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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Jesus e o Espírito da Verdade

Por Fernando A. Moreira

Na literatura espírita e mais ultimamente e principalmente, nas revistas espíritas, o Espírito de Verdade vem envolto, às vezes, na névoa encantada da curiosidade, noutras, marulhado em atávicas ondas místicas, e mais além, mergulhado nas profundezas do inefável.

Temos nós, tendências arraigadas às culturas religiosas arcaicas e por isso, inclinação para triturar o abstrato e transformá-lo no concreto, perfeitamente palpável, personificando os conceitos, as imagens e as idéias. Ante tantas facetas e outros tantos prismas, o Espírito de Verdade toma a forma de Jesus, do Espírito Santo, de Sócrates, de um Espírito ou de uma plêiade de Espíritos, tornando o tema extremamente polêmico.

Para Edmundo Vasconcelos, "a verdade não tem rótulo, nem dono a quem prestar obediência, mas por ser luminosa ela é eterna", e é exatamente por isso, que o Espiritismo nos pede uma fé raciocinada.

Em "OBRAS PÓSTUMAS",(Meu Guia Espiritual, pág. 273; 35 de março de 1856), descreve Kardec:

- "Uma noite achando-me no gabinete de trabalho, ouvi fracas, reiteradas pancadas na parede, que o separava do cômodo vizinho. A princípio nenhuma atenção lhes dei; como porém continuassem com mais força, variando de pontos fiz minucioso exame de um e de outro lado da parede(...)sem descobrir-lhe a explicação(....). Minha mulher entrou pelas 10 horas, veio ao gabinete e, ouvindo as pancadas, perguntou-me o que era aquilo.

-Não sei, respondi-lhe; a uma hora que se dá isto.

-Procuramos os dois sem nada descobrir, continuando o ruído até a meia-noite, quando fui deitar-me."(grifos nossos)

P.-(...) Espírito familiar (protetor), quem quer que sejais, agradeço-vos a visita, e peço-vos que me digais quem sois.
R.- Para ti, chamar-me-ei A Verdade e todos os meses, por um quarto de hora, aqui estarei à tua disposição.

P.(...)- O nome Verdade que tomaste, é alusivo a verdade que procuro ?
R.- Talvez. Pelo menos é um guia que protegerá e que te ajudará.
(...) Observação: As conferências mensais, que ele me havia prometido, não foram pontualmente realizadas, a princípio, e mais tarde deixaram de o ser completamente...

9 de abril, 1856.

P.-(À Verdade) _ Criticaste o trabalho que fiz outro dia, e tiveste razão. Tornei a lê-lo e reconheci na 30 ª linha um erro quanto ao qual protestaste com as pancadas que me fizeste ouvir..."

Não consigo imaginar Jesus, por três horas seguidas dando pancadas na parede do escritório de Kardec, para lhe avisar que, na 30 ª linha de seu trabalho, havia cometido um erro. Ora, se Jesus quisesse participar com representatividade da Codificação, o faria dando todas as mensagens e durante todo o tempo, de maneira clara e insofismável e com inigualável alumbramento em todas elas, como sempre fez e como lhe seria permitido como Governador desse planeta. Não haveria razão nenhuma para esconder-se sob qualquer denominação. Faltaria o motivo da incógnita. Quando aqui esteve, há 2000 anos, não deixou qualquer mensagem escrita, confiando nos seus apóstolos, na certeza de que seus ensinamentos seriam condignamente transmitidos às gerações futuras. Ele teve esta certeza, porque se assim não fosse toda sua obra teria sido em vão e se perderia. O Evangelho Segundo o Espiritismo está todo calcado no Novo Testamento e é a sua interpretação. Colocar em dúvida a veracidade e desvirtuar o evangelho de João para desdizê-lo, não é o melhor caminho para a Verdade. Não existe pois, a aventada suposição de se ficar com o Novo Testamento ou com Kardec; a nossa única opção é ficar com os dois.

Em "A Gênese"_ Anunciação do Consolador, podemos destacar :

Pg. 385, n º 35: (...) "Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e fará que vos lembreis de tudo o que vos tenho dito. (S. João, cap. XIV, vv. 15 a 17 e 26._ O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI). (os grifos são nossos)

"O Espírito Santo é a falange dos Emissários da Previdência que superintende os grandes movimentos da Humanidade na Terra e no Plano Espiritual."(Francisco Cândido Xavier, Valdo Vieira: O Espírito da Verdade; p/ vários Espíritos; FEB, 8 ª Ed..

Pg. 386, nº 37: "Sob o nome de Consolador e de Espírito de Verdade, Jesus anunciou a vinda daquele que havia de ensinar todas as coisas e de lembrar o que ele dissera.(...) prevê não só que ficaria esquecido, como também que seria desvirtuado o que por ele fora dito, visto que o Espírito de Verdade viria tudo lembrar e, de combinação com Elias,
restabelecer todas a coisas, isto é, pô-las de acordo com o verdadeiro pensamento de seus ensinos."

pg. 387, n º 38 e 39;

"...indício seguro de que o Enviado ainda não aparecera. Qual deverá ser esse enviado? Dizendo: "Pedirei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador", Jesus claramente indica que esse Consolador não seria ele, pois, do contrário dissera: "Voltarei a completar o que vos tenho ensinado." Não só tal não disse, como acrescentou: Afim de que fique eternamente convosco e ele estará em vos. Esta proposição não poderia referir-se a uma individualidade encarnada (...) O Consolador é pois segundo o pensamento de Jesus, a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o
Espírito de Verdade."

As palavras, "Jesus claramente indica que esse Consolador não seria ele", são de Allan Kardec, são do codificador.

pg 387; n º 40: "O Espiritismo realiza, como ficou demonstrado(cap. I, n º 30), todas as condições do Consolador que Jesus prometeu. Não é uma doutrina individual, nem de concepção humana; ninguém pode dizer-se seu criador. É fruto do ensino coletivo dos Espíritos, ensino a que preside o Espírito de Verdade. Nada suprime do Evangelho: antes o completa e elucida."(grifo nosso)

Em Prolegômeros (L.E. pg 50): "Este livro é o repositório de seus ensinos(dos Espíritos). Foi escrito por ordem e mediante o ditado dos Espíritos superiores(...):mas todos os que tiverem em vista o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento o do amor, do bem(...)" "São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito da Verdade(o grifo é nosso), Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, etc., etc." Seria o mesmo que dizer: "Sigam os princípios de Jesus! (assinado) Jesus."

Das Obras Básicas participam, com comunicações, mais de cinqüenta Espíritos com mais de cem mensagens. O Espírito de S. Luís colabora com dezesseis; o de Espírito Santo Agostinho, com onze ; o Espírito Protetor com oito e assim por diante; o Espírito de Verdade com oito mensagens, usando as denominações: Espírito da Verdade, Espírito-Verdade ou na grande maioria das vezes, Espírito de Verdade.

Sobre a mensagem publicada no L.M.: cap. XXXI, pg 450 (publicado em 1861), diz Kardec (Nota):

"Esta comunicação (...) foi assinada com um nome que o respeito nos não permite reproduzir, senão sob todas as reservas. (...) esse nome é o de Jesus de Nazaré. (...) Como já dissemos, quanto mais elevados são os Espíritos na hierarquia, com tanto mais desconfiança devem seus nomes serem acolhidos nos ditados.(...)

Na comunicação acima apenas uma coisa reconhecemos: é a superioridade incontestável da linguagem e das idéias, deixando que cada um julgue por si mesmo se aquele de quem ele traz o nome não a renegaria."(os grifos são nossos).

Vamos repetir as palavras de Kardec: "Na comunicação acima apenas uma coisa reconhecemos: é a superioridade incontestável da linguagem e das idéias."

Em que pese a linguagem e as idéias, no E.S.E. ; cap. VI: pg 129 (publicada em 1864 e revista, corrigida e modificada pelo autor em 1866), Kardec faz alguns reparos e suprime os seguintes trechos;

"Venho, eu, vosso Salvador e vosso juiz: "

"Crede nas vozes que vos respondem: são as próprias almas dos que evocais. Só muito raramente me comunico. Meus amigos, os que hão assistido a minha vida e à minha morte são os intérpretes divinos da vontade do meu Pai."

"Em verdade vos digo: crede na diversidade, na multiplicidade dos Espíritos que vos cercam."

Modifica ainda, a assinatura da mensagem, com efeito retroativo: "O Espírito da Verdade, (Bordéus, 1861.)"

Apesar da incontestável beleza da mensagem, reconhecida por todos, a supressão desses segmentos, retira algumas afirmações , entre as quais a de que, Jesus nunca se disse nosso juiz, nem estabeleceu nenhuma justiça crística, reconhecendo uma única justiça divina. Caso Kardec estivesse convencido, o que duvido, que a mensagem era mesmo de Jesus, que autoridade teria para suprimir trechos e mudar ou esconder sua autoria?

Além disso, continuando a análise da mensagem, a conclamação: "Espíritas! amai-vos, eis o primeiro ensino; instrui-vos, eis o segundo", demonstraria a natureza doméstica da mensagem, dirigida a um grupo de espíritas reunidos, ou em caso contrário conceder-nos-ia um privilégio, que nenhum Espírito de conscientização universal o faria, pois direcionaria a Terceira Revelação só para os espíritas. Porque, "(...) toda doutrina que tiver por efeito estabelecer uma linha de separação entre os filhos de Deus, não pode deixar de ser falsa e perniciosa."(L.E. parte 2 ª: cap. X; pg 287, perg.842). Além do mais não faria o menor sentido, seria totalmente incoerente, a mesma representatividade, ora se assinar como Jesus e outras vezes como Espírito de Verdade, isto é, ser incógnito e declarado ao mesmo tempo.

Talvez tenha havido a interferência de algum problema mediúnico, ao fim da comunicação, como aconteceu nas duas mensagens ditas de Jesus e publicadas no L. M. (cap. XXXI: pg 474). Mais ainda, comparando em seqüência a mensagem supracitada com a do L.M. (cap. XXXI; pg 456: n º XV), por exemplo, fica difícil acreditar que se trate do mesmo Espírito.

Nas Pegadas do Mestre(Vinícius; 7 ª Ed.: FEB 1989, pág. 130-134 ) Vinícius esclarece; "Tal é a imagem do coração humano antes e depois de ser visitado pelo Espírito Santo, ou Consolador prometido por Jesus Cristo.(...) Espírito Santo, Consolador, Paracleto, Espírito da Verdade que significam tais denominações? Representam uma só entidade? Ou tantas entidades quantas enunciam?

No meio dessa aparente confusão há sabedoria. Se Jesus se reportasse a uma determinada individualidade (...) referir-se-ia a essa entidade sob uma única designação. Como porém o Mestre aludia a plêiade dos "Espíritos do Senhor que são as virtudes do Céu", usou de várias expressões dando assim a entender tratar-se de uma coletividade e não de uma individualidade. Jesus empregou quatro designações no singular, ao invés duma só no plural, para nos ensinar também que entre os Espíritos do Senhor reina perfeita comunhão de sentimentos e de idéias, de modo que o conjunto deles forma uma unidade."

Assim o Espírito Santo, embora figurando uma coletividade, bem pode se afirmar tratar-se de uma entidade individual, tal a identidade entre as grandezas espirituais que os Espíritos apresentam.

Em "Preces Espíritas" ("O Clarim"; abril-95), Cairbar Schutel assim se expressa: "(...) influi para que os mensageiros de Deus e com especialidade a plêiade de Espíritos que constituem o Espírito de Verdade, o Espírito Consolador (grifos nossos ), oriente-nos no Caminho do Bem (...)"

Completa ainda Herculano Pires: "O que o Espiritismo busca é a verdade cristã, cumprindo na Terra a promessa de Jesus, que através de Kardec, e seu guia Espiritual, o Espírito superior que deu a Kardec, quando este perguntou quem era, esta resposta simples: "Para você eu sou A Verdade."(Herculano Pires; O Centro Espírita.). Distingue ele, pois, Jesus, Kardec e o seu Espírito protetor, o Espírito de Verdade.

Diz ainda Kardec (Obras Póstumas; pág. 276 ) "A proteção desse Espírito cuja elevação bem longe estava então de avaliar, nunca me faltou." E ainda à pág. 275 Kardec pergunta: "Terás animado na Terra alguma personagem conhecida?"

R.- Já te disse que, para ti, sou a Verdade; isto, para ti, quer dizer discrição; nada mais saberás a respeito." (o último grifo é nosso)

Nota-se aí a nítida intenção de Kardec e do Espírito superior em não revelar a identidade do Espírito.

Ora se Jesus, Kardec e seu protetor, o Espírito de Verdade, não tiveram este propósito, quem poderá fazê-lo?

Enfim, dar identidade aos Espíritos, querendo suplantar-lhes o desejo de permanecer incógnitos é mergulhar num processo de adivinhação, quase sempre fadado ao erro, desrespeitando-os. O mais valioso da Terceira Revelação não foi colocar em evidência o revelador, mas a REVELAÇÃO, que é de origem divina.; o importante não foi revelar o Espírito, mas a VERDADE, e o Espírito da Verdade está presente em toda a obra da Codificação.

Publicado na Revista Internacional de Espiritismo, jan./2000.

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