quarta-feira, 25 de março de 2015

[RE] - Estudo mediúnico

Por Allan Kardec

Correspondência de além-túmulo

Para a compreensão do fato principal de que se trata, extraímos a passagem seguinte da carta de um assinante. Além disto, é uma simples e tocante expressão das consolações que os aflitos encontram no Espiritismo: 

“Permiti que vos diga quanto alívio me deu o Espiritismo, dando-me a certeza de rever num mundo melhor um ser que eu havia amado com um amor sem limites, um irmão querido, falecido na flor da idade. Como é consolador este pensamento que aquele cuja morte choramos, muitas vezes está perto de nós, sustentando-nos quando estamos acabrunhados ao peso da dor, alegrando-se quando a fé no futuro nos deixa entrever um encontro certo! Iniciado há alguns anos nos admiráveis preceitos do Espiritismo, eu tinha aceitado todas as suas verdades e tinha me esforçado por viver aqui de maneira a apressar o meu adiantamento. Minhas boas resoluções tinham sido tomadas muito sinceramente, entretanto, confesso que, não possuindo os elementos necessários para fortalecer e entreter minha crença na comunicação dos Espíritos, pouco a pouco me havia habituado, não a rejeitá-la, mas a encará-la com mais indiferença. É que a desgraça até então me era desconhecida. Hoje, que a Deus aprouve enviar-me uma prova dolorosa, colhi no Espiritismo preciosas consolações, e experimento a necessidade de vo-lo agradecer muito particularmente, como o primeiro propagador desta santa doutrina.

“Não sendo a doutrina do Espiritismo simples hipótese, mas apoiando-se em fatos patentes e ao alcance de todos, as consolações que proporciona não só consistem na certeza de rever pessoas amadas, mas também, e sobretudo, na possibilidade de corresponder-se com elas e delas obter salutares ensinamentos.” 

Nesta convicção, o irmão vivo escreveu esta carta ao irmão morto, solicitando a resposta através de um médium. 

N..., 14 de março de 1865.

Meu irmão muito amado,

É-me impossível dizer-te quanto fiquei feliz ao ler a carta que me endereçaste através do médium de C... Eu a transmiti aos nossos pobres pais, que afligiste muito, deixando-os de maneira tão inesperada. Eles me pedem que te escreva de novo, que te peça novos detalhes sobre tua existência atual, a fim de poderem crer, por novas provas que darás facilmente, na realidade do ensino dos Espíritos. Mas, antes de tudo, vem para junto deles muitas vezes; inspira-lhes a resignação e a fé no futuro; consola-os, pois necessitam, feridos que estão por um golpe tão imprevisto. Quanto a mim, ó meu irmão bem amado, ficarei sempre feliz quando te for permitido dar notícias tuas. Hoje venho pedir-te novamente detalhes sobre a tua moléstia, tua morte e teu despertar no mundo dos Espíritos.

- Quais os Espíritos que vieram receber-te à entrada do mundo invisível? - Reviste o nosso avô? Ele é feliz? - Reviste e reconheceste nossos parentes falecidos antes de ti, mesmo os que não conheceste na Terra? - Assististe ao teu enterro? Que impressão sentiste? Peço-te detalhes sobre essa triste cerimônia, que não permitam aos nossos pais duvidar de tua identidade. - Poderias dizer-me se algum membro de nossa família poderá tornar-se médium? Não desejarias comunicar-te através de um de nós?

Não posso compreender que não queiras continuar teus estudos de música, que cultivavas com tanto ardor na Terra. Seria um suave consolo para nós se quisesses terminar, através de um médium, os salmos que começaste a musicar em Paris.

Pudeste constatar o vazio imenso causado por tua morte no coração de todos nós. Peço-te que inspires a teus pais a coragem necessária para não sucumbirem nesta prova terrível. Sê muitas vezes com eles e dá-lhes tuas notícias.

Quanto a mim, Deus sabe quanto chorei. Malgrado minha crença no Espiritismo, há momentos em que não posso habituar-me à ideia de não mais te rever nesta Terra, e em que daria a vida para poder apertar-te ao coração.

Adeus, meu nobre amigo. Pensa algumas vezes naquele cujos pensamentos estão constantemente dirigidos para ti, e que fará o possível para ser julgado digno de um dia estar unido a ti.

Abraço-te e te aperto ao coração.

Teu irmão muito devotado, B... 

NOTA: Numa comunicação anterior, dada aos pais, através de outro médium, tinha sido dito que o jovem não queria continuar com os estudos de música no mundo dos Espíritos. 

Resposta do irmão morto ao irmão vivo. 

Eis-me aqui, meu bom irmão, mas tu exiges demais. Com a melhor boa vontade, não posso responder, numa única evocação, às numerosas perguntas que me diriges. Não sabes que por vezes é muito difícil aos Espíritos transmitirem o pensamento através de certos médiuns pouco aptos a receber claramente, em seu cérebro, a impressão fotográfica dos pensamentos de certos Espíritos, e que, desnaturando-os, lhes dão um cunho de falsidade que leva a maioria dos interessados à negação mais formal das manifestações, o que é muito pouco lisonjeiro e entristece profundamente aqueles que, na falta de instrumentos adequados, são impotentes para dar suficientes sinais de identidade?

Crê-me, bom irmão, evoca-me em família, e tu mesmo, com um pouco de boa vontade e alguns ensaios perseverantes, poderás conversar comigo à vontade. Estou quase sempre junto a ti, porque sei que és espírita e espero em ti. É certo que simpatia atrai simpatia e que não se pode ser expansivo com um médium que se vê por primeira vez. Contudo, vou tentar satisfazer-te.

Minha morte, que vos aflige, era o termo do cativeiro de minha alma. Vosso amor, vossa solicitude, vossa ternura, tinham tornado suave meu exílio na Terra. Mas, nos meus mais belos momentos de inspiração musical, eu voltava meu olhar para as regiões luminosas onde tudo é harmonia, e me esquecia a escutar os acordes longínquos da melodia celeste que me inundava com suas doces vibrações. Quantas vezes fiquei absorvido nesses devaneios estáticos aos quais devia o sucesso de meus estudos de música, que continuo aqui! Seria um erro estranho crer que a aptidão individual se perde no mundo espírita. Ao contrário, ela se aperfeiçoa, para em seguida levar esse aperfeiçoamento aos planetas onde esses Espíritos são chamados a viver.

Não choreis mais, vós todos, bem-amados parentes! Para que servem as lágrimas? Para enervar. Para desencorajar as almas. Parti primeiro, mas vireis encontrar-me. Esta certeza não é bastante poderosa para vos consolar? A rosa, que exalou seus perfumes no carvalho, morre como eu, depois de ter vivido pouco, juncando o solo de pétalas murchas. Mas o carvalho morre, por sua vez, e tem a sorte da rosa que ele chorou e cujas cores vivas se harmonizam com sua sombria folhagem.

Ainda algum tempo, e vireis a mim. Então cantaremos o cântico dos cânticos e louvaremos a Deus em suas obras, porque juntos seremos felizes, se vos resignardes à provação que vos atinge.

Aquele que foi teu irmão na Terra e te ama sempre,

B...

Comentários de Kardec:

Vários ensinamentos importantes ressaltam desta comunicação. O primeiro é a dificuldade experimentada pelo Espírito para se exprimir com o auxílio do instrumento que lhe era dado. Conhecemos pessoalmente esse médium, que há muito tempo deu provas de força e de flexibilidade da faculdade, sobretudo no caso de evocações particulares; é o que se pode chamar um médium seguro e bem assistido. De onde vem, então, esse impedimento? É que a facilidade das comunicações depende do grau de afinidade fluídica existente entre o Espírito e o médium. Cada médium está, assim, mais ou menos apto para receber a impressão ou a impulsão do pensamento de tal ou qual Espírito. Ele pode ser um bom instrumento para um e mau para outro, sem que isto permita pressupor qualquer coisa contra suas qualidades, pois a condição é mais orgânica que moral. Assim, os Espíritos buscam, de preferência, os instrumentos com os quais vibram em uníssono. Impor-lhes o primeiro que surge e crer que dele possam servir-se indiferentemente, seria como se se impusesse a um pianista tocar violino, sob a alegação de que se ele conhece música, deve saber tocar todos os instrumentos.

Sem esta harmonia, a única que pode levar à assimilação fluídica, tão necessária na tiptologia quanto na escrita, as comunicações ou são incompletas, ou impossíveis, ou falsas. Em falta do Espírito, que não podemos ver, se ele não pode manifestar-se livremente, não faltarão outros, sempre prontos a aproveitar a ocasião, e que pouco se preocupam com a verdade do que dizem. Essa similitude fluídica por vezes é totalmente impossível entre certos Espíritos e certos médiuns; outras vezes, e é o caso mais ordinário, ela só se estabelece gradualmente e com o tempo, o que explica por que de hábito os Espíritos que se manifestam por um médium, o fazem com mais facilidade, e por que as primeiras comunicações quase sempre atestam uma certa dificuldade e são menos explícitas.

Assim, está demonstrado ao mesmo tempo pela teoria e pela experiência que não há mais médiuns universais para as evocações senão pela aptidão aos diversos gêneros de manifestações. Aquele que pretendesse receber à vontade e em hora marcada as comunicações de todos os Espíritos e, consequentemente, poder satisfazer os legítimos desejos de todos os que querem entreter-se com os seres que lhes são caros, ou daria prova de uma ignorância radical dos mais elementares princípios da ciência, ou de charlatanismo e, em todos os casos, de uma presunção incompatível com as qualidades essenciais de um bom médium. Pudemos acreditar nisso durante algum tempo, mas hoje os progressos da ciência teórica e prática demonstram que isso, em princípio, é impossível. Quando um Espírito se comunica pela primeira vez por um médium sem qualquer dificuldade, isto se deve a uma afinidade fluídica excepcional ou anterior, entre o Espírito e seu intérprete.

É, pois, um erro impor um médium ao Espírito que se quer evocar. É preciso deixar-lhe a liberdade de escolha de seu instrumento. Mas, perguntarão, como fazer quando só se tem um médium, o que é muito frequente? Para começar, contentar-se com o que se tem e privar-se do que se não tem. Não está na alçada da ciência espírita mudar as condições normais das manifestações, assim como à química mudar as da combinação dos elementos.

Entretanto, há aqui um meio de atenuar a dificuldade. Em princípio, quando se trata de uma evocação nova, o médium deve sempre previamente evocar seu guia espiritual e perguntar se ela é possível. Em caso afirmativo, perguntar ao Espírito evocado se ele encontra no médium a aptidão necessária para receber e transmitir seu pensamento. Se houver dificuldade ou impossibilidade, pedir-lhe que o faça através do guia do médium ou que aceite a sua assistência. Neste caso o pensamento do Espírito só chega de segunda mão, isto é, depois de haver atravessado dois meios. Compreende-se, então, o quanto é importante que o médium seja bem assistido, porque se o for por um Espírito obsessor, ignorante ou orgulhoso, a comunicação será alterada. Aqui, as qualidades pessoais do médium forçosamente representam um papel importante, pela natureza dos Espíritos que ele atrai para si. Os mais indignos médiuns podem ter poderosas faculdades, mas os mais seguros são os que a essa força juntam as melhores simpatias no mundo invisível. Ora, essas simpatias não são absolutamente garantidas pelos nomes mais ou menos imponentes dos Espíritos que assinam as comunicações, mas pela natureza constantemente boa das comunicações que eles recebem.

Esses princípios são fundados simultaneamente na lógica e na experiência. As próprias dificuldades que apresentam provam que a prática do Espiritismo não deve ser tratada levianamente.

Outro fato ressalta igualmente da comunicação acima. É a confirmação do princípio segundo o qual os Espíritos inteligentes prosseguem na vida espiritual os trabalhos e estudos que tinham empreendido na vida corpórea.

É assim que nas comunicações que publicamos damos preferência àquelas de onde pode sair um ensinamento útil.

Quanto à carta do irmão vivo ao irmão morto, é uma ingenuidade e uma tocante expressão da fé sincera na sobrevivência da alma, na presença dos seres que nos são caros, e da possibilidade de continuar com essas relações de afeição que a eles nos uniam.

Sem dúvida os incrédulos rirão daquilo que aos seus olhos é uma credulidade pueril. Por mais que façam, o nada que preconizam jamais terá encanto para as massas, porque quebra o coração e as mais santas afeições; gela, em vez de aquecer; espanta e desespera, em vez de fortalecer e consolar.

Suas diatribes contra o Espiritismo têm por pivô essa doutrina apavorante do nada, então não é de admirar a sua impotência para desviar as massas das novas ideias. Entre uma doutrina desesperadora e outra consoladora, a escolha da maioria não podia ser duvidosa.

Depois da espantosa catástrofe da igreja de Santiago do Chile em 1864, encontraram na igreja uma caixa de cartas, na qual os fiéis depositavam aquelas que dirigiam à Santa Virgem. Seria possível estabelecer uma paridade entre a carta acima e estas últimas, que desencadearam a verve dos trocistas? Por certo que não. Contudo, o erro não era daqueles que acreditavam na possibilidade de corresponder-se com o outro mundo, mas daqueles que exploravam essa crença, dando respostas compatíveis com o pagamento prévio anexado à carta de solicitação. Há poucas superstições que não têm seu ponto de partida numa verdade desnaturada pela ignorância. Acusado de ressuscitá-las, o Espiritismo, ao contrário, vem reduzi-las ao seu justo valor.

Fonte: Revista Espírita, abril de 1865

sexta-feira, 13 de março de 2015

[RE] - A força do remorso - Estudo moral

Da Revista Espírita

Escrevem de Winschoten, a 2 de maio de 1867, ao Journal de Bruxelles:

Sábado passado aconteceu em nossa comuna que um operário cavouqueiro se apresentou na casa do guarda campestre, onde intimou esse funcionário a prendê-lo e o entregar à justiça, diante da qual, dizia ele, tinha que fazer a confissão de um crime por ele cometido há vários anos. Levado ante o burgomestre, esse operário, que declarou chamar-se Jean Ryzak, fez a seguinte confissão:

“Há cerca de doze anos eu era empregado nos trabalhos de dessecamento do lago de Harlem, quando um dia o cabo, pagando a minha quinzena, entregou-me o soldo devido a um de meus camaradas, com ordem de entregá-la a este último. Gastei o dinheiro e, querendo evitar aborrecimentos de investigações, resolvi matar o amigo a quem acabara de roubar. Para isso, precipitei-o num dos abismos do lago e, vendo-o voltar à superfície e fazer esforços para nadar para a margem, dei-lhe duas facadas na nuca.

“Logo que cometi o crime, o remorso começou a fazer-se sentir. Em breve tornou-se intolerável e foi-me impossível continuar no trabalho. Comecei por fugir do teatro do meu erro, e não achando em parte alguma do país nem paz nem trégua, embarquei para as Índias, onde me alistei no exército colonial. Mas lá também o espectro de minha vítima me perseguiu noite e dia; minhas torturas eram incessantes e incríveis e, assim que terminou o meu período de engajamento, uma força irresistível impeliu-me a voltar a Winschoten e a pedir à justiça o apaziguamento de minha consciência. Ela mo dará, impondo-me a expiação que julgar conveniente, e se ordenar que eu morra, prefiro esse suplício ao que me faz experimentar, há doze anos, a toda hora do dia e da noite, o carrasco que trago no peito.”

Após essa declaração, e tendo certeza de que o homem que estava à sua frente estava no pleno uso de sua razão, o magistrado requisitou a polícia, que prendeu Ryzak e relatou imediatamente o caso ao oficial de justiça.

Aqui se aguarda com emoção a sequência que poderá ter este estranho acontecimento.


INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS SOBRE ESTE CASO

(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 - Médium, Srta. Lateltin)


Como sabeis, cada ser tem a liberdade do bem e do mal, o que chamais de livre-arbítrio. O homem tem em si sua consciência que o adverte quando fez o bem ou fez o mal, cometeu uma ação má ou negligenciou de fazer o bem; sua consciência que, como guarda vigilante encarregada de velar por ele, aprova ou desaprova sua conduta. Muitas vezes acontece que ele se mostre rebelde à sua voz, que repila as suas inspirações; que queira abafá-la pelo esquecimento, mas nunca ela é completamente aniquilada para que num dado momento não desperte mais forte e mais poderosa e não exerça um severo controle de vossas ações.

A consciência produz dois efeitos diferentes: a satisfação de haver agido bem, a paz que deixa o sentimento do dever cumprido; e o remorso que penetra e tortura quando se praticou uma ação reprovada por Deus, pelos homens ou pela honra. É, propriamente falando, o senso moral. O remorso é como uma serpente de mil voltas, que circula em redor do coração e o devasta; é o remorso que sempre vos faz ouvir os mesmos brados e vos grita: Fizeste uma ação má; deverás ser punido; teu castigo não cessará senão depois da reparação. E quando a esse suplício de uma consciência atormentada vem juntar-se a visão constante da vítima, da pessoa a quem se fez o mal; quando, sem repouso nem trégua, sua presença censura ao culpado sua conduta indigna, lhe repete incessantemente que sofrerá enquanto não houver expiado e reparado o mal que fez, o suplício se torna intolerável. É então que, para pôr fim às suas torturas, seu orgulho se dobra e ele confessa os seus crimes. O mal carrega em si a sua pena, pelo remorso que deixa e pelos reproches feitos unicamente pela presença daqueles contra os quais se agiu mal.

Crede-me, escutai sempre essa voz que vos adverte quando estais prestes a falir; não a abafeis pela revolta do vosso orgulho, e se falirdes, apressai-vos em reparar o mal, pois do contrário o remorso seria vossa punição. Quanto mais tardardes, mais penosa será a punição e mais prolongado o suplício.

UM ESPÍRITO

(Mesma sessão - Médium, Sra. B...)


Hoje tendes um exemplo notável da punição que sofrem, mesmo na Terra, os que se tornaram culpados de uma ação má. Não é somente no mundo invisível que a visão de uma vítima vem atormentar o assassino para forçá-lo ao arrependimento; onde a justiça dos homens não começou a expiação, a justiça divina faz começar, a despeito de todos, o mais lento e o mais terrível dos suplícios, o mais temível castigo.

Há certas pessoas que dizem que a punição infligida ao criminoso no mundo dos Espíritos, e que consiste na visão contínua de seu crime, não pode ser muito eficaz, e que em nenhum caso essa punição por si só determina o arrependimento. Dizem que um perverso natural, como é o caso de um criminoso, não pode senão amargurar-se cada vez mais por essa visão, assim se tornando pior. Os que assim falam não fazem uma ideia do que pode tornar-se tal castigo; não sabem quanto é cruel esse espetáculo contínuo de uma ação que gostariam de jamais haver cometido. Certamente vemos alguns criminosos se empedernirem, mas muitas vezes é só por orgulho, e por quererem parecer mais fortes do que a mão que os castiga; é para fazer crer que não se deixam abater pela visão de imagens vãs, mas essa falsa coragem não tem longa duração; em breve vê-los-emos enfraquecerem diante desse suplício, que deve muito de seus efeitos à sua lentidão e à sua persistência. Não há orgulho que possa resistir a essa ação, semelhante à da gota d’água sobre o rochedo: por mais dura que possa ser a pedra, é inevitavelmente atacada, desagregada, reduzida a pó. É assim que o orgulho, que faz resistirem esses infelizes contra seu soberano senhor, mais cedo ou mais tarde é abatido, e que o arrependimento enfim pode ter acesso à sua alma. Como eles sabem que a origem de seus sofrimentos está em sua falta, pedem para repará-la, a fim de trazer um abrandamento para os seus males.

Aos que disso pudessem duvidar, não precisais senão citar o caso que vos foi assinalado esta noite. Ali não é só a hipótese; não é mais somente o ensinamento dos Espíritos: é um exemplo, de certo modo palpável, que se vos apresenta. Nesse exemplo, o castigo seguiu de perto a falta, e foi de tal monta que ao cabo de vários anos forçou o culpado a pedir a expiação de seu crime à justiça humana, e ele mesmo disse que todas as penas, a própria morte, lhe pareceriam menos cruéis que o que ele sofria, no momento em que se entregou à justiça.

UM ESPÍRITO

OBSERVAÇÃO: Sem ir procurar aplicações do remorso nos grandes criminosos, que são exceções na Sociedade, podemos encontrá-las nas mais comuns circunstâncias da vida. É esse sentimento que leva todo indivíduo a afastar-se daqueles diante dos quais sente que tem reproches a se fazer; em sua presença ele se sente mal; se a falta não for conhecida, ele teme ser descoberto; parece-lhe que um olhar pode penetrar o fundo de sua consciência; em toda palavra, em todo gesto, ele vê uma alusão à sua pessoa. Eis porque, se ele se sente descoberto, retira-se. O ingrato também foge de seu benfeitor, porque a presença dele é uma censura incessante, da qual em vão ele procura desembaraçar-se, porque uma voz íntima lhe grita no fundo de sua consciência que ele é culpado.

Se o remorso já é um suplício na Terra, quão maior não será no mundo dos Espíritos, onde não é possível subtrair-se à vista daqueles a quem se ofendeu. Felizes os que, tendo reparado já nesta vida, poderão sem receio enfrentar todos os olhares no mundo onde nada é oculto.

O remorso é uma consequência do desenvolvimento do senso moral; ele não existe onde o senso moral ainda se acha em estado latente. É por isto que os povos selvagens e bárbaros cometem sem remorso as piores ações. Aquele, pois, que se pretendesse inacessível ao remorso assimilar-se-ia ao bruto. À medida que o homem progride, o senso moral torna-se mais apurado; ofusca-se ao menor desvio do reto caminho. Daí o remorso, que é o primeiro passo para o retorno ao bem.

Fonte: Revista Espírita, agosto de 1867 - Jean Rizak