Por José Rodrigues
Está em curso uma autêntica revolução midiática com base na temática espírita no Brasil. Tudo se passa como se o espiritismo, acuado desde, entre outros, uma pastoral do cardeal-arcebispo de Reims, na França, na Quaresma de 1865, saísse da sombra para a luz e ganhasse os direitos de cidadania. Por esses grotões do interior, onde a Igreja dominava com suas paróquias, mediuns foram discriminados, quando não presos, a fenomenologia espírita, que continha uma filosofia transformadora, custou a vencer, desde preconceitos a interesses, de pessoas e instituições estabelecidas.
Há uma dinâmica social e antropológica em torno do tema, cuja decifração, se esta for possível, é exigente de descompromissos com velhas estruturas, uma delas, a unificação, posta como ideal a ser atingido pelo que chamo de movimento organizado do espiritismo. A tese espírita se esparrama pela sociedade, com a abertura de inúmeros núcleos de estudos, pela aceitação geral de novelas, peças teatrais, programas radiofônicos, de TV e sítios da Internet, paulatina e progressivamente em direção a um estágio de cultura. O ímpeto é incontrolável, graças a pioneiros que sustentaram a idéia em tempos de cerceamento e às conquistas da própria sociedade, em termos de liberdades democráticas, de livre expressão, de reunião, de respeito a minorias e à diversidade.
Como ex-livreiro espírita, das décadas de 1960 a 1980, bem sei do que estou tratando. A venda de livros do ramo praticamente era feita apenas em ambientes próprios, em bancas nas praças públicas, das quais Santos foi das pioneiras, em 1957, nos centros espíritas e em reduzidas lojas, localizadas em grandes centros urbanos. Para se colocar um livro espírita em livraria comercial e eclética era um custo. Quando muito, ia em consignação. “Passa daqui a um mês para ver o que se vendeu”, dizia o comerciante.
Os tempos mudaram. Mas nem tudo são rosas. Ao atingir o grau de aceitação pública, a literatura espírita adentra o terreno do mercado, com todas as suas benesses e perigos. Vamos dizer que o mercado é uma eleição. Para se chegar a ele, enquanto nível aberto de trocas, há necessidade de perseverança, muito trabalho e uma certa dose de aceitação. Estima-se que sejam vendidos atualmente no Brasil, pelo menos, oito milhões de livros espíritas por ano, para um mercado que estaria em torno de 30 milhões de pessoas, os chamados simpatizantes da idéia. A mídia entorta um pouco esse conceito, chamando-o de ‘seguidores’, apegada ao entendimento do espiritismo como religião. Seja como for, esse é o tamanho do mercado a que se lançam cerca de 180 editoras, chamadas de espíritas, no país. Nesse meio há de tudo, de idealistas e de bem intencionados a espertos, de crentes a ambiciosos, que não se importam com qualidade doutrinária e mesmo com um pouco de honestidade. No mesmo sentido aparecem supostos médiuns que trabalham temas os mais comuns, sem qualquer valorização à altura do aspecto da imortalidade, para simplesmente vender. Prestam um desserviço ao que há de mais importante no espiritismo, a comprovação da vida futura.
O desafio dos idealistas, em torno do pensamento de Allan Kardec, está em desenvolvê-lo na sua expressão mais legítima, progressista e humana, livre dos interesses pessoais e de poder. Não haverá espiritismo onde inexista a transformação para melhor de todas as manifestações humanas. O mercado não tem princípios filosóficos, pois se torna um fim em si mesmo, o do crescimento a qualquer custo. E os apelos à acomodação são maiores que os da transformação. Nessa diretriz, antepõe-se a dúvida sobre até que ponto esse mesmo mercado que inunda o país da temática espírita também colabora para sua dissolução. O chamado espiritismo à brasileira tem obtido um espaço crescente, típico de um estado liberalizante da idéia original, cuja avaliação positiva ou negativa dependerá de resultados humanos e sociais. Afinal, o que resultará para a sociedade desse amálgama? Não arrisco a resposta, pela vivência a que assisto da dinâmica social, não raro surpreso com os princípios hoje defendidos pelos ‘verdes’, pelos adesos às teses da cidadania, por organismos reunidos em torno da ética, inclusive nos negócios. Estariam aí frutificações de sementes espalhadas pelo espiritismo? Estou convicto de que sim.
Em razão disso, acredito que aos idealistas não cabe o “olhar para trás”, mas seguir em frente, para que o mercado, se preciso, seja contrariado, confrontado e até desmascarado, sempre que uma tese original sofra ameaças de distorção. O empenho de Allan Kardec para legar uma filosofia transformadora do homem está a merecer.
José Rodrigues, jornalista e economista, integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos
Publicado no jornal “Abertura”, de Santos (SP), edição de outubro de 2007.
Está em curso uma autêntica revolução midiática com base na temática espírita no Brasil. Tudo se passa como se o espiritismo, acuado desde, entre outros, uma pastoral do cardeal-arcebispo de Reims, na França, na Quaresma de 1865, saísse da sombra para a luz e ganhasse os direitos de cidadania. Por esses grotões do interior, onde a Igreja dominava com suas paróquias, mediuns foram discriminados, quando não presos, a fenomenologia espírita, que continha uma filosofia transformadora, custou a vencer, desde preconceitos a interesses, de pessoas e instituições estabelecidas.
Há uma dinâmica social e antropológica em torno do tema, cuja decifração, se esta for possível, é exigente de descompromissos com velhas estruturas, uma delas, a unificação, posta como ideal a ser atingido pelo que chamo de movimento organizado do espiritismo. A tese espírita se esparrama pela sociedade, com a abertura de inúmeros núcleos de estudos, pela aceitação geral de novelas, peças teatrais, programas radiofônicos, de TV e sítios da Internet, paulatina e progressivamente em direção a um estágio de cultura. O ímpeto é incontrolável, graças a pioneiros que sustentaram a idéia em tempos de cerceamento e às conquistas da própria sociedade, em termos de liberdades democráticas, de livre expressão, de reunião, de respeito a minorias e à diversidade.
Como ex-livreiro espírita, das décadas de 1960 a 1980, bem sei do que estou tratando. A venda de livros do ramo praticamente era feita apenas em ambientes próprios, em bancas nas praças públicas, das quais Santos foi das pioneiras, em 1957, nos centros espíritas e em reduzidas lojas, localizadas em grandes centros urbanos. Para se colocar um livro espírita em livraria comercial e eclética era um custo. Quando muito, ia em consignação. “Passa daqui a um mês para ver o que se vendeu”, dizia o comerciante.
Os tempos mudaram. Mas nem tudo são rosas. Ao atingir o grau de aceitação pública, a literatura espírita adentra o terreno do mercado, com todas as suas benesses e perigos. Vamos dizer que o mercado é uma eleição. Para se chegar a ele, enquanto nível aberto de trocas, há necessidade de perseverança, muito trabalho e uma certa dose de aceitação. Estima-se que sejam vendidos atualmente no Brasil, pelo menos, oito milhões de livros espíritas por ano, para um mercado que estaria em torno de 30 milhões de pessoas, os chamados simpatizantes da idéia. A mídia entorta um pouco esse conceito, chamando-o de ‘seguidores’, apegada ao entendimento do espiritismo como religião. Seja como for, esse é o tamanho do mercado a que se lançam cerca de 180 editoras, chamadas de espíritas, no país. Nesse meio há de tudo, de idealistas e de bem intencionados a espertos, de crentes a ambiciosos, que não se importam com qualidade doutrinária e mesmo com um pouco de honestidade. No mesmo sentido aparecem supostos médiuns que trabalham temas os mais comuns, sem qualquer valorização à altura do aspecto da imortalidade, para simplesmente vender. Prestam um desserviço ao que há de mais importante no espiritismo, a comprovação da vida futura.
O desafio dos idealistas, em torno do pensamento de Allan Kardec, está em desenvolvê-lo na sua expressão mais legítima, progressista e humana, livre dos interesses pessoais e de poder. Não haverá espiritismo onde inexista a transformação para melhor de todas as manifestações humanas. O mercado não tem princípios filosóficos, pois se torna um fim em si mesmo, o do crescimento a qualquer custo. E os apelos à acomodação são maiores que os da transformação. Nessa diretriz, antepõe-se a dúvida sobre até que ponto esse mesmo mercado que inunda o país da temática espírita também colabora para sua dissolução. O chamado espiritismo à brasileira tem obtido um espaço crescente, típico de um estado liberalizante da idéia original, cuja avaliação positiva ou negativa dependerá de resultados humanos e sociais. Afinal, o que resultará para a sociedade desse amálgama? Não arrisco a resposta, pela vivência a que assisto da dinâmica social, não raro surpreso com os princípios hoje defendidos pelos ‘verdes’, pelos adesos às teses da cidadania, por organismos reunidos em torno da ética, inclusive nos negócios. Estariam aí frutificações de sementes espalhadas pelo espiritismo? Estou convicto de que sim.
Em razão disso, acredito que aos idealistas não cabe o “olhar para trás”, mas seguir em frente, para que o mercado, se preciso, seja contrariado, confrontado e até desmascarado, sempre que uma tese original sofra ameaças de distorção. O empenho de Allan Kardec para legar uma filosofia transformadora do homem está a merecer.
José Rodrigues, jornalista e economista, integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos
Publicado no jornal “Abertura”, de Santos (SP), edição de outubro de 2007.
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