domingo, 31 de outubro de 2010

Dia de Finados

12:50 Posted by Administrador , , ,
Por Luiz Gonzaga Scalzitti

É chegado novamente o dia de finados. Com ele repete-se o ritual no cemitério.

Some-se a isto as dúvidas e anseios do povo. Principalmente inquirindo aos Espíritas, o que fazer. Isso é certo ou é errado?

Digo sempre que a Doutrina Espírita é libertária, não veio para defender este ou aquele procedimento em detrimento de outros, pois seria fazer um novo paradigma em substituição ao existente.

O Espiritismo na verdade esclarece-nos quanto aos aspectos mais profundos do entendimento existencial.

Considera com muita propriedade que no túmulo não há mais nada, nem corpo às vezes dependendo da data do enterro.

Em verdade, sabemos que os Espíritos de nossos entes queridos e amigos, assim como todos os espíritos, estão à nossa volta com os quais nos acotovelamos.

Cabe a nós outros, nos libertarmos dos atavismos e sabedores das verdades novas, assimilarmos de acordo com a nossa própria possibilidade. Consciente de que se a ciência descobriu novos medicamentos para velhos males cabe-nos tomá-los ou persistir no sofrimento.

Sabemos que toda forma de pensamento em relação a encarnados ou desencarnados e mesmo ao ente Divino são evocações. A prece é, pois uma evocação.

Por esta razão aconselhamos se faça preces aos nossos entes queridos, já desencarnados, pelo pensamento a Deus que os favoreça. Esta é muito apreciada e sentida pelos Espíritos desencarnados, dependendo sempre da sinceridade e bons sentimentos de quem a profere.

Sempre virão ao nosso encontro os espíritos dos nossos parentes e amigos desencarnados? Não!

Isto depende das possibilidades dos desencarnados, e se querem vir, muitas vezes nossos sentimentos que passam desapercebidos aqui na nossa vida de relação não são sinceros, e o Espírito não se interessa por essa hipocrisia, vem muito mais pelo pensamento puro.

Sabemos que tudo o que se faz no cemitério, não passa em muitos casos de demonstração de posses materiais. Seja para demonstrar para a sociedade uma atitude de respeito, às vezes desprovida até de sinceridade.

Portanto, todos são livres para exercerem o que acham que devem, sendo de coração aberto e sincero numa demonstração de amor.

Acredito que maior respeito e melhor efeito teriam para o desencarnado evocá-lo para nossa casa numa atitude de recolhimento da prece sincera e entre familiares queridos que com sua presença pudessem reforçar a comunhão dos pensamentos de efeito maior para o desencarnado.

Onde você preferiria ser convidado para uma recepção: ao cemitério ou a uma casa bem arejada pelos bons sentimentos de amor?

Eu também entendo que as pessoas precisam dessas marcas como história do povo e da humanidade. Aprecio muito ir ao Cemitério da Saudade, aqui na minha cidade e ver aqueles túmulos suntuosos de família de imigrantes italianos, com lápides que contam um pouco da história. Tudo bem, mas precisaria ser em data marcada pelo comércio e aquele cortejo mais fúnebre do que de amor?

Que tal aprender a referendar os nossos mortos em nossa casa recolhidos com a família e em prece proferida com sentimento?

Aproveitar a oportunidade de amor e carinho entre os que ainda estão encarnados para mostrar a harmonia e a fraternidade dos descendentes que possibilitam um sentimento mais elevado ao desencarnado.

Preciso ainda lembrar que muitos Espíritos no mundo espiritual não ligam a mínima para certos fatos que a nós enche de orgulho.

Depois você gostaria de estar sendo lembrado por todo o sempre de suas feridas e de seus sofrimentos. Isto seria uma atitude de incentivar bom ânimo? Não!

Então vamos lembrar nossas almas queridas pelos bons momentos passados juntos pelos carinhos, enfim pela boa vivencia.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Moral e Religião

Por Krishnamurti de Carvalho Dias*

Um cuidado preliminar é o de estabelecer cuidadosamente o valor das palavras envolvidas neste estudo. Moral e Religião são palavras controvertidas.

Devemos a Kardec o clareamento quanto à palavra religião, ajudando a entender a coisa religião em si. Em várias oportunidades Kardec definiu a coisa religião como sendo a entidade formada pela reunião de três elementos: culto, templo e ministros. No culto estão incluídas todas as coisas típicas da religião. O templo é o espaço físico adequado, apropriado para a prática desse culto religioso. E o clero são os ministros, pessoal selecionado para a celebração do culto e mediação dos fiéis com a divindade.

Religião é isso, pois, na definição kardequiana: em duas oportunidades ele situou bem que "O Espiritismo não é, pois, uma religião. Do contrário teria seu culto, seus templos, seus ministros". Isso foi naquela polêmica em 1859 com Abade Chesnel, a primeira pessoa a chamar a doutrina de "uma nova religião". Kardec desmentiu-o, produzindo aquela contradefinição. A segunda oportunidade foi em um trabalho publicado postumamente, mas visivelmente conexo com essa polêmica — "Ligeira resposta aos detratores do Espiritismo" — onde ele insiste em que a doutrina é filosófica, tem consequências religiosas, mas não constitui, em absoluto, uma religião, visto não ter ritos, nem sacramentos, dogmas, liturgia, templos nem clero. A primeira declaração consta da Revista Espírita de maio de 1859, mas a polêmica prosseguiu no número de julho. E a segunda foi no livro "Obras Póstumas".

São dois momentos fortes, onde Kardec produz declarações explícitas, perfeitamente formuladas, onde deixa transparente seu pensamento contrário ao conceito levantado pelo Abade Chesnel, com total pioneirismo. Esse clérigo foi o primeiro a aventar essa hipótese, de a doutrina ser um fato religioso e Kardec de modo algum aceitou isso; rebateu prontamente o abade. Ambos os momentos nada têm de excepcionais, fortuitos, isolados, como muita gente pretende. Pelo contrário, são parte de uma cadeia de declarações, totalizando dezenas de páginas. Kardec tinha realmente uma posição forte e bem definida, contrária ao ponto de vista gratuitamente levantado pelo Abade e que encontrou eco no próprio seio do movimento. A iniciativa, porém, partiu de fora do movimento, foi gerada no seio da Igreja.

Culto, templos e ministros são, pois, para Kardec, os elementos que constituem uma religião na ótica kardequiana, que era um pedagogo, naturalmente habilitado, portanto, para formular uma tal classificação.

Quanto à palavra em si, Kardec também a situou com muita clareza, contrariando até o nível lexicográfico da época, que de modo geral registrava outro étimo e outro histórico.

Em seu famoso Discurso de Abertura (1° de novembro de 1868), publicado na Revista Espírita de dezembro daquele ano, Kardec produziu a acepção "nata e verdadeira" da palavra: "com efeito, a palavra religião quer dizer laço". (pág. 356).

"Em sua acepção nata e verdadeira, uma religião é um laço que religa os homens numa comunidade de sentimentos, de princípios e de crenças".

Duas coisas precisam ser destacadas aí: em primeiro lugar, é que essa era a legítima e original acepção da palavra, em Roma antiga. Kardec refere primeiro o sentido imediato, material da palavra: é laço. Depois, acrescentou o seu sentido figurado, o que ela possuía acima do simples significado de nó ou braço que se dá em cordas. Era uma relação toda moral, um fato espiritual que unia "homens" formando uma comunidade de sentimentos, de princípios e de crenças.

Isso contrariava muito o consenso então vigente (1868); para falar a verdade, o vigente até mesmo hoje, mesmo entre confrades, que ainda se aferram àquele surrado conceito catequético, onde religião seria um laço que ligaria o homem a Deus. Não sei como pessoas esclarecidas ainda aceitam, num ato de vassalagem mental, de servo pensamento, mofino e estreito, essa impostura cultural, léxica, inventada pela igreja.

Kardec recupera a semântica: o laço que uma religião representava apenas unia, relacionava "homens", entre si; e não os homens "a Deus".

No ideário romano, o que fazia essa união entre o humano e o divino (não com Deus, um conceito ainda desconhecido, mas com os deuses) era o cultus-us, não a religião, que era apenas aquilo que Kardec bem descreveu: um laço puramente moral e social, formativo apenas de comunidades, associações civis, de pessoas relacionadas por suas disposições comuns: seus princípios, sentimentos, crenças.

A acepção é tão clara que pode-se aplicá-la hoje a qualquer comunidade que conhecemos: associações de moradores, entidades como os partidos verdes, as associações de defesa ambiental, entidades de ecologismo e de pacifismo, como aquela notável "greenpeaces", alvo de tantos atentados.

Nada havia nessa entidade, nesse conceito, tão claro, que a palavra religião designava em sua origem, que a relacionasse com o fim látrico, cultural: eram duas coisas bem separadas — o cultus-us propunha-se a buscar a comunhão com o deus, através do sacrifício, da propina, dos votos, nos templos e com a mediação do clero; enquanto que a religião visava apenas a congregar pessoas naturalmente afins, de idênticos sentimentos, princípios e crenças, para algum objetivo laico.

Kardec frisa que o laço de uma religião, qualquer que fosse o seu objetivo, era sempre de substância moral, pois visava a despertar nas pessoas uma solidariedade, através da comunidade de seus atos, seus costumes, seus hábitos eram os iguais e os afins que se reuniam, constituindo uma religio-nis, exatamente por sua similitude, sua unidade de vistas, de ideais. Era uma unidade que se formava espontaneamente pela atração dos iguais. E se mantinha pela habitualidade, portanto, por uma razão moral: mós-moris, mores era exatamente isso, costumes, hábitos, usos ordinários habitualizados.

Importante que Kardec socorre-se de Cícero: fala da religião da família, da religião da amizade, da religião do sangue. Que queria dizer? Laços de família, laços de amizade, laços de sangue. São expressões usadas até hoje, sem se suspeitar que está se falando exatamente daquilo que, em Roma, queria significar a palavra religião: laço social de substância moral. Isto é, uma relação que envolve pessoas, forma uma minissociedade e consiste não em imposições, mas em uma concordância de pendores, de inclinações, de gostos, uma simpatia e atração recíproca.

Hoje, a própria igreja repudia, por seus membros mais cultos e íntegros, como o padre Fernando Bastos D’Ávila, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, aquela antiga etimologia inautêntica que falava de religar e forçava uma tradução inaceitável de "o laço que liga o homem a Deus", segundo um consenso hoje, o étimo é o mesmo que Cícero apontou, de religio-nis, e sua tradução é laço, no sentido imediato; no figurado, é aquilo mesmo que Kardec produziu: laço social, de substância moral, exclusivamente entre pessoas, formando entidades associativas, cooperativas, grêmios etc.

Estava desmitificada a palavra religião. Referida como vocábulo que começou significando apenas o nó, o laço ou baraço, que se dá em cordas; passou a expressar o fato do gregarismo, da solidariedade, do associativo e cooperativismo, da parentela, da consanguinidade, da afetividade, enfim, todas as situações ou condições em que o ser humano procura os outros seres humanos.

Foi somente depois de Constantino e seu famigerado edito que a palavra religião e a coisa religião perderam esse caráter puramente laico que tinham e, confundindo-se com o culto, passaram a exprimir o oposto: o látrico, o místico, o ritual, o sobrenatural.

Deolindo Amorim, que conhecia profundamente o positivismo, era de parecer que Kardec só produziu aquele discurso e nele aquela achega por causa de um fato relevante: Littré, epígono (sucessor) de Comte, havia vulgarizado que o positivismo era a "religião da humanidade". Ora, sendo o positivismo ateu e materialista, não podia ser no sentido conhecido da palavra que Littré o dizia. Em que sentido era então? Littré, autor de um dicionário (1866), um lexicógrafo também, fizera aquela frase baseado exatamente no antigo e primitivo significado de religião. Ele pudera fazê-lo porque era independente, não sujeito à vassalagem generalizada perante a Igreja. Não vacilou em afrontar a incompreensão das pessoas, bitoladas pela imposição cultural do clero e dos catecismos.

Sabia que religião era originalmente apenas um laço que unia pessoas, um laço social de substância moral e, por isso, todo e qualquer ismo estaria naturalmente identificado com tal sentido da palavra. O positivismo era, pois, um laço social, uma religião, independente do fato de não ser espiritualista. Mas, e o Espiritismo?

Kardec tinha, como se sabe, problemas internos na Sociedade de Paris. Uma posição hostil afrontava-o. Referiu-se a isso, amargamente, falando de “foco de intrigas”. Desde o Abade Chesnel, com sua intervenção peçonhenta, muita gente havia introjetado a sugestão do clérigo, que não foi feita com outra intenção. Roustaing, por exemplo, montara o seu esquema de dissensão, exatamente em um pensamento parecido. Chamara seu livro de "revelação da revelação", de modo provocativo, como se fosse autor de uma super-revelação, uma pós-revelação, que desbancaria a revelação da Doutrina Espírita.

Isso obrigara Kardec a produzir aquele antológico primeiro capítulo do livro "A Gênese", onde repôs as coisas em seus devidos lugares.

Por tudo isso, quando subiu à tribuna da Sociedade de Paris, o discurso que proferiu trazia um alcance imenso para a cultura mundial. Apoiava Littré e enquadrava o Espiritismo como uma religião, naquele prístino sentido filosófico (o filosófico é por causa do filosófico), declaração que não poderia deixar de fazer, pois a doutrina levava o morfema de ismo na composição de seu nome. Ismos são naturalmente religiões no sentido filosófico, era inevitável ter de enfrentar essa verdade léxica. Se o Espiritismo era espirit + ismo, ismo dos espíritos e dos espíritas, era um laço social de substância moral, a integrar todos os que aderiram à bandeira das ideias espiríticas. Logo, era uma religião, mas apenas naquele sentido filosófico, que é laico, tanto assim que o positivismo, ateu e materialista, ostentava-o.

Mas Kardec não era só um pedagogo, um lexicógrafo, um filólogo ou gramaticão alienado, que sonha com irrealidades e fósseis semânticos. Era um homem lúcido, realista, objetivo, era “o bom senso encarnado”. Intuiu que não adiantava mexer no que estava quieto: chamar de religião no sentido filosófico era abrir caminho a que a palavra fosse aplicada exatamente no sentido religioso, o que não tinha nada a ver com a Doutrina.

O adjetivo "religioso" é incabível, é inaplicável a religiões no sentido filosófico da palavra, aos ismos laicos, por razões óbvias e acacianas, que dispensam explicação.

Chamado de religião em tal sentido, o filosófico, o Espiritismo não poderia ser adjetivado de religioso nunca, pois não tinha a tipicidade das religiões, nem de cunho objetivo, forma e nem os elementos de cunho subjetivo.

Seria estabelecer a confusão e oportunizar aquilo que o espírito Erasto, guia do movimento, havia alertado em sua "Primeira Epístola aos Espíritas de Bordéus". Em uma mensagem que está na Revista Espírita, de novembro de 1861, Erasto adverte que "inimigos da codificação", com "dissertações sabiamente combinadas" e com "tiradas piedosas", sempre "sob a máscara da religião", iriam assaltar os espíritas, crivá-los de botes e ciladas. Tentando mudar o caráter do movimento e até de codificação. Insistia que todas as mudanças fossem discutidas e negociadas, aceitas por todos, nunca impostas.

Se Kardec aceitasse a rotulação de religião, seria o fim do Espiritismo. Por isso, naquela mesma oportunidade, o discurso de 1° de novembro, ele nega que se pudesse lisamente chamar de religião e diz porque. Sentencia que "não se podia nem devia" usar aquela palavra como rótulo da Doutrina. Fala que as reuniões espíritas não são religiosas, mas que podia-se dizer que eram feitas "religiosamente", num visível conotativo.

Tão claras explicações vivem ignoradas porque quase ninguém lê aquele discurso. Como também não se valoriza a imensa Revista Espírita, parte inseparável da Codificação, base desta, aliás.

Tanto no sentido filosófico, de laço social, quanto no de culto látrico, que é o sentido usual, religião é sempre um fato moral, de substância moral. Mesmo no sentido sociológico, onde é um fato cultural não-natural, a religião ainda assim é um fato moral, pois o que são culturas senão agregado de mores, de usos, costumes, hábitos institucionalizados? Inegável, pois, o caráter intrinsecamente moral de qualquer religião.

Mas, se é fato que toda religião é sempre moral, a recíproca não é verdadeira: nem todo fato moral é religioso. Não procede a ideia de que haveria um sentido religioso no Espiritismo, só pela simples razão de este ser um fato moral, possuir uma dimensão moral.

Moral é um adjetivo que refere o que consiste em mores, o que é habitual, consueto, usual, costumeiro. Mas é substantivo também, de múltiplas acepções: na sua usabilidade é código de conduta, norma de proceder, conjunto de prescrições morais, isto é, de usos e costumes, de agires. Uma autoridade, religiosa ou civil, impõe, prescreve certas normas e ordenações que visam regular o agir, o proceder, para limitar ou coibir. Isto é moral, substantivamente.

Neste sentido, o Espiritismo não pode ser facilmente enquadrado como uma moral; ele não é uma fonte de prescrições normativas, rigorista, como um código de Hamurabi, um código de Manu, um decálogo ou Corão. Pelo contrário, Kardec diz que o Espiritismo não impõe nada, que não tem moral própria, que adota a moral evangélica por considerá-la a mais avançada. Mas isso foi retórica, apenas.

Quando se ocupa de examinar os fatos morais, quanto às suas consequências na vida futura, produz o livro "O Céu e Inferno", onde traça um "Código penal da vida futura", com base em método informático, estudo de casos, tomada de depoimentos e processamento dos elementos e dados nestes contidos. Procura com isso dar uma base factual aos princípios de moral das religiões, mostrando que assentam sobre razões cósmicas: nenhum tribunal defronta a alma culpada, após a morte, nem mesmo é só a pura aflição consciencial que o martiriza. Pelo contrário, as condições conscienciais desses faltosos, plasmam em seu redor microclimas de horror, projetando cenas fluídicas e materializando condições impressionantes.

Kardec devassa fatos que nem Dante ousou imaginar. São propriedades da mente, das leis vigentes no ambiente pós-morte, que criam em tais situações, onde os culpados estampam em seu perispírito as marcas de sua inferioridade, onde experimentam a visão incessante de suas faltas, tudo isso com a maior naturalidade, pois tal se deve a princípios independentes da vontade humana: são coisas fáticas, pois.

Isso é uma investigação de cunho informático, aplicada ao mundo moral, de mores, de hábitos, pelas ações morais de uma vida inteira, que cada indivíduo experimenta naquelas situações. Kardec não era nenhum legislador, nenhum fundador de religião, nenhum disciplinador carismático de multidões, como um Moisés, um Maomé, um Menés, Minós, Manu, mas um investigador, um pesquisador, que tomava como material de estudo o caráter dos entrevistados desencarnados, seus agires e pensares, seu proceder, para então deduzir, da situação de cada um, o que era determinante de certos resultados, na erraticidade. A moral espírita é informática antes de a Informática ser.

Não procede, pois, puramente dos evangelhos, como tanto se gosta de repetir. A moral espírita tem fontes próprias. Ao dizer que adotava a dos evangelhos, Kardec não renunciava a produzir uma pilha própria de verificações morais. Até porque, para ser o Consolador, o Espiritismo tem de, necessariamente, dizer mas do que os evangelhos, dizem, inovar, dizer o que não foi dito por Jesus, pois veio para isto. Adstrito só ao que já foi revelado nos evangelhos, como cumpriria sua missão?

Nenhuma contradição há entre o dizer que não se tem moral própria e que se adota a dos evangelhos, e o fato de ter pesquisado, investigado, de modo metódico, informático os fatos morais espíritas, isto é, dos espíritos.

A moral que o Espiritismo renunciava a ter é aquele significado substantivo, de código de prescrições rigoristas. Isso ele não fez: porque o faria, se como Consolador tinha a missão de redizer o que o Cristo dissera? A moral é do Cristo, limitava-se a repeti-la, em linhas gerais. O Evangelho é código moral irretocável, insubstituível.

Entretanto, na acepção adjetiva, quando moral é o que concerne a atos e costumes, inegável é o alcance da Doutrina. Além de funcionar como um perfeito meio de comprovar e justificar a moral do Cristo, através dos fatos, de modo experimental, também é evidente que o Espiritismo produz tantas transformações morais quanto qualquer descoberta científica.

A viagem de Magalhães, terminada por Elcano, comprovou a redondeza da Terra e desmentiu o Vaticano. Séculos depois, o telescópio de Galileu obrigou a Inquisição a limitar-se, sem repetir o que fizera 30 anos antes com Giordano Bruno. Os costumes modificaram-se. Outra viagem, 200 anos mais tarde, desta vez a do Beagle, armou Darwin para uma teoria revolucionária, sensacional. A bíblia foi desmentida e a Igreja abalada. O cortejo de consequências disso, sobre os hábitos mundiais e os conhecimentos, foram imensos.

Pasteur gera uma cadeia de mudanças: ninguém mais bebe leite sem o ferver; não se toca em alimentos sem antes lavar as mãos nem deixamos de escovar os dentes após comer; surge a indústria de conservas, de enlatados e a vacinação é arma dos governos na erradicação de doenças.

São mudanças morais, onde os mores, os usos, os costumes, os hábitos são modificados por força de descobertas e invenções, teorias científicas e avanços tecnológicos, de modo totalmente diferente daquela acepção de moral como código de prescrições de conduta impostos por motivação mística, ético-religiosa. O Espiritismo é um fator desses, determinante de alteração do perfil moral das gerações simplesmente pela pressão dos fatos. Basta ler o artigo de Kardec — "Consequências religiosas das manifestações espíritas", in Obras Póstumas — para entender o porque não se precisa imaginar nenhum "sentido religioso" para explicar o alcance da moral dos fatos espíritas.

O sentido religioso que se julga ver na doutrina, de fato nela não está: reside, isto sim, no foro íntimo dos confrades religiosos ainda. Olhando-a pela ótica que lhes é peculiar, religiosa, julgam-na aquilo que Kardec tantas vezes repeliu — uma religião.

A prova de toque da legitimidade de qualquer ideia está nisto: projetamos aos seus últimos limites, as suas últimas consequências, a ideia de que a doutrina seria religiosa, de algum modo. O que teríamos? Isso representaria a consagração do Abade Chesnel, naturalmente vitoriado, pois teria sido o primeiro a enxergar aquilo que Rivail não viu.

Teria visto primeiro, mais e melhor do que o Codificador. Que resultaria diminuído desse esquisito confronto.

Kardec era um pedagogo. Ninguém melhor do que ele, com seu currículo, para discernir se a Doutrina era uma religião, uma ciência ou o quê. Se Chesnel é que tinha razão, isso reduz a nada a classificação de ciência filosófica que Rivail produziu. Teria se enganado? Das duas, uma: ou sabia que era uma religião ou não sabia. Se não sabia, não passava de um incapaz, um inepto, inapto a perceber o que o clérigo lestamente compreendera. Se sabia, mas não disse, preferindo negar o tempo todo, eis Kardec apresentado como um desonesto, capaz de mentir para não dar o braço a torcer.

Será crível que Kardec não pudesse reconhecer uma religião quando a visse? Que não soubesse classificar uma ciência? Que tivéssemos de esperar por Chesnel para produzir essa importante classificação?

Todas essas considerações são possíveis se mantemos a ideia gratuita, desnecessária de haver um sentido religioso onde a razão nos diz que não há. Tudo não passa de uma daquelas "miseráveis disputas por palavras", que os espíritos preveniram que aconteceriam.

Na Doutrina não há sentido religioso algum. O que há é um sentido espiritualista, naturalmente, pois esse é o caráter dela: doutrina filosófica espiritualista, que trata de questões do ramo: as causas primeiras, a alma, a vida futura, as questões últimas.

O homem comum, com seu atavismo religioso, não consegue separar moral de religião, religião de Deus, espiritualismo de religião e julga que pode fechar questões que são naturalmente abertas.

A questão de pensar isso ou aquilo da doutrina pertence ao foro íntimo. Em sua literalidade, porém, a Doutrina não é religiosa, mas uma ciência, uma filosofia, uma doutrina moral. Pertence ao número das coisas — do progresso, como a estrada de ferro, o telégrafo, dizia Rivail. Que são capazes de mudar as ações humanas e forjar a civilização, as mudanças.

As pessoas têm o direito de pensar. De opinar. Esses direitos são iguais: tanto para os que julgam ver um sentido religioso quanto para aqueles que preferem a objetividade dos fatos tais quais são.

No momento, a liberalidade de opinião entre nós está ameaçada. Os dirigentes religiosos parecem não saber que os direitos são iguais. Acham que só eles podem dizer o que pensam, mesmo ao arrepio do texto claro da Doutrina. Será que podem mesmo?

Muitos pensam que a discussão da identidade da Doutrina é coisa irrelevante, portanto despicienda, inconsequente. Mas não é assim. Há consequências relevantíssimas ligadas, dependentes do estabelecimento dessa identidade: se o Espiritismo se apresenta como uma ciência, como uma doutrina filosófica espiritualista de fundamentação científica, ele terá um peso, um alcance, uma receptividade e valor, perante a sociedade, muitíssimo diferente da que teria se, em definitivo, fosse identificado como uma religião.

E se ficar essa questão pendente, irresolvida, então se abrirá espaço para uma pergunta incômoda: se o Espiritismo não consegue autodefinir sua identidade, como pretende então equacionar e decidir os problemas do ser, do destino, da vida? Se for incapaz para saber de si como poderá merecer confiança para seu discurso sobre as demais coisas?

Na opção de identidade como ciência filosófica (ou como filosofia de fundamentação científica, dá no mesmo) o Espiritismo é sempre um fato bem definido, racional, factual, discutível, isto é, que pode ser discutido, questionado, debatido, goza de transparência. Ciências são estruturas de conhecimentos sobre fatos.

Já na opção de identidade como religião, ele se projetaria em terreno totalmente diverso, onde preponderam opiniões, crenças e juízos dogmáticos, que não precisam realmente ser factuais, racionais, pois envolvem a fé, obviamente independente dos processos da razão. A liberdade de crer é total: ninguém pode ser questionado por crer em algo que valoriza, reputa certo e acreditável, crível. Pode-se crer até no absurdo, no ilógico, que está valendo: religião é isso. Nem há de se discutir nada no terreno da fé.

Ora, não é essa a fundamentação do Espiritismo. Espíritas não creem, realmente, eles conhecem, sabem, porque a Doutrina é acessada numa relação toda pedagógica, de ensino e aprendizado. Não se faz aliciamento nem proselitismo para capturar pessoas como espíritas. Não se doutrinam crianças catequeticamente, para fazer delas futuros catecúmenos espíritas. Nada disso. Aprende-se Espiritismo como se aprende uma nova linha de conhecimentos, de tecnologias de saber, de pensar, de proceder. É diferente.

Os elementos formativos, integrantes da Doutrina Espírita, não são artigos de fé, não compõem um credo realmente, algo em que se deva crer. Nada disso: são conhecimentos adquiridos sobre fatos e roborados pela prova dos fatos, como em qualquer ciência. As pessoas é que confundem as coisas, emprestando à Doutrina um sentido que ela não tem.

O nome que se fixou, de doutrina, também contribui para esse engano: doutrinas são estruturas de opinião, efetivamente. Pessoas doutas expedem doutrinas, um pensar seu, sobre qualquer coisa. Ora, não foi só doutrina o que os Espíritos disseram a Kardec. Eles revelaram fatos, ensinaram. Não se doutrina quando se ensina a um aluno que tais e tais são os conhecimentos disponíveis sobre certa ordem de fatos. Doutrina é uma palavra tendenciosa, às vezes. Não expressa perfeitamente o caráter da revelação espírita, que Kardec ressaltou como informático, naturalmente sem usar essa palavra, inexistente então.

Um espírita pode ser religioso por sua formação religiosa, independente de seu domínio dos conhecimentos espíritas. Não há como confundir as duas coisas: o caráter verdadeiro do Espiritismo, doutrinava Kardec, é o de uma ciência filosófica, não o de uma religião.

Fonte: Anais do 7º Congresso Espírita Estadual - Edições USE - 1ª edição - março de 1997. O evento foi realizado em Águas de São Pedro-SP de 22 a 24 de agosto de 1986.

*Krishnamurti de Carvalho Dias (1930-2001), escritor e orador espírita, foi um dos pioneiros no uso da multimídia para a divulgação do Espiritismo. Escreveu os livros O Laço e o Culto, Roustaing, Toques de Obsessão, A Descoberta do Espírito, Dois Ensaios, O Nascimento da Morte e dezenas de ensaios e artigos na imprensa espírita.

Fonte: PENSE - Pensamento Social Espírita - http://www.viasantos.com/pense/arquivo/1274.html

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Carta de Allan Kardec à Sua Alteza o Príncipe G.

Revista Espírita, janeiro de 1859

PRÍNCIPE,

Vossa Alteza honrou-me dirigindo-me várias perguntas referentes ao Espiritismo; vou tentar respondê-las, tanto quanto o permita o estado dos conhecimentos atuais sobre a matéria, resumindo em poucas palavras o que o estudo e a observação nos ensinaram a esse respeito. Essas questões repousam sobre os princípios da própria ciência: para dar maior clareza à solução, é necessário ter esses princípios presentes no pensamento; permita-me, pois, tomar a coisa de um ponto mais alto, colocando como preliminares certas proposições fundamentais que, de resto, elas mesmas servirão de resposta a algumas de vossas perguntas.

Há, fora do mundo corporal visível, seres invisíveis que constituem o mundo dos Espíritos.

Os Espíritos não são seres à parte, mas as próprias almas daqueles que viveram na Terra ou em outras esferas, e que deixaram seus envoltórios materiais.

Os Espíritos apresentam todos os graus de desenvolvimento intelectual e moral. Há, por conseqüência, bons e maus, esclarecidos e ignorantes, levianos, mentirosos, velhacos, hipócritas, que procuram enganar e induzir ao mal, como os há muitos superiores em tudo, e que não procuram senão fazer o bem. Essa distinção é um ponto capital.

Os Espíritos nos cercam sem cessar, com o nosso desconhecimento, dirigem os nossos pensamentos e as nossas ações, e por aí influem sobre os acontecimentos e os destinos da Humanidade.

Os Espíritos, freqüentemente, atestam sua presença por efeitos materiais. Esses efeitos nada têm de sobrenatural; não nos parecem tal senão porque repousam sobre bases fora das leis conhecidas da matéria. Uma vez conhecidas essas bases, o efeito entra na categoria dos fenômenos naturais; é assim que os Espíritos podem agir sobre os corpos inertes e fazê-los mover sem o concurso de nossos agentes exteriores. Negar a existência de agentes desconhecidos, unicamente porque não são compreendidos, seria colocar limites ao poder de Deus, e crer que a Natureza nos disse sua última palavra.

Todo efeito tem uma causa; ninguém o contesta. É, pois, ilógico negar a causa unicamente porque seja desconhecida.

Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Quando se vê o braço do telégrafo fazer sinais que respondem a um pensamento, disso se conclui, não que esses braços sejam inteligentes, mas que uma inteligência fá-los moverem-se. Ocorre o mesmo com os fenômenos espíritas. Se a inteligência que os produz não é a nossa, é evidente que ela está fora de nós.

Nos fenômenos das ciências naturais, atua-se sobre a matéria inerte, que se manipula à vontade; nos fenômenos espíritas age-se sobre inteligências que têm seu livre arbítrio, e não estão submetidas à nossa vontade. Há, pois, entre os fenômenos usuais e os fenômenos espíritas uma diferença radical quanto ao princípio: por isso, a ciência vulgar é incompetente para julgá-los.

O Espírito encarnado tem dois envoltórios, um material que é o corpo, o outro semi-material e indestrutível que é o perispírito. Deixando o primeiro, conserva o segundo que constitui para ele uma espécie de corpo, mas cujas propriedades são essencialmente diferentes. Em seu estado normal, é invisível para nós, mas pode tornar-se momentaneamente visível e mesmo tangível: tal é a causa do fenômeno das aparições.

Os Espíritos não são, pois, seres abstratos, indefinidos, mas seres reais e limitados, tendo sua própria existência, que pensam e agem em virtude de seu livre arbítrio. Estão por toda parte, ao redor de nós; povoam os espaços e se transportam com a rapidez do pensamento.

Os homens podem entrar em relação com os Espíritos e deles receberem comunicações diretas pela escrita, pela palavra e por outros meios. Os Espíritos, estando ao nosso lado e podendo virem ao nosso chamado, pode-se, por certos intermediários, estabelecer com eles comunicações seguidas, como um cego pode fazê-lo com as pessoas que ele não vê.

Certas pessoas são dotadas, mais do que outras, de uma aptidão especial para transmitirem as comunicações dos Espíritos: são os médiuns. O papel do médium é o de um intérprete; é um instrumento do qual se servem os Espíritos: esse instrumento pode ser mais ou menos perfeito, e daí as comunicações mais ou menos fáceis.

Os fenômenos espíritas são de duas ordens: as manifestações físicas e materiais, e as comunicações inteligentes. Os efeitos físicos são produzidos por Espíritos inferiores; os Espíritos elevados não se ocupam mais dessas coisas quanto nossos sábios não se ocupam em fazerem grandes esforços: seu papel é de instruir pelo raciocínio.

As comunicações podem emanar de Espíritos inferiores, como de Espíritos superiores. Reconhecem-se os Espíritos, como os homens, pela sua linguagem: a dos Espíritos superiores é sempre séria, digna, nobre e marcada de benevolência; toda expressão trivial ou inconveniente, todo pensamento que choque a razão ou o bom senso, que denote orgulho, acrimônia ou malevolência, necessariamente, emana de um Espírito inferior.

Os Espíritos elevados não ensinam senão coisas boas; sua moral é a do Evangelho, não pregam senão a união e a caridade, e jamais enganam. Os Espíritos inferiores dizem absurdos, mentiras, e, freqüentemente, grosserias mesmo.

A bondade de um médium não consiste somente na facilidade das comunicações, mas, sobretudo, na natureza das comunicações que recebe. Um bom médium é aquele que simpatiza com os bons Espíritos e não recebe senão boas comunicações.

Todos temos um Espírito familiar que se liga a nós desde o nosso nascimento, nos guia, nos aconselha e nos protege; esse Espírito é sempre bom.

Além do Espírito familiar, há Espíritos que são atraídos para nós por sua simpatia por nossas qualidades e nossos defeitos, ou por antigas afeições terrestres. Donde se segue que, em toda reunião, há uma multidão de Espíritos mais ou menos bons, segundo a natureza do meio.

Podem os Espíritos revelar o futuro?

Os Espíritos não conhecem o futuro senão em razão de sua elevação. Os que são inferiores não conhecem mesmo o seu, por mais forte razão o dos outros. Os Espíritos superiores o conhecem, mas não lhes é sempre permitido revelá-lo. Em princípio, e por um desígnio muito sábio da Providência, o futuro deve nos ser ocultado; se o conhecêssemos, nosso livre arbítrio seria por isso entravado. A certeza do sucesso nos tiraria o desejo de nada fazer, porque não veríamos a necessidade de nos dar ao trabalho; a certeza de uma infelicidade nos desencorajaria. Todavia, há casos em que o conhecimento do futuro pode ser útil, mas deles jamais podemos ser juizes: os Espíritos no-los revelam quando crêem útil e têm a permissão de Deus; fazem-no espontaneamente e não ao nosso pedido. E preciso esperar, com confiança a oportunidade, e sobretudo não insistir em caso de recusa, de outro modo se arrisca a relacionar-se com Espíritos levianos que se divertem às nossas custas.

Podem os Espíritos nos guiar, por conselhos diretos, nas coisas da vida?

Sim, eles o podem e o fazem voluntariamente. Esses conselhos nos chegam diariamente pelos pensamentos que nos sugerem. Freqüentemente, fazemos coisas das quais nos atribuímos o mérito, e que não são, na realidade, senão o resultado de uma inspiração que nos foi transmitida. Ora, como estamos cercados de Espíritos que nos solicitam, uns num sentido, os outros no outro, temos sempre o nosso livre arbítrio para nos guiar na escolha, feliz para nós quando damos a preferência ao nosso bom gênio.

Além desses conselhos ocultos, pode-se tê-los diretos por um médium; mas é aqui o caso de se lembrar dos princípios fundamentais que emitimos a toda hora. A primeira coisa a considerar é a qualidade do médium, senão o for por si mesmo. Médium que não tem senão boas comunicações, que, pelas suas qualidades pessoais não simpatiza senão com os bons Espíritos, é um ser precioso do qual podem-se esperar grandes coisas, se todavia for secundado pela pureza de suas próprias instruções e se tomadas convenientemente: digo mais, é um instrumento providencial.

O segundo ponto, que não é menos importante, consiste na natureza dos Espíritos aos quais se dirigem, e não é preciso crer que o primeiro que chegue possa nos guiar utilmente. Quem não visse nas comunicações espíritas senão um meio de adivinhação, e em um médium uma espécie de ledor de sorte, se enganaria estranhamente. É preciso considerar que temos, no mundo dos Espíritos, amigos que se interessam por nós, mais sinceros e mais devotados do que aqueles que tomam esse título na Terra, e que não têm nenhum interesse em nos bajular e em nos enganar. Além do nosso Espírito protetor, são parentes ou pessoas que se nos afeiçoaram em sua vida, ou Espíritos que nos querem o bem por simpatia. Aqueles vêm voluntariamente quando são chamados, e vêm mesmo sem que sejam chamados; temo-los, freqüentemente, ao nosso lado sem disso desconfiar. São aqueles aos quais pode-se pedir conselhos pela via direta dos médiuns, e que os dão mesmo espontaneamente sem que lhes peça. Fazem-no sobretudo n a intimidade, no silêncio, e então quando nenhuma influência venha perturbá-los: aliás, são muito prudentes, e não se tem a temer da sua parte uma indiscrição imprópria: eles se calam quando há ouvidos demais. Fazem-no, ainda com mais bom grado, quando estão em comunicação freqüente conosco; como eles não dizem as coisas senão com o propósito e segundo a oportunidade, é preciso esperar a sua boa vontade e não crer que, à primeira vista, vão satisfazer a todos os nossos pedidos; querem nos provar com isso que não estão às nossas ordens.

A natureza das respostas depende muito do modo como se colocam as perguntas; é preciso aprender a conversar com os Espíritos como se aprende a conversar com os homens: em todas as coisas é preciso a experiência. Por outro lado, o hábito faz com que os Espíritos se identifiquem conosco e com o médium, os fluidos se combinam e as comunicações são mais fáceis; então se estabelece, entre eles e nós, verdadeiras conversações familiares; o que não dizem num dia, dizem-no em outro; eles se habituam à nossa maneira de ser, como nós à sua: fica-se, reciprocamente, mais cômodo. Quanto à ingerência de maus Espíritos e de Espíritos enganadores, o que é o grande escolho, a experiência ensina a combatê-los, e pode-se sempre evitá-los. Se não se lhes expuser, não vêm mais onde sabem perder seu tempo.

Qual pode ser a utilidade da propagação das idéias espíritas?

O Espiritismo, sendo a prova palpável, evidente da existência, da individualidade e da imortalidade da alma, é a destruição do Materialismo. Essa negação de toda religião, essa praga de toda sociedade. O número dos materialistas que foram conduzidos a idéias mais sadias é considerável e aumenta todos os dias: só isso seria um benefício social. Ele não prova somente a existência da alma e sua imortalidade; mostra o estado feliz ou infeliz delas segundo os méritos desta vida. As penas e as recompensas futuras não são mais uma teoria, são um fato patente que se tem sob os olhos. Ora, como não há religião possível sem a crença em Deus, na imortalidade da alma, nas penas e nas recompensas futuras, se o Espiritismo conduz a essas crenças aqueles em que estavam apagadas, disso resulta que é o mais poderoso auxiliar das idéias religiosas: dá a religião àqueles que não a têm; fortifica-a naqueles em que ela é vacilante; consola pela certeza do futuro, faz aceitar com paciência e resig nação as tribulações desta vida, e afasta do pensamento do suicídio, pensamento que se repele naturalmente quando se lhe vê as conseqüências: eis porque aqueles que penetraram esses mistérios estão felizes com isso; é para eles uma luz que dissipa as trevas e as angústias da dúvida.

Se considerarmos agora a moral ensinada pelos Espíritos superiores, ela é toda evangélica, é dizer tudo: prega a caridade cristã em toda a sua sublimidade; faz mais, mostra a necessidade para a felicidade presente e futura, porque as conseqüências do bem e do mal que fizermos estão ali diante dos nossos olhos. Conduzindo os homens aos sentimentos de seus deveres recíprocos, o Espiritismo neutraliza o efeito das doutrinas subversivas da ordem social.

Essas crenças não podem ser um perigo para a razão?

Todas as ciências não forneceram seu contingente às casas de alienados? É preciso condená-las por isso? As crenças religiosas não estão ali largamente representadas? Seria justo, por isso, proscrever a religião? Conhecem-se todos os loucos que o medo do diabo produziu? Todas as grandes preocupações intelectuais levam à exaltação, e podem reagir lastimavelmente sobre um cérebro fraco; teria fundamento ver-se no Espiritismo um perigo especial a esse respeito, se ele fosse a causa única, ou mesmo preponderante, dos casos de loucura. Faz-se grande barulho de dois ou três casos aos quais não se daria nenhuma atenção em outra circunstância; não se levam em conta, ainda, as causas predisponentes anteriores. Eu poderia citar outras nas quais as idéias espíritas, bem compreendidas, detiveram o desenvolvimento da loucura. Em resumo, o Espiritismo não oferece, sob esse aspecto, mais perigo que as mil e uma causas que a produzem diariamente; digo mais, que ele as oferece muito menos, naq uilo que ele carrega em si mesmo seu corretivo, e que pode, pela direção que dá às idéias, pela calma que proporciona ao espírito daqueles que o compreende, neutralizar o efeito de causas estranhas. O desespero é uma dessas causas; ora, o Espiritismo, fazendo-nos encarar as coisas mais lamentáveis com sangue frio e resignação, nos dá a força de suportá-las com coragem e resignação, e atenua os funestos efeitos do desespero.

As crenças espíritas não são a consagração das idéias supersticiosas da Antigüidade e da Idade Média, e não podem recomendá-las?

As pessoas sem religião não taxam de superstição a maioria das crenças religiosas? Uma idéia não é supersticiosa senão porque ela é falsa; cessa de sê-lo se se torna uma verdade. Está provado que, no fundo da maioria das superstições, há uma verdade ampliada e desnaturada pela imaginação. Ora, tirar a essas idéias todo seu aparelho fantástico, e não deixar senão a realidade, é destruir a superstição: tal é o efeito da ciência espírita, que coloca a nu o que há de verdade ou de falso nas crenças populares. Por muito tempo, as aparições foram vistas como uma crença supersticiosa; hoje, que são um fato provado, e, mais que isso, perfeitamente explicado, elas entram no domínio dos fenômenos naturais. Seria inútil condená-las, não as impediria de se produzirem; mas aqueles que delas tomam conhecimento e as compreendem, não somente não se amedrontam, mas com elas ficam satisfeitos, e é a tal ponto que aqueles que não as têm desejam tê-las. Os fenômenos incompreendidos deixam o camp o livre à imaginação, são a fonte de uma multidão de idéias acessórias, absurdas, que degeneram em superstição. Mostrai a realidade, explicai a causa, e a imaginação se detém no limite do possível; o maravilhoso, o absurdo e o impossível desaparecem, e com eles a superstição; tais são, entre outras, as práticas cabalísticas, a virtude dos sinais e das palavras mágicas, as fórmulas sacramentais, os amuletos, os dias nefastos, as horas diabólicas, e tantas outras coisas das quais o Espiritismo, bem compreendido, demonstra o ridículo.

Tais são, Príncipe, as respostas que acreditei dever fazer às perguntas que me haveis dado a honra em me endereçar, feliz se elas podem corroborar as idéias que Vossa Alteza já possui sobre essas matérias, e vos levar a aprofundar uma questão de tão alto interesse; mais feliz ainda se meu concurso ulterior puder ser para vós de alguma utilidade.

Com o mais profundo respeito, sou, de Vossa Alteza, o muito humilde e muito obediente servidor,

ALLAN KARDEC.

sábado, 9 de outubro de 2010

A Doutrina Espírita e o Mito de Perseu

Por Francisco Amado

Perseu foi um herói e semideus grego. Sua história começa quando Zeus, numa de suas tantas escapulidas conjugais, transformou-se em chuva de ouro e derramou-se sobre a torre onde vivia a belíssima Danea, filha do rei de Argos.

Uma antiga profecia dizia que o rei seria morto por seu neto, assim, quando Perseu, fruto da relação entre Zeus e Danea, nasceu o rei enclausurou a filha e o neto em um grande baú e lançou-os ao mar. O baú foi guiado por Zeus até a ilha de Sefiro, onde viverem durante longos anos.

Perseu tornou-se um belo e intrépido rapaz. Sua mãe casou mais tarde com o rei Polidectes. Esse vendo que Perseu era corajoso e ambicioso temeu que algum dia pudesse voltar-se contra si, então propôs aos súditos do reino um torneio, o vencedor seria aquele que trouxesse a cabeça da terrível górgona Medusa.

A Medusa era uma criatura monstruosa, o objeto da maldição da deusa Atena. Quando jovem possuía admirável beleza, mas em compensação seu caráter era por demais devassos. Certa feita Atena percebeu que a aparência de Medusa lembrava-lhe os traços, a para não permitir que sua imagem fosse associada à corrupção de Medusa, execrou-a.

As belas madeixas de Medusa foram transformadas em serpentes venenosas, seu corpo macio foi revestido por uma couraça de escamas reptilianas, e para terminar fez com que todos os que olhassem para Medusa fossem transformados em pedra.

Perseu, com a ajuda da deusa Atena, consegui encontrar a terrível Medusa. Para enfrentá-la valeu-se de alguns presentes especiais, asas de Hermes nas sandálias para adquirir velocidade, escudo de Atena e um capacete de invisibilidade. Numa das versões ele ainda ganha uma foice afiada do deus Hermes. Quando se deparou com a Medusa o herói não lhe contemplou diretamente a face, mas usou o escudo que era capaz de refletir perfeitamente as imagens como um espelho.

Assim, olhando indiretamente a criatura, foi capaz de desferir-lhe um golpe mortal. A cabeça da Medusa foi decepada e de dentro dela saíram duas criaturas fantásticas, Pégaso o cavalo alado e o gigante Crisaor. Ambos eram filhos de Netuno com Medusa, mas só poderiam nascer quando essa fosse morta.

Então Perseu voltou vitorioso para casa. Outro episódio marcante de sua história foi o resgate da bela Andrômeda, filha da rainha Cassiopéia. A princesa havia sido oferecida como sacrifício vivo a Cetus, um tenebroso monstro marinho (esqueça o Kraken do filme, que era nórdico e não grego). Perseu matou o monstro utilizando-se da cabeça da Medusa. Por fim casou-se com Andrômeda e voltou para sua terra natal, Argos. Seu avô ao saber do retorno do neto fugiu para Tessália.

Aconteceu que depois Perseu também se norteou para lá, a fim de participar dos jogos fúnebres do rei de Larissa, cidade da Tessália. Enquanto competia arremesso de disco, sem querer projetou o disco na direção de seu avô que se encontrava na plateia, o impacto foi mortal, cumprindo-se assim a desalentadora profecia.

A analogia

A Medusa é um arquétipo de medo.

A petrificação como resultado de seu vislumbre era a própria morte, a aniquilação total da vida. Assim como Perseu, o espírita tem que tomar uma decisão, fugir ou comprometer-se com a doutrina espírita vacinando-se contra a anemia intelectual, que é causada pela raridade dos estudos sérios, causado pela leitura excessiva de romances espiritualistas.

É lógico que debruçar o pensamento sobre si mesmo, e às vezes colocar as nossas próprias “certezas” em dúvida é uma missão perigosa e que geralmente nos petrifica. Se realmente adotamos a doutrina espírita em nossa vida não podemos nos manter tolhidos como estátuas, indiferentes ao estudo sério e continuado. Perseu não fugiu, mas também não se arrostou sem precauções.

Não mirou diretamente para a Medusa, utilizou-se do escudo para ver apenas a imagem, a representação da criatura. Esse é o papel do Livro dos Espíritos. O Livro dos Espíritos é o escudo de Atena.

Não é possível fitar diretamente os espíritos que se comunicam por via mediúnica, mas temos uma ferramenta que nos ajuda abarcar sua subjetividade.

As Obras Básicas em seu todo nos expõe as regras das boas comunicações mediúnicas.

Ela articula os conceitos para que o investigador possa trabalhar inquirir, guerrear, desembainhar a espada para o prélio do conhecimento verdadeiramente espírita. Como as asas nas sandálias O Livro dos médiuns junto com a Revista Espírita pode fazer o herói viajar mais rápido, na contramão dos que se conservam na letargia do senso comum espiritualista.

Pode nos fazer voar acima dos montes gelados da fantasia e do maravilhoso facilitando o desenvolvimento real da doutrina em bases racionais. A Revista Espírita, como a coifa de Hades, nos faz invisíveis. O homem invisível pode fazer tudo, e justamente por isso lhe pesa maior responsabilidade ética.

O homem invisível é aquele que pode de fato agir com justeza moral, pois ele não o fará pelo temor do castigo ou das exigências sociais, ele o fará porque é bom e certo fazer.

E como Perseu o espírita que estuda participa dos jogos fúnebres da sua ignorância enterrando para sempre a falta de saber e a arremessando seu disco da busca da verdade vai cumprir finalmente a profecia de Kardec que é o demarcar uma nova era para a humanidade.

Pense nisso ou continue petrificado com as fantasias mediúnicas.

Fonte: Webartigos.com

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Obsessão e Auxílio

22:25 Posted by Administrador , , , ,
Por José Herculano Pires

A obsessão se caracteriza pela ação de entidades espirituais inferiores sobre o psiquismo humano.

Kardec distinguiu, em suas pesquisas, três graus do processo obsessivo: obsessão simples, subjugação e fascinação. No primeiro grau a infestação espiritual atinge a mente causando perturbações mentais; no segundo grau amplia-se aos centros da afetividade e da vontade, afetando os sentimentos e o sistema psicomotor, levando o obsedado a atitudes e gestos estranhos e tiques nervosos; no terceiro grau afeta a própria consciência da vítima, desencadeando processos alucinatórios.

As causas da obsessão decorrem de vários fatores, dos quais os mais frequentes são: problemas reencarnatórios, tendências viciosas, egoísmo excessivo, ambições desmedidas, aversão a certas pessoas, ódio, sentimentos de vingança, futilidade, vaidade exagerada, apego ao dinheiro e assim por diante. Essas disposições da criatura atraem espíritos afins que a envolvem e são aceitos por ela como companheiros invisíveis. Os Espíritos obsessores não são os únicos culpados da obsessão. Geralmente o maior culpado é a vítima.

Na Antiguidade a obsessão era tratada com violência. As práticas do exorcismo, até hoje vigentes no Judaísmo e no Catolicismo, destinam-se a afastar o demônio de maneira agressiva e violenta. No Espiritismo o método empregado é o da persuasão progressiva do obsessor e do obsedado. É o que se chama de doutrinação, ou seja, esclarecimento de ambos à luz da Doutrina Espírita. Não se usa nenhum ingrediente especial. Emprega-se apenas a prece e a conversação persuasiva. Esclarecido o obsedado, atinge-se o obsessor, que ficam, por assim dizer, vacinados contra novas ocorrências obsessivas.

O tratamento mediúnico não segue uma regra única. Varia de acordo com a natureza dos casos e as condições psicológicas específicas dos pacientes. Todo tratamento mediúnico deve ser gratuito, segundo a prescrição de Kardec, pois depende estritamente do auxílio espiritual. Os Espíritos não cobram por seus serviços e não gostam que cobrem por eles. Os que não compreendem isso, deixando-se levar pela ganância, acabam fatalmente subjugados pelos Espíritos inferiores. Como assinalava Kardec, o desprendimento dos interesses terrenos é a primeira condição do interesse dos Espíritos superiores pelo nosso esforço em favor do próximo.

Do livro “Obsessão, o passe, a doutrinação”

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Leitor de "O Blog dos Espíritas" analisa obra "Nosso Lar"

Redação

"O Blog dos Espíritas" recebeu, nesta semana, e-mail do leitor Eduardo Baroni, que afirma não ser Espírita, e sua profunda decepção em relação a "Nosso Lar" e sua simpatia pela obra de Allan Kardec, "sempre sensato, lógico, crível". Confira abaixo o depoimento:

Nunca tinha lido nenhum livro psicografado por Chico Xavier, mas sempre o tive como um simbolo máximo do espiritismo no Brasil, isso por causa de toda a mídia e histórias a seu respeito. Por conta do filme resolvi ler "Nosso Lar", na verdade, ouvir, já que era um audiobook. Tive um sentimento estranho. Me senti enganado e envergonhado com alguns trechos do livro, trechos que achei até preconceituosos.

A visão de que nos transformaremos em monstros deformados e seremos torturados por anos a fio devido ao estilo de vida que levamos, o materialismo que se apresenta em "Nosso Lar", a ostentação de construções enormes, carros flutuantes, Bônus-hora, brigas e desavenças políticas. Num trecho um dos personagens chega a desmerecer as musicas populares falando que conforme evoluímos nos direcionaremos à música clássica. O que é isso? Preconceito puro!

Não sou um estudioso do espiritismo, mas li os principais livros de Allan Kardec e me identifico muito com o que ele diz, que é sempre sensato, lógico, crível. Tudo que "Nosso Lar" não é. Fiquei profundamente chocado de como a população brasileira está "comprando" esse texto como verdade, esperando um paraíso material que mais parece uma gigante repartição pública. Procurei na internet informações a respeito e achei vocês cue confirmaram minha visão sobre "Nosso Lar".

Parabéns pelo trabalho.

Eduardo Baroni