domingo, 29 de janeiro de 2012

Chico Xavier: o homem, o médium e o mito


Por Maria Ribeiro

O primeiro contato com o Espiritismo de uma grande parcela de adeptos se faz através de obras como Nosso Lar e similares, o que não deve representar nenhum constrangimento, mesmo porque, são poucos os que podem se vangloriar de terem se iniciado realmente pelo começo – as obras básicas.  

Ouve-se falar, principalmente das obras de André Luiz e Emmanuel em parceria com o Chico, as melhores referências, como se estas não só complementassem, mas substituíssem as obras básicas. Particularmente, já ouvimos mais de uma vez que o livro Nos domínios da mediunidade é um tratado do assunto, deixando O Livro dos Médiuns em plano secundário, o que é um atentado violento ao trabalho de Kardec e às instruções do Espírito de Verdade. Há quem diga que, depois de O Livro dos Espíritos, o livro Nosso Lar é o segundo mais importante da Doutrina. Uma grande parte acredita que estas obras sejam basilares para a compreensão do Espiritismo, pois tudo está lá, dizem. 

Obras da série André Luiz, as de Emmanuel, bem como as de outros médiuns e Espíritos , se fazem admirar pela forma muito bem elaborada com que são produzidas, e não há que se retirar-lhes este mérito: são excelentes escritores. O dilema está quando se compara certos conceitos ditados nestas obras com os que constam no legado kardequiano, e passa-se a perceber diferenças que jamais se conciliariam. Nós, particularmente, com as profícuas trocas de idéias com companheiros e maior tempo dedicado à leitura da Obra Espírita, aos poucos, nos tornamos mais cautelosa e, felizmente, atualmente, podemos nos dizer uma estudiosa menos imprudente. 

Nos últimos tempos surgiram diversos artigos excelentes que analisam obras do Chico e de outros médiuns à luz da Doutrina Espírita; o que é extremamente oportuno e importante, afinal o Espiritismo também ensina que não se devem aceitar tudo o que vem dos Espíritos sem o crivo da razão e da lógica, pois falam segundo seu grau de evolução e em muitos casos, dão informações sem se preocuparem com a verdade, por pura fanfarrice.

O movimento espírita em vigência consagrou algumas obras sem se utilizar dos critérios estabelecidos por Kardec, critérios, aliás, resultantes das experiências do grande mestre francês em parceria com o Espírito de Verdade. Inclusive a FEB recomenda no seu estatuto a obra de Roustaing como objeto de estudos, esta rechaçada por Kardec. Vê-se que desde o início no Brasil, o Espiritismo sofre ataques violentos, sendo ultrajado de uma forma abjeta, indecente, execrável.

Segundo a Doutrina Espírita, o médium é sempre responsável pelas comunicações que recebe, daí ser imprescindível que busque se melhorar intelectual e moralmente, a fim de atrair para si os Bons Espíritos, e estar menos sujeito a mistificações. É inegável que o Chico Xavier fora grande médium, portador de muitas faculdades. Mas, como analisá-lo como Ser, como uma pessoa, como um Espírito filho de Deus igualzinho aos demais?  Sem o intuito de polemizar, mas de trazer elementos para que se crie margem a novas reflexões acerca desta personalidade, recorram-se às questões 100 e seguintes do capítulo primeiro da segunda parte de O Livro dos Espíritos, que estabelecem uma hierarquia entre eles. 

Os Espíritos Puros, classificados como de Primeira Ordem, possuem “superioridade intelectual e moral absolutas em relação aos Espíritos das outras ordens. Alcançaram a soma de perfeições de que é suscetível a criatura; não têm mais que suportar provas ou expiações; gozam de inalterável felicidade; são os mensageiros de Deus, cujas ordens executam para a manutenção da harmonia universal.” Estas são algumas das suas características, e que, na Terra, só temos notícia de um: Jesus, embora seja sabido que existam os que lhes são iguais ou superiores, e ainda, sendo perfeitos, lhes são inferiores, afinal, não se pode esquecer da relatividade nesta hierarquia.

Os da Segunda Ordem, denominados como Bons Espíritos, se distribuem em quatro classes: Benevolentes, Sábios, de sabedoria e Superiores. Genericamente, e entre outras, são caracterizados por possuírem “predominância do espírito sobre a matéria; desejo do bem; uns têm a ciência outros a sabedoria e a bondade. Os mais avançados reúnem o saber às qualidades morais. Não estando ainda completamente desmaterializados, conservam, mais ou menos, segundo sua categoria, os traços da existência corpórea, seja na forma da linguagem, seja nos seus hábitos, onde se descobrem mesmo algumas de suas manias; de outro modo, seriam Espíritos Perfeitos.Quando encarnados, são bons e benevolentes para com os semelhantes. Não os move nem o  orgulho, nem o egoísmo nem a ambição.“ 

Os da Terceira Ordem são os Espíritos imperfeitos distribuídos em cinco classes. “Predominância da matéria sobre o Espírito; propensão ao mal; ignorância, orgulho e todas as más paixões que lhe são conseqüências”, estas algumas de suas características gerais. 

O próprio Codificador assinalou que “de um grau para o outro a transição é insensível e sobre seus limites a pequena diferença se apaga como nos reinos da Natureza, como nas cores do arco-íris, ou ainda, como nos diferentes períodos da vida do homem.” Assim, fica menos difícil um julgamento mais apropriado acerca da personalidade em análise.

Para qualquer pessoa sensata é muito óbvio que o Chico não é um Espírito Puro, perfeito. Daí não fazer sentido o imaginar que ele esteve isento de mistificações; aliás, no Livro dos Médiuns, está esclarecido que não há médium perfeito na Terra, que “o melhor (médium) é aquele que, não simpatizando senão com os bons espíritos, foi enganado o menos freqüentemente.”(OLM- cap XX – item 9)  Ou seja, todo médium, mesmo tendo a assistência dos bons Espíritos, não está isento do assédio dos Espíritos inferiores e nem de ser enganado. No item seguinte está registrado que “os bons Espíritos o permitem, algumas vezes, com os melhores médiuns, para exercerem seu julgamento e lhes ensinarem a discernir o verdadeiro do falso...” Ou seja, nem o médium, nem seus editores, nem os adeptos seus leitores, puderam atender a esta recomendação. 

Sobre este aspecto, errou o Chico, e todo o Movimento Espírita com ele, afinal, alguém quis esclarecê-lo? Porque as editoras que o tutelaram não perceberam os erros gritantes? Das duas uma: ou houve negligência ou espaço para a ambição, já que o sucesso nas vendas era garantido. Veja-se o que o item 303 de O Livro dos Médiuns traz, em resposta sobre os meios de se preservar das mistificações: “...Os Espíritos vêm vos instruir e vos guiar no caminho do bem, e não no das honrarias e da fortuna, ou para servir às vossas paixões mesquinhas...” No item posterior, o Espírito de Verdade adverte: "...Deus permite as mistificações para provar a perseverança dos verdadeiros adeptos e punir os que dele fazem um objeto de diversão.”(nm) E em nota, Kardec assinala: ”...somos bastante felizes por termos podido abrir, a tempo, os olhos a várias pessoas que decidiram pedir nosso conselho, e lhes haver afastado de ações ridículas e comprometedoras...” Este lembrete é  para alertar que o movimento espírita acolhe outras fontes, menosprezando os ensinos kardequianos e Espíritas, dando ensejo às aberrações que já foram denunciadas desde tempos atrás pelos grandes estudiosos do passado, e agora, repetidas pelos do presente, que cada vez encontram mais e mais distorções.

Mas não ser um Espírito perfeito, conseqüentemente não ser um médium perfeito, em nada desabona a pessoa do Chico, primeiro porque ele jamais se declarou como tal, ao contrário, sempre frisava que ainda tinha muitas imperfeições; segundo porque, como se encontra em aprendizado, tem o mesmo direito de errar dos demais. 

O Chico sempre trabalhou muito, em dedicação à família e ao próximo; ainda muito jovem sua saúde começou a ser comprometida, e, com o passar dos anos, foi se debilitando ainda mais. Aos poucos também foi perdendo a visão, o que o impossibilitava de ler, e talvez isto explique o fato de não ter passado em revista as psicografias recebidas. Ao que consta, era de uma personalidade doce, delicada, ingênua mesmo. Definitivamente, não era o tipo de pessoa que tem a sagacidade dos grandes gênios, tanto que confiara todos os seus originais a uma instituição sem garantia alguma, e tudo isso junto põe em dúvida a autenticidade do conteúdo das publicações.

Porém, querer classificá-lo na ordem dos Espíritos imperfeitos não parece muito adequado. Apesar de suas obras serem de conteúdo roustainguista, e isto está mais que provado através de estudos minuciosos de pessoas muito sérias, mas é preciso separar o homem do médium e o médium do Espírita. A influência católica esteve presente em toda a sua vida, portanto talvez o Chico nunca tenha sido um adepto convicto do Espiritismo, o que também não o desmoraliza, pois o título de Espírita jamais oferecerá benefícios espirituais a alguém. Também, não ter sido fiel aos postulados da Doutrina Espírita, se deixando influenciar pelo Roustainguismo, não diminuiu em nada suas conquistas morais. O Chico viveu mais de noventa anos, e ninguém jamais, em tempo algum testemunhou um gesto ou uma palavra má saída de sua boca. Só os loucos quererão imaginar se alguma vez tenha ele pensado algo indigno, afinal, só Deus pode apreciar os pensamentos de suas criaturas. Tinha o desejo do bem; seu Espírito predominava sobre a matéria; era bom e benevolente para com os seus semelhantes; não era movido nem pelo orgulho, nem pelo egoísmo nem pela ambição. A vida dele demonstra isso: morava numa casa simples, nunca angariou nada para si mesmo, nunca pretendeu honrarias, vivia de sua aposentadoria que era de um salário mínimo; sem ter a ciência completa, tinha a bondade. Porque para alguns é tão desconfortável admiti-lo como um homem bom? Ou será que está reservada somente aos profundos conhecedores do Espiritismo a capacidade de alcançar a virtude da bondade?! Erro grave, pois as conquistas intelectivas são muito mais fáceis de ser conseguidas do que as morais. Seria uma pusilanimidade frisar a passagem do Chico nesta última reencarnação apenas pelo seu lado fraco, pois se o médium falhou, o homem cresceu, sedimentou valores cristãos. O verdadeiro espírita não tem que se preocupar apenas com as aquisições intelectuais, mas acima de tudo as morais, cristãs.

Como médium o Chico deixou a desejar, por ter sido muito crédulo em encarnados e desencarnados mal intencionados ou ignorantes, mas como homem foi e é um exemplo de vida, e querer negar isto é forçar uma falsa realidade. A mediunidade está desvinculada do Espiritismo, assim como também o está da Moral. O Espírita sincero tem, necessariamente, obrigações morais a cumprir, especialmente consigo mesmo, aliás, exclusivamente consigo mesmo. E como negar que moralmente falando o Chico Xavier se encontrava quites com sua própria consciência por cumprir seus deveres cristãos com seu próximo?  

A abundância de publicações com suas histórias sedutoras foram fazendo do Chico um ícone da mediunidade, um best seller e, claro, renderam muitos milhões, não para ele mesmo, mas para diversas instituições, inclusive a própria FEB. Outra vez pergunta-se: porque não o esclareceram sobre os equívocos recorrentes? O que faziam, ou onde se encontravam os que se diziam seus amigos, os que estavam com ele no trabalho mediúnico incluindo a própria editora de seus livros? Quais os interesses envolvidos? A quem interessou fazê-lo mito? Há que se considerar, inclusive que, sendo um Espírito em evolução como qualquer outro filho de Deus, pôde se enganar de boa fé. Isto representa para todos mais um aprendizado, e não um motivo para execrá-lo. Em seus ensinamentos, Jesus acolheu a todos, e seus discípulos mais fiéis não eram necessariamente modelos nem de saber nem de virtude. Acolheu em seus braços amorosos uma prostituta, incluiu um cobrador de impostos no seu grupo discipular, comeu com o chefe destes; Jesus era o médico que estava sempre ao lado dos doentes. Portanto, questione-se: quem possui autoridade para querer a exclusão deste trabalhador que até podia não ser Espírita, segundo a acepção reservada ao termo, mas certamente era cristão, da Doutrina? O movimento espírita vigente criou um mito como a mídia comum cria os seus mitos, mas com a diferença de que os resultados para o segundo caso abrangem tanto uma como outros. O Chico não tirou nenhum proveito para si mesmo de tudo o que ocorreu, do uso que fizeram dele. Há várias estórias que envolvem o seu nome, como que para imprimir autoridade, justificando atitudes nem sempre sensatas. Tem “causos” que pecam pelo forte teor fanático não merecendo nenhuma credibilidade. Para nós, particularmente, o Chico foi explorado tanto por encarnados como pelos Espíritos que ele mesmo tanto respeitava, na sua simplicidade ingênua, pueril. Foi mistificado principalmente pela instituição que o tutelou. Enganou-se de boa fé, por acreditar que os que o cercavam eram como ele - desprovido da maldade que azeda o coração; por enxergar em todos, irmãos credores de seu respeito. 

Embora não caiba a ninguém a autoridade para julgar em que patamar evolutivo os outros estão, pode-se acreditar o Chico como um Ser entrando na quinta classe da segunda ordem – um Espírito benevolente, cujos caracteres são: “sua qualidade dominante é a bondade. Alegram-se em prestar serviço aos homens e protegê-los, mas seu saber é limitado. Seu progresso é mais efetivo no sentido moral do que no sentido intelectual.”

Repitam-se os esclarecimentos da Codificação: ”Quando encarnados, são bons e benevolentes para com os semelhantes. Não os move nem o  orgulho, nem o egoísmo nem a ambição. Não experimentam ódio, rancor, inveja ou ciúme, e fazem o bem pelo bem.“ 

Vale também lembrar as palavras indeléveis do Mestre Jesus: “É pelos frutos que se reconhece a árvore.”

É evidente que os livros, mais de quatrocentos, têm utilidade para muitas pessoas: levam consolo, levam lições moralizantes, embora algumas repletas de remanescentes católicos; além de desenvolver o gosto pela leitura, devido à facilidade que muitos encontram de compreensão dessas obras. Há que se considerar que  os adeptos do Espiritismo, não estão todos no mesmo nível de discernimento; há que se ter tolerância para com aqueles que não conseguem ler e estudar Kardec ainda, mas buscam se melhorar interiormente. Muitos não dominam o conteúdo Espírita, mas se preocupam em adquirir novos valores para nortear suas vidas. O cuidado que se tem que ter é com aqueles que, de alguma forma, manipulam e distorcem pessoas e situações, para tirar algum proveito. Aliás, a leitura por si mesma, é inofensiva: ela é a ferramenta para se discernir o que é válido ou não, segundo os parâmetros Espíritas, estando o grande problema na assimilação dos conceitos que ela traz.  E enquanto não houver um Movimento realmente Espírita, dificilmente seu conteúdo será assimilado e compreendido, senão por todos, mas ao menos por uma maior parcela.

A comunidade espírita está acomodada, dir-se-ia, muito acomodada, numa inação que beira a morbidez, e como todo estado mórbido é preocupante, pergunta-se: quem realmente está preocupado com este estado de coisas?  Ou por outra: é lícito que isto seja objeto de preocupação? Se cada um cumprir o seu papel, o que lhes cobra a consciência, não será suficiente para que as coisas se ajeitem? Mas, e o movimento espírita que só se movimenta usando a antonomásia de espírita sem promover um passo real rumo ao estudo e divulgação séria do Espiritismo?

Criticar o Chico Xavier ou tomá-lo por bode expiatório não resolverá o problema das mistificações que foi e é exposto todo o movimento espírita vigente. Outros médiuns publicaram, publicam e publicarão histórias inverídicas e ensinamentos os mais absurdos se não houver uma real movimentação do Espiritismo no Brasil, no mundo. Por enquanto, os estudos e investigações isolados é que podem abrir caminho para que um dia surja um Movimento Espírita de verdade. 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Primeiros Passos de um Ingênuo


Por Nazareno Tourinho

A obra de J. B. Roustaing, que unicamente a Federação Espírita Brasileira continua editando, começa para nós com um breve escrito do tradutor Guillon Ribeiro na qual é situada na categoria de "obra incomparável, única até hoje no mundo".

Assevera o referido confrade no arroubo do seu entusiasmo:
"Nela se encerra toda uma revelação de verdades divinas que ainda em nenhuma outra fora dado ao homem entrever."

Fica, assim, os espíritas cientes de que os livros de Allan Kardec não chegam aos pés das brochuras de Jean Baptiste Roustaing – nelas estão as verdades divinas que os tomos do emérito codificador do Espiritismo não conseguem entrever...

O conceituado tradutor faz referência ainda a “"certas inovações" a que se balançou quando verteu para a nossa língua o texto original, como, por exemplo, a iniciativa de separá-lo em quatro volumes e não em três, conforme preferiu o autor; julgou-se no direito de agir de tal modo por ser “"de melhor aviso", esquecendo de informar quem deu o aviso...Mas deixemos de lado este pormenor ético, em homenagem à biografia do ilustre tradutor.

Passemos para o Prefácio contendo a assinatura de J. B. Roustaing.

Ele principia dando a si mesmo um atestado de ingênuo ou mentiroso. Esta observação é tão grave que vamos comprová-la através de suas próprias palavras. Preste o leitor muita atenção, sobretudo para as datas.

Na página 57 escreve:
“No mês de janeiro de 1858 fui acometido de uma enfermidade tão prolongada quão dolorosa...".

Na p.58 prossegue o ilustre advogado, que se tornou proeminente na Corte Imperial de Bordeaux:

“Em janeiro de 1861, completamente restabelecido, cuidei de voltar ao exercício dessa amada profissão para com a qual era devedor de uma posição independente, adquirida mediante trinta anos de trabalho no gabinete e nos tribunais. Mas, 'o homem propõe e Deus dispõe', diz a sabedoria das nações.

Um distinto clínico daquela cidade me falou da possibilidade de comunicações do mundo corpóreo com o mundo espiritual, da doutrina e da ciência espíritas, como fruto dessa comunicação, objetivando uma revelação geral. Minha primeira impressão foi a de incredulidade devida à ignorância...".

Na p.59 confessa:
“Li O Livro dos Espíritos."

Na p.60 acrescenta:
“Li em seguida O Livro dos Médiuns...
Depois desse estudo e desse exame, consultei a História, desde a origem das eras conhecidas até nossos dias...".

Na p.61 aduz:
“Compulsei os livros da filosofia profana e religiosa, antiga e recente, os prosadores e os poetas que refletem as crenças, bem como os costumes dos tempos."

Na p.64 arremata:
“Na véspera do dia 24 de junho de 1861, eu rogara a Deus, no sigilo de uma prece fervorosa, que permitisse ao Espírito de João Batista manifestar-se por um médium, que se achava então em minha companhia e com o qual diariamente me consagrava a trabalhos assíduos. Pedira também a graça da manifestação do Espírito de meu pai e do meu guia protetor."

Aí está:
Em janeiro de 1861 Roustaing era analfabeto em matéria de Espiritismo, nem sequer ouvira falar de comunicação mediúnica, e seis meses depois, em junho do mesmo ano, 1861, já se punha diariamente em “trabalhos assíduos” buscando mensagens do Além, e não apenas do seu genitor, e do seu guia, mas também de um grande vulto evangélico, nada menos do que o precursor do Cristo...Só podia acabar sendo vítima de mistificação!

Abstraindo-se o aspecto espiritual e doutrinário do problema, pergunta-se:

- Como foi possível a Roustaing, no curto período de seis meses, em que andou ocupado analisando O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, ter tido tempo para consultar a História, desde a origem das eras conhecidas até os nossos dias (os dias dele, é claro), e afora esse empreendimento fenomenal, como lhe foi possível ainda ter tido tempo para compulsar os livros da filosofia profana e religiosa, antiga e recente, não dispensando nem os prosadores e os poetas que refletem as crenças, bem como os costumes dos tempos???

Responda a essa pergunta, sem rodeios, quem pretender nos acusar de ser injusto levantando suspeita sobre a competência ou a honestidade intelectual do indigitado autor.

Antes de irmos adiante tem mais um detalhe de natureza moral digno de não passar em branco.

Os trechos da lavra de Roustaing que reproduzimos são do Volume 1 da 6ª edição da FEB, de 1983, de Os Quatro Evangelhos, de sua autoria.

Os espíritas brasileiros das novas gerações, porém, precisam saber deste fato pitoresco: em 1920 o anjo Ismael, dado como sempre em rigoroso plantão para orientar a FEB, cochilou desastradamente e a deixou publicar uma edição da obra de Roustaing onde se lê críticas acerbas, diretas e ferinas, a Allan Kardec.

Tal edição, que alguns companheiros veteranos guardam, constitui hoje uma espinha na garganta da FEB porque documenta a insanável divergência entre os seguidores de Roustaing e de Kardec. Provaremos também isso no próximo texto.

Fonte:

TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

Início de Conversa


Por Nazareno Tourinho

Os dislates e disparates da obra de Jean Baptiste Roustaing são tantos, e tão agressivos ao pensamento lógico, que até hoje, segundo nos parece, nenhum escritor espírita lúcido e coerente, fiel aos ensinos enfeixados na codificação de Allan Kardec julgou valer a pena se ocupar da maioria deles em termos minuciosos, detalhando-os e exibindo o lado ridículo de cada um.

Autores respeitáveis, que combateram as teses docetistas através de livros e textos veiculados na imprensa, preferiram sempre abordar apenas os pontos da obra semi-católica de Roustaing flagrantemente contrários aos princípios fundamentais da nossa doutrina: a esdrúxula  ideia do corpo fluídico de Jesus e outras ideias à mesma agregadas por via de consequência, de maior peso filosófico negativo, como a evolução em linha reta do Cristo sem passar por qualquer incômodo encarnatório.

Esses autores, conquanto tenham feito às vezes estudo profundo dos escritos copiosos do célebre advogado francês que aprendeu Espiritismo com Kardec e depois o traiu, acharam por bem não se envolver com as miudezas deploráveis de tais escritos, deixando de executar uma varredura neles com o fim de queimar detritos doutrinários, aparentemente insignificantes. Procederam de modo correto, nas circunstâncias que enfrentaram. Nós, porém, em face das últimas discórdias vicejantes no seio do movimento espírita nacional, que a FEB, por capricho e orgulhoso apego ao passado, não está sabendo conduzir, decidimos pinçar e expor, para os companheiros de crença, uma ponderável parcela de tolices e pieguices espalhadas ao longo da massuda e indigesta obra de Roustaing.

Vamos, portanto, nesta série de escritos, reproduzindo as palavras do próprio Roustaing mostrar de maneira irrefutável as invencionices e sandices de Os Quatro Evangelhos tidos e havidos como “Revelação da Revelação”, isto é, uma revelação superior e mais avançada do que a contida nos livros de Allan Kardec.

Os leitores decerto vão ficar surpresos verificando os absurdos doutrinários saídos da pena de Roustaing, um tanto mais porque a Federação Espírita Brasileira os apoia expressamente por dispositivo estatutário e por habilidosa propaganda em sua tribuna oficial, a revista Reformador.

Como pode uma Entidade que pretende liderar o processo de unificação de nosso movimento ideológico patrocinar os referidos absurdos doutrinários?

Esta pergunta não nos compete responder. O que se nos impõe, na atual conjuntura, quando começa a amadurecer a consciência doutrinária do movimento espírita, é simplesmente pôr a verdade diante dos olhos de quem quiser vê-la para assumi-la. Do resto se encarregará a Providência Divina.

Os rustenistas de tradição, portadores de carteira de identidade expedida pela Secretaria de Segurança do GRUPO DOS OITO, atuante no Rio de Janeiro com alto poder de fogo para atingir os kardecistas também de tradição, costumam alardear que criticamos Os Quatro Evangelhos do antigo bastonário de Bordéus porque ignoramos grande parte de seus conceitos essenciais. Dizem, fiados em que espírita possuidor de elementar bom senso não perderá tempo com a leitura, terrivelmente enfadonha, de mais de duas mil páginas repetitivas de evidentes bobagens teológicas:

- Combatem a obra de J. B. Roustaing sem nunca a terem lido integralmente!

Pois bem, nós resolvemos ler. E o resultado de tão desconfortável esforço intelectual os rustenistas roxos agora vão ter que engolir, depois de nos haverem intoxicado o estômago durante décadas com os seus refinados sofismas.

A partir do próximo escrito provaremos que nos entregamos à penosa tarefa de estudar toda a obra de Roustaing desnudando suas tolices e pieguices sem deixar de fornecer a indicação dos números das páginas onde elas se encontram.

Podem os leitores aguardar essa despretensiosa novidade em matéria de crítica à mistificação roustainguista. Ela se torna necessária para que neste país, haja um pouco mais de respeito pela obra de Allan Kardec.

Fonte:

TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Qual o Futuro do Homem para Lá do Túmulo?

Rodolfo Calligaris

Malgrado todos os espiritualistas cristãos (considerados como tais os que concebem a alma como um ser moral distinto do corpo físico, ao qual sobrevive) apontem as Escrituras Sagradas como base dos princípios fundamentais de sua fé, várias e contraditórias são as suas teorias acerca dessa magna questão.

Na opinião de uns, a sorte das almas decide-se no próprio instante da morte. As "eleitas" vão imediatamente para o céu, e as "rejeitadas", para o inferno. Isso até o dia do juízo universal, ocasião em que voltarão a unir-se a seus corpos ressurretos, sem os quais (dizem) nem aquelas conseguem ser completamente felizes, nem estas podem ser convenientemente castigadas.

Segundo outra concepção, além do céu e do inferno, existiria uma estância intermediária: o purgatório, lugar de expiação para as almas que, não estando inteiramente livres do pecado, tenham algumas penas a descontar antes de serem recebidas no céu. Também para os partidários desta crença, haverá, no juízo universal, uma religação das almas a seus antigos corpos para que, juntos, recebam sua sentença de glória ou de condenação.

No entender de outros, ocorrendo à morte, as almas trespassadas perdem a consciência de tudo e ficam como que em sono profundo, até o evento do juízo. Somente nesse dia é que os justos ressuscitarão para a vida eterna, sendo que os considerados maus ou serão destruídos ou descerão para as regiões onde há choro e ranger de dentes.

Há ainda quem afirme que o céu já está lotado por um número certo de almas santificadas, não havendo lá mais vaga para ninguém. No final dos tempos, os que merecerem a graça da salvação, terão seu futuro "habitat" aqui mesmo na Terra, que, devidamente expurgada, transformar-se-á em delicioso paraíso.

Essas doutrinas só se põem inteiramente de acordo em um ponto. E' quando dogmatizam que o homem vive apenas uma vez (ainda que, em certos casos, por apenas alguns minutos), depois do que sua boa ou má sorte será definitivamente selada, sem que lhe seja possível, além sepultura, arrepender-se e emendar-se.

Ora, o que se vê neste mundo é que, do selvagem ao civilizado, os dons se evidenciam assaz desproporcionados, o mesmo acontecendo com o nível de moralidade. Nem mesmo ao nascerem, as criaturas se apresentam igualmente dotadas. Assim, se o futuro de cada ser, na eternidade, dependesse realmente de uma só vida corpórea, então Deus devera ensejar a todos as mesmas aptidões e oportunidades de instruir-se, assim como igualar a duração da existência humana, porquanto premiar uns com deleites infinitos e condenar outros a torturas atrozes para todo o sempre, sem lhes haver assegurado uniformidade de condições para merecerem este ou aquele destino, constituiria a mais tremenda injustiça.

Outrossim, se os mortos não pudessem, mesmo, arrepender-se de seus erros, nem tomar novas resoluções, qual a utilidade da pregação do Evangelho feita a eles pelo próprio Cristo, corno se lê em I S. Pedro, 4 :6?

A Doutrina Espírita responde à indagação que serve de título a estas linhas dizendo que, como filhos de Deus, criados à Sua imagem e semelhança, todos os homens se destinam à perfeição, o que vale dizer, à felicidade.

Através das vidas sucessivas, todos hão de assenhorear-se da Verdade e, de progresso em progresso, vir a "amar o próximo como a si mesmos", conquistando destarte o "reino do céu", que é um estado (retidão de consciência) e não propriamente um lugar.

Com tal destinação, a alma deve caminhar sempre para frente e para o alto, crescendo em ciência e em virtude, rumo à Razão Infinita e ao Supremo Bem.

Cada uma das existências terrestres ou nos milhares de mundos que pontilham o Universo, não é senão um episódio da grande vida imortal. Em cada uma delas, vencemos um pouco da ignorância e do egoísmo que há em nós, depuramo-nos, fortalecemo-nos intelectuais e moralmente, até que, por merecimento próprio, adquiramos o acesso aos planos superiores da espiritualidade, moradas de eterna beleza, sabedoria e amor!

Leitor amigo: não é esta a doutrina que melhor se coaduna com a majestade e os excelsos atributos do Criador?

(Revista Reformador, março de 1964)

Que Fizeste na Vida

Por Léon Denis

Olhai os pássaros de nosso país durante os meses de inverno, quando o céu está sombrio, quando a terra está coberta com um branco manto de neve, agarrados uns aos outros, na borda de um telhado, eles se aquecem mutuamente, em silêncio. A necessidade os une. Contudo, nos belos dias, com o sol resplandecendo e a provisão abundante, eles piam quanto podem, perseguem-se, batem-se e se machucam. Assim é o homem. Dócil, afetuoso para com seus semelhantes nos dias de tristeza, a posse dos bens materiais muitas vezes o torna esquecido e insensível.

Uma condição modesta faz mais bem ao espírito desejoso de progredir, de adquirir as virtudes necessárias para seu progresso moral. Longe do turbilhão dos prazeres fugazes, ele julgará melhor a vida, dará à matéria o que é necessário para a conservação de seus órgãos, porém evitará cair em hábitos perniciosos, tornar-se presa das inúmeras necessidades factícias que são o flagelo da humanidade. Ele será sóbrio e laborioso, contentando-se com pouco, apegando-se aos prazeres da inteligência e às alegrias do coração.

Fortificado assim contra os assaltos da matéria, o sábio, sob a pura luz da Razão, verá resplandecer seu destino. Esclarecido quanto ao objetivo da vida e ao porquê das coisas, ficará firme e resignado diante da dor, que ele aproveitará para sua depuração e seu progresso.

Enfrentará a provação com coragem, sabendo que ela é salutar, que ela é o choque que rasga nossas almas e que só por este rasgão se derrama tudo quanto de fel e de amargura há em nós.

E se os homens se riem dele, se ele é vítima da intriga e da injustiça, ele aprenderá a suportar pacientemente seus males, lançando seus olhares para vós; oh! nossos irmãos mais velhos, para Sócrates bebendo a cicuta, para Jesus crucificado e para Joana na fogueira. Haverá consolação no pensamento que os maiores, os mais virtuosos e os mais dignos sofreram e morreram pela humanidade.

Após uma existência bem preenchida, chegará a hora solene e é com calma, sem desgostos que virá a morte, a morte que os homens cercam com um sinistro aparato, a morte, espantalho dos poderosos e dos sensuais e que, para o pensador austero, é a libertação, a hora da transformação, a porta que se abre para o império luminoso dos espíritos.

Esse pórtico das regiões extraterrestres será penetrado com serenidade se a consciência, separada da sombra da matéria, erguer-se como um juiz, representante de Deus, perguntando: “Que fizeste da vida?” e ele responder: “Lutei, sofri, amei! Ensinei o Bem, a Verdade e a Justiça; dei a meus irmãos o exemplo do correto e da doçura; aliviei as dores dos que sofrem e consolei os que choram. Agora, que o Eterno me julgue, pois estou em suas mãos!”

Homem, meu irmão, tem fé em teu destino, porque ele é grande. Confia nas amplas perspectivas porque ele põe em teu pensamento a energia necessária para enfrentar os ventos e as tempestades do mundo. Caminha, valente lutador, sobe a encosta que conduz a esses cimos que se chamam Virtude, Dever e Sacrifício. Não pares no caminho para colher as florezinhas do campo, para brincar com os calhaus dourados. Para frente, sempre adiante.

Olha nos esplêndidos céus esses astros brilhantes, esses sóis incontáveis que carregam em suas evoluções prodigiosas, brilhantes cortejos de planetas. Quantos séculos acumulados foram precisos para formá-los e quantos séculos serão precisos para dissolvê-los.

Pois bem, chegará um dia em que todos esses sóis serão extintos, ou esses mundos gigantescos desaparecerão para dar lugar a novos globos e a outras famílias de astros emergindo das profundezas. Nada o que vês hoje existirá. O vento dos espaços terá varrido para sempre a poeira desses mundos, porém tu viverás sempre, prosseguindo tua marcha eterna no seio de uma criação renovada incessantemente. Que serão então, para tua alma depurada e engrandecida, as sombras e os cuidados do presente? Acidentes fugazes de nossa caminhada que só deixarão, no fundo de nossa memória, lembranças tristes e doces.

Diante dos horizontes infinitos da imortalidade, os males do passado e as provas sofridas serão qual uma nuvem fugidia no meio de um céu sereno.

Considera, portanto, no seu justo valor, as coisas da Terra. Não as desdenhes porque, sem dúvida, elas são necessárias ao teu progresso, e tua obra é contribuir para o seu aperfeiçoamento, melhorando a ti mesmo, mas que tua alma não se agarre exclusivamente a eles e que busque, antes de tudo, os ensinamentos nelas contidos.

Graças a eles compreenderás que o objetivo da vida não é o gozo, nem a felicidade, porém o desenvolvimento por meio do trabalho, do estudo e do cumprimento do dever, dessa alma, dessa personalidade que encontrarás além do túmulo, tal como a tenhas feito, tu mesmo, no curso dessa existência terrestre.

Fonte: Livro "O Progresso".

domingo, 22 de janeiro de 2012

O Mundo Espiritual segundo o Espiritismo


Por Maria das Graças Cabral

Diante dos inúmeros conflitos de entendimento, motivados por escritos e/ou opiniões que contradizem a existência de ’colônias espirituais’, nos moldes da narrativa do espírito André Luiz, no livro Nosso Lar, o presente artigo, tratará do Mundo Espiritual, objetivando dirimir alguns equívocos suscitados pelo tema, com base nos preceitos Espíritas.

Não obstante, antes da abordagem do tema proposto, farei algumas considerações, que entendo de relevância, para dissipar entendimentos equivocados.

Inicialmente, observo um grande ‘mal-estar’ que se instala ao se questionar a existência das emblemáticas ‘colônias espirituais“. A razão de tal contrariedade, se dá pelo fato de ser a obra refutada (Nosso Lar), produto da mediunidade do grande e respeitado médium Chico Xavier. Ou seja, a grande legião de seguidores e admiradores do médium, entende que ao se questionar a veracidade das mensagens mediúnicas, em razão da falta de amparo doutrinário espírita, por ’tabela’ se põe em ‘xeque’ a moralidade, respeitabilidade e confiabilidade daquele que psicografou as obras.

Entretanto, devemos observar, segundo os ensinamentos positivados em O Livro dos Médiuns, que por ser a Terra um planeta de provas e expiações, os Espíritos que aqui encarnam, são imperfeitos e suscetíveis às influências espirituais. Por conseguinte, todos os médiuns encarnados no orbe terrestre, por não serem Espíritos perfeitos, em algum momento de suas vidas e experiências mediúnicas, serão obsidiados, mistificados ou fascinados, como qualquer outro simples mortal. Cabendo ainda ressaltar, da grande complexidade que envolve o processo mediúnico, o qual estamos longe de compreendê-lo em profundidade e alcançar todas as suas nuances.

Conquanto, é inquestionável que Chico Xavier, foi um homem que buscou vivenciar a moral evangélica, tendo utilizado sua mediunidade como instrumento de consolação aos aflitos. Através das cartas psicografadas, trazia notícias do mundo espiritual, amenizando as dores acerbas de mães, pais, filhos(as) e familiares, que vivenciavam a partida de seus entes queridos para o outro lado da vida.

Além de mitigar as dores da saudade, o médium os aconselhava a direcionar suas energias ao amparo dos desvalidos. Quantas casas de caridade foram instituídas e/ou apoiadas por pais e mães, que buscaram consolação na mediunidade de Chico?!. Indiscutível a grandiosidade do seu trabalho de beneficência, favorecendo com a venda de seus livros psicografados, inúmeras instituições de caridade, e a própria Federação Espírita Brasileira.

No que tange a Doutrina dos Espíritos, os problemas vieram com a produção literária dos Espíritos Emmanuel e André Luiz. Até porque, foram as obras dos referidos Espíritos, que levaram Chico Xavier a ser conhecido no Brasil e no mundo como representante do Espiritismo, passando tais livros a serem catalogados pela própria FEB como Obras Complementares da Doutrina Espírita. Hodiernamente, tais exemplares são mais afamados e lidos, que as próprias Obras Básicas da Codificação, havendo uma verdadeira inversão de valores.

Não obstante, vale lembrar que vários ’equívocos’ doutrinários firmados por Emmanuel, foram publicados no livro O Consolador, de sua autoria. Dentre as incorreções, a que ganhou maior notoriedade foi quando Emmanuel defendia a existência das “almas gêmeas”, em total desacordo com as Obras Básicas da Doutrina Espírita. Na oportunidade, foi a própria FEB, quem levantou a questão, em razão do alvoroço causado no meio espírita (J. Herculano Pires que o diga). Diante do transtorno, qual foi o posicionamento de Emmanuel? - Transferiu a responsabilidade para o médium Chico Xavier, que prontamente assumiu o erro.

Destarte, infere-se que, se nas demais obras ditadas pelo Espírito de Emmanuel, ou sobre sua fiscalização e direção, que é o caso das obras ditadas pelo Espírito de André Luiz, - identifica-se claramente inúmeras incongruências com a Doutrina Espírita, das duas uma: ou os referidos Espíritos ditaram entendimentos próprios, embasados em convicções religiosas e filosóficas não espíritas, “mesclando” com princípios espíritas, principalmente utilizando-se da moral evangélica, para disfarçar os seus reais objetivos(?!); ou, todas as incompatibilidades serão de responsabilidade do médium, que transformou ou procurou adequar as mensagens dos Espíritos, às suas próprias convicções íntimas! Duas possibilidades: mistificação ou animismo.

O mais intrigante, é que Emmanuel, que se apresentava como Guia Espiritual do médium, de personalidade autoritária, e de grande rigorismo para com seu tutelado; que se mostrava um intelectual (observemos que na obra O Consolador ele trata das mais diversas áreas do conhecimento humano); estudioso da Bíblia cristã (ditou várias obras voltadas para mensagens e análises de versículos bíblicos); além de se colocar perante Chico, como um mestre e defensor dos preceitos Espíritas, teria “deixado passar” tantos equívocos doutrinários?!

Oportuno ressaltar, que tais incorreções não são sequer questões de grande complexidade, pois quem quer que estude os preceitos espíritas, com seriedade e atenção, facilmente identificará os sofismas. Isto posto, vamos iniciar o estudo do mundo espiritual, com base nos preceitos propostos pela Doutrina dos Espíritos, codificada por Allan Kardec.

É fato que para estudarmos o mundo espírita, devemos abstrair dos conceitos materiais pertinentes ao mundo corpóreo. Como por exemplo, lugares com espaço definido, tangibilidade, ponderabilidade, necessidades e/ou sensações físicas. Não podemos ter por paradigma o mundo corpóreo, para compreender um outro mundo que foge totalmente à materialidade percebida pelos nossos sentidos.

O Espírito em seu processo evolutivo, passa pela encarnação no mundo material para alcançar a perfeição. Cumprida sua missão no plano físico, o Espírito imortal, retorna ao mundo espiritual, o qual “preexiste e sobrevive a tudo”. Nos dizem os Espíritos Superiores que, “O mundo corpóreo poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem com isso alterar a essência do mundo espírita.” Importante pontuar, que não é pelo fato de o mundo espiritual preexistir ao mundo corpóreo, que este seja uma cópia daquele, como muito comumente se propaga. (LE, p. 85 e 86)

No que tange à “localização” do mundo espiritual, esclarecem objetivamente os Mestres da Codificação, que os Espíritos não ocupam uma região circunscrita e determinada no espaço. Asseveram que “os Espíritos estão por toda parte; povoam ao infinito os espaços infinitos. Há os que estão sem cessar ao vosso lado, observando-os e atuando entre vós, sem o saberdes (...) mas nem todos vão a toda parte, porque há regiões interditadas aos menos avançados.” (LE., p. 87) (grifei)

Observemos, que para tal assertiva, não cabem distorções interpretativas. Os Espíritos Superiores são enfáticos ao afirmar que os Espíritos não ocupam regiões delimitadas na espiritualidade! Infere-se do exposto, que obviamente os Espíritos não delimitam espaços construindo nichos, para se abrigarem, se tratarem, se alimentarem, etc., pois não é assim que ‘funciona’ o mundo espiritual!

Outro aspecto relevante a ser considerado, diante dos ensinamentos acima propostos, diz respeito à ligação psíquica e emocional do Espírito ao mundo material. Nada mais comum, que o relato feito por portadores de visão psíquica, de Espíritos que transitam em suas casas, museus, bibliotecas, ruas, praças, bares, teatros, hospitais, cemitérios, etc., etc. Em contrapartida, muitos outros não sabem onde estão, afirmam estarem cegos, perdidos, imersos em profunda escuridão. Isto porque, são infinitas as possibilidades, do ’estar’ no mundo espírita, dependendo do psiquismo de cada indivíduo.

É fato que o Espírito errante, aspirando por um novo destino, poderá passar longos períodos no estado de erraticidade (no mundo espiritual). E aí asseveram os Mestres da Codificação, que “existem mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que eles podem habitar temporariamente, espécie de acampamentos, de lugares em que possam repousar de erraticidades muito longas, que são sempre um pouco penosas. São posições intermediárias entre os outros mundos, graduados de acordo com a natureza dos Espíritos que podem atingi-los, e que neles gozam de maior ou menor bem-estar.” Acrescentam ainda, que os Espíritos que se encontram nesses mundos transitórios, podem deixá-los para seguir seu caminho. (LE., p. 234)

À título de esclarecimento, vale pontuar que os referidos mundos transitórios, de superfícies estéreis, se tornarão oportunamente mundos habitados. (LE., p. 236/236-b) Ressalto o entendimento, para que não irrompa a concepção de que as emblemáticas ‘colônias espirituais’, se enquadrem nesta categoria.

Dando prosseguimento aos ensinamentos sobre os mundos transitórios, estejamos atentos à resposta dada pelos Mestres Espirituais, quando Kardec indaga se os mundos transitórios são ao mesmo tempo habitados por seres corpóreos. Respondem os Espíritos da Codificação que, Não, sua superfície é estéril. Os que os habitam não precisam de nada.” (LE., p. 236-a) (grifei)

Diante da resposta apresentada, mais uma vez legitimamos o entendimento de que o espírito errante não precisa de nada, do que seria imprescindível ao encarnado no mundo material! Não precisa de nada, repetimos. Ou seja, não precisa de casa, alimentação, hospitais, transportes, etc., porque ele agora é ESPÍRITO. Sua condição é diversa, e por conseguinte suas necessidades não serão as mesmas de quando habitava um corpo físico em um mundo material, como já repetimos anteriormente.

Prossegue o Codificador perguntando. - Esses mundos seriam, então desprovidos de belezas naturais? Observa-se que quando Kardec argüi se tais mundos seriam destituídos de belezas naturais, estava certamente tendo como paradigma o que consideramos no planeta Terra como belezas naturais. Ou seja, os nossos bosques, jardins, mares, cachoeiras, enfim, tudo o que encanta aos nossos sentidos na condição de encarnados. Vejamos então o que respondem os Espíritos Superiores: - “A natureza se traduz pelas belezas da imensidade, que não são menos admiráveis do que as que chamais belezas naturais.” (LE., p. 236-b) Outra grande lição dada pelos Mestres da Espiritualidade, quando asseveram que existem belezas, as quais não correspondem ao nosso ‘padrão’ do que é bonito, agradável e perfeito.

Portanto, constata-se que os Espíritos errantes não precisam de florestas, jardins com flores exóticas, cascatas, para se sentirem reconfortados com a beleza de um mundo transitório. Na condição de espírito, a ‘imensidade’ de uma paisagem tem sua beleza própria.

Adiante, mais um questionamento de grande relevância é feito por Allan Kardec, no que concerne ao mundo espiritual, senão vejamos: - Um lugar circunscrito no Universo está destinado às penas e aos gozos dos Espíritos, de acordo com os seus méritos?

Vale observar, que mais uma vez o Codificador interroga da existência de um “lugar circunscrito no Universo”, reservado ao sofrimento, à purgação, ou à felicidade dos Espíritos. Na realidade, Kardec sabia da nossa carência de ‘visualizar’ um lugar definido, com área delimitada, e se possível com endereço certo, para que pudéssemos ter uma noção desse mundo que nos foge aos sentidos. Até porque, céu, inferno e purgatório eram tidos por lugares delimitados no mundo espiritual, fazendo parte da dogmática católica, e aceita pela maioria cristã. Daí, a oportunidade do questionamento feito por Kardec.

Vejamos então a resposta dada pelos Espíritos Superiores: - “Já respondemos a essa pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição do Espírito. Cada um traz em si mesmo o princípio de sua própria felicidade ou infelicidade. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado se destina a uns ou a outros. (...)” (LE., p. 1011) (grifei)

Oportuno ressalvar que de acordo com o dicionário pátrio, o termo “circunscrito“, significa um lugar restrito, delimitado, já a palavra “fechado“, significa encerrado, trancado. Faço, tal ressalva para alertar que os Espíritos Superiores asseveram mais uma vez da não existência de locais delimitados, nem fechados para se vivenciar a felicidade ou a dor no mundo espiritual. Observe-se quando nos é dito que “cada um traz em si mesmo o princípio da sua própria felicidade ou infelicidade”.

Daí, Kardec oportunamente nos esclarece dizendo que: A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto o outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto que tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima impressão. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, seja à superfície da Terra, no meio dos encarnados, seja no Espaço”.(Revista Espírita. Março de 1865, p. 100) (grifei) Em face de tão claros ensinamentos, mais uma vez encontramos legitimação para contraditar e impugnar, a tese da existência de ’umbral’, ou ‘colônias espirituais’. 

A título de esclarecimento para aqueles que nunca leram a obra Nosso Lar, transcrevo o seguinte trecho em que o espírito de André Luiz, assevera que o Umbral começa na crosta terrestre, sendo uma zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados” (...). (Nosso Lar, p. 79) Acrescenta ainda, que o dito Umbral funciona, como região destinada a esgotamento de resíduos mentais: uma espécie de zona purgatorial, onde se queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura adquiriu por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existência terrena“. (...) “Concentra-se aí, tudo o que não tem finalidade para a vida superior, ressaltando que a Providência Divina agiu sabiamente, permitindo se criasse tal departamento em torno do planeta”. (grifei) (Nosso Lar, p. 79/81)  

Já a colônia espiritual denominada de Nosso Lar é descrita pelo autor espiritual como uma cidade de uma beleza impressionante, com “vastas avenidas, enfeitadas de árvores frondosas. Ar puro, atmosfera de profunda tranqüilidade espiritual”. (Nosso Lar, p. 58) Prossegue o autor informando da existência de uma praça no centro da cidade aonde se erguem o prédio da Governadoria, e os Ministérios. As residências ao entorno são ocupadas por funcionários dos Ministérios. Uma outra parte dos conjuntos residenciais que está fora desse circulo é constituída por pessoas ligadas aos funcionários dos Ministérios e podem ser transmitidos a outros de acordo com a vontade de seus proprietários. Além dessas residências, protegendo-as estão grandes muralhas protetoras.

Não obstante, diante dos ensinamentos transmitidos pelos Espíritos Superiores, e codificados por Allan Kardec, não temos como validar, as narrativas acima apresentadas. Vale ressaltar que tais obras seriam aceitáveis como romances de ficção e/ou de natureza espiritualista, mas nunca como uma obra complementar espírita.

É fato que caímos nas malhas do absurdo, em razão do materialismo visceral que nos aprisiona, impedindo vislumbrar um outro mundo, uma outra vida, que não seja nos moldes do mundo material em que vivemos. Fugimos com medo de uma realidade que não aceitamos e/ou não entendemos, e nos escondemos nos sonhos que nos oferecem e nos agradam, por não conseguirmos nos distanciar da materialidade. E assim viajamos e nos perdemos nas utopias.

Não obstante, de acordo com a Doutrina Espírita, quando retornarmos à verdadeira vida, poderemos nos sentir livres, seguros e felizes, tendo a nos recepcionar, nosso Guia Espiritual, familiares e amigos. Como também poderemos estar desesperados, cegos, perdidos em uma escuridão sem fim, profundamente revoltados e infelizes. Tudo dependerá das nossas condições consciênciais, emocionais e psíquicas.

Por fim, asseveram os Mestres Espirituais da Codificação Espírita, que nesse mundo infinito e eterno, que é o mundo espiritual, “os Espíritos estudam o seu passado e procuram o meio de se elevarem. Vêem, observam o que se passa nos lugares que percorrem; escutam os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados que eles, e isso lhes proporciona idéias que não possuíam.“ (LE., p. 227). Importante ressaltar, que os caminhos que percorre, não serão se arrastando pelo solo, nem voando como pássaros. Nos dizem os Espíritos Superiores que viajaremos pela força do pensamento e da vontade. E como se dará isso? Como descrever a luz aos cegos? Só vivendo pra saber.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos – 1857. Tradução Ed. Lake, 1995, Herculano Pires

KARDEC, Allan, O Livro dos Médiuns - 1863, Tradução Ed. Lake, 2003, Herculano Pires

KARDEC, Allan, Revista Espírita - março de 1865, Ed. FEB, 2004.

XAVIER, Chico , Nosso Lar - Ed. Feb, 1944 - 45ª edição

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A identidade dos Espíritos e o excesso de credibilidade


Por Maria Ribeiro

A importância capital na distinção dos Espíritos diz respeito, a saber-se se são bem ou mal intencionados, sábios ou ignorantes, sendo o restante de importância secundária, salvo se tratar-se de identificá-lo como pessoa desencarnada de nossas relações, onde se faz necessária a comprovação da identidade. A identificação será mais difícil quando tratar-se de personagens antigas, por isso a orientação em O Livro dos Médiuns, em que “a apreciação será puramente moral”.

A linguagem é apontada como principal forma de identificação, ao menos moral e intelectual do Espírito. Aliás, há entre eles, quando há concordâncias de idéias, o costume de assinar com um nome que imprima mais confiabilidade, sem por isso tratar-se de um Espírito mal intencionado; estes são mais esclarecidos, que, conservando sua individualidade, vão perdendo aos poucos os caracteres que distinguem sua personalidade. Também há os que se fazem passar por personagens veneráveis, mas com o intuito de enganar, e, claro, estes são sempre de ordem inferior. 

“A questão da identidade é, pois, como dissemos, quase indiferente quando se trata de instruções gerais, uma vez que os melhores Espíritos podem se substituir uns aos outros sem que isso tenha conseqüência. Os Espíritos superiores formam, por assim dizer, um todo coletivo, do qual as individualidade nos são, com poucas exceções, completamente desconhecidas. O que nos interessa não é a sua pessoa, mas o seu ensinamento...”(cap XXIV – 256 – OLM)

Analisando estas sábias instruções, testemunha-se outra realidade no meio espírita, visto que grande parte dos profitentes adoram saber quem é quem. A curiosidade pelo nome do irmão desencarnado é maior que o interesse em interiorizar o ensinamento deixado por ele. 

Não é de nosso costume pessoal, citar nominalmente nenhuma personalidade, antiga ou contemporânea, mas neste caso particular nos vemos obrigada a este proceder, dada a necessidade de uma análise que possa trazer novas reflexões acerca do assunto. Que não se entenda nas nominações nenhum laivo de depreciação, já que não é este o objetivo. 

Há exemplos que se tornaram clássicos; um deles diz respeito ao Espírito Bezerra de Menezes, que segundo uns, foi Zaqueu, contemporâneo de Jesus. Outro exemplo é o de Francisco de Assis, afirmado como João, discípulo do Cristo. Outra opinião diz que o Espírito Miramez é o mesmo jovem rico de uma conhecida passagem evangélica. Há os que afirmam ser a Madre Tereza de Calcutá a mesma Maria de Magdala. Joanna de Angellis teria sido Joana de Cusa, também discípula cristã. Os exemplos mais difundidos são, entretanto, o de Emmanuel como o controverso Publio Lentullus, e André Luiz, como sendo Carlos Chagas, um médico sanitarista que viveu na cidade Rio de Janeiro; e com exceção deste, todos os outros estiveram com o Cristo...

Estas informações surgiram, decerto, através de desencarnados ignorantes ou mal intencionados, e ganharam credibilidade geral, sem nenhum exame, aliás, como provar que um Espírito nascido no século XIII como Francisco de Assis tenha animado um homem no tempo de Jesus, como João? Quem se arriscaria a dar cem por cento de certeza?

Se com os Espíritos que viveram no passado mais distante é impossível comprovar a identidade, com os que viveram mais recentemente é viável realizar um levantamento histórico e descobrir fatos que tornem (ou não) a comprovação identificatória algo concreto. 

Nada impediria que André Luiz, por exemplo, fosse o Carlos Chagas, não fossem as discordâncias das informações. Segundo seus biógrafos, Carlos Chagas ficou órfão de pai aos quatro anos; viveu grande parte de sua vida e desencarnou no Rio de Janeiro, é bem verdade, mas era mineiro de nascimento. Seu desencarne se deu em 1934, ironicamente, de infarto do miocárdio, aos cinqüenta e cinco anos de idade. Estes dados estão em flagrante contradição com os oferecidos por André Luiz sobre sua biografia: morreu aos quarenta e poucos anos, durante uma cirurgia de câncer intestinal. Convivera com o pai, tanto que relata em Nosso Lar um episódio onde, juntamente com este, repreende um personagem de nome Silveira, por causa de uma dívida, além de afirmar que o pai desencarnara três anos antes dele, André (cap. 7); relata ter deixado três filhos, mas ora fala de um primogênito (cap. 6), ora fala de uma primogênita (cap. 49); enquanto Carlos Chagas teve dois filhos, que na época de seu desencarne já eram adultos e diplomados. Há também uma dificuldade cronológica, pois, tivesse desencarnado em 1934 e passado oito anos no umbral, André Luiz jamais teria condições de estar presente quando da explicação de Lísias em relação ao início da Segunda Guerra Mundial (cap. 24), em 1939. Na ocasião, ele já se encontrava perfeitamente restabelecido. Não se quer repetir a imprudência das especulações, sempre pouco ou nada proveitosas, mas aventamos: ou seja, seu desencarne se deu no máximo em 1930 e seu nascimento entre 1885 e 1888, e não em 1879, como o de Carlos Chagas. Isto, aliás, se forem corretas tais informações oferecidas na obra.

Sobre a questão moral, também não há registro da vileza de comportamento do grande cientista mineiro, conforme o autor de Nosso Lar se confessa portador, principalmente na juventude, quando diz ter enganado uma jovem empregada de sua casa que foi posta na rua por seu pai... Como, se Chagas era órfão desde os quatro anos, assumindo o papel de “homem da casa” aos quatorze, e passando a viver no Rio de Janeiro por volta dos dezoito?! São palavras de Eurico Villela, professor e médico, colaborador de Chagas: 

“Sua compaixão pelo sofrimento alheio, sincera e profunda, não era, porém, passiva e resig-nada. Para atenuá-lo nunca se poupou, tudo dava de si num esforço que não distinguia o dia da noite, torturado na angústia de remediar o inelutável”.

“A nobreza de caráter e a desambição são outras características da sua personalidade. Quando, em 1919, o governo lhe outorgou um prêmio em dinheiro, no valor de cinquenta contos de réis, elevada importância para aquela época, abriu mão do mesmo em favor da construção de um monumento a Oswaldo Cruz. Ao acumular duas funções públicas, a de Diretor do Instituto Oswaldo Cruz e Diretor do Departamento Nacional de Saúde, aceitou apenas os vencimentos de uma das funções.” (fonte: Vertentes da Medicina, Joffre Marcondes de Rezende, São Paulo, editora Giordano, 2001)
Ao que consta, Chagas nunca teve nenhum de seus filhos “a praticar loucuras”, (cap. 49). Ao contrário, foram tão brilhantes quanto ele mesmo. Um deles desencarnou prematuramente, em 1940, aos 35 anos de idade, deixando várias obras consagradas. Já o filho mais moço que leva seu nome desencarnou no ano 2000, também um grande cientista e pesquisador. Não consta que sua esposa tenha contraído segundas núpcias, conforme André afirma que a sua tivera. Dona Íris Lobo desencarnou dezesseis anos depois do marido, em 1950, não podendo constatar-se que tenha se casado novamente após a viuvez.

Apenas com estas informações vê-se a impossibilidade de tratar-se do mesmo Espírito. Em suma, André Luiz e Carlos Chagas são duas individualidades distintas. André pode ter sido um admirador, talvez integrante da mesma equipe de médicos sanitaristas, ou talvez atuasse num outro grupo com os mesmos objetivos, sem evidentemente o mesmo brilhantismo de Chagas, (embora Emmanuel no prefácio, se refira a ele como “médico terreno e autor humano”) já que consta que o ilustre cientista mereceu honras, recebendo prêmios em vários países do mundo.

Com relação às outras personagens, é manifesta a impossibilidade de se fazer o mesmo estudo. Quem foi Madre Tereza de Calcutá? Maria de Magdala, só porque fora prostituta, regenerou-se e reencarnou envergando a indumentária de uma freira? Porque isto faria sentido? O personagem Emmanuel já tivera sua identidade investigada e que, por hora, se encontra sob suspeita. Outros Espíritos têm sido objeto de investigação, mas definitivamente, as especulações acerca dos supracitados que viveram séculos atrás se fazem infundadas. 

Porque Joanna de Angellis teria sido a mesma Joana de Cusa, discípula de Jesus? Ao que parece ela mesma traçara sua biografia, partindo daquela personagem; ou seja, ninguém tem como provar que isto seja real, mas o bom senso tem um peso enorme sobre isto: esta informação deveria ficar engavetada até sabe-se lá quando, mas jamais ter sido difundida. 

Os Espíritos Codificadores alertaram para a importância das instruções advindas dos Espíritos: o que tem relevância são as características morais que eles denotam, e para isto tem-se que estar atento. Descrevem tais características, comparando os bons e os maus Espíritos. O 23° princípio, inserto no capítulo XXIV de O Livro dos Médiuns, diz: 

“Não basta interrogar um Espírito para conhecer a verdade. É preciso, antes de tudo, saber a quem se dirige; porque os Espíritos inferiores, ignorantes eles mesmos, tratam com frivolidade as questões mais sérias. Também não basta que um Espírito tenha tido um grande nome na Terra, para ter, no mundo espírita, a soberana ciência. Só a virtude pode, em purificando-o, aproximá-lo de Deus e desenvolver seus conhecimentos.” 

No 25º, completam: “Estudando-se com cuidado o caráter dos Espíritos que se apresentam, sobretudo do ponto de vista moral se reconhece sua natureza e o grau de confiança que se lhe pode conceder. O bom senso não poderia enganar.” 

Parece claro, mas não é uma aplicação prática no meio espírita. Aliás, os Codificadores deram também uma receita nem sempre fácil de realizar-se: eles ensinaram que para julgar os espíritos é preciso saber primeiro julgar a si mesmo. E continuam: “Infelizmente, há muitas pessoas que tomam sua opinião pessoal por medida exclusiva do bom e do mau, do verdadeiro e do falso; tudo o que contradiga sua maneira de ver, suas idéias, o sistema que conceberam ou adotaram, é mau aos seus olhos.” 

Não é o que se presencia no Movimento Espírita? Cada um se vê no direito de interpretar a obra segundo o próprio entendimento, não permitindo exames, nem críticas, nem questionamentos, e isto não é um proceder que se possa chamar Espírita. Há várias décadas que grande parte dos profitentes aprende e ensina que André Luiz foi Carlos Chagas, embora já existam, desde muito tempo, resultados de pesquisas que provam tal impossibilidade, não sendo possível se chegar a uma conclusão exata sobre a personalidade real de André Luiz. Aliás, nenhum dos nomes cotados, como Oswaldo Cruz e outros, se enquadra no perfil de André. O fato em si, conforme pontuaram os Espíritos, não é relevante. O Espírita, manda o bom senso, deve aprender com eles o que for bom e útil, não se esquecendo de que, apesar de demonstrarem bondade e boas intenções, têm ainda limitações do saber, portanto, nem tudo o que disserem será verdadeiro.  Mas, questiona-se: porque um Espírito que se esconde atrás de um pseudônimo, cujas razões foram explicadas, ao ter sua identidade questionada, não desfaz os equívocos a que teve que recorrer, justamente para não ser descoberto? E, não sendo Carlos Chagas, porque permite tal engano? Aqui entra uma nova questão: considerando tal estado de coisas como uma prova, pode-se concluir pela falência quase total do movimento espírita brasileiro: deslumbre excessivo pelas manifestações copiosas, fáceis, para as quais se creditou grande valor, sem a preocupação com as orientações do mestre Kardec. Os Espíritos Codificadores advertiram mais de uma vez sobre as necessidades básicas do exame sério e frio; traçaram diretrizes seguras para que se evitasse todo o tipo de equívocos. Coube aos homens colocarem em ação o que aprenderam com a Doutrina Espírita e exercerem seu poder de raciocínio, sua inteligência e discernimento. E tudo o que fizeram foi cair nas armadilhas do caminho... Se achando muito espertos.

Cabe, ainda, aos homens colocarem em prática o que aprendem com a Doutrina, exercitar o raciocínio, a inteligência e o discernimento, reconhecendo que ainda há grande ignorância e tibiez de vistas a vencer para que se compreenda o Espiritismo na sua grandiosidade e sublimidade.

Os adeptos sinceros devem procurar sempre e acima de tudo a verdade, evitando os pactos com supostas verdades, as que nascem do orgulho e da vaidade dos modernos “doutores da lei”.
É inútil no atual momento querer repetir-se o mesmo regime repressor dos tempos idos. Os questionamentos vão se tornar cada vez mais acirrados, as discussões mais vivas, e só restará o insulamento para os que pretendam intimidá-los, porque, apesar de tudo, os homens evoluem!