quarta-feira, 7 de julho de 2010

Vida no Além

Por Léon Denis

"O ser humano, como dissemos, pertence desde esta vida a dois mundos. Pelo seu corpo físico, está ligado ao mundo visível; pelo seu corpo fluídico, ao invisível. O sono é a separação temporária desses dois envoltórios; a morte é a separação definitiva. Nos dois casos, a alma se separa do corpo físico e, com ela, a vida se concentra no corpo fluídico. A vida de além-túmulo é simplesmente a permanência e a liberação da parte invisível de nosso ser.

A ciência, por seu lado, estudou e conheceu até aqui no homem terrestre apenas a superfície, a parte física. Acontece que essa é, para o ser integral, quase o que a casca é para a árvore. Quanto ao homem fluídico, etéreo, de que nosso cérebro físico não pode ter consciência, ela o tem ignorado até os nossos dias.

Daí sua impotência para resolver o problema da sobrevivência, uma vez que é apenas o ser fluídico que sobrevive.

Os espíritos inferiores conservam por muito tempo as impressões da vida material. Acreditam ainda viver fisicamente e continuam a sentir, às vezes durante anos, o engano de suas ocupações habituais. Para os materialistas, o fenômeno da morte permanece incompreensível. Por falta de conhecimentos prévios, confundem o corpo fluídico com o corpo físico. As ilusões da vida terrestre ainda persistem neles. Pelos seus gostos e até mesmo pelas suas necessidades imaginárias, estão como que amarrados à Terra. Depois, lentamente, com a ajuda de espíritos benfazejos, sua consciência desperta, sua inteligência se abre à compreensão desse novo estado de vida. Mas, desde que procuram se elevar, sua densidade os faz recair na Terra. As atrações planetárias e as correntes fluídicas do espaço os reconduzem violentamente para nossas regiões, como folhas secas varridas pela tempestade.

Os crentes ortodoxos vagueiam na incerteza e procuram a realização das promessas do sacerdote e do pastor, o gozo das beatitudes prometidas. Às vezes, sua surpresa é grande, e um longo aprendizado é necessário para se iniciarem nas verdadeiras leis do espaço. Em vez de anjos ou demônios, encontram os espíritos dos homens que, como eles, viveram na Terra e os precederam. Sua decepção é grande ao verem suas esperanças malogradas, suas convicções transformadas por fatos que de nenhum modo, na educação recebida, os havia preparado. Mas se durante a vida foram bons e submissos ao dever – tendo os atos sobre o destino ainda mais influência do que as crenças – essas almas não poderão ser infelizes.

Para os descrentes e todos aqueles que com eles se recusaram a admitir a possibilidade de uma vida independente do corpo, julgam-se mergulhados em um sonho, cuja duração irá se prolongar até que seu erro seja desfeito.

Suas impressões são bastante variadas, assim como os valores das almas.

Aqueles que, durante a vida terrestre, conheceram a verdade e a serviram, recolhem, logo que desencarnam, o benefício de suas investigações e de seus trabalhos. A comunicação a seguir, entre muitas outras, dá testemunho disso. Provém de um espírita militante, homem de coração e convicção esclarecida: Charles Fritz, fundador do jornal La Vie d’Outre-Tombe (A Vida do Além-Túmulo), em Charleroi. Todos aqueles que conheceram esse homem reto e generoso irão reconhecê-lo pela sua linguagem. Ele descreve as impressões sentidas depois de sua morte e acrescenta:

“Senti que os laços se desfaziam pouco a pouco e que minha personalidade espiritual, meu ‘eu’, ia se desligando. Vi ao meu redor bons espíritos que esperavam por mim; foi com eles, enfim, que me elevei da superfície terrestre.

“Não sofri com essa desencarnação a morte do corpo físico; meus primeiros passos foram os da criança que começa a andar. “A luz espiritual, cheia de força e de vida, nascia em mim; a luz não vem dos outros, e sim de nós. É um raio que sai do envoltório fluídico e que nos penetra por inteiro. “Quanto mais tiverdes trabalhado na verdade, no amor e na caridade, mais essa luz será maior, até se tornar deslumbrante para aqueles que vos são inferiores.

“Pois bem! Meus primeiros passos foram inseguros; entretanto, pouco a pouco a força foi-me vindo e pedi a Deus sua assistência e sua misericórdia. Após ter constatado o completo desprendimento de minha individualidade, enfrentei, afinal, o trabalho que tinha de fazer. Vi o passado de minha última vida e me esforcei para que ela viesse com clareza das profundezas da memória.

“O passado se encontra no fluido do homem e, conseqüentemente, do espírito. Seu perispírito é como uma miragem de todas as suas ações e sua alma: se foi má a sua vida, contempla com tristeza suas faltas, inscritas, ao que parece, nas dobras do corpo perispiritual.

“Não tive dificuldade alguma em reconhecer minha vida tal qual ela fora. Evidentemente, constatei que não havia sido infalível, pois quem se pode vangloriar de o ter sido na Terra? Mas devo dizer-vos que, após essa constatação, senti-me bastante satisfeito e feliz com meu trabalho na Terra.

“Lutei, trabalhei e sofri pela causa do Espiritismo. Essa luz, dei-a, juntamente com a esperança, a muitos irmãos da Terra, por meio da palavra, dos meus estudos e meus trabalhos; por isso, volto a encontrar essa luz.

“Sou feliz por ter trabalhado em reerguer a fé, o coração e a coragem das pessoas. Recomendo a todos esta fé inabalável fundada no Espiritismo. Possuo luz o bastante para caminhar com segurança vendo o que está diante de mim, o meu futuro, e já ajudo espíritos infelizes.”

A lei de atração no espaço é a das afinidades. Todos os espíritos estão sujeitos a ela. A orientação de seus pensamentos os leva naturalmente para o lugar que lhes é próprio, porque o pensamento é a própria essência do mundo espiritual, sendo a forma fluídica apenas o vestuário. Por todos os lugares, reúnem-se os que se amam e se compreendem.

Herbert Spencer, num momento de intuição, formulou um axioma igualmente aplicável ao mundo visível e invisível. “A vida – disse ele – é apenas uma adaptação das condições interiores às condições exteriores ”.

Se é apegado às coisas materiais, o espírito permanece ligado à Terra e se mistura aos homens que têm os mesmos gostos, os mesmos apetites. Quando é voltado para o ideal, para os bens superiores, se eleva sem esforço para o objeto de seus desejos. Une-se às sociedades do mundo espiritual, participa de seus trabalhos e desfruta dos espetáculos, das harmonias e do infinito.

Se o pensamento cria, a vontade edifica. A fonte de todas as alegrias, de todas as dores está na razão e na consciência. É por isso que encontramos, cedo ou tarde, no além, as criações de nossos sonhos e a realização de nossas esperanças. Mas o sentimento da tarefa inacabada traz, ao mesmo tempo que os afetos e as lembranças, a maior parte dos espíritos para a Terra. Toda alma encontra o meio que os seus desejos reclamam e irá viver nos mundos sonhados, unida aos seres que estima; aí também encontrará as lamentações, os sofrimentos morais que seu passado gerou.

Nossas concepções e nossos sonhos nos seguem por toda parte. No surto de seus pensamentos e no ardor de sua fé, os adeptos de cada religião criam imagens nas quais acreditam reconhecer os paraísos entrevistos. Depois, pouco a pouco, percebem que essas criações são imaginárias, de pura aparência e comparáveis a vastos panoramas pintados na tela ou a imensos afrescos. Aprendem, então, a se desprender e desejam realidades mais altas e mais sensíveis. Sob nossa forma atual e no estreito limite de nossas faculdades, não poderíamos compreender as alegrias e os êxtases reservados aos espíritos superiores, nem as angústias profundas experimentadas pelas almas delicadas que chegaram aos limites da perfeição. A beleza está por toda parte; só os seus aspectos variam ao infinito, de acordo com o grau de evolução e de depuração dos seres.

Tudo o que o espírito fez, quis, pensou reflete-se nele. Semelhante a um espelho, a alma reflete todo o bem e todo o mal realizados. Essas imagens nem sempre são subjetivas; pela intensidade da vontade, podem revestir um caráter substancial.

Elas vivem e se manifestam, para nossa felicidade ou nosso castigo. Tendo se tornado transparente no além, a alma julga a si mesma, assim como é julgada por todos aqueles que a contemplam. Apenas em presença de seu passado, vê reaparecer todos os seus atos e suas conseqüências, todos os seus erros, até mesmo os mais ocultos. Para o criminoso não há descanso nem esquecimento; sua consciência, como um justiceiro impiedoso, o persegue incessantemente. Em vão procura escapar às suas obsessões; seu suplício só poderá acabar se o remorso se converter em arrependimento e se ele aceitar novas provas terrestres, o único meio de reparação e de regeneração."

LIVRO: O PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR.

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