Por Sérgio Aleixo
No texto Sobre André Luiz, demonstrei não ser novidade luizina a menção a “regiões similares à Terra” no post-mortem. Erasto, na Revista Espírita
(maio/1863), reporta-se a isso, e São Luís (junho/1862), consoante, já
revelara os “mundos intermediários”, “viveiros da vida eterna”, uns mais
adiantados, outros menos, de onde os espíritos vêm para se
reencarnarem.[1] Pensam alguns, no entanto, haver aí total confirmação a André Luiz, bem como nisto que disse o sábio espírito Mesmer:
O
mundo dos invisíveis é como o vosso. Em vez de ser material e
grosseiro, é fluídico, etéreo, da natureza do perispírito, que é o
verdadeiro corpo do Espírito, haurido nesses meios moleculares, como o
vosso se forma de coisas mais palpáveis, tangíveis, materiais. O mundo dos Espíritos não é o reflexo do vosso; o vosso é que é uma imagem grosseira e muito imperfeita do reino de além-túmulo.[2]
O
problema está na conclusão apressada dos andreluizistas de que só
haveria mudança pura e simples de densidade, sendo tudo o mais
igualzinho depois da morte. Eis aí o engano letal. Não lhes permite
sequer bem ler Mesmer. Nosso mundo é uma imagem grosseira e muito imperfeita do além, não o contrário! Na Terra é que se precisa, portanto, de comida, de bebida, de reprodução, etc.
Com
efeito, não há espíritos urinando, defecando, comendo, tomando banho,
casando, senão na ilusão a que “legiões” deles se apegam após a morte,
como ensina Kardec. Não nega, desse modo, a existência de regiões com
feição terrenal no além; todavia, o enquadramento a que o mestre submete
essa vida que lá se fruiria diverge de André Luiz. Kardec esclarece
que, sim, “a ilusão das necessidades da carne se faz sentir” e, por isso, “se tem todas as angústias de uma necessidade impossível de satisfazer”.[3]
Na obra luizina, entretanto, não existe tal angústia senão fora dos “muros” de Nosso Lar.
Na “colônia”, ao contrário, todos se empanturram de sopa, sucos, frutas
e, os menos elevados, “ligados às ciências matemáticas”, chegaram até a
conseguir, a certa altura, “carboidrato” e “proteína”, à custa de “intercâmbio clandestino”.[4]
[...]
não quer dizer que somente nós, os funcionários do Auxílio e da
Regeneração, vivamos a depender de alimentos. Todos os Ministérios,
inclusive o da União Divina, não os dispensam, diferindo apenas a feição
substancial. Na Comunicação e no Esclarecimento há enorme dispêndio de
frutos. Na Elevação o consumo de sucos e concentrados não é reduzido, e,
na União Divina, os fenômenos de alimentação atingem o inimaginável [...] o alimento FÍSICO, mesmo AQUI, propriamente considerado, é simples problema de materialidade transitória, como no caso dos veículos terrestres, necessitados de colaboração da graxa e do óleo.[5]
Segundo Kardec, o espírito “cujo perispírito é mais denso” percebe os sons e sente os odores, “mas não por uma parte determinada do seu organismo, como quando vivo”, porquanto "não possui órgãos sensoriais". O perispírito, pois, não tem órgãos, até porque já constitui o órgão sensitivo do espírito;
donde Kardec afirmar que, “destruído o corpo, as sensações se tornam
generalizadas”, isto é, não mais “se localizam nos órgãos que lhes
servem de canais”. A desculpa de que haveria órgãos no perispírito de alta densidade não se sustenta perante as lições kardecianas.[6]
Portanto,
a revelação luizina é mero equívoco, não propriamente quanto à eventual
aparência das coisas no além, e sim no que respeita às temerárias
conclusões das narrativas em prol da fruição de uma vida assim dita tão normal para toda uma turma de espíritos, no mínimo, em estado de completa ilusão, mesmo de alucinação. E
os bichos? Deus meu! A codificação kardeciana assegura peremptoriamente
que não os há no mundo espírita. De onde vêm, pois, todo aquele
zoológico luizino?
O
Espírito do animal é classificado após a morte, pelos Espíritos
incumbidos disso, e utilizado quase imediatamente: não dispõe de tempo
para se pôr em relação com outras criaturas.[7]
O
princípio inteligente que animava o animal fica em estado latente após a
morte. Os Espíritos encarregados desse trabalho imediatamente o
utilizam para animar outros seres, através dos quais continuará o
processo da sua elaboração. Assim, no mundo dos Espíritos não há
Espíritos errantes de animais, mas somente Espíritos humanos.[8]
No
que toca à transcomunicação instrumental, tida e havida como prova das
verdades luizinas, apenas constitui mais um meio de contato com o mundo
espírita. Não basta que algo oriundo do além seja registrado em meio
digital ou eletrônico para saltar à condição de princípio doutrinário.
Também aí importa se efetuem confrontos e consequentes enquadramentos em
justos limites, nos clássicos moldes kardecianos.
O sectarismo mediunista só evidencia total desprezo por mais este conselho do mestre lionês: “O
espírita esclarecido repele esse entusiasmo cego, observa com frieza e
calma, e, assim, evita ser vítima de ilusões e mistificações”.[9]
[1] Cf. Sobre André Luiz. 2.1. Aspectos Terrenais do Além-Túmulo. http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2010_09_02_archive.html
[2] Revista Espírita. Mai/1865. Dissertações Espíritas. Sobre as Criações Fluídicas.
[3] Revista Espírita. Jun/1868. A morte do Sr. Bizet, Cura de Sétif. A fome entre os espíritos. Sociedade de Paris, 14 de maio de 1868.
[4] Nosso Lar, cap. 9.
[5] Nosso Lar, cap. 18. Grifos meus.
[6] O Livro dos Espíritos, 257. A Gênese, XIV, 22.
[7] O Livro dos Espíritos, 600.
[8] O Livro dos Médiuns, 283.
Fonte: Ensaios da Hora Extrema - http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2011_08_04_archive.html
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