fazer uma advertência útil à pessoa a quem se dirigem, seja para pedir algo para si mesmos. Muitas vezes vimo-los pedir preces; outros solicitavam o cumprimento, em seu nome, de promessas que não puderam cumprir; outros, enfim, no interesse de seu próprio repouso, queriam reparar alguma ação má que tinham praticado quando encarnados.
Em geral não há razão para nos amedrontarmos. Sua presença pode ser importuna, mas não é perigosa. Aliás, compreende-se que tenhamos desejo de nos desembaraçarmos deles. Entretanto, quase sempre fazemos exatamente o contrário do que deveríamos. Se são Espíritos que se divertem, quanto mais levarmos a coisa a sério, mais eles persistem, como meninos travessos que apoquentam tanto mais quanto mais veem que nos impacientamos, e que metem medo aos covardes. Se tomássemos o sábio partido de rir de suas malandrices, acabariam se cansando e deixando-nos tranquilos. Conhecemos alguém que, longe de irritar-se, os excitava, desafiava-os a fazer isto ou aquilo, de modo que ao cabo de alguns dias eles não mais apareceram. Entretanto, como dissemos, alguns têm motivos menos frívolos. Eis por que é sempre útil saber o que eles querem. Se pedem alguma coisa, podemos estar certos de que suas visitas cessarão assim que forem satisfeitos. O melhor meio de instruir-se a respeito é evocar o Espírito através de um bom médium psicógrafo. Por suas respostas veremos imediatamente com quem tratamos e, em consequência, poderemos agir. Se for um Espírito infeliz, manda a caridade que o tratemos com os cuidados que merece. Se for um brincalhão de mau gosto, poderemos agir com ele sem cerimônias. Se for malévolo, é preciso pedir a Deus que o torne melhor. Em todo caso, a prece só bons resultados poderá dar. Mas a gravidade das fórmulas de exorcismo causa-lhes riso e por elas não têm nenhum respeito. Se pudermos entrar em comunicação com eles, é necessário desconfiar das qualificações burlescas ou apavorantes que por vezes se atribuem para divertir-se com a nossa credulidade.
Em muitos casos a dificuldade está em não ter médiuns à disposição. Devemos então procurar substituí-los por nós mesmos ou interrogar o Espírito diretamente, de acordo com os preceitos que damos nas nossas Instruções Práticas sobre as Manifestações.
Embora produzidos por Espíritos inferiores, esses fenômenos são, muitas vezes, provocados por Espíritos de ordem mais elevada, com o fito de nos convencer da existência de seres incorpóreos e de um poder superior ao do homem. A repercussão daí resultante, o próprio medo que causam, chamam a atenção e acabarão por abrir os olhos dos mais incrédulos. Esses acham mais fácil levar tais fenômenos para o plano da imaginação, explicação muito cômoda, que dispensa quaisquer outras. Entretanto, quando os objetos são desarrumados ou atirados à nossa cabeça, fora necessária uma imaginação muito complacente para supor que tais coisas acontecem, quando de fato não acontecem. Se observamos um efeito qualquer, ele terá, necessariamente, uma causa. Se uma observação calma e fria nos demonstra que tal efeito independe de toda vontade humana e de toda causa material; se, além disso, nos dá indícios evidentes de inteligência e de livre vontade, o que constitui o mais característico dos sinais, somos então forçados a atribuí-lo a uma inteligência oculta.
Quem são esses seres misteriosos? Eis o que os estudos espíritas nos ensinam da maneira menos contestável, através dos meios que nos apresentam de com eles nos comunicarmos. Além disso, esses estudos nos ensinam a separar o que é real daquilo que é falso ou exagerado nos fenômenos cujas causas não percebemos. Se se produz um efeito insólito ─ ruído, movimento, até mesmo uma aparição ─ o primeiro pensamento que devemos ter é que seja devido a uma causa absolutamente natural, que é o mais provável. Então é preciso investigar essa causa com o maior cuidado e não admitir a intervenção dos Espíritos senão com conhecimento de causa. É o meio de não nos iludirmos.
Fonte: Revista Espírita, Fevereiro de 1859
Nenhum comentário:
Postar um comentário