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sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Idéia de Deus na Evolução da História

Por Herculano Pires

Em épocas pré-históricas, nos alicerces da humanidade, os homens "infra" primitivos sem domínio de símbolos verbais e com produção mental ainda fragmentada, bem no início da formação da individualidade e sem domínio do pensamento contínuo, estabeleceram contatos mediúnicos, ora feito pelos tutores espirituais a darem instruções e inspirações utilizando do conjunto de emoções, crenças e vivências limitadíssimas do homem primitivo para passá-las, ora o contato com desencarnados da própria tribo e com espíritos pré-humanos da natureza (elementais).

Este contato era natural, ou induzido por beberagens e fumos alucinógenos, levando-os ao transe, às vidências, às curas através das energias ectoplásmicas e magnéticas, e sobretudo através do desdobramento espiritual. Levaram este homem primitivo a criar as suas crenças, movidos pelo anseio íntimo e desconhecido pela comunhão com a divindade, à volta ao lar, à reintegração com a grande mãe.

Vejamos o que nos diz Herculano Pires:

(..) Kardec já havia esclarecido que os fatos espíritas são de todos os tempos, uma vez que a mediunidade é uma condição natural da espécie humana. Mas é com Bozzano que temos a primeira penetração espírita no exame antropológico e sociológico do homem primitivo, revelando-nos, com base em investigações científicas, as formas pré-históricas do fenômeno mediúnico. Aliás, os estudos de Bozzano levam-nos mais longe, pois revelam também as origens mediúnicas da religião. Temos assim uma teoria espírita da gênese da crença na sobrevivência, que se apresenta como uma síntese das teorias opostas da teologia e da sociologia.

Para maior clareza do nosso estudo, servimo-nos do esquema que nos fornece o chamado "método cultural", dos antropólogos ingleses, aplicado por John Murphy, com pleno êxito, em seus estudos sobre as origens e a história das religiões. Método usado na antropologia cultural e no estudo das religiões comparadas, aplica-se perfeitamente às necessidades de clareza do nosso estudo. Seu esquema é constituído pelos "horizontes culturais", dentro dos quais o desenvolvimento humano pode ser analisado na amplitude de cada uma das suas fases. É evidente que não vamos muito além do esquema. Nosso intuito não é o estudo antropológico, nem o das religiões comparadas, mas apenas o escla- recimento do problema espírita. Os "horizontes culturais" são os meios em que se desen-volveram as diferentes fases da evolução humana. A expressão é metafórica. Chama-se, por exemplo, "horizonte primitivo", o mundo do homem primitivo. A palavra "horizonte" mos-tra que devemos encarar esse homem dentro dos limites da nossa visão, de todas as condi-ções do meio físico e social em que ele vivia, na paisagem cultural fechada pelos horizontes do mundo primitivo. (...)

O "horizonte primitivo" é geralmente dividido em três formas: o primitivo propriamente dito, o anímico e o agrícola. Em nosso esquema, reduzimos as duas primeiras formas a uma única: o "horizonte tribal", que nos permite abranger numa visão geral o problema mediú-nico do homem primitivo, e destacamos a terceira forma, dando-lhe autonomia. Isso porque o horizonte agrícola tem interesse especial no tocante à mediunidade. Assim, nosso esque-ma da fase pré-histórica do Espiritismo é o seguinte: horizonte tribal, agrícola, civilizado, profético e espiritual. Até o "horizonte profético", segundo Murphy. O "horizonte espiritu-al" é uma formulação nova, exigida pelo Espiritismo.

O horizonte tribal caracteriza-se pelo mediunismo primitivo. Adotamos a palavra " mediunismo", criada por Emmanuel para designar a mediunidade em sua expressão natural, pois é evidente que ela corresponde com precisão ao nosso objetivo. Mediunismo são as práticas empíricas da mediunidade. Dessa maneira, temos as formas sucessivas do mediunismo primitivo, do mediunismo oracular e do mediunismo bíblico, só atingindo a mediunidade positiva no horizonte espiritual, que surge com o Espiritismo. Somente com o Espiritismo a mediunidade se define como uma condição natural da espécie humana, recebe a designação precisa de "mediunidade" e passa a ser tratada de maneira racional e científica.

Os fatos espíritas — assim chamados os fenômenos ou as manifestações mediúnicas — são de todos os tempos. As práticas mágicas ou religiosas, baseadas nessas manifestações, constituem o Mediunismo, pois são práticas mediúnicas. A doutrina espírita é uma interpretação racional das manifestações mediúnicas. Doutrina ao mesmo tempo científica, filosófica e religiosa, pois nenhum desses aspectos pode ser esquecido, quando tratamos de fenômenos que se relacionam com a vida do homem na ter-ra e sua sobrevivência após a morte, sua vida e seu destino espiritual. É enorme a confusão feita pelos sociólogos neste assunto, seguindo de maneira desprevenida a confusão proposital feita pelos adversários do Espiritismo. Os estudos sociológicos do mediunismo referem-se sempre ao espiritismo. Entretanto, a palavra "Espiritismo", criada por Allan Kardec, em 1857, e por ele bem explicada na introdução de "O Livro dos Espíritos", designa uma doutrina por ele elaborada, com base na análise dos fenômenos mediúnicos e graças aos esclarecimentos que os Espíritos lhe forneceram, a respeito dos problemas da vida e da morte. As práticas do chamado "sincretismo religioso afro-brasileiro", por exemplo, não são espíritas. (...)

O antropomorfismo é uma espécie de fase preparatória do animismo. A fase em que o ho-mem primitivo ainda não desenvolveu suficientemente o seu psiquismo, e em que interpreta todas as coisas em termos exclusivamente humanos. Quer dizer, aplica ao exterior as noções rudimentares que possui da natureza humana, dando forma humana aos elementos naturais. Podíamos aplicar-lhe o principio de Protágoras, o sofista: "O homem é a medida de todas as coisas." Mas uma medida por assim dizer afetiva, sem o controle da razão. É pelo sentimento, e não pelo raciocínio, que o homem primitivo humaniza o mundo.

Estamos diante de um processo de adoração rudimentar, em que o homem parece adorar a si mesmo nas coisas exteriores.

O Antropomorfismo se revela por duas formas, que tanto podem ser sucessivas como podem ser simultâneas, o que é difícil precisar. Admitindo que sejam sucessivas podemos citar como primeira forma a vital, ou seja, àquela em que o homem primitivo projeta nas coisas o seu sentimento vital, dando vida as coisas inanimadas. A segunda forma, é a volitiva, em que o homem projeta também a sua vontade, e por isso mesmo personaliza as coisas. Neste grau, nos deparamos com o desenvolvimento do animismo, a fase em que o homem vai dar não apenas, vida e vontade aos objetos e coisas, mas a sua própria alma.

A Doutrina Espírita nos mostra que o processo do Antropomorfismo é auxiliado pelos fenômenos mediúnicos. O simplismo da projeção anímica nas coisas exteriores,(entenda-se aqui anímica não no sentido espírita, mas no sentido de irradiar a si mesmo, seu âmago, seus impulsos e visões inconscientes), complica-se com a resposta dessas coisas ao homem, através da ação natural dos espíritos. É evidente que o homem primitivo tem que interpretar as coisas de acordo com as suas experiências de vida. A razão se forma na experiência. O homem enquadra o mundo nas concepções nascentes da razão. Enche estas concepções, como queria KANT, com o conteúdo das sensações. Mas estas concepções não ficam paradas, são dinâmicas a própria experiência. E essa experiência implica os fatos mediúnicos.

As superstições dos selvagens, as suas práticas mágicas, não eram e nem podiam ser de natureza abstrata, imaginária. Decorriam como tudo na vida primitiva de realidades positivas e de fatos concretos conhecidos naturalmente pelo homem primitivo.Somente nos momentos de grande refinamento intelectual, quando os homens constroem o seu mundo próprio, de abstrações mentais, e se encastelam nas suas tentativas de explicação racional das coisas, é que essas realidades passam a ser negadas, por uma reduzida elite. O materialismo é, portanto, uma espécie de flor de estufa, artificial, cultivada em compartimentos de vidro, que isolam a mente da realidade complexa da natureza.

Podemos formular uma verdadeira escala da adoração, embora esses degraus possam ser simultâneos e não sucessivos, o simples fato de existirem essas gruas, mostra que a adoração, resultando de um sentimento inato no homem, desenvolve-se em um verdadeiro processo. No grau mais baixo temos a Litolatria que é a adoração de pedras, rochas e relevos do solo; no grau seguinte a Fitolatria ou adoração vegetal de plantas, flores e bosques; logo acima a Zoolatria ou adoração de animais; e somente em um grau mais elevado, a Mitologia propriamente dita com a sua forma clássica de Politeísmo. Cada uma dessas fases é ligada a outra por uma fase intermediária em que os elementos de adoração se misturam; e os resíduos das várias fases permanecem ainda nos sistemas religiosos da atualidade.

Como Fetichismo, oriundo de sua fase tribal, com os fetiches básicos da terra mãe e do céu pai, e a fusão da experiência e da imaginação, com o desenvolvimento mental do homem no progresso natural do mediunismo surge a mitologia popular. Empregnada de mistérios e magismos e surge também a primeira forma de religião.

A transição que se efetua por uma maneira bastante conhecida. É um processo de fusão, que encontramos ao longo de todo o desenvolvimento espiritual do homem. O Fetichismo se funde com o culto dos Ancestrais. através do mediunismo. Os fetiches como a Terra e o Céu, misturasse aos ancestrais, identificam-se a eles, na imaginação em desenvolvimento. A mente rudimentar não sabe ainda fazer distinções precisas. Assim, por exemplo, 0síris, que foi um antepassado e como tal recebeu um culto familiar, transforma-se numa personificação da terra, com o seu poder de fecundação, ou no próprio Nilo, cujas águas sustentam a vida. A projeção anímica se realiza, nesse caso, através de uma experiência concreta. A mitologia nasce da História, pois a existência histórica de Osíris é convertida em mito, pela necessidade de racionalização do mundo.

O exemplo egípcio é fecundo em vários sentidos. Não só demostra essa transformação dos deuses, como também nos fornece as raízes históricas de vários dogmas, sacramentos e instituições das religiões dominantes em nosso mundo.

Os egípcios mantiveram-se apegados à zoolatria, como os indianos se mantêm até hoje. O escaravelho dos amuletos, a adoração do Boi Ápis em Mênfis, de Íbis na bacia do Nilo, dos Crocodilos em Tebas e do Bode de Mendes no Delta, são exemplos da arraigada zoolatria egípcia. Mas há casos de ambivalência, como o do Crocodilo, que era adorado em Tebas e na região do Lago Noeris, mas caçado em Elefantina. A zoolatria passa por uma fase de humanização, que culmina na fusão de elementos animais com as figuras humanas. O caso da deusa Hator é típico. Essa deusa, que eqüivale á Ceres dos romanos e à Deméter dos gregos, ora é apresentada com orelhas de vaca, ora com chifres, ora com o bucrânio, ou ainda com este e o sistro. A lei de adoração de que fala Kardec, evolui dos animais para as formas humanas, mas de maneira lenta. Os resíduos animais se conservam ainda nas figuras dos deuses antropológicos, como nas próprias imagens de Hórus, com cabeça de falcão.

Digamos isto de maneira mais clara, se possível. No processo de desenvolvimento da lei de adoração, os resíduos animais são projetados nas figuras humanas dos deuses, como no caso das orelhas e dos chifres da deusa Hator. Mas, ao mesmo tempo, o conhecimento que o homem obteve, através da experiência mediúnica, da existência de seres espirituais, semelhantes aos seres humanos, permitirá o agrupamento dos deuses em famílias e fará que as famílias humanas sofram a intervenção divina. É o caso dos deuses gregos, que se enamoravam das "filhas dos homens". O caso de Pitágoras, que não era filho de seu pai humano, mas do deus Apolo. O caso da teogamia egípcia, de que derivam as, doutrinas. teogâmicas das religiões cristãs. Segundo essa doutrina, os Faraós eram portadores de dupla natureza, a humana e a divina, porque eram filhos da rainha com o deus-solar. Não eram, portanto, filhos de um homem, e nem mesmo de um homem-deus, mas do próprio Deus, que através de processos divinos fecundava a rainha. O conhecimento desses processos históricos é indispensável ao espírita, para imunizá-lo contra as deturpações místicas ou supersticiosas da doutrina, tão comuns num mundo que, apesar de se orgulhar do seu progresso científico, ainda não se libertou de sua pesada herança mitológica

JEOVÁ, DEUS AGRÁRIO

Quando estudamos religião comparada, ou história das religiões, o exame do "horizonte agrícola" nos revela a natureza agrária do deus bíblico Iavé ou Jeová. As diferenças fundamentais existentes entre o Deus bíblico dos Hebreus e o Deus evangélico dos cristãos decorre da diferença de "horizontes". Jeová é um Deus mitológico, em fase de transição para o "horizonte espiritual". Nasceu, como todos os deuses agrários, pôr um processo sincrético. Nele se fundem a experiência concreta da sobrevivência humana, obtida através dos fatos mediúnicos, e a exigência de racionalização do mundo, manifestada nas elaborações mitológicas. Ao mesmo tempo, concepções várias, e até mesmo contraditórias, originadas ao longo da vida tribal e da vida agrícola, também se misturam nessa figura bíblica. Daí as suas contradições, que dão margem a tantas críticas, oriundas da incompreensão do fenômeno e da ignorância do processo histórico.

Encontramos em Jeová, num verdadeiro conflito, as características de deus-tribal e deus-universal, de deus-familiar e deus-popular, de deus-lar e deus-mitológico. Como deus-tribal, Jeová é o guia e o protetor das tribos de Israel, e como deus-universal pretende estender suas leis a todos os povos. Como deus-familiar, é o clássico "Deus de Abraão, Isaac e Jacó", protetor de uma linhagem de pastores, e como deus-popular, é o protetor de todos os descendentes de Abraão. Como deus-lar, e o Espírito que falava a Terá e a Abraão em Ur, à revelia dos deuses-nacionais dos caldeus, e como deus-mitológico, é aquele que declara na Bíblia ‘Eu sou o que sou", tendo a terra por escabelo de seus pés e o céu por morada infinita de sua grandeza sobre-humana.

O mesmo sincretismo que já estudamos no caso dos deuses egípcios aparece no deus- hebraico. Se A deusa Hator, por exemplo, tinha orelhas de vaca, Jeová ordena matanças, misturando em sua natureza características humanas e divinas. Protege especialmente um povo, uma raça, com ferocidade tribal, e se não exige mais os antigos sacrifícios humanos, entretanto exige os sacrifícios animais e vegetais. Suas monumentais narinas, embora invisíveis, dilatam-se gulosas, como as de Moloc, aspirando o fumo dos sacrifícios. No Templo de Jerusalém, à maneira do que acontecia com os templos gregos, havia locais especiais para os sacrifícios sangrentos e os incruentos. Assim como Pitágoras, vegetariano, podia oferecer ao deus Apolo, na ara especial do templo, sacrifícios vegetais, assim também os hebreus podiam escolher a espécie de homenagens que deviam prestar a Jeová.

Há um encadeamento perfeito no processo histórico, que não podemos perder de vista. Graças a esse encadeamento os Espíritos puderam dizer a Kardec que o Espiritismo é o restabelecimento do Cristianismo, o que vale dizer: a última fase do desenvolvimento histórico do Cristianismo. Quando sabemos que este originou-se no solo do Judaísmo, representando um desenvolvimento natural da religião judaica, então compreendemos que o Espiritismo, como queria Kardec e como sustentava Leon Denis, é o ponto mais alto que podemos atingir, até hoje, em nossa evolução religiosa. Jeová, o deus-agrário, transforma-se no Pai evangélico, para chegar à "Inteligência Suprema", no espiritismo. Jeová se depura, e com ele se depuram os ritos do seu culto, que pôr fim se transformam na "adoração em espírito e verdade", de que falava Jesus.

LIVRO DOS ESPÍRITOS (PERGUNTAS 01 e 04)

01) QUE É DEUS?


Resp.: Deus é inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.

04) ONDE SE PODE ENCONTRAR A PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS?

Resp: Num axioma que aplicais as vossas ciências: "Não há efeito sem causa". Procurai a causa de tudo que não é obra do homem e vossa razão vos responderá. Para crer em Deus, é suficiente lançar os olhos as obras da criação. O universo existe. Ele tem, portanto, uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa, e avançar que o nada pôde fazer alguma coisa.

GLOSSÁRIO:

* Antropomorfismo: a- sm . crença ou doutrina que atribui a Deus ou a deuses formas ou atributos humanos. b- fil. . aplicação a algum domínio da realidade ( social, biológico, físico, etc...) de linguagem ou de conceitos próprios ou de seu comportamento.

* Sofística: s.f. Parte da lógica que ensina a refutar sofismas.

* Volitiva - volição: ato pelo qual a vontade se determina por alguma coisa.

* Animismo: a concepção que utilizamos neste texto é a da psicologia segundo a qual os povos naturais atribuem a todos os seres da natureza uma ou várias almas. Não confundir com o termo animismo utilizado na doutrina espírita designado para determinar as capacidade psíquicas da alma humana.

* Fetichismo: culto de objetos inanimados. Fetiche: objeto venerado como uma forma de divindade pelos selvagens.

* Mediunismo: práticas mediúnicas em sua expressão natural sem estarem necessariamente sendo realizadas dentro do Espiritismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

* O Livro dos Espíritos (Allan Kardec)

* O Espírito e o Tempo (Herculano Pires)

* Revista "A Reencarnação" (Federação Espírita do RS)

Fonte: Luz No Caminho - Herculano Pires

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