Por Dora Incontri
"(...) Ninguém melhor do que a figura de Jesus para mostrar o modelo máximo de estatura moral, aliada à confiança no ser humano e a uma prática educativa libertadora. Mas as polêmicas em torno da personalidade do Cristo têm sido tão acirradas em dois mil anos de história cristã, que não se pode deixá-las à parte, antes de aventar qualquer interpretação a seu respeito.
Não poderíamos assim ignorar a questão da divindade de Jesus, pois que é justamente a tomada de posição em relação a esse tema que vai nos colocar na via de demonstrar que a sua pedagogia é de fato a pedagogia pleiteada pelo paradigma do espírito. Nos primeiros três séculos de Cristianismo, andava longe uma unanimidade a respeito da divindade de Jesus." (Pág. 108 à 109)
"(...) Durante esses primeiros séculos, várias interpretações a respeito da natureza do Cristo lutaram pela preponderância, mas as mais significativas foram justamente a católica- vigente até hoje - e a ariana. A primeira considera o mistério da encarnação divina, e, portanto, a existência de um Deus uno e trino,como dogma fundamental da crença cristã. A segunda admitia que:
"O Pai apenas é eterno e merece em sentido próprio o nome de Deus. Tirado do nada, o filho é a primeira, mas a mais excelente das criaturas; ele foi instrumento do Pai para a criação do mundo. Ele se encarnou em Jesus Cristo."
Ora, a vitória da versão católica deu-se por obra de Atanásio e Constantino. Este último, o imperador cristão, patrocinou o Concílio de Nicéia, no qual foi arbitrariamente declarado o dogma da divindade de Jesus. "A existência de Atanásio se concentra numa luta gigantesca contra o arianismo. (...)"" (Pág. 109)
"(...) Ora, Jesus veio ao mundo como mediador para redimir o homem e oferecer-se em sacrifício diante de Deus (ou seja, diante de si mesmo!), para restaurar a integridade humana. Pela queda de um homem, perdemo-nos todos. Pelo sacrifício de um Deus, redimimo-nos todos. Esta doutrina, reconhecidamente, não é de Jesus, mas de Paulo." (Pág. 112)
"Não sendo o Ser Supremo do Universo (desde a época da formulação do dogma da Trindade, esse universo se expandiu infinitamente e se aceitamos a existência de Deus, e a sua presença, governo e poder entre bilhões e bilhões de galáxias e em meio a prováveis inúmeras humanidades, fica mais difícil aceitar a idéia de uma encarnação sua na Terra), Jesus Cristo não se vulgariza com isso,tornando-se apenas mais um homem entre outros tantos. Ele seria o Espírito que já atingiu a perfeição como todos nós atingiremos um dia, segundo a lei da evolução. Portanto ele é a realização daquilo de que somos ainda potência. É a meta a ser atingida, por um processo de educação do espírito, nas sucessivas existências." (Pág. 113 à 114)
“Revelando um otimismo intrínseco em sua pregação e em sua ação, Jesus consegue enxergar o fio de conexão com o outro ser humano, para chamá-lo à realização da vida moral”. Desencadeia processos de regeneração, sem qualquer imposição externa. Conquista Madalena para fora da vida de desregramento, desperta em Zaqueu a consciência de ser menos avarento, e, mesmo depois da morte, aproveita o ímpeto destrutivo de Saulo de Tarso, canalizando-o para a divulgação apostólica do Cristianismo.
Realiza, pois, de forma mais eficaz e elevada, a idéia de Sócrates, de restituir o homem a si mesmo, pela prática de um diálogo informal, que transcorre à beira dos lagos, no alto dos montes ou no meio das praças. E o faz estabelecendo um vínculo amoroso com os discípulos, ao mesmo tempo em que apela para a sua autonomia racional." (Pág. 115)
“Que pedagogia era essa que praticava Jesus”? Herculano Pires refere-se a uma Pedagogia da Esperança:
"A educação não era mais o ajustamento do ser aos moldes ditados pelos rabinos do Templo, a imposição de fora para dentro da moral farisaica, mas o despertar das criaturas para Deus através dos estímulos da palavra e do exemplo. A salvação pela graça não era um privilégio de alguns, mas o direito de todos. Jesus ensinava e exemplificava e seus discípulos faziam o mesmo. Chamava as crianças a si para abençoá-las e despertar-lhes, com palavras de amor, os sentimentos mais puros. Nem os apóstolos entenderam aquela atitude estranha: um rabi cheio da sabedoria da Torá a perder tempo com as crianças. (.) Cada criatura humana é para ele um educando, um aluno (...) Assim, a Terra não é mais o paraíso dos privilegiados e o inferno dos condenados. É a grande escola em que todos aprendemos, em que todos nos educamos. A Pedagogia da Esperança oferece a todos a oportunidade de salvação, porque a salvação está na educação."
A visão da vida na Terra como processo educativo faz sentido à luz da reencarnação, em que as almas estão em permanente aprendizagem. Por isso mesmo o cristão, que admite essa idéia, vê em Jesus muito mais o pedagogo da humanidade que o salvador." (Pág. 116 à 117)
"A natureza humana não corrompida, o livre-arbítrio como apanágio de cada alma individual e uma propensão natural ao aperfeiçoamento e à ascensão emprestam à educação cristã, proposta por Jesus, um ar refrescante de liberdade e naturalidade. Jesus não se impõe, não usa de coerção, nem mesmo de persuasão. Convida, exemplifica, serve e ama." (Pág. 117)
"Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve" (Lc. 22, 27) - aí se resume seu método pedagógico. Quem mais serve, por amor, é quem mais é capaz de fazer brotar o impulso do bem na alma humana. Quem mais se sacrifica, por amor, é quem mais alcança a intimidade do outro, para fazê-lo melhor." (Pág. 118)
"As duas vertentes do Cristianismo têm coexistido no decorrer da história - de um lado, a visão do homem, herdeiro do Criador, como capaz de projetar-se para a transcendência, de fazer-se santo, perfeito, e, nesta linha, propostas libertárias, igualitárias de educação. Do outro, a visão do pecado, da tragédia da queda, da corrupção inata, da necessidade de disciplinar e reprimir. Evidentemente, em muitas doutrinas e práticas, ambas as visões se conjugam, em nuanças intrincadas. A tese aqui levantada, entretanto, é a de que Jesus, propondo um modelo de educação humana, é o fundador da primeira tendência, que combina perfeitamente com a de Sócrates." (Pág. 118)
"Recuperado como mensagem de fraternidade, liberto do dogmatismo sectário, encarando-se Jesus como um pedagogo divino, que veio propor um programa de educação do espírito, em parâmetros de liberdade e amor, o Cristianismo é revisto pelo paradigma do espírito. O Espiritismo assim se anuncia como mais um ensaio histórico de retorno à essência cristã, ofuscada pelas instituições humanas, de poder e de dominação. E na raiz desta revisão, renasce a pedagogia de Jesus, como pedagogia da esperança: quem já realizou em si a divindade intrínseca de todas as criaturas, trabalha para despertá-la em seus irmãos de humanidade, confiando em sua capacidade de aperfeiçoamento autônomo. E daqueles que já pisaram no mundo, certamente Jesus foi quem a realizou de maneira mais completa e por isso sua mensagem e seu exemplo exercem poderoso influxo de mudança e ascensão."(Pág. 120)
INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita - um projeto brasileiro e suas raízes. Bragança Paulista - SP. Editora Comenius, 2004.
"(...) Ninguém melhor do que a figura de Jesus para mostrar o modelo máximo de estatura moral, aliada à confiança no ser humano e a uma prática educativa libertadora. Mas as polêmicas em torno da personalidade do Cristo têm sido tão acirradas em dois mil anos de história cristã, que não se pode deixá-las à parte, antes de aventar qualquer interpretação a seu respeito.
Não poderíamos assim ignorar a questão da divindade de Jesus, pois que é justamente a tomada de posição em relação a esse tema que vai nos colocar na via de demonstrar que a sua pedagogia é de fato a pedagogia pleiteada pelo paradigma do espírito. Nos primeiros três séculos de Cristianismo, andava longe uma unanimidade a respeito da divindade de Jesus." (Pág. 108 à 109)
"(...) Durante esses primeiros séculos, várias interpretações a respeito da natureza do Cristo lutaram pela preponderância, mas as mais significativas foram justamente a católica- vigente até hoje - e a ariana. A primeira considera o mistério da encarnação divina, e, portanto, a existência de um Deus uno e trino,como dogma fundamental da crença cristã. A segunda admitia que:
"O Pai apenas é eterno e merece em sentido próprio o nome de Deus. Tirado do nada, o filho é a primeira, mas a mais excelente das criaturas; ele foi instrumento do Pai para a criação do mundo. Ele se encarnou em Jesus Cristo."
Ora, a vitória da versão católica deu-se por obra de Atanásio e Constantino. Este último, o imperador cristão, patrocinou o Concílio de Nicéia, no qual foi arbitrariamente declarado o dogma da divindade de Jesus. "A existência de Atanásio se concentra numa luta gigantesca contra o arianismo. (...)"" (Pág. 109)
"(...) Ora, Jesus veio ao mundo como mediador para redimir o homem e oferecer-se em sacrifício diante de Deus (ou seja, diante de si mesmo!), para restaurar a integridade humana. Pela queda de um homem, perdemo-nos todos. Pelo sacrifício de um Deus, redimimo-nos todos. Esta doutrina, reconhecidamente, não é de Jesus, mas de Paulo." (Pág. 112)
"Não sendo o Ser Supremo do Universo (desde a época da formulação do dogma da Trindade, esse universo se expandiu infinitamente e se aceitamos a existência de Deus, e a sua presença, governo e poder entre bilhões e bilhões de galáxias e em meio a prováveis inúmeras humanidades, fica mais difícil aceitar a idéia de uma encarnação sua na Terra), Jesus Cristo não se vulgariza com isso,tornando-se apenas mais um homem entre outros tantos. Ele seria o Espírito que já atingiu a perfeição como todos nós atingiremos um dia, segundo a lei da evolução. Portanto ele é a realização daquilo de que somos ainda potência. É a meta a ser atingida, por um processo de educação do espírito, nas sucessivas existências." (Pág. 113 à 114)
“Revelando um otimismo intrínseco em sua pregação e em sua ação, Jesus consegue enxergar o fio de conexão com o outro ser humano, para chamá-lo à realização da vida moral”. Desencadeia processos de regeneração, sem qualquer imposição externa. Conquista Madalena para fora da vida de desregramento, desperta em Zaqueu a consciência de ser menos avarento, e, mesmo depois da morte, aproveita o ímpeto destrutivo de Saulo de Tarso, canalizando-o para a divulgação apostólica do Cristianismo.
Realiza, pois, de forma mais eficaz e elevada, a idéia de Sócrates, de restituir o homem a si mesmo, pela prática de um diálogo informal, que transcorre à beira dos lagos, no alto dos montes ou no meio das praças. E o faz estabelecendo um vínculo amoroso com os discípulos, ao mesmo tempo em que apela para a sua autonomia racional." (Pág. 115)
“Que pedagogia era essa que praticava Jesus”? Herculano Pires refere-se a uma Pedagogia da Esperança:
"A educação não era mais o ajustamento do ser aos moldes ditados pelos rabinos do Templo, a imposição de fora para dentro da moral farisaica, mas o despertar das criaturas para Deus através dos estímulos da palavra e do exemplo. A salvação pela graça não era um privilégio de alguns, mas o direito de todos. Jesus ensinava e exemplificava e seus discípulos faziam o mesmo. Chamava as crianças a si para abençoá-las e despertar-lhes, com palavras de amor, os sentimentos mais puros. Nem os apóstolos entenderam aquela atitude estranha: um rabi cheio da sabedoria da Torá a perder tempo com as crianças. (.) Cada criatura humana é para ele um educando, um aluno (...) Assim, a Terra não é mais o paraíso dos privilegiados e o inferno dos condenados. É a grande escola em que todos aprendemos, em que todos nos educamos. A Pedagogia da Esperança oferece a todos a oportunidade de salvação, porque a salvação está na educação."
A visão da vida na Terra como processo educativo faz sentido à luz da reencarnação, em que as almas estão em permanente aprendizagem. Por isso mesmo o cristão, que admite essa idéia, vê em Jesus muito mais o pedagogo da humanidade que o salvador." (Pág. 116 à 117)
"A natureza humana não corrompida, o livre-arbítrio como apanágio de cada alma individual e uma propensão natural ao aperfeiçoamento e à ascensão emprestam à educação cristã, proposta por Jesus, um ar refrescante de liberdade e naturalidade. Jesus não se impõe, não usa de coerção, nem mesmo de persuasão. Convida, exemplifica, serve e ama." (Pág. 117)
"Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve" (Lc. 22, 27) - aí se resume seu método pedagógico. Quem mais serve, por amor, é quem mais é capaz de fazer brotar o impulso do bem na alma humana. Quem mais se sacrifica, por amor, é quem mais alcança a intimidade do outro, para fazê-lo melhor." (Pág. 118)
"As duas vertentes do Cristianismo têm coexistido no decorrer da história - de um lado, a visão do homem, herdeiro do Criador, como capaz de projetar-se para a transcendência, de fazer-se santo, perfeito, e, nesta linha, propostas libertárias, igualitárias de educação. Do outro, a visão do pecado, da tragédia da queda, da corrupção inata, da necessidade de disciplinar e reprimir. Evidentemente, em muitas doutrinas e práticas, ambas as visões se conjugam, em nuanças intrincadas. A tese aqui levantada, entretanto, é a de que Jesus, propondo um modelo de educação humana, é o fundador da primeira tendência, que combina perfeitamente com a de Sócrates." (Pág. 118)
"Recuperado como mensagem de fraternidade, liberto do dogmatismo sectário, encarando-se Jesus como um pedagogo divino, que veio propor um programa de educação do espírito, em parâmetros de liberdade e amor, o Cristianismo é revisto pelo paradigma do espírito. O Espiritismo assim se anuncia como mais um ensaio histórico de retorno à essência cristã, ofuscada pelas instituições humanas, de poder e de dominação. E na raiz desta revisão, renasce a pedagogia de Jesus, como pedagogia da esperança: quem já realizou em si a divindade intrínseca de todas as criaturas, trabalha para despertá-la em seus irmãos de humanidade, confiando em sua capacidade de aperfeiçoamento autônomo. E daqueles que já pisaram no mundo, certamente Jesus foi quem a realizou de maneira mais completa e por isso sua mensagem e seu exemplo exercem poderoso influxo de mudança e ascensão."(Pág. 120)
INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita - um projeto brasileiro e suas raízes. Bragança Paulista - SP. Editora Comenius, 2004.
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