domingo, 1 de abril de 2012

O Espírito da Terra

Por Riviane Damásio

Miguel sentia que aquele dia seria diferente. Sempre que os dias passavam sem que chegassem novas mensagens ele se sentia assim...Na noite anterior, fez uma linda oração, pedindo a Deus que Tertuliano se comunicasse novamente se fosse de seu merecimento. Naqueles dias difíceis, suas palavras eram bálsamos aplacando a saudade desesperadora. Andou depressa pela rua sinuosa, procurando se proteger na sombra de velhas árvores que se enfileiravam na rua simples. As mensagens eram recebidas por Bernardo, que bondosamente lhe recebia na varanda da casa simples.

Desta vez, Tertuliano foi mais didático ao descrever seu novo mundo.

Dava detalhes recheados de poesia sobre suas impressões desde a sua chegada até aquele momento. Os olhos de Miguel se enchiam de lágrimas enquanto Bernardo lhe transmitia as palavras saudosas. Tertuliano contou do seu medo na chegada, dos amigos que partiram antes dele e lhe receberam e serviram de guia para enfrentar sua nova realidade. Segundo Tertuliano, o lugar era parecido com sua terra, mas de um jeito diferente. Muitas flores bem cuidadas cercavam os jardins das casas que não tinham muros nem cadeados. Nem sinal da violência que fora a causadora da sua partida inesperada. Falou também que o anoitecer lá era diferente, que o sol demorava a ir embora... E a comida... Ah! Não tinha todos os temperos com os quais estavam acostumados, mas o resultado era divino! Segundo os amigos, muito trabalho lhe esperava, e as recompensas certamente viriam após as árduas tarefas que lhe aguardavam. Contou também das leis rígidas do lugar, o que lhe havia surpreendido... Contou ainda dos novos amigos que vieram de diferentes lugares e reunidos pelo destino comum faziam juntos, reuniões de alegria, preces e lembranças de familiares.

Quando Tertuliano partiu, Miguel temeu nunca mais ter notícias do filho. Infelizmente, desgraçado pela sorte, nunca pode aprender a ler e a escrever e aquele nomezinho escrito por Tertuliano num saco de pipoca não faria sentido algum se Bernardo - ex-presidiário que estava terminando o ensino médio na escola onde Miguel há 20 anos vendia sua pipoca religiosamente na hora do recreio – não se oferecesse para intermediar o contato entre ele e seu filho que tinha ido para o estrangeiro, buscar uma vida melhor, após um assalto que lhe tirou o único bem que possuía: Seu taxi. Aquele nome no papel, segundo Bernardo, se chamava e-mail, e funcionava como uma ponte onde pai e filho poderiam se comunicar.

Miguel saiu da casa amarela, fechou o portão enferrujado atrás de si e sorrindo, pensou no futuro que lhe aguardava ao lado de Tertuliano, segundo o filho lhe prometera.

Passou por uma praça, sentou num banco, fez uma prece silenciosa e agradeceu a Deus por ter colocado Bernardo em seu caminho. Ao seu lado um livro esquecido por alguém estava aberto numa página que dizia o seguinte:

“573. Em que consiste a missão dos Espíritos encarnados?
— Instruir os homens, ajudá-los a avançar, melhorar as suas instituições por meios diretos e materiais. Mas as missões são mais ou menos gerais e importantes. Aquele que cultiva a terra cumpre uma missão, como aquele que governa ou aquele que instrui. Tudo se encadeia na Natureza; ao mesmo tempo que o Espírito se depura pela encarnação, também concorre por essa forma para o cumprimento dos desígnios da Providencia. Cada um tem a sua missão neste mundo, porque cada um pode ser útil em algum sentido”


Mas Miguel não leu. Levantou devagar e seguiu seu caminho ignorando o livro, desprovido que estava da capacidade de leitura, mas em seu coração intuía a força dos Espíritos da Terra.

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