domingo, 29 de abril de 2012

O Analfabetismo Doutrinário dos Espíritas

Por Francisco Amado

Eu já conheço "a verdade", pra que perder tempo com "a mentira"?

O que travou a evolução do pensamento filosófico e científico por quase mil anos na história da humanidade foi esta falácia.

Exatamente o tipo de pensamento que tem estagnado o desenvolvimento da doutrina espirita em bases racionais.

Se na Idade Média, o pensamento filosófico estava escravizado pela tutoria da Igreja Católica, hoje o Espiritismo esta escravizado pelo que dita Chico Xavier e suas fantasias mediúnicas.   

A maioria descarta um aprofundamento nos estudos da base doutrinária, porque para estes "a verdade" já foi revelada através das obras de André Luiz que, do alto da sua sabedoria, conta como funciona o plano espiritual.

Ora, se o espírita já esta de posse da verdade, que lhe foi revelada diretamente do Nosso Lar, por que perder tempo filosofando?

Mas é preciso levar em conta algo que é não é avaliado no Movimento Espírita Brasileiro, que se gaba de ser aquele que mais lê, que mais compra livros e que têm o maior índice de grau de escolaridade. Uma pesquisa no meio espírita que indique o índice de analfabetismo funcional.

Se o espírita lê tanto, porque não consegue compreender a Doutrina Espírita por um mesmo prisma?

Buscam-se de preferência romances, isso pode explicar a dificuldade que tem de compreender textos que exigem o discernimento.

O livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, por exemplo, é uma amostra bastante significativa do nível de analfabetismo funcional então reinante no Movimento Espírita Brasileiro, uma vez que o livro, além de ser uma violência à inteligência humana, atinge apenas o emocional e ainda é crivado de erros.

Apenas um exemplo:

• Pág.31: "Os naturais os recebem como irmãos muito amados. A palavra religiosa de Henrique Soares, de Coimbra, eles a ouvem com veneração e humildade." Qualquer aluno do ensino fundamental sabe que nem nos melhores sonhos portugueses da época foi assim os contatos entre europeus e nativos. Outro detalhe: como os nativos ouviriam palavras religiosas com veneração e humildade se eles simplesmente não entendiam uma só palavra?

Para saber mais faça sua pesquisa e se puder leia o livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”

O grande problema é que, com isso, vamos repetindo o passado. A grande maioria de pessoas que chegam à doutrina vem de leituras de romances mediúnicos e, para estes, ali está a verdade. Portanto, para estes, é Kardec que tem que se submeter ao que revela o espírito X e não ao contrário, e como eles já estão de posse da verdade, para que perder tempo com "a mentira"?

São os modernizadores que questionam porque deveríamos ficar estagnados às revelações de mais de 150 anos atrás, e pensam estar refutando Kardec, sem terem lido, estudado, analisado e esmiuçado o Livro dos Médiuns, O Livro dos Espíritos, O Que é o Espiritismo, a Revista Espírita, dentre outros.

Ou seja, porque perder tempo filosofando se eu já sei a verdade? Para estes o fato de fulano ou cicrano, o médium x ou y já terem refutado esta visão é o suficiente.

Mas estes argumentos acometem à boa e velha falácia ad verecundiam, isso é, o "apelo à autoridade." Ou seja, acredita-se em uma determinada posição não por causa de sua correspondência à realidade ou pela força de suas premissas que levam a uma conclusão lógica inevitável, mas por causa de uma autoridade qualquer que diz que deve ser de tal e qual modo.

Foi por argumentos assim que por tanto tempo a humanidade acreditou que era o Sol que girava em torno da Terra, e não o contrário. As "autoridades" diziam isso, apesar de pensadores da corrente "não oficial" já terem descoberto o contrário.

Acredita-se às vezes que determinado pensador foi "refutado" simplesmente porque existem críticas à sua obra. Mas como saber se as críticas são procedentes se eu não conheço o pensamento criticado?

Como saber se o crítico está expondo corretamente o pensamento do seu opositor?

A metodologia está explícita e implícita na obra de Kardec.

As comunidades nas redes sociais como Orkut e Facebook mostram de forma clara e indiscutível no que se transformou o Espiritismo, mais uma seita de seguidores fanatizados que não aceitam debater os livros deste ou daquele médium.

Algumas pessoas justificam afirmando: “Eu jamais me darei o direito de contestar Chico Xavier, pois o que ele é hoje, nós teremos muito ainda a trilhar para alcançar.”

Ora, isso não é aplicar a metodologia de Kardec, e aí basta consultar o ESE em sua introdução, onde encontramos a seguinte recomendação.

“O primeiro controle é, sem sombra de dúvida, o da razão, à qual é preciso submeter, sem exceção, tudo quanto vem dos Espíritos.”

A verdade é que quando não existe questionamento e crítica, quando não há debate transparente, certamente haverá dominação, ignorância, apatia e graves entraves à autonomia da razão humana e ao desenvolvimento espiritual da humanidade.

Enquanto espiritólicos alimentarem o pensamento que já conhecem a verdade, eles jamais vão perder seu tempo com a mentira.

E verdade para eles consiste em ônibus no plano espiritual, cigarro, sucos de laranja, compra e venda de casas, sala de banho, flechas magnéticas, gravidez espiritual, gatos e espiões no Umbral.

É todo um mundo maravilhoso da fantasia mediúnica, pois façam bom proveito enquanto eu me engano com a realidade.

Fonte: http://ensinoespirita.blogspot.com.br/2012/04/o-analfabetismo-doutrinario-dos.html

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Assombração, demônio ou Ciência? A Paralisia do Sono: quando seus pesadelos se tornam “realidade”

Por Gabriel Cunha*

Você está dormindo em sua cama… de repente, acorda, mas, para sua surpresa, não consegue se mexer… “o que está acontecendo?” você pensa, enquanto olha para seu corpo, imóvel na escuridão do seu quarto.

Enquanto isso acontece, você nota algo diferente. Então percebe: não está sozinho.

Pior, uma presença com forma humana esmaga seu peito. E ela é má.

Você acordou no mundo dos sonhos, e não há nada que possa fazer a respeito.

A cena acima é assustadora e adaptei de um excelente artigo que acabei de ler na revista Wired. Não foi retirada de algum script de filme de terror, trata-se da descrição padrão de uma condição médica real: a Paralisia do Sono.

Vocês devem estar se perguntando porque eu, um biólogo molecular, resolvi escrever sobre um tema completamente fora de qualquer coisa que eu já tenha estudado, certo?

Simples, essa cena exata aconteceu comigo alguns anos atrás e esse fenômeno estranho acontece com uma porcentagem estimada de 50% da população pelo menos uma vez na vida. No meu caso acabei acordando uma das pessoas que dividia a casa comigo com meus gritos, depois que a paralisia passou (história real).

Não sabia o que tinha acontecido e não consegui dormir em seguida. Por MUITO tempo aquilo ficou na minha cabeça (o fato aconteceu na metade de 2004), mas resolvi deixar para lá até dar de cara com o artigo que mencionei e arrepiar ao ler a descrição que adaptei no começo desse post.

O que é?

A Paralisia do Sono é caracterizada por uma paralisia temporária do corpo imediatamente após o despertar ou, com menos freqüência, imediatamente antes de adormecer. Também é conhecida como Atonia REM por estar diretamente relacionada à paralisia que ocorre como uma parte natural do nosso sono REM, a fase do sono em que ocorrem nossos sonhos mais vívidos. Durante esta fase os olhos movem-se rapidamente (em Inglês, rapid eye movement) e a atividade cerebral é similar àquela que se passa nas horas em que se está acordado.

Como é sabido, nosso cérebro paralisa os músculos durante essa fase do sono para prevenir possíveis lesões pelo fato de algumas partes do corpo poderem se mover durante o sonho (principalmente ao sonharmos que estamos caindo ou quando damos uma porrada na parede). Quando acordamos subitamente o cérebro pode “não perceber” e o estado de paralisia não é desativado.

O resultado vocês já devem prever: a pessoa fica consciente mas incapaz de se mover. Para piorar o cenário de desespero esse estado pode ser acompanhado pelas chamadas alucinações hipnagógicas, que envolvem imagens e sons, características dessa condição.

Alguns cientistas acreditam que este fenômeno está por trás de muitos relatos de abduções alienígenas e encontros com fantasmas (tenho certeza que vai ter muita gente reclamando nos comentários).

Os sintomas (adaptado da Wikipedia)


Paralisia: ocorre pouco antes da pessoa adormecer ou imediatamente após despertar. A pessoa não consegue mover nenhuma parte do corpo, nem falar (no meu caso eu gritava, gritava e não saía som algum da minha boca), e tem apenas um controle mínimo sobre os olhos e a respiração.

Alucinações: Imagens e sons que aparecem durante a paralisia. A pessoa pode pensar que existe uma presença atrás dela ou ouvir sons estranhos. As alucinações parecem-se muito com sonhos, possivelmente fazendo a pessoa pensar que ainda está sonhando. Algumas pessoas relatam também sentirem um peso no peito, como se alguém ou algum objeto pesado estivesse pressionando-o.

Estes sintomas podem durar de alguns poucos segundos até vários minutos (comigo foram uns 2 minutos, mas pareceu uma eternidade) e podem ser considerados assustadores para algumas pessoas (não tenham dúvida disso, eu fiquei aterrorizado de verdade).

Pouco se sabe sobre a fisiologia da paralisia do sono. Já foi sugerido que ela esteja relacionada à inibição pós-sináptica de neurônios motores na ponte do tronco cerebral. Particularmente, níveis baixos de melatonina podem interromper a despolarização em atividade nos nervos, a qual previne o estímulo dos músculos.

Alguns estudos sugerem que existem vários fatores que aumentam a probabilidade da ocorrência de paralisia do sono e de alucinação. Eles incluem:
  • Dormir de barriga para cima;
  • Agenda de sono irregular; cochilos; privação de sono;
  • Stress elevado;
  • Mudanças súbitas no ambiente ou na vida de alguém;
  • Um sonho lúcido que imediatamente precede o episódio; a indução consciente da paralisia do sono também é uma técnica comum para entrar em um estado de sonho lúcido;
  • Sono induzido através de medicamentos, como anti-histamínicos
  • Uso recente de drogas alucinógenas (essa era fácil de imaginar que estaria na lista)
PS: se eu respondesse essa lista na época, só não me encaixaria nos dois últimos itens. E eu ainda ficava imaginando os motivos de eu ter passado por essa péssima experiência…

Referências Culturais

Existem diversas manifestações culturais em muitos países diferentes que tratam do fenômeno da paralisia do sono, havendo até uma representação em nosso folclore, uma criatura chamada Pisadeira.

Na cultura Hmong, é descrita uma experiência chamada dab tsogou ou “demônio apertador”. Frequentemente, a vítima afirma enxergar uma figura pequena, não maior que uma criança, sentando em sua cabeça ou peito.

No Vietnã, chama-se ma de, que significa “segurado por um fantasma”, sendo que muitas pessoas acreditam que fantasmas entram no corpo das pessoas, causando a paralisia.

Na China, são as guǐ yā shēn ou guǐ yā chuáng (por favor, não me perguntem como pronuncia), o que pode ser traduzido literalmente como “corpo pressionado por um fantasma” ou “cama pressionada por um fantasma”.

Na cultura japonesa, a paralisia do sono é conhecida como kanashibari, que significa literalmente “atado ao metal”.

Na cultura popular húngara é chamada lidércnyomás (“lidérc pressionante”) e pode ser atribuída a um número de entidades sobrenaturais como aparições, bruxas ou fadas.

Quem tiver maior interesse nesse fenômeno, sugiro a leitura de um excelente artigo de revisão que saiu no periódico The Psychologist agora em Agosto.

Alguns de vocês podem estar se perguntando algo como “O que fazer se acontecer comigo?”, visto que quem escreve esse artigo já passou pela situação descrita, e talvez possa falar algo para ajudar.

Minha resposta? Tentem ficar calmos, e torçam para acabar logo. De verdade.

Gabriel Cunha é Mestre em Ciências (Biologia Molecular) pela UNIFESP, onde atualmente faz doutorado. Também é ligado na área de educação em ciências.

Fonte: Science Blogs - http://scienceblogs.com.br/rnam/2009/08/paralisia_do_sono_quando_seus/

terça-feira, 24 de abril de 2012

Um Tropeço Desastroso


Por Nazareno Tourinho

A obra de Roustaing, Os Quatro Evangelhos, ultrapassa todas as fronteiras daquilo que é razoável, lógico, tornando-se cômica e ridícula ainda no seu Volume 2, quando espelha as seguintes afirmativas:
“Moisés e Elias prometeram o Messias, Jesus prometeu outro Consolador, O Espírito da Verdade, a revelação espírita, pela intervenção dos Espíritos do Senhor junto dos homens, intervenção que teve a consagrá-la, para todos, a presença de Moisés e de Elias no monte, em colóquio, diante dos discípulos, com o mesmo Jesus transfigurado.” (Página 471 na 6ª edição da FEB, grifos dos autores.)

Preste bem atenção o leitor para esta assertiva de Roustaing, situando Moisés e Elias em colóquio com Jesus no monte, como, aliás, consta dos registros evangélicos. Ele a justifica logo adiante, à página 480:
“A presença de Moisés e de Elias nada teve que aberrasse dos fatos ordinários. Ambos estavam sempre juntos de Jesus.”
Prossigamos com o que depois lê-se na página 497:
“O que, porém, Jesus naquela ocasião não podia nem devia dizer e que agora tem que ser dito é o seguinte: Moisés – Elias – João Batista – são uma mesma e única entidade. Estamos incumbidos de vos revelar isso, porque chegou o tempo...”
Não pense o leitor que leu errado, ou que houve erro de impressão. A propósito, na página 497 os “guias” de Roustaing repetem logo a seguir o absurdo:
“Sim, Moisés, Elias e João Batista são um só; são o mesmo Espírito encarnado três vezes em missão.”
Perguntará qualquer pessoa sensata, em plena posse de suas faculdades mentais:

- Como é que Moises e Elias “são o mesmo Espírito”, se ambos entraram em colóquio com Jesus no monte?

Os “guias” de Roustaing respondem sem a menor cerimônia, na página seguinte, 498, proclamando que “no Tabor, quando da transfiguração de Jesus, um Espírito superior, da mesma elevação que Elias e João, tomou a figura, a aparência de Moisés”. Esta explicação desnuda por completo o caráter mistificatório da revelação rustenista porque, conforme já vimos, os seus autores, antes, na página 480, referindo-se a Moisés e Elias, declararam que ambos estavam sempre junto de Jesus.

Ainda que desprezemos tal gafe suficiente para desmoralizar as mensagens transmitidas a Roustaing, por intermédio de uma só médium, sobra-nos a conclusão de que, ou o Cristo também foi enganado, conversando com outro Espírito como se ele fosse Moisés, ou se prestou para a encenação de um episódio mentiroso, com a única finalidade de iludir os poucos discípulos que estavam a seu lado na ocasião, em local ermo no alto do monte Tabor, unicamente três, Pedro, Tiago e João, segundo os relatos evangélicos de Mateus, Marcos e Lucas, reproduzidos na própria obra de Roustaing, página 468/469 do Volume 2.

Que disparate!

Como podem os atuais diretores da Federação Espírita Brasileira pretenderem que uma mistificação espiritual de tamanho porte, tão agressiva ao mais elementar bom senso, tenha livre curso no seio de nosso movimento doutrinário?

Fonte:
TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

domingo, 22 de abril de 2012

A morte espiritual

Por Allan Kardec

A questão da morte espiritual é um dos princípios novos que marcam os passos do progresso da ciência espírita. A maneira pela qual foi apresentada, em certa teoria individual, de início fê-la rejeitar, porque parecia implicar, num tempo dado, a perda do eu individual, e assimilar as transformações da alma às da matéria, cujos elementos se desagregam para formar novo corpo. Os seres felizes e aperfeiçoados seriam, em realidade, novos seres, o que é inadmissível. A eqüidade das penas e dos gozos futuros não é evidente senão com a perpetuidade dos mesmos seres subindo a escala do progresso e se depurando pelo seu trabalho e os esforços de sua vontade.

Tais eram as conseqüências que se podiam tirar, a priori, dessa teoria. Todavia, nisso devemos convir, ela não foi apresentada com a bazófia de um orgulhoso vindo impor o seu sistema; o autor disse modestamente que vinha lançar uma idéia, sobre o terreno da discussão, e que da idéia poderia sair uma nova verdade. Segundo o conselho de nossos eminentes guias espirituais, teria pecado menos pelo fundo do que pela forma, que se prestou para uma falsa interpretação; foi por isso que nos convidou a estudar seriamente a questão; é o que tentaremos fazer, baseando-nos sobre a observação dos fatos que ressaltam da situação do Espírito nas duas épocas capitais, do retorno à vida corpórea e da reentrada na vida espiritual.

No momento da morte corpórea, vemos o Espírito entrar numa perturbação e perder a consciência de si mesmo, de sorte que jamais é testemunha do último suspiro de seu próprio corpo. Pouco a pouco a perturbação se dissipa e o Espírito se reconhece, como o homem que sai de um profundo sono; a sua primeira sensação é a de libertação de seu fardo carnal; depois vem a surpresa da visão do novo meio em que se encontra. Está na situação de um homem que se cloroformiza para fazer-lhe uma amputação, e que é transportado, durante o sono, para um outro lugar. Ao despertar, sente-se desembaraçado do membro que o fazia sofrer; freqüentemente, procura esse membro que está surpreso de não mais sentir; do mesmo modo, no primeiro momento, o Espírito procura o corpo; ele o vê a seu lado; sabe que é o seu e se espanta por estar dele separado; não é senão pouco a pouco que ele se dá conta de sua nova situação.

Nesse fenômeno, não se opera senão uma mudança de situação material; mas, no moral, o Espírito é exatamente o que era algumas horas antes; não sofre nenhuma modificação sensível; suas faculdades, suas idéias, seus gostos, suas tendências, seu caráter são os mesmos; as mudanças que ele pode sofrer não se operam senão gradualmente pela influência do que o cerca. Em resumo, não houve morte senão para o corpo somente; para o Espírito não houve senão sono.

Na reencarnação, as coisas se passam de modo contrário.

No momento da concepção do corpo destinado ao Espírito, este é preso por uma corrente fluídica que, semelhante a um laço, o atrai e o aproxima de sua nova morada. Desde então, ele pertence ao corpo, como o corpo lhe pertence até a morte deste último; no entanto, a união completa, a tomada de posse real não ocorre senão na época do nascimento.

Desde o instante da concepção, a perturbação se apodera do Espírito; suas idéias se tornam confusas, suas faculdades se anulam; a perturbação vai crescendo à medida que o laço se aperta; é completa nos últimos tempos da gestação; de sorte que o Espírito jamais é testemunha do nascimento de seu corpo, não mais do que o foi de sua morte; disso ele não tem nenhuma consciência.

A partir do momento em que a criança respira, a perturbação se dissipa pouco a pouco, as idéias retornam gradualmente, mas em outras condições do que na morte do corpo.

No ato da reencarnação, as faculdades do Espírito não estão simplesmente entorpecidas por uma espécie de sono momentâneo, como no retorno à vida espiritual; todas, sem exceção, passam ao estado latente. A vida corpórea tem por objetivo desenvolvê-las pelo exercício, mas nem todas podem sê-lo simultaneamente, porque o exercício de uma poderia prejudicar o desenvolvimento de outra, ao passo que, pelo desenvolvimento sucessivo, elas se apóiam uma sobre a outra. É, pois, útil que algumas fiquem em repouso, enquanto que outras se desenvolvem; é por isso que, em sua nova existência, o Espírito pode se apresentar sob um aspecto muito diferente, sobretudo se é mais avançado do que na existência precedente.

Num, a faculdade musical, por exemplo, poderá ser muito ativa; conceberá, perceberá, e em conseqüência executará tudo o que é necessário ao desenvolvimento dessa faculdade; numa outra existência será a vez da pintura, dos sistemas exatos, da poesia, etc.; enquanto que essas novas faculdades se exercem, a da música ficará latente, conservando em tudo o progresso realizado. Disso resulta que, aquele que foi artista numa existência, poderá ser um sábio, um homem de Estado, um estrategista numa outra, ao passo que será nulo sob o aspecto artístico e reciprocamente.

O estado latente das faculdades, na reencarnação, explica o esquecimento das existências precedentes, ao passo que, na morte do corpo, não estando as faculdades senão no estado de sono de pouca duração, a lembrança da vida que vem de deixar é completa ao despertar.

As faculdades que se manifestam estão naturalmente em relação com a posição que o Espírito deve ocupar no mundo, e as provas que escolheu; no entanto, freqüentemente, ocorre que os preconceitos sociais o deslocam, o que faz com que certas pessoas estejam, intelectual e moralmente, acima ou abaixo da posição que ocupam. Essa desclassificação, pelos entraves que traz, faz parte das provas; deve cessar com o progresso. Numa ordem social avançada, tudo se regula segundo a lógica das leis naturais, e aquele que não está apto senão para fazer sapatos, não é, pelo direito do nascimento, chamado a governar os povos.

Retornemos à criança. Até o nascimento, todas as faculdades estando no estado latente, o Espírito não tem nenhuma consciência de si mesmo. No momento do nascimento, as que devem se exercer não tomam subitamente o seu vôo; seu desenvolvimento segue o dos órgãos que devem servir à sua manifestação; pela sua atividade íntima, elas levam ao desenvolvimento do órgão correspondente, como o rebento nascente leva à casca da árvore. Disso resulta que, na primeira infância, o Espírito não tem o gozo da plenitude de nenhuma de suas faculdades, não somente como encarnado, mas mesmo como Espírito; é verdadeiramente criança, como o corpo ao qual está ligado. Não se encontra comprimido penosamente no corpo imperfeito, sem isso Deus teria feito da encarnação um suplício para todos os Espíritos, bons ou maus. Ocorre de outro modo com o idiota e o cretino; não sendo os órgãos desenvolvidos paralelamente com as faculdades, o Espírito acaba por se encontrar na posição de um homem apertado pelos laços que lhe tiram a liberdade de seus movimentos. Tal é a razão pela qual se pode evocar o Espírito de um idiota e dele obter respostas sensatas, ao passo que o de uma criança de tenra idade, ou que ainda não nasceu, é incapaz de responder.

Todas as faculdades, todas as aptidões, estão em germe no Espírito, desde a sua criação; aí estão no estado rudimentar, como todos os órgãos no primeiro fiozinho do feto informe, como todas as partes da árvore na semente. O selvagem que, mais tarde, tornar-se-á homem civilizado, possui, pois, nele, os germes que, um dia, dele farão um sábio, um grande artista ou um grande filósofo.

À medida que esses germes chegam à maturidade, a Providência lhe dá, para a vida terrestre, um corpo apropriado às suas novas aptidões; assim é que o cérebro de um Europeu é mais completamente organizado, provido de maior número de circunvoluções do que o do selvagem. Para a vida espiritual, dá-lhe um corpo fluídico, ou perispírito, mais sutil, impressionável a novas sensações. À medida que o Espírito se desenvolve, a Natureza o provê dos instrumentos que lhe são necessários.

No sentido de desorganização, de desagregação das partes, de dispersão dos elementos, não há de morte senão para o envoltório material e o envoltório fluídico, mas a alma, ou Espírito, não pode morrer para progredir; de outro modo perderia a sua individualidade, o que equivaleria ao nada. No sentido de transformação, regeneração, pode-se dizer que o Espírito morre a cada encarnação para ressuscitar com novos atributos, sem deixar de ser ele mesmo. Tal um camponês, por exemplo, que se enriquece e se torna grande senhor; deixou a choupana por um palácio, a veste por uma roupa bordada; tudo está mudado em seus hábitos, em seus gostos, em sua linguagem, mesmo em seu caráter; em uma palavra, o camponês está morto, enterrou a roupa grosseira, para renascer homem do mundo, e, no entanto, é sempre o mesmo indivíduo, mas transformado.

Cada existência corpórea é, pois, para o Espírito, uma ocasião de progresso mais ou menos sensível. Reentrado no mundo dos Espíritos, leva novas idéias; seu horizonte moral se alargou; suas percepções são mais finas, mais delicadas; vê e compreende o que não via e não compreendia antes; sua visão que, no princípio, não se estendia além de sua última existência, abarca sucessivamente as suas existências passadas, como o homem que se eleva, para que o nevoeiro se dissipe, abarca sucessivamente um mais vasto horizonte. A cada nova estação na erraticidade, se desenrolam aos seus olhos novas maravilhas do mundo invisível, porque de cada uma um véu se rasga. Ao mesmo tempo, seu envoltório fluídico se depura; torna-se mais leve, mais brilhante; mais tarde será resplandescente. É um Espírito quase novo; é o componês desbastado e transformado; o velho Espírito está morto, e, entretanto, é sempre o mesmo Espírito.

É assim, cremos, que convém entender a morte espiritual.

Fonte: Obras Póstumas

O Suposto Kardec de Denis

Por Sérgio Aleixo

A despeito das naturais dificuldades no ato de um espírito comunicar-se, mais ainda pela possessão do corpo de um médium, nunca poderá isso justificar que o mais exótico misticismo venha a ser elevado ao patamar de Doutrina Espírita. Infelizmente, tal foi o erro em que Léon Denis incidiu mais de uma vez. A tendência mística de que era portador jamais foi suficientemente superada por sua formação kardeciana. A isso é que se deve, em suas obras, a presença de ensinos heterodoxos ao Espiritismo, como a doutrina das almas irmãs, ou gêmeas; da evolução do espírito sempre num único sexo, salvo em trocas expiatórias; os informes duvidosos de que o Cristo fora Crisna e Napoleão, César, entre outras exorbitâncias aos escritos kardecianos (Cf. O Problema do Ser e do Destino, XIII e XVII).

Há na Revista Espírita (dez/1859), aliás, uma mensagem de Júlio César esclarecendo que, por várias existências miseráveis e obscuras, teve de expiar suas faltas, “tendo vivido pela última vez na Terra sob o nome de Luís IX”. Trata-se, portanto, de São Luís, presidente espiritual da Sociedade fundada por Kardec na Cidade-Luz, em 1858. O espírito Júlio César, a título de exemplo de abuso dos sucessos obtidos na vida terrena, refere-se a si mesmo e àquele que chamou “César moderno”, numa alusão evidente a Bonaparte, cujo Império ruíra não havia muito. Logo, Napoleão e César não eram o mesmo espírito em vidas diferentes. Em nome de que, então, Denis divergiu da publicação kardeciana?

Não surpreende, portanto, que haja publicado como autênticas algumas mensagens muito evidentemente apócrifas, atribuídas ao espírito de Kardec, em O gênio céltico e o mundo invisível, cap. XIII; obra, por sinal, eivada de um ufanismo pátrio nada simpático à filosofia universalista do Espiritismo. O período de decadência então vivido pela França (1926) pode explicá-lo, mas de modo nenhum justificá-lo à luz da Doutrina.

Esse Kardec do grupo de estudos de Denis, em Tours, era dono de um estilo marcadamente ocultista e, por isso mesmo, nada espírita. Assaz delumbrado pelo “misticismo”, pela “sensibilidade” e “crença mística”, reportava-se a “raios fluídicos” de várias cores, que seriam responsáveis pelo progresso dos povos e capazes de explicar o apego de alguns deles ao solo do país, por força de supostas “centelhas vitais” abrigadas no seu “subconsciente”. E assim, as raças seriam “nutridas” por tais “núcleos vibratórios”, que impregnariam até a “matéria carnal”, diferenciando-as umas das outras.

O exotismo desse Kardec atinge culminâncias na estranha concepção de que existiriam “condensadores e refletores dos fluidos destinados a fazer vibrar os cérebros e os corações dos povos”. Sob o foco de tais “espelhos”, três regiões foram especialmente “iluminadas”: Índia, Palestina e Europa. Assim, “Buda, Cristo e os espíritos dos druidas representam as forças superiores ligadas ao foco divino”, mas um “quarto ciclo” virá: o da aceitação da realidade da vida superior. Por outro lado, diz que “aquilo que o Cristo recebia diretamente dos seres superiores”, portanto, não mais do foco divino em si, “o druida obtinha por meio de correntes transmissoras do pensamento dos desencarnados”.

Oras! Kardec admitiu em A Gênese, XV, 2, que qualquer influxo estranho só de Deus poderia vir ao Mestre Jesus; assim como notabilizou o esquema profético das três grandes revelações da lei divina: moisaica, cristã e espírita. Será que Kardec foi ao grupo de Denis modificar a Doutrina? Esse Kardec insuportavelmente bairrista chega a dizer que “se impregnou dessa mística trazida de modo palpitante do espaço”, e que “a ideia céltica, essência emanada do foco divino, representa o espírito da pureza da raça, e deve iluminar pelos séculos a alma nacional”, isto é, da França.

Patente que a tática dos impostores não se altera muito: inflar o ego dos que querem enganar. O tal Kardec já se apresentou dizendo aos integrantes do grupo de Denis que se sentia bem adaptado, porque tinham “radiações sensivelmente idênticas” às do perispírito dele. Todos eram ali, portanto, verdadeiros kardeques reencarnados.

Nada supera, contudo, suas recomendações para a revelação dos mistérios da criação. Aconselha o grupo de Tours a reunir-se a portas fechadas, a anotar suas instruções ao clarão de lâmpada abrigada por quebra-luz e, antes da reunião, a banhar de água fresca, embebida num pano, a testa do médium, a fim de que a camada líquida, magnetizada pelo espírito, se torne um “fluido amortecedor” das vibrações recebidas do espaço pela entidade, nesse ingente esforço revelador... Promete, então, transferir a Denis sua personalidade fluídica, para que obtenha a chave do problema misterioso, embora explique depois ser isto impossível na Terra, mesmo por via mediúnica...

Tudo muito deprimente. Como acudiu ao grande Léon Denis pudessem esses modos intragáveis pertencer ao Espírito Superior de Denizard Rivail? Sinal evidente de que o Espiritismo só pode de fato ser encontrado na Obra de Allan Kardec.

Fonte:
Ensaios da Hora Extrema - http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2011_10_09_archive.html

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Tirando a máscara dos enganadores


Por Nazareno Tourinho

No artigo precedente fizemos alusão ao recurso empregado por J. B. Roustaing para tornar digerível, em nosso meio doutrinário, sua obra indigesta: plagiar Kardec, copiando-lhe algumas ideias e as oferecendo ao público como se fossem suas. Demos como exemplo dessa deplorável conduta apenas um trecho de O Livro dos Espíritos, mas poderíamos ter acrescentado outros, pois Roustaing surrupiou ideias de Kardec retirando-as até de O Evangelho Segundo o Espiritismo – neste livro o Codificador explica, uma por uma, as frases da prece conhecida como Pai Nosso, ensinada por Jesus; o antigo bastonário da Corte Imperial de Bordeaux não deixou de imitá-lo também quanto a isso, e quem duvidar consulte as páginas 447/449 do Volume 1 de Os Quatro Evangelhos, de sua autoria (6ª edição da FEB).

Contudo desprezemos essas “superfluidades” porque no Volume 2 da referida obra há coisas muito piores. Não somente heresias científicas (“A paralisia é um resfriamento dos fluidos animalizados que circulam no organismo humano.” – página 76), mas principalmente religiosas.

O que Roustaing e seus “guias” pretendem, já salientamos nos escritos anteriores, é nos intoxicar filosoficamente, temperando o Espiritismo com Catolicismo.

Na página  143 do mencionado Volume 2, lemos:
“A igreja que os homens fizeram tem que ser transformada, vós o sabeis. Preparai, pois, espíritas, os materiais que hão de servir para a reedificação, a fim de que os obreiros do Senhor encontrem talhadas as pedras, quando for tempo de levantar o edifício.”
Neste tópico Roustaing e seus “guias” ainda estão preparando o terreno para plantar suas venenosas sementes. Na página 169 eles avançam um pouco mais, garantindo:
A igreja, porém, despertará; o sonho em que ainda se compraz, dissipar-se-á ao clarão da nova aurora.” (Os grifos são dos autores, não nossos).
Na página seguinte, 170, começam a tirar a máscara:
“Coragem, filhos da nossa igreja, da Igreja do Senhor, aproximam-se os tempos em que os discípulos e o Mestre aparecerão de novo entre vós, em que vossos olhos desvendados verão o Justo nas nuvens do céu, em que os anjos, isto é, os Espíritos purificados, descerão à Terra para mais eficazmente vos estenderem seus braços fraternais.” (Todos os grifos até aqui, e daqui para a frente, destacando em negrito algumas palavras, são dos autores.)
Na página 254 vão além, assumindo a linguagem que lhes é própria:
“De contínuo incentivando em vós, igualmente, as aspirações pela perfeição, não levantamos também uma ponta do véu que ocultava o futuro, para vos mostrarmos o vosso Deus no seu trono imutável, esperando que, arrependidos, seus filhos venham acabar junto desse trono a obra que ele lhes confiou?”.
Depois de colocarem DEUS em um trono, soltam mais a língua à página 277:
“Inclinai-vos com respeito, reconhecimento e amor diante desse Salvador cheio de devotamento que, desde o instante em que o vosso globo saiu dos fluidos espalhados na imensidade, em que esses fluidos, para formarem um mundo, se reuniram pela ação de sua vontade divina, divina no sentido de ser ele órgão de Deus, velou sempre por vós...”
Na página 297 Jesus é denominado Redentor. Na 308 temos este primor de argumento católico:
“Referindo-nos a Jesus, acabamos de usar das expressões – filho único do pai. Ele o era e é, no sentido de ser, pela sua elevação espiritual, única relativamente à de todos os Espíritos que se acham ligados ao vosso planeta, quem lhe preside os destinos.”
Finalmente, na página 440, somos presenteados com a grande “Revelação” da obra de Roustaing, que a atual diretoria da FEB, a esta altura talvez mais por capricho, teima em aceitar e divulgar. Ei-la, sem qualquer comentário, em respeito à inteligência dos verdadeiros espíritas, os fiéis seguidores da doutrina codificada por Allan Kardec.
“Quando o cetro do “príncipe da igreja” houver cedido lugar ao cajado do viajor, quando a púrpura houver caído e o burel cobrir os ombros daquele a quem os homens chamam de “O Santo Padre” e os dos “príncipes da igreja”, o que sucederá, depois que todos hão de voltar à humildade de que jamais se deveriam ter apartado, então a fé, evolando-se dos vossos corações, se elevará grande e forte, para dominar ainda na igreja do Cristo, e o “sucessor de São Pedro” estenderá sua santa mão para abençoar o universo.”

Fonte:
TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

domingo, 8 de abril de 2012

Crítica ao livro “Não será em 2012″

ALGUNS COMENTÁRIOS CRÍTICOS SOBRE O LIVRO “NÃO SERÁ EM 2012”, DE MARLENE NOBRE E GERALDO LEMES.

POR LEONARDO MONTES
montes@hotmail.com.br

Resumo: Este artigo apresenta algumas críticas ao livro “Não será em 2012” (2011), de Marlene Nobre e Geraldo Lemes, no qual é dada publicidade a uma suposta revelação feita pelo médium Chico Xavier, em 1986, sobre o que seria a data-limite para o fim do velho mundo. A partir dessa data, o mundo entraria num rápido progresso ou desaceleraria, conforme o que ocorrer neste intervalo de tempo. Para fundamentar tal proposta, os autores utilizaram várias profecias e referências das obras de Allan Kardec e Chico Xavier. Constatou-se, também, o que parece ser a fonte original da revelação. A argumentação dos autores revelou-se pouco consistente, com uma série de paradoxos doutrinários, apelos à autoridade e exacerbação da fé.

Palavras-chave: Profecias, Maias, 2012, Mundo de Regeneração.

Introdução

Em Maio de 2011, o jornal Folha Espírita, nº 4391, sacudiu o Movimento Espírita com uma revelação: Chico Xavier teria dito a Geraldo Lemes, em 1986, em uma conversa informal pela madrugada Uberabense, que a data-limite para o “velho mundo” (ou seja, a transformação do planeta de mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração) não seria 2012 (conforme alguns creem), mas, 2019. Em resumo, tal revelação consiste na ideia de que a chegada do homem à Lua despertou certo interesse (e receio) da comunidade espiritual do Sistema Solar (?). Uma reunião foi marcada entre as potencialidades angélicas (?) de nosso Sistema, na qual o futuro da humanidade seria decidido. Ficou acordado, mediante intervenção direta de Jesus, tido como governador espiritual da Terra, que a humanidade teria o prazo de 50 anos, a contar da chegada do homem à Lua (20/07/1969-20/07/2019) para que os países aprendessem a conviver em harmonia, evitando a todo custo uma terceira Guerra Mundial. Caso consiga, a humanidade entraria em uma fase de progresso nunca antes vista, em que veríamos a cura das doenças e a solução das crises humanitárias. Caso contrário, uma nova idade das trevas abater-se-ia, podendo levar até mil anos para se recompor (p. 58).

Tal revelação causou relativo impacto no Movimento Espírita, gerando discussões e debates2. Nos últimos meses, no entanto, a discussão esfriou, e o tema ficou em segundo plano. Todavia, acredito que, até a chegada de 2019, esse tema virá à tona diversas vezes. Tendo isso em vista, e também pela insistência de alguns amigos que me pediam uma opinião,  elaborei o presente artigo. Para analisar tal situação, é preciso focar em determinados assuntos, pois, apesar de ser um livro pequeno, apresenta uma série de questões que, para serem devidamente observadas, demandariam grande empenho e conhecimento histórico profundo. Dessa forma, dividirei a análise em cinco partes, a saber: 1) reflexões sobre a revelação; 2) breve análise das profecias apresentadas; 3) divergências doutrinárias; 4) revelação ou reinterpretação? 5) conclusão.

1. REFLEXÕES SOBRE AS SUPOSTAS REVELAÇÕES

 Quando tive notícias sobre o caso, a primeira pergunta que me fiz foi: Por que só agora?  Se esta conversa com Chico Xavier ocorreu em 1986, por que só agora, em 2011(25 anos depois), é que veio a público? Isso me levou a outras questões, como: Quando Chico Xavier soube destas revelações? Se as conhecia desde o princípio, por que não as divulgou (ver item 4)? Por que esperar 17 anos (1969-1986) para contar isto a alguém? Segundo Geraldo Lemes, a conversa ocorreu em 1986. Geraldo Lemes guardou segredo até que não suportando a própria consciência, resolveu contá-lo à Marlene Nobre que, por sua vez, confidenciou-lhe, apesar de já terem se tornado públicas outras revelações que Chico Xavier ter-lhe-ia feito, não sobre a data-limite do velho mundo, mas sobre o papel do Brasil nesse processo. Dessa forma, os autores resolveram dar publicidade às revelações, unindo-as num tema comum. Primeiramente, em forma de entrevistas ao jornal Folha Espírita e, posteriormente, em um livro e DVD.

Se Chico Xavier confiava na revelação, como parecia confiar (p. 49), é estranhíssimo o fato de tê-la mantido em sigilo. Chico Xavier é uma personalidade reconhecida pelo seu desapego e dedicação ao bem, trajetória que lhe rendeu o título de Mineiro do Século. Não vejo razões, portanto, para que algo de tal magnitude ficasse em oculto. Entretanto, é possível que ele não tivesse se dado conta, inicialmente, da magnitude dessa revelação. Pode ser que ele tenha ficado ciente em qualquer ano entre 1969 e 1986, o que nos levaria a mais perguntas sobre os motivos de tê-la mantido oculta neste período. Talvez só tenha tido conhecimento desta revelação em 1986. Não sabemos. Infelizmente, os autores não se preocuparam em esclarecer este ponto.

Passamos, então, à segunda questão mais impactante: Por que Geraldo Lemes guardou consigo por 25 anos esta informação? Ele também crê firmemente em sua veracidade (p. 45). Mas, possivelmente, não quisesse se expor. Acredito, contudo, que, provavelmente, tenha esperado tempo suficiente para observar se a revelação faria ou não sentido. Novamente, porém, os autores não se preocuparam em esclarecer os motivos da reserva, por isso especulo.

Em termos matemáticos simples, já se passaram 42 dos 50 anos previstos, isto é, 84% do tempo previsto transcorreram sem nenhuma guerra que pudesse pôr toda a humanidade em risco. Restariam, portanto, 16% do tempo para que uma terceira Guerra Mundial ou uma guerra nuclear (condição expressa da revelação) aconteça e tire-nos a possibilidade de rápida ascensão. As probabilidades, nesse caso, estão a nosso favor.

Um dos pontos curiosos e que me pareceram descontextualizados é a preocupação excessiva (p. 52) com armamento nuclear. Tal é que a condição estabelecida por Jesus e pelos demais espíritos é a de que a humanidade não se lance em uma guerra mundial ou nuclear. A ameaça nuclear era tema recorrente no fim do período da guerra fria e faria muito sentido se tal revelação surgisse naquela época. Atualmente, a problemática nuclear parece estar mais associada aos riscos que essa tecnológica impõe à humanidade, como no recente caso da usina de Fukushima3, no Japão, do que alguma disposição dos países para um conflito desta natureza. Entretanto, cabe ressaltar, a humanidade não se livrou desse problema e, eventualmente, vemos o cadáver insepulto do armamento nuclear desfilando nos noticiários, principalmente entre países como a Coréia do Norte, Paquistão, Irã, etc. Configura-se, desse modo, uma ameaça real, mas com muito menos força e evidências de consecução que o período da guerra fria.

Um dos pontos destacados com ênfase no texto seria o papel do Brasil neste processo regenerador. Como se sabe, desde a publicação do livro: Brasil, coração do Mundo, Pátria do Evangelho, onde o Brasil é colocado com  destaque na possível condução do mundo pós-apocalíptico, escolhido por Jesus para ser o “coração do mundo”, é cada vez mais comum o apelo nacionalista/patriota na literatura espírita. Há exaltação à nacionalidade e até mesmo a tentativa de minimizar os problemas brasileiros (p. 75).Contudo, não entrarei no mérito dessa questão.

2. BREVE ANÁLISE DAS PROFECIAS APRESENTADAS

 Como dito anteriormente, os autores buscaram em diversas profecias subsídios para sustentar a ideia de uma renovação que se operará em futuro próximo. Começam (p. 13) por fazer uma breve explicação da profecia Maia sobre 2012, a fim de demonstrar os motivos pelos quais eles aceitariam a profecia em essência, porém não na data prevista e, sim, em 2019. A primeira coisa que me chamou a atenção foi a data grafada como sendo a da referida profecia: 22 de Dezembro de 2012, enquanto, na realidade, é 21 de Dezembro de 20124. Por que motivo este erro? Ao analisarmos a entrevista de Fernando Malkun, disponível na internet5, observamos que Amantino de Freitas, em nome da Folha Espírita (FE), faz um questionamento citando a data como sendo 22 de Dezembro e Fernando Malkun, estudioso do assunto, não o corrige. Como este capítulo cita essa entrevista, acredito que os autores se basearam nela para escrever sobre 2012. Seja como for, o fato é que a data é repetida erroneamente por todo o livro.

Não entrarei no mérito das crenças de Fernando Malkun. Contudo, cabe ressaltar que, atualmente, muitos estudiosos avaliam o calendário Maia de modo diferente6, não vendo nele mais do que o fim de um ciclo de tempo (como o fim de Dezembro, para o nosso calendário) ou, ainda, que a conversão da data para o nosso calendário possa estar errada, como afirma o professor da Universidade da Califórnia, Gerardo Aldana, que em artigo publicado7, diz que a margem de erro varia entre 50 e 100 anos. Dessa forma, se 21 de Dezembro de 2012 passar, e o mundo não se modificar mais do que o esperado, os crentes na profecia reconhecerão o erro e desistirão da ideia, certo? Errado! Um fato psicologicamente interessante sobre as profecias é que, ao falharem, geralmente não faz com que os crentes desistam dela, ao contrário, faz com que se apeguem mais ainda. Isso foi estudado na década de 50 por Leon Festinger e sua tese foi chamada de Teoria da dissonância cognitiva8.

Ao fim do primeiro capítulo (p. 18), observei o que me parece a mais clara, simples e direta referência ao argumento da autoridade. Os autores negam a profecia Maia porque Chico Xavier havia dito que seria 2019, isto é, não tiveram interesse em refutar a profecia Maia que, em linhas gerais, atende ao mesmo objetivo da revelação que trouxeram. Porém, desacreditam na data pelo simples fato de Chico Xavier ter-lhes dito o contrário. Ao longo dos próximos capítulos, outras profecias são citadas para demonstrar o plano de renovação existente há milênios com o objetivo de mudar o planeta.

2.1         Profecias de Lucas

 Uma análise minuciosa das profecias bíblicas exigiria tempo e conhecimentos dos quais não disponho. Dessa forma, vou-me ater apenas a alguns exemplos citados no livro que, via de regra, servem igualmente para todo o resto, uma vez que a interpretação dos autores sobre as profecias bíblicas, a priori, parece distante de seu contexto histórico e possui viés tendencioso.

            A primeira profecia citada (p. 34) encontra-se no livro de Lucas (21:20), que diz:
“Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação”.
 Em seguida (p. 35), os autores dizem:
 “Parece bem claro que a cidade de Jerusalém está envolvida nesses acontecimentos finais, anunciados pelo profeta Daniel e retomados por Lucas, porque será sitiada pelos exércitos”.
Jerusalém foi destruída pelo menos três vezes: Em 587 a.C, por Nabucodonosor; Em 70 d.C por Tito; e em 135 por Adriano9. A qual destruição a profecia se referia? É fácil encontrarmos referências, por parte dos crentes na profecia, de que tal narrativa seria o cerco de Tito a Jerusalém, em 70 d.C, quando grandes atrocidades ocorreram. Flávio Josefo, historiador da época, escreveu:
“É então um caso miserável, uma visão que até poria lágrimas em nossos olhos, como os homens aguentaram quanto ao seu alimento [...] a fome foi demasiado dura para todas as outras paixões [...] a tal ponto que os filhos arrancavam os próprios bocados que seus pais estavam comendo de suas próprias bocas, e o que mais dava pena, assim também faziam as mães quanto a seus filhinhos [...] quando viam alguma casa fechada, isto era para eles sinal de que as pessoas que estavam dentro tinham conseguido alguma comida, e então eles arrombavam as portas e corriam para dentro [...] os velhos, que seguravam bem sua comida eram espancados, e se as mulheres escondiam o que tinham dentro de suas mãos, seu cabelo era arrancado por fazerem isso [...]” (Guerras dos Judeus, livro 5, capítulo 10, seção 3).
Sem adentrar o mérito da veracidade de tal profecia e considerando que os próprios estudiosos da Bíblia fazem referência ao cumprimento da mesma como sendo o ataque a Jerusalém em 70 d.C, por que razão traçar qualquer paralelo com o presente?

2.2  Profecias de João

Há apenas uma rápida citação sobre João (p. 33). No entanto, não vejo necessidade de maior aprofundamento. No livro de Apocalipse, capítulo 1, versículos 1 e 3, fica claro que as revelações de João se referiam a um curto período de tempo, sem relação, portanto, com o momento atual.

2.3  Profecias de Daniel

Essas profecias estão inseridas no Antigo Testamento, no período de reinado de Nabucodonosor II, algo em torno de 600 anos a.C. Os autores utilizaram-se de várias passagens do capítulo 8 do livro de Daniel (versículos: 13, 15, 17,18, etc.) que de fato falam sobre acontecimentos futuros (Dan. 8, 17), no intuito de fazer parecer presente o tempo da profecia.

No entanto, pulam os versículos 21 e 22 que exemplificam a visão de Daniel com acontecimentos ligados aos reinos da “Pérsia” e da “Grécia”, e passam direto para o versículo 23 (p. 34), no qual de fato se fala sobre um rei que se levantará e “será quebrado sem intervir mão de homem” (Dan. 8, 25). A própria profecia, no entanto, delimita as nações envolvidas (Dan. 8, 21-22). Mas, o que dizem os estudiosos da Bíblia? Muitos acreditam que tais profecias referem-se aos Romanos. Diz Edward O. Bragwell10: “Seria nos dias desses reis, os romanos, que o Deus do céu estabeleceria um reino que jamais haveria de ser destruído

Mais uma vez, o que se tenta contextualizar é tido, por parte dos estudiosos, como acontecimentos históricos, ou seja, já ocorridos, não havendo, portanto, relação com o presente. Os autores concluem que o trecho “mas será quebrado sem intervir mão de homem”, refere-se a desastres naturais a se realizarem em futuro breve (p. 34).

2.4  Profecias de Ezequiel e Zacarias

Novamente, os autores fazem uma relação extraordinária. Dizem (p. 36) – “É impressionante a descrição de Zacarias (Vers. 12 do Cap. 14) quanto às consequências da guerra, dá para supor que é um conflito nuclear, escrito há 2500 anos”. De trás, para frente, podemos dizer que a data é aproximadamente correta, apesar de que este capítulo tenha sido escrito, provavelmente, por volta de 300 a.C. Assim diz o versículo citado:
“Esta será a praga com que o Senhor ferirá todos os povos que guerrearam contra Jerusalém: apodrecer-se-á a sua carne, estando eles de pé, e se lhes apodrecerão os olhos nas suas órbitas, e a língua se lhes apodrecerá na boca”.
 Tal descrição refere-se às consequências de um ataque nuclear? É pouco provável. Na verdade, além de descrever a cruel concepção de Deus do Antigo Testamento, tido como “Senhor dos Exércitos”, tal versículo é apenas a demonstração do “poder de Deus” sobre os inimigos de seu povo. Todo o capítulo 14, como se vê nos versículos: 1, 3, 9, 16, 19, 21 etc., demonstram apenas como Deus iria ajudar o seu povo a conquistar Jerusalém. Mais uma vez, portanto, a descontextualização é flagrante.

 2.5  O Sermão Profético

Para fundamentar a atualidade da profecia de Jesus sobre as “tribulações”, os autores baseiam-se (p. 39) nos evangelhos de Mateus, capítulo 24; Marcos, capítulo 13 e Lucas, capítulo 21. Citam, principalmente, os versículos 6 e 8 do capítulo 24 de Mateus, que dizem:
“E ouvireis de guerras e de rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim”. (Mateus 24:6)
“Mas todas estas coisas são o princípio de dores.” (Mateus 24:8)
Para justificar a “grande tribulação [...] os momentos mais terríveis pelos quais a Terra vai passar brevemente” (p. 40), valem-se de Lucas:
“E haverá sinais no sol e na lua e nas estrelas; e na terra angústia das nações, em perplexidade pelo bramido do mar e das ondas”. (Lucas 21:25)
Esta última passagem de Lucas de fato é um tanto emblemática e não será analisada neste artigo. Todos os demais versículos reunidos transmitem a ideia de que grandes “tribulações” marcariam o fim dos tempos em acontecimentos futuros. Mas, o que os autores não mostraram?
Utilizando-se das mesmas referências originais, podemos ler em Mateus:
“Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam”. (Mateus 24:34)
Em Marcos:
“Na verdade vos digo que não passará esta geração, sem que todas estas coisas aconteçam”. (Marcos 13:30)
Em Lucas:
“Em verdade vos digo que não passará esta geração até que tudo aconteça”. (Lucas 21:32)
Ou seja, na sequência natural dos capítulos, os próprios Evangelistas escrevem que, seja quando for, tais profecias se cumpririam ainda na presente geração. Dessa forma, como podem ser um anúncio para o futuro, ou ainda, como pretendem os autores (p. 40), para o século XX?

3.   DIVERGÊNCIAS

3.1 Divergência em A Gênese

Ainda na introdução (p. 07), os autores citam um texto de A Gênese (itens 1 e 6 do capítulo XVIII), no qual se lê sobre as transformações que aguardariam a Terra, pois havia chegado o tempo de mudanças. Ressaltam que o processo de transformação era atual, não sendo, portanto, algo a se iniciar no futuro: encontrava-se em plena marcha, o que estou de acordo. Posteriormente (p. 08), os autores fazem crer que a suposta revelação de Chico Xavier sobre 2019, seja uma espécie de fase final do período de mudança assinalado pelos espíritos em A Gênese. O que há em comum entre as duas ideias? Posso resumir que ambas dizem que a humanidade irá melhorar-se continuamente, a ponto de, em dado momento, superar suas crises, inaugurando uma nova era de paz e prosperidade nunca antes vista na Terra. Mas, como isto se daria?

Segundo A Gênese de Allan Kardec (Cap. XVIII), cada vez mais, menos espíritos inclinados ao mal encarnariam e mais espíritos propensos ao bem viriam em seus lugares. Esse processo, consolidando-se através de várias gerações, povoaria nosso planeta de espíritos bons, que, parafraseando Carl Sagan, teriam mais de nossas virtudes e menos de nossas fraquezas. Contudo, segundo a tese apresentada pelos autores, isso também deve ocorrer. Porém,  com um limite: se, até 2019, a humanidade não mergulhar em conflitos bélicos de grandes proporções ou numa guerra nuclear (p. 51), fantásticos progressos seriam vistos. Mas, se o contrário acontecer, as próprias “forças da natureza” poriam fim à guerra. Mergulharíamos em trevas profundas (p. 52), propensos a “terremotos gigantescos; maremotos e ondas (tsunamis) consequentes; veríamos a explosão de vulcões há muito extintos” etc.

Todavia, os trechos citados de A Gênese, isoladamente, levam a uma interpretação equivocada daquilo que dizem em seu contexto original, como se pode ver:
“Mas, uma mudança tão radical como a que se está elaborando não pode realizar-se sem comoções.  Há, inevitavelmente, luta de ideias.  Desse conflito forçosamente se originarão passageiras perturbações, até que o terreno se ache aplanado  e  restabelecido  o  equilíbrio.  É,  pois,  da  luta  das  ideias  que surgirão os graves acontecimentos preditos e não de cataclismos ou catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais foram consequência do estado de formação da Terra. Hoje, não são mais as entranhas do planeta que se agitam: são as da Humanidade”. (Cap. XVIII, item 7)
 Há outra referência muito precisa sobre o assunto, da qual vou expor apenas o necessário:
“A Terra, no dizer dos Espíritos, não terá de transformar-se por meio de um  cataclismo  que  aniquile  de  súbito  uma  geração.  A  atual  desaparecerá gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma na ordem natural das coisas”. (Cap. XVIII, item 27)
“Tudo, pois, se processará exteriormente, como sói  acontecer,  com  a única, mas capital diferença de que uma parte dos Espíritos que encarnavam na Terra aí não mais tornarão a encarnar. Em cada criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e inclinado  ao  mal,  que  antes  nela  encarnaria, virá um Espírito mais adiantado e propenso ao bem”. (Cap. XVIII, item 27)
 Torna-se textualmente evidente que, para Kardec, o processo de transformação da Terra causaria conflitos de ideias e revoluções humanas, mas não desastres naturais. Dessa forma, fica enfraquecida a iniciativa de usar o livro A Gênese como base à revelação apresentada.

3.2 Escolhas individuais, decisões coletivas?

Segundo Geraldo Lemes (p. 51), Chico Xavier teria dito:
“Segundo a imposição do Cristo, as nações mais desenvolvidas e responsáveis da Terra deveriam aprender a se suportarem umas às outras, respeitando as diferenças entre si, abstendo-se de se lançarem a uma guerra de extermínio nuclear. A face da Terra deveria evitar a todo custo a chamada III Guerra Mundial”.
Essa opinião coloca como responsáveis pelo que ocorrer com o Planeta aqueles que governam as nações. Porém, logo em seguida, lê-se:
 “Ah! Geraldinho, caso a humanidade encarnada decida seguir o infeliz caminho da III Guerra Mundial, uma guerra nuclear de consequências imprevisíveis e desastrosas” [...] (p.52)
Ou ainda:
“Como poderemos facilmente concluir, tudo dependerá, em última análise, de nossas próprias escolhas, enquanto entidades individuais ou coletivas, para nosso progresso e ascensão espiritual” [...] (p. 58)
 Podemos facilmente compreender que o destino das nações está nas mãos dos governantes que podem, de um momento para o outro, reverter o cenário mundial, declarando uma guerra de grande abrangência, ainda que protestem seus cidadãos. A história já nos mostrou isso. Mas, como explicar este aparente paradoxo? Como as decisões pessoais poderiam intervir neste processo? Estariam referindo-se às revoluções populares como recentemente vimos na chamada primavera Árabe11?

Como eu poderia intervir caso algum país como a Coréia do Norte, por exemplo, decidisse declarar guerra contra a Coréia do Sul e isso – vamos supor – causasse um novo conflito global? Suspeito que uma grande parcela da população da Coréia do Norte não deseja um conflito dessa natureza, muito embora seus governantes talvez o façam.

 Exemplos assim abundam pelo mundo e somos obrigados a refletir: Seria justo que a humanidade inteira sofresse por um conflito que talvez seja decidido por meia dúzia de pessoas? Por que, ao invés de mergulhar o mundo em sombras e ficarmos à mercê dos cataclismos, esses espíritos causadores de conflitos não sejam, como propõe a obra de Kardec, simplesmente retirados da Terra para um mundo mais adequado ao seu progresso  em vez de mergulhar toda a humanidade, por decisões que, provavelmente, não teríamos nenhum tipo de controle, em uma era de sofrimento inimaginável? E as perguntas continuam.
Não obstante esse paradoxo, outro me parece saltar aos olhos, quando se lê:
“[...] Após o alvorecer do ano 2000 da Era Cristã, os espíritos empedernidos no mal e na ignorância não mais receberiam a permissão para reencarnar na face da Terra. Reencarnar aqui, a partir desta data, equivaleria a um valioso prêmio justo, destinado apenas aos espíritos mais fortes e preparados, que souberam amealhar, no transcurso de múltiplas reencarnações, conquistas espirituais relevantes como a mansidão, a brandura, o amor à paz e à concórdia fraternal entre povos e nações”. (p. 56)
Se, a partir do ano 2000, espíritos inclinados ao bem estão encarnando, em 2019 teremos apenas jovens com idade insuficiente para poderem administrar cargos de relevância nas decisões mundiais. Para ser presidente do Brasil, por exemplo, é necessário ter no mínimo 35 anos. O presidente mais jovem a assumir o poder foi Collor (1990) aos 40 anos de idade. O deputado mais jovem até o momento é Hugo Motta, que assumiu o poder aos 21 anos, etc. Que tipo de revolução poder-se-ia esperar dessa geração que supostamente está encarnando a partir de 2000? No momento em que escrevo, estamos no fim de Janeiro de 2012, e nestes 12 anos do novo século nada me leva a crer que uma revolução causada por essa faixa etária esteja por vir, mas posso estar errado.

Suponhamos, então, que desde o ano 2000 estejamos lidando com espíritos muito adiantados que possuem “conquistas espirituais relevantes como a mansidão, a brandura, o amor à paz e à concórdia fraternal entre povos e nações” (p. 56). Seria justo que essa geração de espíritos sofresse, como no exemplo anterior, os resultados de ações que provavelmente não teriam nenhum controle? Isto é, espíritos que viriam nos ajudar com seus bons pendores a desenvolver o mundo sofreriam, juntamente com os demais, um turbilhão de consequências sobre as quais não tiveram responsabilidade?

 4. REVELAÇÃO ou REINTERPRETAÇÃO?

 Se houvesse algum momento a partir da década de 1970 para que tal revelação pudesse ser dita de forma ampla para uma grande parcela da população brasileira, espírita e não-espírita, qual seria o momento ideal? Essa perguntou norteou meus pensamentos em busca de evidências de que, talvez, Chico Xavier tivesse feito menção à revelação. Tal situação parece ter ocorrido em 1971, no programa Pinga-Fogo, no qual se podem ver duas ocasiões que possuem grande semelhança com o relato de Geraldo Lemes.

Na edição de 1971, Helle Alves pergunta a Chico Xavier (34min.), sobre o avanço da humanidade, como afirmam os espíritas e outras correntes espiritualistas, fazendo um comparativo com as recentes guerras e crises, que não favoreciam a concepção de um melhoramento progressivo da Humanidade. Como Chico Xavier explicaria esse paradoxo? A resposta é transcrita abaixo conforme consta no áudio original:
“Esses fenômenos todos, diz nosso Emmanuel, que está presente, caracterizam mesmo o período de transformação em que nós nos encontramos. Diz ele: O nosso companheiro materialista, dirá: Natureza! – Mas, para nós, os religiosos, natureza é sinônimo de manifestação de Deus! Então, Deus cria a natureza, Deus cria a vida, mas o homem, os homens ou as mulheres do planeta, são filhos de Deus e podem modificar a criação de Deus. Nós nos encontramos no limiar de uma era extraordinária, se nos mostrarmos, capacitados coletivamente a recebê-la com a dignidade devida. Se, os países mais cultos do globo, puderem suportar a pressão de seus próprios problemas sem entrar em choques destrutivos, como por exemplo, guerras de extermínio, que deixarão consequências, imprevisíveis para nós todos no planeta [...] Então, veremos uma era extraordinariamente maravilhosa. A própria automação, diz ele [Emmanuel], nos está dizendo, que nós vamos ser aliviados ou quase que aposentados do trabalho mais rude no trato com o planeta, para a educação da nossa vida mental, através de informações do universo, com o proveito enorme, proveito incalculável, para beneficio da humanidade. Mas, isso terá um preço, terá o preço da paz. Se nós pudermos nos suportarmos uns aos outros, quando não nos pudermos amarmos uns aos outros, segundo os preceitos de Jesus, até que essa era prevaleça, provavelmente no próximo milênio, não sabemos se no princípio, se no meados ou se no fim. O terceiro milênio nos promete maravilhas. Mas, se o homem, filho e herdeiro de Deus, também se mostrar digno dessas concessões”.
Em outro momento, Saulo Gomes lê a pergunta de Luiz Lopes Correia (49min),  em que ele questiona se a humanidade entraria em contato com civilizações de outros planetas em tempo breve. Chico Xavier responde:
“Estamos subordinando a resposta ao mesmo critério com que foi estruturada a informação para a nossa estimada entrevistadora [Helle Alves] que falou sobre a nova era… Se, não entramos numa guerra de extermínio, nos próximos 50 anos, então, nós podemos esperar realizações extraordinárias da ciência humana partindo da lua. Então, diz o nosso Emmanuel, que está presente, que quando Cristovam Colombo perambulava pelas cortes Européias, pedindo socorro para descobrir um caminho mais fácil para as Índias, muita gente considerou o programa dele como absolutamente inútil a humanidade, que aquilo era uma despesa absolutamente inócua e que iria pesar demasiadamente no orçamento de qualquer povo, até que ele conseguisse o apoio de Fernando e Isabel, então soberanos de Castela. Mas, nós hoje sabemos, depois de cinco séculos quase – mais de quatro séculos – a importância do feito. Então, nós não podemos também acusar os nossos irmãos que estão se dirigindo à lua para pesquisas que devem ser consideradas da máxima importância para o nosso progresso futuro, porque as despesas efetuadas com isso serão naturalmente compensadas com, talvez, a tranquilidade para uma sociedade mais pacífica na Terra, porque se não entrarmos, por exemplo, num conflito de proporções imensas, então, na lua, é possível que o homem construa as cidades de vidro, as cidades estufas, onde cientistas possam estabelecer pontos de apoio para observação da nossa galáxia. Essas cidades não são sonhos da ciência! Essas cidades, naturalmente, com muito sacrifício da humanidade Terrestre, podem ser feitas e, provavelmente, vamos dizer, vai se obter, azoto e oxigênio e usinas, vamos dizer, de alumínio, e formações de vidro e matéria plástica da própria lua para construção destes redutos da ciência Terrestre e, provavelmente, a água será fornecida pelo próprio solo lunar. Então, teremos, quem sabe, a possibilidade de entrar em contato com outras comunidades da nossa galáxia. Então, vamos, definitivamente, encerrar o período bélico na evolução dos povos Terrestres, porque nós vamos compreender que fazemos parte de uma família Universal, que não somos o único mundo criado por Deus. O próprio Jesus, a quem reverenciamos como nosso Senhor e Mestre, disse: Há muitas moradas na casa de meu Pai. Portanto, nós precisamos prestigiar a paz dos povos, a tranquilidade de todos, com o respeito de todos, com a veneração máxima pela ciência, para que nós possamos auferir esses benefícios no futuro, talvez, mais próximo do que remoto. Se ‘nós fizermos por merecer’.
Eu não saberia dizer até que ponto tais informações eram mesmo previsões ou não mais do que projeções, expectativas, que, à época, se tinha sobre a tecnologia e o avanço da humanidade. É curioso, no entanto, observar: a) a importância da chegada do homem à Lua; b) o prazo de 50 anos para mudança de comportamento; c) a não concretização de uma nova grande guerra; d) as consequências positivas da não-realização de uma grande guerra, que são a essência da revelação trazida por Geraldo Lemes, encontram-se integralmente na resposta de Chico Xavier, 40 anos antes.

Apenas detalhes como: a) a reunião de espíritos angélicos na chegada do homem à Lua; b) as consequências negativas de uma Guerra Mundial ou nuclear; c) O papel do Brasil (não abordado neste artigo, por considerar este quesito especulação de uma especulação) d) os cataclismos decorrentes de uma Guerra Mundial; e) a reencarnação a partir do ano 2000 de espíritos bons; f) o período em torno de 1000 anos para recuperação da humanidade, caso o prazo de 50 anos não seja cumprido, é que não foram abordados nesse programa.

Dessa forma, pergunto-me: Seria a revelação de Geraldo Lemes não mais do que um enredo que tem por base as informações que Chico Xavier trouxe no programa Pinga-Fogo, em 1971?

 5.   CONCLUSÃO

A análise da obra “Não será em 2012”, na qual é dada publicidade a uma suposta revelação feita por Chico Xavier a Geraldo Lemes sobre o futuro da humanidade, possibilita observar uma série de argumentos pouco embasados, interpretações bíblicas tendenciosas, além de evidências de que elementos essenciais da “revelação” já haviam sido expostos em 1971, durante o programa Pinga-Fogo, cujo entrevistado era Chico Xavier.

Não foi encontrada nenhuma evidência forte o suficiente para crer que tal revelação tenha ocorrido, sendo preciso confiar no relato unilateral de Geraldo Lemes ou nas correlações estabelecidas por Marlene Nobre no Jornal A Folha Espírita, cujos textos formam a base do livro. Também não foi satisfatoriamente respondido o motivo pelo qual tal “revelação” ter sido ocultada do público durante tanto tempo.

 Antes da publicação deste artigo, um e-mail foi encaminhado para a editora a fim de que os erros encontrados (data da profecia Maia (p. 13); data da chegada do homem à Lua (p. 50) e a grafia do nome “Deodoro da Fonseca” (p.69)) possam ser corrigidos nas edições futuras.

O autor deste artigo não tem problema em rever seu ponto de vista e encontra-se aberto ao diálogo.
Autorizo o uso do presente artigo para fins não comerciais desde que citada a fonte.

Referências:

1 NOBRE, Marlene. Revelações apontam que o futuro da Terra está nas mãos do homem. Folha Espírita, Jabaquara, n. 439, maio 2011. Disponível, em: http://www.vinhadeluz.com.br//site/noticia.php?id=760. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
2 MAURA, RITA. Livro “Não será em 2012″ de Marlene Nobre e Geraldo Lemos Neto. Disponível, em: http://www.forumespirita.net/fe/livros/livro-’nao-sera-em-2012′-de-marlene-nobre-e-geraldo-lemos-neto/. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
3 AMPUDIA, Ricardo. Entenda o acidente nuclear em Fukushima, no Japão. Disponível, em: http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/pratica-pedagogica/entenda-acidente-nuclear-japao-621879.shtml. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
4 OLIVEIRA, Carlos. Fim do Mundo a 21 de Dezembro de 2012. Disponível em: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=21960&op=all. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
5 FREITAS, Amantino. O calendário é muito preciso. Disponível, em: http://www.folhaespirita.com.br/v2/node/207. Acesso, em: 13 de Fevereiro de 2012.
6 ROTHMAN. Paula. Calendário Maia não tem apocalipse, diz especialista. Disponível, em: http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/calendario-maia-nao-tem-apocalipse-diz-especialista-01122011-21.shl. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
7 TERRA. Erro: calendário Maia não acaba em 2012, diz pesquisador. Disponível, em: http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI4745350-EI8147,00-Erro+calendario+maia+nao+acaba+em+diz+pesquisador.html. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
8 WIKIPEDIA. Dissonância Cognitiva. Disponível, em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Disson%C3%A2ncia_cognitiva. Acesso: 14 de Fevereiro de 2012.
9  WIKIPEDIA. Destruição de Jerusalém. Disponível, em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Destrui%C3%A7%C3%A3o_de_Jerusal%C3%A9m. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
10 BRAGWELL, Eduard. Daniel – O Profeta do Reino. Disponível, em: http://www.estudosdabiblia.net/a13_14.htm. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.
11 ESTADÃO. Um ano de primavera Árabe, a primavera inacabada. Disponível, em: http://topicos.estadao.com.br/primavera-arabe. Acesso, em: 14 de Fevereiro de 2012.

Referência original:
NOBRE, Marlene; LEMOS, Geraldo. Não será em 2012: Chico Xavier revela a data-limite do velho mundo. São Paulo: FE editora, 2ª reimpressão, 2011.

Fonte: http://leonardomontes.wordpress.com/artigos/2019-2/. Publicado com a autorização do autor.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O Corpo Fluídico de Jesus

Por Maria das Graças Cabral

Interessante a palestra de Sérgio Aleixo, que fala sobre o corpo físico de Jesus e o seu desaparecimento do túmulo, segundo relatam os evangelhos cristãos - e como Kardec trata racionalmente do tema. Importante a abordagem do assunto, pois Roustaing na condição de grande opositor do Codificador da Doutrina Espírita, defende a tese de que Jesus teria um corpo fluídico diferenciado dos humanos encarnados no planeta Terra. Tese esta, defendida e acatada por inúmeros espíritas.

No que concerne ao confronto de Roustaing aos preceitos espíritas codificados pelo Mestre Lionês, faz-se por oportuno ressaltar, que todo o trabalho de sistematização dos Ensinamentos Espíritas, feito por Kardec, foi de forma efetiva supervisionado  e aprovado pelo Espírito da Verdade, que não deixava passar nada que não estivesse de pleno acordo com os propósitos e objetivos da Espiritualidade Superior.

Entretanto, o que mais nos espanta e preocupa, é que a Federação Espírita Brasileira, que se auto intitula "A Casa Mater" do Espiritismo, acolhe e defende as obras de Roustaing, reconhecidamente um dos grandes opositores de Kardec, desde de que este ainda estava encarnado!

Daí vem a indagação: - Como esta Federação pode ser considerada "Casa Mater" do Espiritismo? De que Espiritismo ela se considera representante?!

Na realidade, precisamos na condição de Espíritas, estar cada vez mais atentos às obras "validadas" pela FEB, pois são inúmeras as que deturpam e corrompem os preceitos doutrinários positivados nas Obras Fundamentais da  Doutrina dos Espíritos, além de ser a maior "exportadora" de tais obras para o mundo afora!

Observemos que, como assevera Sérgio Aleixo, até mesmo as traduções das obras fundamentais, apresentam deturpações preocupantes, valendo conferir o texto publicado neste Blog, intitulado "Tradutor, Traidor", de autoria do referido palestrante, e que assim mesmo vêm sendo publicadas sem nenhum critério de avaliação e/ou esclarecimento por parte da FEB.

Portanto, precisamos urgentemente mais e mais estudar Kardec, preocupados com a "fonte", e com o "tradutor", para que possamos identificar e denunciar as deturpações que destroem os princípios Espíritas, para que assim, as próximas gerações possam conhecer com fidelidade os ensinamentos libertadores e consoladores trazidos pelos Espíritos Superiores da Codificação Espírita!  

Assista ao vídeo de Sérgio Aleixo sobre o corpo fluídico de Jesus:

[ESE] - Buscai e Achareis

Por Allan Kardec

Ajuda-te E O Céu Te Ajudará


1 – Pedi, e dar-se-vos-á, buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque todo o que pede, recebe; e o que busca, acha; e a quem bate, abrir-se-á. Ou qual de vós, porventura, é o homem que, se seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, porventura, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma serpente? Pois se vós outros, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos Céus, dará boas dádivas aos que lhas pedirem. (Mateus, VII: 7-11).

2 – Segundo o modo de ver terreno, a máxima: Buscai e achareis, é semelhante a esta outra: Ajuda-te e o céu te ajudará. É o princípio da lei do trabalho, e por conseguinte, da lei do progresso. Porque o progresso é o produto do trabalho, desde que é este que põe em ação as forças da inteligência.

Na infância da Humanidade, o homem só aplica a sua inteligência na procura de alimentos, dos meios de se preservar das intempéries e de se defender dos inimigos. Mas Deus lhe deu, a mais do que ao animal, o desejo constante de melhorar, ou seja, essa aspiração do melhor, que o impele à pesquisa dos meios de melhorar a sua situação, levando-o às descobertas, às invenções, ao aperfeiçoamento da ciência, pois é a ciência que lhe proporciona o que lhe falta. Graças às suas pesquisas, sua inteligência se desenvolve, sua moral se depura. Às necessidades do corpo sucedem as necessidades do espírito: após o alimento material, ele necessita do alimento espiritual. É assim que o homem passa da selvageria à civilização.

Mas o progresso que cada homem realiza individualmente, durante a vida terrena, é coisa insignificante, e num grande número deles, até mesmo imperceptível. Como, então, a Humanidade poderia progredir, sem a preexistência e a reexistência da alma? Se as almas deixassem a Terra todos os dias, para não mais voltar, a Humanidade se renovaria sem cessar com as entidades primitivas, que teriam tudo a fazer e tudo a aprender. Não haveria razão, portanto, para que o homem de hoje fosse mais adiantado que o dos primeiros tempos do mundo,pois que, para cada nascimento, o trabalho intelectual teria de recomeçar. A alma voltando, ao contrário, com o seu progresso já realizado, e adquirindo de cada vez alguma experiência a mais, vai assim passando gradualmente da barbárie à civilização material, e desta à civilização moral. (Ver cap. IV, nº 17).

3 – Se Deus tivesse liberado o homem do trabalho físico, seus membros seriam atrofiados; se o livrasse do trabalho intelectual, seu espírito permaneceria na infância, nas condições instintivas do animal. Eis porque ele fez do trabalho uma necessidade, e lhe disse: Busca e acharás; trabalha e produzirás; e dessa maneira serás filho das tuas obras, terás o mérito da sua realização, e serás recompensado segundo o que tiveres feito.

4 – É em virtude da aplicação desse princípio que os Espíritos não vêm poupar ao homem o seu trabalho de pesquisar, trazendo-lhe descobertas e invenções já feitas e prontas para a utilização, de maneira a só ter que tomá-las nas mãos, sem sequer o incômodo de um pequeno esforço, nem mesmo de pensar. Se assim fosse, o mais preguiçoso poderia enriquecer-se, e o mais ignorante tornar-se sábio, ambos sem nenhum esforço, e atribuindo-se o mérito do que não haviam feito. Não, os Espíritos não vêm livrar o homem da lei do trabalho, mas mostrar-lhe o alvo que deve atingir e a rota que  leva a ele, dizendo: Marcha e o atingirás! Encontrarás pedras nos teus passos; mantém-te vigilante, e afasta-as por ti mesmo! Nós te daremos a força necessária, se quiseres empregá-la. (O Livro dos Médiuns, cap. XXVI, nº 291 e segs.).

5 – Segundo a compreensão moral, essas palavras de Jesus significam o seguinte: Pedi à luz que deve clarear o vosso caminho, e ela vos será dada; pedi a força de resistir ao mal, e a tereis; pedi a assistência dos Bons Espíritos, e eles virão ajudar-vos, e como o anjo de Tobias, vos servirão de guias; pedi bons conselhos, e jamais vos serão recusados; batei à nossa porta, e ela vos será aberta; mas pedi sinceramente, com fé, fervor e confiança; apresentai-vos com humildade e não com arrogância, sem o que sereis abandonados às vossas próprias forças, e as próprias quedas que sofrerdes constituirão a punição do vosso orgulho.

É esse o sentindo dessas palavras do Cristo: Buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á.

Olhai as Aves do Céu


6 – Não queirais entesourar para vós tesouros na Terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões os desenterram e roubam. Mas entesourai para vós tesouros no céu, onde não os consomem a ferrugem nem a traça, e onde os ladrões não o desenterram nem roubam. Porque onde está o tesouro, aí está também o teu coração.

Portanto vos digo: Não andeis cuidadosos da vossa vida, que comereis, nem para o vosso corpo, que vestireis. Não é mais a alma do que a comida, e o corpo mais do que o vestido? 

Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam, nem fazem provimentos nos celeiros; e, contudo, vosso Pai celestial as sustenta. Porventura não sois muito mais do que elas? E qual de vós, discorrendo, pode acrescentar um côvado à sua estatura?

E por que andais vós solícitos pelo vestido? Considerai como crescem os lírios do campo; eles não trabalham nem fiam; digo-vos mais, que nem Salomão, em toda a sua glória, se cobriu jamais como um destes. Pois se ao feno do campo, que hoje é e amanhã é lançado no forno. Deus veste assim, quanto mais a vós, homens de pouca fé?

Não vos aflijais, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos cobriremos? Porque os gentios é que se cansam por estas coisas. Porquanto vosso Pai sabe que tendes necessidade de todas elas. Buscai primeiramente o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas se vos acrescentarão. E assim não andeis inquietos pelo dia de amanhã. Porque o dia de amanhã a si mesmo trará seu cuidado; ao dia basta a sua própria aflição. (Mateus,  19-21, 25-34).


7 – Se tomássemos estas palavras ao pé da letra, elas seriam a negação de toda a previdência e de todo o trabalho, e conseqüentemente, de todo o progresso. Segundo esse princípio, o homem se reduziria a um expectador passivo. Suas forças físicas e intelectuais não seriam postas em atividade. Se essa tivesse sido a sua condição normal na Terra, ele jamais sairia do estado primitivo, e se adotasse agora esse princípio, não teria mais nada a fazer. É evidente que não poderia ter sido esse o pensamento de Jesus, porque estaria em contradição com o que ele já dissera em outras ocasiões, como no tocante às leis da natureza. Deus criou o homem sem roupas e sem casa, mas deu-lhe a inteligência para produzi-las.(Ver cap. XIV, nº 6 e cap. XXV, nº 2).

Não se pode ver nestas palavras, portanto, mais do que uma alegoria poética da Providência, que jamais abandona os que nela confiam, mas com a condição de que também se esforcem. É assim que, se nem sempre os socorre com ajuda material, inspira-lhes os meios de saírem por si mesmos de suas dificuldades. (Ver cap. XXVII, nº 8)

Deus conhece as nossas necessidades, e a elas provê, conforme for necessário. Mas o homem, insaciável nos seus desejos, nem sempre contenta-se com o que tem. O necessário não lhe basta, ele quer também o supérfluo. É então que a Providência o entrega a si mesmo. Freqüentemente ele se torna infeliz por sua própria culpa, e por não haver atendido as advertências da voz da consciência, e Deus o deixa sofrer as conseqüências, para que isso lhe sirva de lição no futuro. (Ver cap. V, nº 4).

8 – A Terra produz o suficiente para alimentar a todos os seus habitantes, quando os homens souberem administrar a sua produção, segundo as leis de justiça, caridade e amor ao próximo. Quando a fraternidade reinar entre os povos, como entre as províncias de um mesmo império, o que sobrar para um determinado momento, suprirá a insuficiência momentânea de outro, e todos terão o necessário. O rico, então, considerará a si mesmo como um homem que possui grandes depósitos de sementes: se as distribuir, elas produzirão ao cêntuplo, para ele e para os outros; mas, se as comer sozinho, se as desperdiçar e deixar que se perca o excedente do que comeu, elas nada produzirão, e todos ficarão em necessidade. Se as fechar no seu celeiro, os insetos as devorarão. Eis por que Jesus ensinou: Não amontoeis tesouros na Terra, pois são perecíveis, mas amontoai-os no céu, onde são eternos. Em outras palavras: não deis mais importância aos bens materiais do que aos espirituais, e aprendei a sacrificar os primeiros em favor dos segundos. (Ver cap. XVI, nº 7 e segs.).

Não é através de leis que se decretam a caridade e a fraternidade. Se elas não estiverem no coração, o egoísmo as asfixiará sempre. Fazê-las ali penetrar, é a tarefa do Espiritismo.

Não Vos Canseis Pelo Ouro


9 – Não possuais ouro nem prata, nem leveis dinheiro nas vossas cintas; nem alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem calçado, nem bordão, porque digno é o trabalhador do seu alimento.

10 – E em qualquer cidade ou aldeia que entrardes, informai-vos de quem há nela digno, e ficai ali até que vos retireis. E ao entrardes na casa, saudai-a, dizendo: Paz seja nesta casa. E se aquela casa na realidade o merecer, virá sobre ela a vossa paz; e se não o merecer, tornará para vós a vossa paz. Sucedendo não vos querer alguém em casa, nem ouvir o que dizeis, ao sair para fora da casa, ou da cidade, sacudi o pó de vossos pés. Em verdade vos afirmo isto: menos rigor experimentará no dia do juízo a terra de Sodoma e de Gomorra, do que aquela cidade. (Mateus, X: 9-15).


11 – Estas palavras, que Jesus dirigia aos seus apóstolos, ao enviá-los anunciar a boa nova pela primeira vez, nada tinham de estranho naquela época. Estavam de acordo com os costumes patriarcais do Oriente, onde o viajor era sempre bem recebido. Mas então eles eram raros. Entre os povos modernos, o aumento das viagens teria de criar novos costumes. Só encontramos agora os do tempo antigo nas regiões distantes, onde o tráfico intenso ainda não penetrou. Se Jesus voltasse hoje a Terra, não poderia mais dizer aos seus apóstolos: Ponde-vos a caminho sem provisões.

Juntamente com o seu sentido próprio, essas palavras encerram um sentido moral bastante profundo. Jesus ensinava, assim, aos seus discípulos, a se confiarem à Providência. Além, desde de que nada possuíam, eles não podiam tentar a cupidez dos que os recebiam. Era um meio pelo qual distinguiram os caridosos dos egoístas, e por isso lhes disse: “Informai-vos de quem é digno de vos receber”, ou seja, de quem é suficientemente humano para abrigar o viajor que nada pode pagar, porquanto esses são dignos de ouvir as vossas palavras e é pela sua caridade que os reconhecereis.

Quanto aos que nem sequer os quisessem receber, nem ouvir, o recomendou aos apóstolos que os amaldiçoassem? Ou recomendou que se impusessem a eles, e usassem de violência, para os constranger a se converterem?: Não, mas que se retirassem pura e simplesmente, à procura de gente de boa vontade.

Assim diz hoje o Espiritismo aos seus adeptos: Não violenteis nenhuma consciência; não forceis ninguém a deixar a sua crença para adotar a vossa; não lanceis o anátema sobre os que não pensam como vós. Acolhei os que vos procuram e deixem em paz os que vos repelem. Lembrai-vos das palavras do Cristo: antigamente o céu era tomado por violência, mas hoje o será pela caridade e a doçura. (Ver cap. IV, nº 10 e 11).

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 25
Tradução de José Herculano Pires