segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

[RE] - Correspondência - Sobre "O Livro dos Espíritos"

Da Revista Espírita
 

Roma, 2 de março de 1861

Senhor,

Há cerca de quatro anos ocupo-me aqui das manifestações espíritas, e tenho a felicidade de ter na família um bom médium, que nos dá comunicações de ordem superior. Temos lido e relido o vosso Livro dos Espíritos, que constitui nossa alegria e nossa consolação, dando-nos as mais sublimes e admissíveis noções da vida futura. Se dela podia duvidar, as provas que tenho agora são mais que suficientes para firmar a minha fé. Perdi pessoas que me eram muito queridas e tenho a inapreciável felicidade de sabê-las felizes e de poder corresponder-me com elas. Dizer da alegria que assim experimentei é inexprimível. A primeira vez que me deram sinais manifestos de sua presença, exclamei: Então é verdade que nem tudo morre com o corpo! Eu vos devo, senhor, o ter-me dado essa confiança. Crede em minha eterna gratidão pelo bem que me fizestes, porque, malgrado meu, o futuro me atormentava. A ideia do nada era horrível, e fora do nada só encontrava uma incerteza acabrunhadora. Agora não mais duvido. Parece que renasci para a vida. Todas as minhas apreensões se dissiparam, e minha confiança em Deus voltou mais forte do que nunca. Espero muito que, graças a vós, meus filhos não tenham os mesmos tormentos, pois são alimentados com essas verdades, de maneira que a razão neles crescente só pode fortalecer-se.

Contudo, faltava-nos um guia seguro para a prática. Se não temesse importunar-vos, desde muito vos teria pedido conselhos da vossa experiência. Felizmente vosso Livro dos Médiuns veio preencher essa lacuna, e agora marchamos a passo mais firme, pois estamos prevenidos contra os escolhos que se podem encontrar.

Remeto, senhor, algumas cópias das comunicações que recebemos recentemente. Foram escritas em italiano e sem dúvida sofreram perdas na tradução. Apesar disto serei muito grato se me disserdes o que pensais delas; se me favorecerdes com uma resposta. Será um encorajamento para nós.

Desculpai-me, eu vos peço, senhor, esta longa carta e crede no testemunho de simpatia do vosso dedicado

CONDE X... 

 
NOTA: O volume da matéria força-nos a adiar a publicação das comunicações transmitidas pelo Sr. Conde X..., em cujo número há algumas muito notáveis. Extraímos apenas as respostas seguintes, dadas por um dos Espíritos que a ele se manifestaram:

1. Conheceis o Livro dos Espíritos?

- Como os Espíritos não conheceriam sua obra? Todos a conhecem.

2. É muito natural em relação aos que nela trabalharam. Mas os outros?

- Há entre os Espíritos uma comunhão de pensamentos e uma solidariedade que não podeis compreender, homens que vos nutris no egoísmo e só vedes pelas estreitas janelas de vossa prisão.

3. Trabalhastes nela?

- Não, não pessoalmente, mas sabia que devia ser feita e que outros Espíritos, muito acima de mim, estavam encarregados dessa missão.

4. Que resultados produzirá ela?

- É uma árvore que já lançou sementes fecundas por toda a Terra. Essas sementes germinam; em breve amadurecerão e logo mais serão colhidos os frutos.

5. Não é de temer a oposição dos detratores?

- Quando se dissipam as nuvens que encobrem o sol, este tem brilho mais vivo.

6. Então as nuvens serão dissipadas?

- Basta um sopro de Deus.

7. Assim, em vossa opinião, o Espiritismo tornar-se-á uma crença geral?

- Dizei universal.

8. Contudo há homens que parecem muito difíceis de convencer.

- Há os que jamais o serão nesta vida, mas diariamente a morte os recolhe.

9. Não virão outros em seu lugar, que se tornarão incrédulos como eles?

- Deus quer a vitória do bem sobre o mal, e da verdade sobre o erro, como anunciou. É preciso que venha o seu reino. Seus desígnios são impenetráveis, mas crede que o que ele quer, o pode.

10. O Espiritismo será para sempre aceito aqui?

- Será aceito e florescerá. (Nesse momento o Espírito leva o lápis sobre a penúltima resposta e a sublinha com força).

11. Qual pode ser a utilidade do Espiritismo para a vitória do bem sobre o mal? Para isto não basta a lei do Cristo?

- Certamente essa lei bastaria, se fosse praticada, mas quantos a praticam? Quantos há que apenas têm a aparência da fé? Assim, vendo Deus que a sua lei era ignorada e incompreendida e que, malgrado essa lei, o homem vai se precipitando cada vez mais no abismo da incredulidade, quis dar-lhe uma nova demonstração de sua bondade infinita, multiplicando aos seus olhos as provas do futuro pelas manifestações brilhantes de que é testemunha, fazendo que seja advertido de todos os lados por esses mesmos que deixaram a Terra e que lhe vêm dizer: Nós vivemos. Em presença desses testemunhos, os que resistirem não terão escusa. Expiarão sua cegueira e seu orgulho por novas existências mais penosas em mundos inferiores, até que, enfim, abram os olhos à luz. Crede que entre os que sofrem na Terra, há muitos que expiam as existências passadas.

12. Pode o Espiritismo ser considerado como uma lei nova?

- Não, não é uma lei nova. As interpretações que os homens deram da lei do Cristo geraram lutas que são contrárias ao seu espírito. Deus não quer mais que a lei de amor seja um pretexto de desordem e de lutas fratricidas. Exprimindo-se sem rodeios e sem alegorias, o Espiritismo está destinado a restabelecer a unidade da crença. Ele é, pois, a confirmação e o esclarecimento do Cristianismo, que é e será sempre a lei divina, a que deve reinar em toda a Terra e cuja propagação vai tornar-se mais fácil por este poderoso auxiliar.

Fonte: Revista Espírita de abril de 1861

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Cuidado na propaganda Espírita

Por Vinícius Matias

Uma mentira pode viajar meio mundo enquanto a verdade ainda está a calçar os sapatos. Acertou em cheio o escritor norte americano, Mark Twain, quando escreveu essa frase. E, no seio espírita, é incrível como boatos e distorções de todos os tipos ganham campo sem pudor algum. E isso, é bom que se diga, pode ser notado desde a desencarnação de Allan Kardec. Não que antes fosse tudo um mar de rosas, não, a fundamental diferença é que todas as calúnias tendentes a desacreditar o Espiritismo encontravam em Kardec uma muralha, fossem elas urdidas por encarnados ou desencarnados, oriundas da má-fé ou da ignorância.

Um exemplo disso pode ser encontrado na obra “Processo dos Espíritas” que narra o triste drama vivido por um grupo de espíritas em Paris no ano de 1875, seis anos depois do desencarne de Kardec. O caso se dá após serem publicadas supostas fotografias de Espíritos na Revista Espírita ao serem compradas de um fotógrafo que fazia das fotos com os invisíveis o seu ganha-pão, tal publicação fez com que o Ministério Público parisiense instaurasse um processo acusando os espíritas de charlatanismo. No fim do embate judicial o saldo para a Doutrina foi desastroso: o presidente da Revista Espírita e o fotógrafo condenados e presos por um ano e a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada por Allan Kardec, multada em 500 francos. A conclusão mais lúcida do lamentável episódio foi de Gabriel Delanne:

“Se tivemos que experimentar uma condenação contra nós, foi porque nos desviamos da rota traçada por Allan Kardec. Este inovador era contrário à retribuição dos médiuns e tinha para isso boas razões. Em sua época, os irmãos Davenport muito fizeram falar de si, mas, como ganhavam dinheiro com suas habilidades, Allan Kardec afastou-se deles, prudentemente.”

A notícia se espalhou logo por toda França e quem nunca havia ouvido falar em Espiritismo passou a conhecê-lo graças ao “procès des spirites”, e se a primeira impressão é a que fica podemos imaginar que dias difíceis viveu a propaganda Espírita . A maior parte das pessoas não se interessa em saber se condenação foi injusta ou não, se o engano foi pontual de determinada pessoa ou da Doutrina como um todo. O fato é que a percepção social do Espiritismo passou a ser maculada, e reabilitar o seu nome é tarefa para lá de hercúlea.

Os anos se passaram o caso do “procès des spirites” ficou esquecido, mas outras deturpações vieram, tente você, Espírita, dizer que o Espiritismo é uma ciência, ou que não há cabimento em ele ser confundido com a Umbanda e Candomblé, ou ainda que romances não podem constituir o conhecimento doutrinário, ou falar de temas como alma gêmea, crianças índigo e cristal, regressão de memória, terapia de cristais, apometria etc., e verá o tanto de premissas falsas que terá que desmontar até conseguir ter um diálogo razoável.

Toda essa dificuldade acontece porque mentiras sobre Espiritismo realmente viajam meio mundo enquanto as verdades sobre ele ainda se encontram dentro dos livros de Kardec esperando que sejam lidas para que comecem a caminhar.

Mesmo sob inúmeros ataques e deturpações ao longo dos anos, podemos dizer com plena segurança que nenhum deles fora mortal para a Doutrina. Para isso seria necessário ferir de morte as obras de Kardec, essas, no entanto acham-se blindadas pela lógica, bom-senso, e pelo controle universal do ensino dos Espíritos¹, tudo isso fruto de uma filosofia experimental, e não de especulações. Mas apesar de não poder ser detida, a propaganda Espírita pode ser entravada. Por isso nosso forte apelo a todos que se ocupam com o Espiritismo, seja para ensiná-lo ou para combatê-lo: aprofunde-se em TODAS as obras de Kardec², e antes de se pronunciar sobre algum tema espírita leiam e releiam tudo o que o Codificador disse a respeito. Do contrário, cale-se e evite que mais um possível engano venha a circular pelo mundo.

1. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução, item II- Autoridade da Doutrina Espírita.

2. Obras Básicas:
- O principiante Espírita;
- O que é o Espiritismo;
- Instrução prática sobre as manifestações Espíritas;
- Viagem Espírita de 1862;
- Refutação das críticas contra o Espiritismo;
- Resumo das leis e dos fenômenos Espíritas
- Resposta à mensagem dos Espíritas lioneses por ocasião do ano novo de 1862;
- Coleção de composições inéditas e
- Estudo acerca da poesia mediúnica.
Obras Fundamentais:
- O Livro dos Espíritos;
- O Livro dos Médiuns;
- O Evangelho Segundo o Espiritismo;
- O Céu e o Inferno e
- A Gênese.
Obras subsidiárias:
- Obras Póstumas e
- 12 volumes da Revista Espíritas 1858 a 1869

Texto enviado por e-mail ao blog e postado tal e qual recebido.

[RE] - O Espírito e o Jurado

Da Revista Espírita

Um dos nossos correspondentes, homem de grande saber e portador de títulos científicos oficiais, o que não o impede de cometer a fraqueza de acreditar que temos uma alma e que essa alma sobrevive ao corpo, que depois da morte fica errante no espaço e ainda pode comunicar-se com os vivos, tanto mais quanto ele próprio é um bom médium e mantém conversas com os seres de além-túmulo, dirige-nos a seguinte carta:

“Senhor,

Talvez julgueis acertado agasalhar na vossa interessante revista o fato seguinte:

Há algum tempo eu era jurado. O tribunal devia julgar um moço, apenas saído da adolescência, acusado de ter assassinado uma senhora idosa em circunstâncias horríveis. O acusado confessava e contava os detalhes do crime com uma impassibilidade e um cinismo que faziam fremir a assembleia.

Entretanto é fácil prever, em virtude da sua idade, da sua absoluta falta de educação e dados os estímulos recebidos em família, que fossem apresentadas em seu favor circunstâncias atenuantes, tanto mais que ele fora levado pela cólera, agindo contra uma provocação por injúrias.

Eu quis consultar a vítima a respeito do grau de sua culpabilidade. Chamei-a, no decorrer da sessão, por uma evocação mental. Ela me fez saber que estava presente e eu pus minha mão à sua disposição. Eis a conversação que tivemos - eu, mentalmente, ela pela escrita:

Pergunta: O que a senhora pensa de seu assassino?

Resposta: - Não serei eu quem o acusará.

P. Por quê?

R. - Porque ele foi levado ao crime por um homem que me fez a corte há cinquenta anos e que, nada tendo conseguido de mim, jurou vingar-se. Conservou, após a sua morte, o desejo de vingança e aproveitou as disposições do acusado para lhe inspirar o desejo de matar-me.

P. Como sabe disso?

R. - Porque ele mesmo me disse, quando cheguei a este mundo que hoje habito.

P. Compreendo sua reserva diante dos estímulos que o seu assassino não repeliu como deveria e poderia. Mas a senhora não pensa que a inspiração criminosa, à qual ele voluntariamente obedeceu, não teria sobre ele o mesmo poder, se não houvesse nutrido ou entretido, durante muito tempo, sentimentos de inveja, de ódio e de vingança contra a senhora e a sua família?

R. - Com certeza. Sem isso ele teria sido mais capaz de resistir. Eis por que digo que aquele que quis vingar-se aproveitou as disposições desse moço. O senhor compreende que ele não se teria dirigido a alguém que se dispusesse a resistir.

P. Ele goza com a sua vingança?

R. - Não, pois vê que isso lhe custará caro. Além disso, em lugar de me fazer mal, ele me prestou um serviço, fazendo-me entrar mais cedo no mundo dos Espíritos, onde sou mais feliz. Foi, pois, uma ação má sem proveito para ele.

Circunstâncias atenuantes foram admitidas pelo júri, baseadas nos motivos acima indicados, e a pena de morte foi descartada.

A respeito do que acabo de contar, deve fazer-se uma observação moral de grande importância. É necessário concluir, com efeito, que o homem deve vigiar os seus menores pensamentos malévolos e até mesmo os seus maus sentimentos, aparentemente os mais fugidios, pois eles podem atrair para si Espíritos maus e corrompidos, e expô-lo, fraco e desarmado, às suas inspirações culposas: é uma porta que ele abre ao mal, sem compreender o perigo. Foi, pois, com um profundo conhecimento do homem e do mundo espiritual que Jesus Cristo disse: ‘Todo aquele que olhar para uma mulher para cobiçá-la, já em seu coração adulterou com ela.’ (Mat. 5:28).

Tenho a honra, etc.

Fonte: Revista Espírita, novembro de 1859