Por Nazareno Tourinho
Entre Jean-Baptiste Roustaing e
Allan Kardec só existiu ligação de caráter meramente epistolar, e assim mesmo
porque o primeiro se interessou em escrever para o segundo. Os dois nunca
estiveram juntos, trocando um cumprimento face a face. Não há notícia de que
Roustaing tenha alguma vez visitado a Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas, onde atuava o Codificador, nem registro de
seu comparecimento às homenagens prestadas pelos espíritas de Bordeaux ao
mestre de Lyon, quando ele lá esteve, inclusive ouvindo uma alocução do médico
Bouché de Vitray na qual foi citado o nome do famoso bastonário, nascido e residente na cidade.
O contato inicial, via Correio,
de Roustaing com Kardec, figura na edição de junho de 1861 da Revista Espírita.
A essa altura O Livro dos Espíritos já fazia sucesso
há mais de quatro anos e o advogado da Corte Imperial de Bordeaux começara a se
envolver com fenômenos mediúnicos há menos de seis meses.
Estava deslumbrado com a Doutrina.
Trata o seu codificador
respeitosamente, chamando-o de “muito honrado chefe espírita”.
Pelo teor da missiva constata-se
que se dirigira ao honrado chefe antes
e fora orientado no sentido de se aproximar do Sr. Sabô, um destacado espírita
em sua terra natal.
Na longa carta, que toma quatro
páginas da Revista Espírita, Roustaing
se refere “a reencarnação como único meio de ver o reino de Deus”. Depois,
consoante não ignora mais o leitor, subscreveria a tese de que a encarnação, e
consequentemente a reencarnação, jamais foram necessários (único meio) para a conquista do “reino de Deus”, não passando de
um castigo para punir este ou aquele
Espírito rebelde, espécie de anjo decaído na versão da teologia católica.
Termina Roustaing declarando que
somente não vai a Paris ao encontro de Kardec porque a isso se opõe a sua
saúde.
Diante de tão efusivo testemunho
de apreço individual e solidariedade ideológica, o Codificador do Espiritismo,
em termos amáveis, manifesta simpatia pelo futuro desertor da causa em que se
empenhava devotadamente.
Cinco meses depois, relatando na Revista Espírita de novembro de 1861 uma
visita recente feita a Bordeaux, Kardec informa ter o movimento espírita local
homens de “eminente posição”, e “muitos bons médiuns”, contudo não menciona o
nome de Roustaing nem o da sua psicografa, Emilie Collignon, que também residia
na cidade.
Conforme se vê, Roustaing não
privou da intimidade de Kardec, não conviveu com ele, não desfrutou sequer de
sua atenção, salvo quando o incomodou com escritos suspeitosos. É falso, pois,
o companheirismo entre ambos, insinuado por alguns rustenistas. Quanto à Emilie
Collignon, o que a Coleção da Revista
Espírita nos sugere é a preferência do mestre de Lyon por outro médium de
Bordeaux, a Sra. Cazemajoux. Em maio de 1861 o Codificador divulga duas
mensagens recebidas por esta médium. Em agosto do mesmo ano, mais uma, com
assinatura espiritual de Byron. Em fevereiro do ano seguinte, 1862, novas
mensagens da Sra. Cazemajoux. Só então é que um escrito de Emilie Collignon,
aliás não mediúnico, aparece pela primeira vez na Revista Espírita, publicada por Allan Kardec. E aparece de um modo
que, sob o aspecto doutrinário, não a recomenda bem.
Veremos esta particularidade no
próximo texto.
Fonte:
TOURINHO, Nazareno. As
Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio
crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do
Campo, SP, 1999.
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