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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ainda o Andreluizismo

Por Sérgio Aleixo

No texto Sobre André Luiz, demonstrei não ser novidade luizina a menção a “regiões similares à Terra” no post-mortem. Erasto, na Revista Espírita (maio/1863), reporta-se a isso, e São Luís (junho/1862), consoante, já revelara os “mundos intermediários”, “viveiros da vida eterna”, uns mais adiantados, outros menos, de onde os espíritos vêm para se reencarnarem.[1] Pensam alguns, no entanto, haver aí total confirmação a André Luiz, bem como nisto que disse o sábio espírito Mesmer:

O mundo dos invisíveis é como o vosso. Em vez de ser material e grosseiro, é fluídico, etéreo, da natureza do perispírito, que é o verdadeiro corpo do Espírito, haurido nesses meios moleculares, como o vosso se forma de coisas mais palpáveis, tangíveis, materiais. O mundo dos Espíritos não é o reflexo do vosso; o vosso é que é uma imagem grosseira e muito imperfeita do reino de além-túmulo.[2]

O problema está na conclusão apressada dos andreluizistas de que só haveria mudança pura e simples de densidade, sendo tudo o mais igualzinho depois da morte. Eis aí o engano letal. Não lhes permite sequer bem ler Mesmer. Nosso mundo é uma imagem grosseira e muito imperfeita do além, não o contrário! Na Terra é que se precisa, portanto, de comida, de bebida, de reprodução, etc.
Com efeito, não há espíritos urinando, defecando, comendo, tomando banho, casando, senão na ilusão a que “legiões” deles se apegam após a morte, como ensina Kardec. Não nega, desse modo, a existência de regiões com feição terrenal no além; todavia, o enquadramento a que o mestre submete essa vida que lá se fruiria diverge de André Luiz. Kardec esclarece que, sim, “a ilusão das necessidades da carne se faz sentir” e, por isso, “se tem todas as angústias de uma necessidade impossível de satisfazer”.[3]
Na obra luizina, entretanto, não existe tal angústia senão fora dos “muros” de Nosso Lar. Na “colônia”, ao contrário, todos se empanturram de sopa, sucos, frutas e, os menos elevados, “ligados às ciências matemáticas”, chegaram até a conseguir, a certa altura, “carboidrato” e “proteína”, à custa de “intercâmbio clandestino”.[4]

[...] não quer dizer que somente nós, os funcionários do Auxílio e da Regeneração, vivamos a depender de alimentos. Todos os Ministérios, inclusive o da União Divina, não os dispensam, diferindo apenas a feição substancial. Na Comunicação e no Esclarecimento há enorme dispêndio de frutos. Na Elevação o consumo de sucos e concentrados não é reduzido, e, na União Divina, os fenômenos de alimentação atingem o inimaginável [...] o alimento FÍSICO, mesmo AQUI, propriamente considerado, é simples problema de materialidade transitória, como no caso dos veículos terrestres, necessitados de colaboração da graxa e do óleo.[5]

Segundo Kardec, o espírito “cujo perispírito é mais denso” percebe os sons e sente os odores, “mas não por uma parte determinada do seu organismo, como quando vivo”, porquanto "não possui órgãos sensoriais". O perispírito, pois, não tem órgãos, até porque já constitui o órgão sensitivo do espírito; donde Kardec afirmar que, “destruído o corpo, as sensações se tornam generalizadas”, isto é, não mais “se localizam nos órgãos que lhes servem de canais”. A desculpa de que haveria órgãos no perispírito de alta densidade não se sustenta perante as lições kardecianas.[6]
Portanto, a revelação luizina é mero equívoco, não propriamente quanto à eventual aparência das coisas no além, e sim no que respeita às temerárias conclusões das narrativas em prol da fruição de uma vida assim dita tão normal para toda uma turma de espíritos, no mínimo, em estado de completa ilusão, mesmo de alucinação. E os bichos? Deus meu! A codificação kardeciana assegura peremptoriamente que não os há no mundo espírita. De onde vêm, pois, todo aquele zoológico luizino?

O Espírito do animal é classificado após a morte, pelos Espíritos incumbidos disso, e utilizado quase imediatamente: não dispõe de tempo para se pôr em relação com outras criaturas.[7]

O princípio inteligente que animava o animal fica em estado latente após a morte. Os Espíritos encarregados desse trabalho imediatamente o utilizam para animar outros seres, através dos quais continuará o processo da sua elaboração. Assim, no mundo dos Espíritos não há Espíritos errantes de animais, mas somente Espíritos humanos.[8]

No que toca à transcomunicação instrumental, tida e havida como prova das verdades luizinas, apenas constitui mais um meio de contato com o mundo espírita. Não basta que algo oriundo do além seja registrado em meio digital ou eletrônico para saltar à condição de princípio doutrinário. Também aí importa se efetuem confrontos e consequentes enquadramentos em justos limites, nos clássicos moldes kardecianos.
O sectarismo mediunista só evidencia total desprezo por mais este conselho do mestre lionês: “O espírita esclarecido repele esse entusiasmo cego, observa com frieza e calma, e, assim, evita ser vítima de ilusões e mistificações”.[9]



[1] Cf. Sobre André Luiz. 2.1. Aspectos Terrenais do Além-Túmulo. http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2010_09_02_archive.html
[2] Revista Espírita. Mai/1865. Dissertações Espíritas. Sobre as Criações Fluídicas.
[3] Revista Espírita. Jun/1868. A morte do Sr. Bizet, Cura de Sétif. A fome entre os espíritos. Sociedade de Paris, 14 de maio de 1868.
[4] Nosso Lar, cap. 9.
[5] Nosso Lar, cap. 18. Grifos meus.
[6] O Livro dos Espíritos, 257. A Gênese, XIV, 22.
[7] O Livro dos Espíritos, 600.
[8] O Livro dos Médiuns, 283.
[9] O Que é o Espiritismo, 92.

Fonte: Ensaios da Hora Extrema - http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2011_08_04_archive.html

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