terça-feira, 29 de setembro de 2009

Se Jesus já ensinou as Leis de Deus, qual a utilidade do Espiritismo?

Por André Luiz Formiga

É pergunta muito pertinente! Se pudermos analisar o Novo Testamento, com facilidade veremos que este é um repositório de sabedoria dos mais profundos.

Certa vez, Mahatma Ghandi, ainda na Inglaterra, foi persuadido a comprar a Bíblia. Ao ler o Sermão da Montanha ficou deleitado, as palavras foram ao fundo do seu coração. Então, declarou que amava Jesus, sendo acusado até de ser um cristão “secreto”. Ghandi era hindu e, neste século ainda, lutou pela independência da Índia contra a opressão britânica, com sucesso.

Kardec perguntou aos espíritos quem era o tipo mais perfeito para servir de guia e modelo ao homem. A resposta foi curta, Jesus.

Se Ele é, então, o exemplo de homem de bem, qual a contribuição que os espíritos podem nos oferecer? De que maneira o Espiritismo poderá contribuir para o progresso?

Toda religião ocidental se baseia nas revelações de Moisés e Jesus. A figura do Cristo surgiu numa era da Humanidade onde o Império Romano triunfava com violência sobre outros povos, dentre eles, o povo judeu, onde nasceu Jesus. Este povo guardava em suas convicções religiosas, a idéia de um Deus único, revelado por Moisés, mas que era muito temido por castigar aqueles que não seguissem suas instruções. Desta forma, Deus, para os judeus, era imbuido das paixões e dos vícios humanos.

Jesus surge tomando a antiga lei, abandonando a idéia de um Deus tirânico, revelando ao homem o Deus de Amor e Justiça para todos, imparcial, independente de raça ou condição social, acima das paixões transitórias. Vem revelar a vida futura e o que aguarda o homem depois de sua morte. Vem mostrar que para conseguir a verdadeira paz, basta somente que amemos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, o caminho da fraternidade.

O ponto capital da revelação do Cristo é a iminente transformação nas relações humanas. Estes, encarando a vida presente como secundária, deveriam “guardar tesouros no Céu”, abandonando o orgulho e o egoísmo. Infelizmente, é deste ponto que a Humanidade mais se afasta. Entretanto, Jesus já havia imaginado que isto ocorreria:

- “Muitas das coisas que vos digo ainda não as compreendeis e muitas outras teria a dizer, que não compreenderíeis; por isso é que vos falo por parábolas; mais tarde, porém enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito de Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas.” (Jo 14,16 - Mat 17)

Ao povo a quem falava, faltavam conhecimentos que só poderiam ser adquiridos com o tempo e sem os quais não entenderiam diversas coisas. Por isso usava as parábolas. A Democracia, a liberdade de expressão, a Física e a Química não existiam, assim, não pôde desenvolver seus ensinos de maneira completa, pois eles os achariam absurdos.

Jesus falou de um Consolador que restabeleceria todas as coisas pois já sabia que suas alegorias seriam mal interpretadas; explicaria e desenvolveria as que Ele não pôde dizer, pois sabia que com o tempo os homens progrediriam em Ciência e em Filosofia.

Depois de 18 séculos de conquistas, surge no mundo uma Ciência que revela o mundo dos Espíritos. O Espiritismo, partindo das próprias palavras do Cristo, como este partiu das de Moisés, é conseqüência direta da sua doutrina.

O Espiritismo amplia a idéia de uma vida futura mostrada por Jesus, com a revelação do mundo dos espíritos, dá a esta consistência, tornando-a realidade inconteste. A Doutrina dos Espíritos revela ao homem, os laços entre o mundo corpóreo e o espiritual, o objetivo real de sua existência na matéria e este pode vislumbrar a Justiça Divina por toda a parte.

A revelação da vida antes e depois da morte e a doutrina da reencarnação são, em si, tudo o que o Espiritismo vem somar aos ensinos de Jesus, a esperança numa vida futura é o próprio Consolador prometido.

O Espiritismo vem elucidar os pontos obscuros do ensino cristão no momento em que a razão atinge seu apogeu. Essa a contribuição do Espiritismo, a luta, através do esclarecimento, pelo fim do materialismo!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Nos domínios da fé e da razão

Por Mauro Baamonde

No conjunto de perspectivas da atualidade, nota-se que a ciência tem alcançado significativo êxito no que se refere às descobertas que direcionam todo o progresso da humanidade. São indiscutíveis os avanços que as abordagens científicas trazem para a sociedade, mas o que se nota hoje em dia, é um enfrentamento da ciência com a fé, combate este em que ambas estão em lados opostos e lutam para ter a razão em suas opiniões.

A ciência de um modo geral caracteriza-se por ser eminentemente materialista.Tendo como referência, por exemplo, os estudos de células tronco embrionárias e a questão do aborto, observaremos que existe uma separação bastante sedimentada entre a fé e a razão, ou melhor, uma separação entre a ciência humana e o pensamento religioso.

Esta tendência de separação absoluta entre fé e razão, não aconteceu em toda a história do conhecimento humano. Em outros termos, existiram momentos onde a fé e a razão estavam num caminho paralelo, e em outras circunstâncias onde ambas eram diametralmente justapostas. Houve, entretanto, no século XIX, a existência de um momento único onde uma nova doutrina buscou trazer novamente a fé para os domínios da razão, momento este em que elas pareciam estar definitivamente em lados opostos.

Caracterizando historicamente, devemos apontar o período Renascentista do século XVI como o marco inicial da separação da fé e da razão. O Renascimento inaugurou a chamada Idade Moderna, e com isso, dentro de todo um processo e não de forma abrupta, as reflexões deste tempo diferenciou-se dos da Idade Média. O pensamento a partir de então é pautado na idéia do humanismo, isto é, o homem como centro de todas as decisões. Na Idade Média, por outro lado, Deus é o centro de todas as coisas.

Outra diferença a se destacar, é o pensamento racionalista da renascença que se difere ao pensamento místico da Idade Média, razão que determina os usos e costumes distintos de ambos os tempos.

As mudanças nas quais foram iniciadas no Renascimento, só serão efetivamente implementadas no século XVIII com o Iluminismo, onde efetivamente a fé e a razão começam a ter contornos totalmente diferenciados, devido ao fato dos “filósofos das luzes” serem anticlericais, ou seja, contrários aos desígnios da igreja. Os ideais iluministas influenciaram o liberalismo econômico que deu uma propulsão maior ao capitalismo, e a Revolução Francesa que desencadeou o início do Estado laico que compreende a idéia de uma separação definitiva entre o Estado e a Igreja. Mudanças significativas ocorreram em toda a sociedade e que encaminharia inevitavelmente para o descrédito da idéia da harmonia entre a fé a razão.

O Espiritismo surge, contudo, com a proposta de trazer a fé e a razão para um domínio só, reavaliando o conceito de verdades dogmáticas, que se caracterizam por verdades absolutas e fora de qualquer tipo de investigação imparcial. Allan Kardec diz que a fé verdadeira é aquela que consegue enfrentar face a face a razão em todas as épocas da humanidade. Verifica-se desta forma que o Espiritismo rompeu com todo o padrão de uma época, restituindo uma separação que para todos era algo inevitável. A ciência espírita com suas abordagens e com os fatos delas decorrentes, prova de maneira clara e objetiva a imortalidade da alma e toda uma decorrência de fatores que diz respeito a essa idéia, como a reencarnação e a comunicabilidade com os espíritos.

.Verificamos que uma parte bem reduzida da ciência terrena já começa a prestar atenção em todo um mundo de possibilidades de entendimento acerca da vida espiritual, que sempre esteve ligada a nossa. Se tivermos como ponto de partida a idéia de que o mundo material e o espiritual estiveram sempre em permuta constante, isso corresponde a dizer que necessariamente para entendermos a nossa vida material, devemos compreender o mundo que o complementa, isto é, o mundo espiritual.

Portanto, o surgimento do Espiritismo bem como sua atuação na atualidade, é um marco para a história da humanidade, pois dentro de uma série de perspectivas, ele esteve na vanguarda de seu tempo, e hoje se afirma de maneira inquestionável na mesma proporção em que são inquestionáveis as suas descobertas e conclusões.

Fonte: Verdade e luz, edição nº 260, Setembro de 2007

Federação Espírita do Estado de Mato Grosso – www.feemt.org.br

domingo, 27 de setembro de 2009

O Que é praticar o Espiritismo?

Por Léon Denis

O Que é praticar o Espiritismo?


- Praticar o Espiritismo é:

1) invocar os Espíritos e se pôr em comunicação com o mundo invisível;

2) freqüentar assiduamente as reuniões espíritas;

3) desenvolver os dons de mediunidade que estão em germe em cada um de nós.

Que é invocar os Espíritos?

- É dirigir-lhes preces e lhes pedir luz, inspiração, ajuda e proteção.

A prece é então ouvida no mundo invisível?

- A prece é um transporte da alma, que abre um caminho fluídico no espaço; ela pode atingir os mais elevados Espíritos e chegar até Deus.

Qual é a melhor das orações?

- Toda oração é boa quando é uma elevação da alma e um apelo sincero do coração.

Que é uma reunião espírita?

- É um grupo composto de diversas pessoas unidas pela comunhão dos pensamentos, a afinidade dos fluidos e a concordância das vontades.

Como deve ser organizada uma reunião espírita?

- De um grupo de pesquisadores esclarecidos, de um presidente, de um ou vários médiuns, sob a proteção dos bons Espíritos.

Onde devem realizar-se essas reuniões?

- Não importa onde, porque o Espírito se manifesta onde quer, mas de preferência em lugar reservado, pois os bons Espíritos não gostam de se manifestar na confusão.

Deve-se reunir de dia ou de noite?

- Tanto de dia, como de noite, conforme os Espíritos decidirem; entretanto, a noite é mais propícia às comunicações com o mundo invisível.

Por que?

- Porque a atmosfera noturna é mais calma; a atividade do dia não interfere mais nas correntes das ondas magnéticas; nessas condições, é mais fácil estabelecer o caminho fluídico entre este mundo e o além. É, aliás, o que significa o provérbio antigo: “O dia é dos homens, a noite é dos deuses”, isto é, dos Espíritos.

Todas as reuniões espíritas produzem as mesmas revelações e os mesmos fenômenos?

- Não. Cada reunião tem sua característica, cada grupo sua fisionomia. Tudo depende da elevação dos Espíritos que se comunicam, das disposições íntimas dos assistentes e, sobretudo, do valor dos médiuns.

Num grupo espírita, os membros assistentes têm igualmente certos deveres a cumprir?

- Sim, e o primeiro de todos é de se unirem pela afinidade simpática dos fluidos e a concordância unânime das vontades. Uma única vontade discordante ou hostil neutraliza o fluido coletivo e pode impedir a comunicação. Não se deve jamais introduzir numa reunião um elemento novo, sem ter pedido antes a opinião do Espírito protetor do grupo, porque só ele julgará das afinidades fluídicas do recém-vindo.

Se os assistentes são movidos por simples sentimento de curiosidade ou de ceticismo, o que sucederá?

- Os assistentes têm a companhia dos Espíritos que merecem. Se eles são levianos, terão Espíritos levianos e mistificadores; se são corrompidos terão espíritos impuros e perversos, cujo contato, embora momentâneo, nunca é inofensivo.

Os grupos espíritas devem ser limitados quanto ao número de pessoas que os compõem?

- Não de uma forma absolutamente matemática; mas, como regra geral, os grupos menos numerosos são os mais unidos e, por consequência, os melhores.

Por que?

- Se já é difícil harmonizar os fluidos de cinco ou seis pessoas com os do Espírito, torna-se mais difícil ainda, quando os membros são mais numerosos. É bom não ser menos de três, nem mais de doze. Acrescentemos que é preferível reunir-se, tanto quanto possível, no mesmo local, nos mesmos dias e à mesma hora. Esses hábitos regulares favorecem sensivelmente a influência e a ação dos Espíritos.

A prática do Espiritismo não leva também algumas vezes ao suicídio ou à loucura?

- De maneira alguma. Se alguns casos de exaltação foram produzidos, é preciso observar que a ciência e a religião, que são duas coisas necessárias e muito elevadas, têm também, no curso dos séculos, uma, arruinado muitos cérebros; outra, produzido casos de loucura religiosa e cometido crimes odiosos. Não é, no entanto, uma razão para renunciar à religião que tem feito grandes almas, nem a ciência, que tem produzido grandes espíritos. Seria ilógico e injusto ver as coisas elevadas somente por seus pequenos e maus aspectos. Pelo fato de o cérebro humano não poder suportar o peso de certas revelações, só se pode concluir uma coisa: é que o invisível não tem limites e o homem é bem limitado diante do infinito.

Retirado do livro 'Síntese Doutrinária' – Léon Denis

Nem tudo é obsessão

Por Jânio Alves Cordeiro

É comum algumas pessoas acharem que tudo que acontece de errado em suas vidas é conseqüência de uma força sobrenatural que atrapalha a sua prosperidade.

Se não conseguem a promoção cobiçada no emprego foi enganado por seu superior, nunca por falta de experiência ou até competência. Se o carro quebrou, foi inveja do vizinho, e não por falta de manutenção. Se não acertou na loteria para comprar a sua casa é porque foi falta de sorte ou olho grande dos inimigos, e nunca por ser apenas um jogo.

Mas, a maior incompreensão, é acharem que quando adoecem, é porque estão com um obsessor ou "encosto". Colocam culpa no demônio, solicitam uma consulta em um Centro Espírita, pedem um padre exorcista para Igreja Católica ou a um Pastor Evangélico para expulsar o inimigo. Ou seja, recorrem a todos os segmentos religiosos, para resolverem um problema que alegam não serem deles. Porém, o que eles não conseguem perceber, é que na maioria das vezes a culpa de certas enfermidades físicas ou psíquicas, é produto da sua própria mente. Mente esta que guarda todas as culpas pretéritas ou presentes, que causa o desequilíbrio devido às perturbações do consciente. Desequilíbrio tanto espiritual, devido à estagnação evolutiva, evitando o esclarecimento, como o físico, porque a mente perturbada, saturada de remorsos por conduta incorreta, emana energias deletérias distribuídas pelo organismo e principalmente impregnadas no cérebro.

O desequilíbrio da mente, faz com que o comportamento da pessoa se altere aos poucos e de forma contínua. Começa com pequenos conflitos emocionais e alterações fisiológicas imperceptíveis, e à medida que se prolonga, pode alcançar a loucura e debilidade orgânica lastimável.

A mente humana pode ser comparada a uma usina de forças, e estando desequilibrada, emite energias destrutivas que podem atingir primeiramente o próprio organismo do emissor, e posteriormente a outros organismos em seu campo de ação. Essa energia deletéria pode causar danos irreversíveis ao organismo físico, levando o homem ao desencarne.

Portanto, antes de colocar a culpa em terceiros, principalmente nos desencarnados e prejudicar a sua saúde física e mental, observe a sua conduta moral e procure a resposta dentro de si.

Observe se você está de acordo com a Lei de Amor, Justiça e de Responsabilidade que o Pai estabeleceu para todos os seus filhos, para que a sua própria consciência não seja o seu juiz.

Concilia-te com teu inimigo enquanto estás a caminho, disse o Mestre. Esse inimigo pode ser a sua própria consciência a te cobrar uma conduta correta e a sua reforma íntima. Aproveite a oportunidade da reencarnação e comece o mais rápido possível a progredir, estudando e evoluindo espiritualmente.

Então, podemos concluir que nem tudo é obsessão, mas tudo é espiritual, porque todos nós somos Espíritos, com a oportunidade Divina de estarmos encarnados neste Planeta.

Misticismo nos Centros Espíritas

Por Orson Carrara

É clara a Doutrina Espírita em seus monumentais ensinamentos.

Nem sempre, porém, as Casas que a representam ou utilizam seu bom nome seguem corretamente suas orientações, enxertando-se de práticas estranhas, exóticas e totalmente distantes da prática espírita.

A prática espírita visa o bem da criatura humana, pelo esclarecimento e socorro que pode proporcionar e dispensa qualquer manifestação de ordem exterior ou material. Isto significa que o material utilizado pela prática espírita situa-se exclusivamente na mente e no coração. Mente para raciocinar, coração para sentir...

Vemos com total estranheza grupos que cobram pelos serviços que prestam. Centros que tornam o passe obrigatório ou transformam a mediunidade em consultório dos espíritos. São procedimentos distantes da Doutrina Espírita. São grupos mediúnicos porém, não espíritas. Vez por outra se defronta com locais onde a música e a prece se tornam rituais (ao invés de utiliza-las como recurso de aproximação com Deus). É o caso da prece demasiadamente longa ou repetitiva sem emoção conduzida como mera obrigação onde os presentes ao invés de senti-Ia pela emoção, repetem simplesmente pela boca. É a música quando se torna indispensável, misturando-se à atividade propriamente dita. É o apagar de luzes como ritual, é também o exigir-se um auto-passe para entrar no Centro (será que todo sabem o que é um auto-passe? Como faze-lo? etc. ). São grupos de estudos que vivem dependentes de orientação de espíritos desencarnados, a eles obedecendo cegamente, sem o discernimento analisar tais propostas e recomendações. É também o uso de imagens e roupas especiais no Centro. O benzimento de roupas e fotos, a valorização demasiada de passes e reuniões mediúnicas em detrimento do estudo...

É também a consulta aos espíritos para qualquer assunto, a realização de casamentos e batizados no Centro, etc. Como ficamos com Kardec?

No livro CIVILIZAÇÃO DO ESPÍRITO - Megatendências do século XXI - volume II (Lumen Editorial Ltda. -rua Conselheiro Ramalho, 946 - São Paulo-SP CEP 01325-000 - Fone: (01 1) 283-24 1 8 ), o autor DULCIDIO DIBO afirma que "(...) Admitimos que todo espírita crítico, consciente e não alienado de suas responsabilidades está no dever intransferível de lutar contra essas ondas de poluições mentais. Na verdade, ninguém tem o direito de cruzar os braços em nome de uma falsa tolerância com assuntos doutrinários, o que os levará à cumplicidade. Não há lugar para o Misticismo Popular nem para o Cientificismo vulgar na Doutrina Espírita.

Ora, sejamos coerentes com o que já sabemos. Dispensemos, sem medo de errar, práticas que nada têm a ver com a Doutrina. Há muito o que fazer, o que estudar. Como se envolver com questões distantes da Doutrina, quando ela nos pede o trabalho de ir ao encontro daquele que busca esclarecimento, que muito mais que solução de suas dificuldades pede apoio e orientação para saber corno defender-se...

O grande problema do uso dessas práticas que se introduzem dentro do Centro, muitas vezes sem se perceber, é que elas fogem dos objetivos primeiros do Centro Espírita e pior, criam dependências justamente em quem ali está para tornar-se independente. Não estamos no Centro para criar dependências de pessoas ou situações. Estamos no Centro para aprendermos a voar com as próprias asas do conhecimento e do amor, fazendo também isto pelo semelhante.

Como receita, que tal estudarmos Kardec, sem ficarmos presos a condicionamentos de fora?

Novas Idéias e a Doutrina Espírita

Por Deolindo Amorim (espírito)

Acho que ninguém tem dúvida da necessidade de fortalecer o pensamento espírita. Antes, porém, de pensar nisto ou em divulgá-lo, deve todo adepto sentir a necessidade de estabelecê-lo com firmeza e precisão para que não se espalhe e divulgue, como sendo espírita, aquilo que é apenas pensamento pessoal de um ou outro confrade, idéias que, se bem respeitáveis, não podem por si representar o pensamento doutrinário; não porque possam ser colocadas de lado como visceralmente errôneas, mas pelo fato de não terem ainda amadurecido suficientemente para que possam ser aceitas como fazendo parte do conteúdo doutrinário.

É esta falta de amadurecimento, ausência de reflexão, que produz a aceitação facilitada de toda idéia que surge no campo doutrinário, exposta por oradores, ou em livros e jornais, com completo esquecimento daquelas que constituem o pensamento da Doutrina, com enraizamento na codificação.

Por outro lado, existem companheiros que têm uma completa neofobia e rejeitam qualquer idéia que já não esteja sedimentada, esquecidos de que o Espiritismo não parou no tempo, nem pode paralisar-se, que ele tem de acompanhar o progresso das relações sociais, saber enfrentá-las e compreendê-las para ajustar ao seu pensamento, a fim de poder sobreviver aos desafios que os tempos hodiernos oferecem, sem o que correria o perigo de se ver ultrapassado, quando, sem dúvida, ele possui força suficiente para oferecer soluções certeiras, contanto que não se despreze a base doutrinária, que se a estude e compreenda.

Assim a questão não é citar Kardec, muitas vezes abusivamente, sem compreendê-lo suficientemente, para defender essa ou aquela idéia, ou para combater aqueloutra. O problema é de compreensão. Não se pode apenas amarrar um galho em uma árvore e pensar que se fez enxertia válida; por outro lado, realizar um enxerto exige cuidados para que a planta não morra e a árvore se revitalize. Uma idéia nova deve ser pensada, amadurecida, testada, antes que passe a fazer parte do contexto doutrinário, aceito. Até lá, é importante que as idéias sejam discutidas, sem afogadilho, cada um colaborando no seu exame, o que naturalmente não pode ser feito com paixões e interesses em jogo, uns e outros desconhecendo as lições já centenárias do mestre lionês. Sobretudo, se nos voltarmos para a história, veremos o método seguido por Allan Kardec no estabelecimento das bases doutrinárias, método ainda perfeitamente válido, apesar do tempo decorrido. Kardec não aceitou a própria explicação espírita do fenômeno que ele podia compreender, em face do seu conhecimento do magnetismo, sem antes experimentar, pensá-la com relação a outras possíveis soluções, a fim de buscar a causa mais simples e mais ampla na explicação das mesas que se moviam; procedeu prudentemente, e podemos acrescentar cientificamente, ao procurar uma causa que pudesse abranger a maior parte dos fenômenos (1). Mas, por outro lado, soube ver que nem todos eles procediam da comunicação dos chamados "mortos", e que, em determinados casos, certos indivíduos poderiam provoca-los sem auxílio, ao menos direto, dos Espíritos. Aí, já estamos no terreno do animismo, e Kardec soube reconhecê-lo, antecipando-se, portanto, às críticas dos que, posteriormente, como Hartmann, nele criam encontrar a explicação de toda a fenomenologia espírita (2). Tudo isso foi feito com tempo, amadurecendo as idéias no silêncio da noite, sem apressuramento, sabendo modifica-las e ajustá-las à realidade. Soube assim alterar seu próprio pensamento - refiro-me ao período Rivail -, mas com isto não aderiu a tudo o que os Espíritos trouxeram, fosse qual fosse o nome subscritor da mensagem, por mais respeitável tivesse sido esse nome na Terra, ou a honra que se lhe tributasse. Em O Livro dos Espíritos, colheu de toda a parte, pois lhe interessava saber aspectos reais da vida espírita, e não apenas como pensavam os anjos já desligados das duras fases de evolução no planeta(3). Não teve preferências mediúnicas; importava saber se a mensagem poderia suportar o exame do raciocínio, num momento em que a "dona razão" sofria de uma exacerbação, muito compreensível por sinal, por terem as religiões olvidado o respeito ao homem, impingindo-lhe certos posicionamentos fideístas que escorraçavam sua própria dignidade, tornando-o um joguete do fanatismo e da ortodoxia. A Inquisição pode falar historicamente sobre isto.

Pois bem, o modo de proceder do mestre deve ser seguido. Para não alongar-me mais, devo dizer que, se o movimento espírita assim proceder, terá capacidade de absorver toda idéia nova qualquer que seja sua fonte científica ou filosófica, contanto que se mostre verdadeira, depois de convenientemente testada, sem que com isto desfiguremos a Doutrina, nem a tornemos obtusa e envelhecida, voltando as costas ao progresso (4).

Meio termo em tudo. Mas se posso recomendar algo é que as lições de Kardec possam ser estudadas com mais profundidade para que se possa reconhecer seu verdadeiro pensamento.

Texto extraído do livro Espiritismo em Movimento, psicografado pelo médium Elzio Ferreira de Souza, e publicado pelo Círculo Espírita da Oração de Salvador.

NOTAS DE ELZIO FERREIRA DE SOUZA

(1) vide Oeuvres Posthumes - "Minha primeira iniciação no Espiritismo", p. 243 s. (retorna ao texto)

(2) Eduard Von Hartmann, um dos grandes filósofos do inconsciente ao lado de Carl Gustav Carus (1789-1869) e Arthur Schopenhauer (1788-1869), escreveu um livro intitulado O Espiritismo, publicado em 1885, em que procurou explicar os fenômenos mediúnicos com base no animismo. Alexander Aksakof replicou a tese em seu livro Animismo e Espiritismo (1890) , que foi traduzido para o português a partir da edição francesa e editado pela Federação Espírita Brasileira. Em 1869, Hartmann publicou sua famosa obra Filosofia do Inconsciente em que descreveu três estratos do inconsciente: "1) o inconsciente absoluto que constitui a substância do universo e a fonte das outras formas de inconciente; 2) o inconsciente fisiológico, que, do mesmo modo que o inconsciente de Carus, opera na origem, desenvolvimento e evolução dos seres vivos, incluindo o homem; 3) O inconsciente relativo ou psicológico, que jaz na origem de nossa vida mental consciente" (H. F. Ellenberger - El Descubrimiento del Inconsciente, p. 247).

Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, ainda que não se utilizasse do termo animismo, reportou-se aos casos de indivíduos capazes de produzir fenômenos de efeitos físicos ou intelectuais sem a intervenção de Espíritos - n.º 74, XX e n.º163 (pessoas elétricas, torpedos humanos); n.º 172 a 174 (sonâmbulos). Além de dedicar todo o capítulo XIX ao estudo da influência anímica do médium nas comunicações - "Do papel dos médiuns nas comunicações espíritas" (vide, sobretudo o n.º 223, 2.a, 3.a, 4.a e 5.a questões), ao estudar a influência moral do médium (cap. XX), referiu-se, no item n.º 230, às intervenções anímicas deste nas comunicações espirituais. Além disso, Kardec já recolhia ali o ensino dos Espíritos sobre a existência de visões que eram simples efeitos da imaginação, constituindo-se em verdadeiras alucinações sem base espiritual (n.º 113). O mesmo sobre alucinações sonoras (n.º 151). E, na Revista Espírita de maio de 1865, transcreveu uma mensagem do Espírito Georges, sob o título - "Estudo sobre a mediunidade", em que é feita a diferença entre os médiuns inspirados pelos fluidos espirituais e os que agem apenas sob o impulso do fluido corporal, fazendo, em seguida, considerações a respeito (p. 149-150).

António J. Freire (Ciência e Espiritismo, p. 155) relembrou que, já nos primórdios do Espiritismo, observadores e experimentadores, como Andrew Jackson Davis, em 1855, Metzger e outros, entre os quais o célebre médium intuitivo americano Hudson Tuttle, salientaram a origem humana de muitas mensagens.

Hudson Tuttle, um dos pioneiros da mediunidade e da literatura espírita nos Estados Unidos, em seu livro Mediumship and Its Laws, chamava, inclusive, a atenção sobre a participação anímica do médium na comunicação mediúnica; segundo as observações feitas, a comunicação obtida por cada médium tem um tom ou cor própria de cada um deles, como se fosse proveniente do seu cérebro, ou de um único controle (p. 44). "Quanto mais perfeitamente o caráter do médium concordar com o do Espírito, mais perfeitas serão as comunicações transmitidas. A eliminação da influência do médium exigiria o mais atento cuidado" (p.45).

Por sua vez, Léon Denis (No Invisível, p. 88 - 89) advertiu que a união de forças e vontade dos assistentes podia "ser suficiente para provocar efeitos físicos e mesmo fenômenos intelectuais, que vão logo sendo atribuídos à intervenção de personalidades invisíveis", sendo medida de prudência e de bom aviso "só admitir, por conseguinte, essa intervenção, quando estabelecida por fatos rigorosos'. Vide ainda p. 93 - 94. (retorna ao texto)

(3) "(...); segundo ponto, não menos importante, era conhecer o estado deste mundo, seus costumes, se assim se pode exprimir; eu vi logo que cada Espírito, em razão de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, desvelava-me uma face, da mesma maneira que se chega a conhecer o estado de um país, interrogando-se os habitantes de todas as classes e de todas as condições, cada um podendo ensinar-nos alguma coisa, e nenhum, individualmente, podendo ensinar-nos tudo; é ao observador que cabe formar o conjunto com a ajuda dos documentos recolhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e conferidos uns com os outros" (Oeuvres Posthumes - "A minha primeira iniciação no Espiritismo", p. 244). Vide também - Qu' est-ce que le Spiritisme ?: 2.º diálogo ("Diversidade dos Espíritos", p. 67-71); Revista Espírita, abril de 1866, p. 103 ("Da revelação"); Le Livre des Esprits, Introdução, n.º X, XII e nota ao n.º 613. (retorna ao texto)

(4) Ensinava Kardec - "O Espiritismo não admite, pois, como princípio absoluto senão o que está demonstrado com evidência, ou o que resulta logicamente da observação. Tocando todos os ramos da economia social, às quais empresta o apoio de suas próprias descobertas, ele assimilará sempre todas as doutrinas progressistas, de qualquer ordem que sejam, alcançado o estado de verdades práticas e saídas do domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria; em cessando de ser o que é, ele desmentiria a sua origem e o seu fim providencial." (La Genèse, cap. I:55)

Primeira edição de "O Livro dos Espíritos" será lançado na FEPB

O escritor e palestrante Octávio Caúmo Serrano assina uma iniciativa muito importante de resgate do nascedouro da Doutrina Espírita. Ele reproduziu a primeira edição de O Livro dos Espíritos, uma raridade com edição esgotada, mas que agora já está disponível para a comunidade espírita. Neste domingo, 27/09, às 17h, o livro será lançado na Federação Espírita Paraibana, onde, na ocasião, Caúmo nos brindará com uma palestra sobre o tema da obra.

Primando para facilitar a compreensão do leitor, Caúmo compôs as duas primeiras partes, com perguntas e respostas na coluna da esquerda e os respectivos comentários, como texto corrido, na coluna da direita. Isso numa linguagem sintética e objetiva.

Enfim, após debruçar-se sobre a tarefa de recuperar, digitar, revisar, além de processar a atualização gramatical, Caúmo transformou o que era uma relíquia, com privilégio de poucos, no fácil alcance de qualquer um, que se interessar em conhecer o conteúdo original do Espiritismo, em 501 perguntas e respostas. Exatamente 152 anos depois.

Escritor e palestrante espírita, este paulistano optou por habitar no solo paraibano há cerca de treze anos.

Portal ClickPB

sábado, 26 de setembro de 2009

OLM - Da Mediunidade nos Animais

Fonte: KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução e comentários de Herculano Pires.

234. Os animais podem ser médiuns? Freqüentemente se tem proposto esta questão, e certos fatos pareciam respondê-la afirmativamente. O que, sobretudo, tem dado motivo a aceitá-lo, são os notáveis indícios de inteligência de alguns pássaros educados pelo homem, que parecem adivinhar o pensamento e chegam a tirar de um maço de cartas as que correspondem exatamente ao pedido feito. Observamos essas experiências com especial cuidado, e o que mais admiramos foi à arte que se teve de desenvolver para a instrução desses pássaros.

Não se pode negar que eles possuem uma certa dose de inteligência relativa, mas devemos convir que, na circunstância aludida, sua perspicácia ultrapassaria de muito a do homem, porque ninguém se pode vangloriar de fazer o que eles fazem. Seria mesmo necessário,para certos casos, supor que eles possuem um dom de segunda vista superior ao dos sonâmbulos mais clarividentes. Sabemos, com efeito, que a lucidez é essencialmente variável e está sujeita a freqüentes intermitências, enquanto entre esses pássaros seria permanente e funcionaria, no caso, com uma regularidade e uma precisão que não se encontram em nenhum sonâmbulo.

Numa palavra: ela jamais lhes faltaria.(1)

A maioria das experiências que presenciamos assemelham-se às práticas dos prestidigitadores. Não podia deixar dúvidas quanto aos meios empregados particularmente o das cartas preparadas. A arte da prestidigitação consiste em dissimular os truques empregados sem o que o efeito não seria atingido. Mas embora assim reduzido o caso não é menos interessante, pois resta sempre a admirar o talento do instrutor e também a inteligência do aluno, porque a dificuldade a vencer é bem maior do que se o pássaro só tivesse de agir através das suas próprias faculdades. Conseguir que ele faça coisas que excedem os limites do possível para a inteligência humana é provar, por esse mesmo fato, o emprego de um processo secreto. Aliás, é inegável que os pássaros só atingem esse grau de habilidade após algum tempo de cuidados especiais e perseverantes,o que não seria necessário se sua inteligência bastasse para levá-los aos resultados. Não é mais extraordinário ensinar-lhes a tirar cartas do que habituá-los a cantar ou repetir palavras.

Aconteceu o mesmo quando a prestidigitação quis imitar a segunda vista: levava-se o sujeito ao extremo, para que a ilusão fosse mais durável. Desde a primeira sessão que assistimos, nada mais vimos do que umas imitações muito imperfeitas do sonambulismo, revelando ignorância das condições mais característica dessa faculdade.(2)

235.De qualquer maneira, as experiências acima deixam intacta a questão principal, pois assim como a imitação do sonambulismo não nega a existência da faculdade, a imitação da mediunidade nos pássaros nada prova contra a sua possível existência nesses ou em outros animais. Trata-se pois de saber se os animais são aptos, como os homens, a servir de intermediários aos Espíritos para as suas comunicações inteligentes. Parece mesmo muito lógico supor que um ser vivo, dotado de certo grau de inteligência, seja mais apropriados a esses efeitos do que um corpo inerte, sem vitalidade, como uma mesa, por exemplo. Apesar disso, é o que não se dá.

236. A questão da mediunidade dos animais foi plenamente resolvida na dissertação seguinte, feita por um Espírito cuja profundidade e sagacidade podem ser apreciadas nas citações que já fizemos. Para bem se aprender o valor de sua demonstração é essencial que nos reportemos à sua explicação anterior sobre o papel do médium nas comunicações reproduzidas atrás, no nº 225.

Esta comunicação foi dada em seguida a uma discussão a respeito, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:

Abordo hoje a questão da mediunidade dos animais, levantada e sustentada por um dos vossos companheiros mais fervorosos. Pretende ele, em virtude deste axioma: quem pode mais, pode o menos, que nós podemos mediunizar os pássaros e outros animais, servindo-nos deles nas comunicações com a espécie humana. É o que chamais em Filosofia, e mais particularmente em lógica, única e simplesmente um sofisma. “Animais, diz ele, a matéria inerte, ou seja, uma mesa, uma cadeira,um piano, com mais razão deveis animar a matéria já animada, principalmente a dos pássaros”. Pois bem, dentro das leis normais do Espiritismo, isso não é assim e não pode ser assim.

Primeiro, ponderemos bem as coisas. O que é um médium? É o ser, indivíduo que serve de intermediário aos Espíritos, para que estes possam comunicar-se facilmente com os homens, espíritos encarnados. Por conseguinte, sem médium não há comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, de qualquer espécie que seja.

Há um princípio que, disso estou seguro, é admitido por todos os espíritas: o de que os semelhantes agem através dos semelhantes e como os seus semelhantes. Ora, quais são os semelhantes dos Espíritos, senão os Espíritos encarnados ou não? Seria preciso repetir isto sem cessar? Pois bem, eu o repetirei ainda: o vosso perispírito e o nosso são tirados do mesmo meio, são de natureza idêntica, são semelhantes, numa palavra. Possuem ambos uma capacidade de assimilação mais ou menos desenvolvidos, de imantações mais ou menos vigorosas, que permite a nós Espíritos e encarnados, pôr-nos muito pronta e facilmente em relação. Enfim, o que pertence especificamente aos médiuns à essência mesma de sua individualidade, é uma afinidade especial, e ao mesmo tempo uma força de expansão particular, que anulam neles toda possibilidade de rejeição, estabelecendo entre eles e nós uma espécie de corrente ou de fusão, que facilita as nossas comunicações. É, de resto, essa possibilidade de rejeição, própria da matéria, que se opõe ao desenvolvimento da mediunidade na maioria dos que não são médiuns.(3)

Os homens estão sempre propensos a exagerar tudo. Uns, e não me refiro aqui aos materialistas, recusam uma alma aos animais, enquanto outros querem dar-lhes uma, por assim dizer, semelhante à nossa. Porque pretender assim confundir o perfectível com o imperfectível? Não, não, convencei-vos disso, — o fogo que anima os animais, o sopro que o faz agir, movimentar-se e falar na sua linguagem própria, não tem, quanto ao presente, nenhuma aptidão para se mesclar, se unir ou se confundir com o sopro divino, a alma etérea, o Espírito, numa palavra, que anima o ser essencialmente perfectível: o homem, esse Rei da criação. Ora, não é isso que faz a superioridade da espécie humana sobre as outras espécies terrenas, essa condição essencial de perfectibilidade? Pois bem: reconhecei então que não se pode assimilar ao homem, único perfectível em si mesmo e nas suas obras, qualquer indivíduo de outras espécies viventes da Terra.

O cão,cuja inteligência é superior os animais e o tornou amigo e comensal do homem, será perfectível por si mesmo e por sua própria iniciativa? Ninguém ousaria sustentar isso, porque o cão não faz progredir o cão. E o mais amestrado entre eles é sempre ensinado pelo seu dono. Desde que o mundo é mundo que a lontra constrói a sua choça sobre as águas, sempre com as mesmas proporções e seguindo um sistema invariável. Os rouxinóis e as andorinhas jamais construíram seus ninhos de maneira diferente dos seus ancestrais. Um ninho de pardais de antes do dilúvio, como um ninho de pardais de hoje é sempre o mesmo, feito nas mesmas condições e pelo mesmo sistema de entrelaçamento de capins e pauzinhos recolhidos na primavera, na época dos amores. Às abelhas e as formigas, em suas pequenas repúblicas organizadas, jamais variaram os seus hábitos de coleta de provisões, a sua maneira de agir, os seus costumes e as suas produções. Por fim, a aranha tece sempre a sua teia da mesma maneira.

De outro lado, se procurardes as cabanas de ramagens e as tendas das primeiras idades da Terra, encontrareis em seu lugar os castelos e os palácios da civilização moderna. Às vestes de peles selvagens sucederam os tecidos de ouro e seda. Enfim, a cada passo encontrareis a prova da marcha incessante da Humanidade em seu progresso.

Desse progresso constante, invencível, irrecusável da espécie humana, e do estacionamento indefinido das outras espécies animadas, concluireis comigo que se existem princípios comuns a tudo o que vive e se move na Terra: o sopro e a matéria, não é menos verdade que somente vós, Espíritos encarnados, estais submetidos a essa inevitável lei do progresso que vos impele fatalmente para frente e sempre para frente. Deus pôs os animais ao vosso lado como auxiliares para vos alimentares, para vos vestirem e vos ajudarem. Deu-lhes um pequeno grau de inteligência porque, para vos auxiliar, precisam compreender, e condicionou essa inteligência aos serviços que devem prestar. Mas, na sua sabedoria não quis que fossem submetidos à mesma lei do progresso. Tais como foram criados, assim ficaram e ficarão até a extinção de suas espécies.(4)

Costuma-se dizer: os Espíritos mediunizam e fazem mover-se a matéria inerte, as cadeiras, as mesas, os pianos. Fazem mover, sim, mas mediunizam, não! Porque, ainda uma vez: sem médium, nenhum desses fenômenos se produz. Que há de extraordinário em fazermos que se mova, com a ajuda de um ou de muitos médiuns, a matéria inerte, passiva, que justamente em razão de sua passividade, de sua inércia, está em condições de receber os movimentos e os impulsos que lhe desejamos dar? Para isso necessitamos de médiuns, é claro, mas não é necessário que o médium esteja presente ou consciente, porque podemos agir com os elementos que ele nos fornece, sem que ele o saiba e longe dele, sobretudo nos fenômenos de tangibilidade e de transportes. Nosso envoltório fluídico, mais imponderável e mais sutil que o mais sutil e imponderável de vossos gases, unindo-se, casando-se, combinando-se com o envoltório fluídico mais animalizado do médium, e cuja propriedade de expansão e de penetrabilidade escapa aos vossos sentidos grosseiros e é quase inexplicável para vós, permite-nos movimentar os móveis e até mesmo quebrá-los em aposentos vazios.

Certamente os espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis para os animais, e muitas vezes o pavor súbito que os toma., e que vos parece sem motivo, é causado pela visão de um ou de muitos desses Espíritos, mal intencionados em relação aos indivíduos presentes ou aos seus donos. Muito freqüentemente se vêem cavalos que se recusam a avançar ou recuar, ou que se empinam diante de um obstáculo imaginário. Pois bem! Podeis estar certos de que o obstáculo imaginário é quase sempre um Espírito ou um grupo de Espíritos que se comprazem em detê-los. Lembrai-vos da mula de Balaão, que, vendo um anjo pela frente e temendo sua espada flamejando, não queria avançar. É que antes de se manifestar visivelmente a Balaão, o anjo quis torna-se visível apenas para o animal. Mas, quero repeti-lo: não mediunizamos diretamente nem os animais nem a matéria inerte. Precisamos sempre do concurso consciente ou inconsciente de um médium humano, porque necessitamos da união dos fluidos similares, que não encontramos nos animais nem na matéria bruta.

O Sr. T., dizem, magnetizou o seu cão. A que resultado chegou? Matou-o. Porque esse infeliz animal morreu depois de haver caído numa espécie de atonia, de langor, conseqüência de sua magnetização. Com efeito, infiltrando-lhe um fluido haurido numa essência superior à essência especial da sua natureza, ele o esmagou, agindo sobre ele, embora mais lentamente, à semelhança do raio. Assim, não havendo nenhuma possibilidade de assimilação entre o nosso perispírito e o envoltório fluídico dos animais propriamente ditos, nós os esmagaríamos imediatamente ao mediunizá-los.(5)

Isso estabelecido, reconhece perfeitamente a existência de aptidões diversas entre os animais; que certos sentimentos, certas paixões idênticas a paixões e sentimentos humanos se desenvolvem neles; que são sensíveis e reconhecidos, vingativos e rancorosos, segundo o tratamento bom ou mau que lhes dispensarmos. É que Deus, nada fazendo incompleto, deu aos animais, companheiros e servidores do homem, as qualidades de sociabilidade que faltam inteiramente nos animais selvagens que habitam as solidões. Mas daí a poderem servir de intermediários para a transmissão do pensamento dos Espíritos vai um abismo: a diferença das naturezas.(6)

Sabeis que tiramos do cérebro do médium os elementos necessários para dar ao nosso pensamento a forma sensível e apreensível para vós. E com o auxílio dos seus próprios materiais que o médium traduz o nosso pensamento em linguagem vulgar. Pois bem: que elementos encontraríamos no cérebro de um animal? Haveria ali palavras, letras, alguns sinais semelhantes aos que encontramos no homem, mesmo o mais ignorante? Não obstante, direis, os animais compreendem o pensamento do homem, chegam mesmo a adivinhá-lo. Sim, os animais amestrados compreendem certos pensamentos, mas acaso já os vistes reproduzi-los? Não. Concluí, pois, que os animais não podem servir-nos de intérpretes.(7)

Para resumir: os fenômenos mediúnicos não podem produzir-se sem o concurso consciente ou inconsciente dos médiuns, e é somente entre os encarnados, Espírito como nós, que encontramos o que podem servir-nos de médiuns: Quanto a ensinar cães, pássaros e outros animais, para fazerem estes ou aqueles serviços, é problema vosso e não nosso – ERASTO

Nota de Kardec: Na Revista Espírita de setembro de 1861 encontra-se a explicação minuciosa de um processo empregado pelos amestradores de pássaros sábios, para fazê-los tirar de um maço as cartas que se quiserem. (N. de Kardec)

(1) Esta observação de Kardec sobre a variabilidade da percepção sonambúlica da clarividência está hoje cientificamente comprovada. É mesmo um dos obstáculos à aplicação prática de percepção extra sensorial em Parapsicologia. Não admitindo que se trata de emancipação da alma, com todas as implicações psicológicas decorrentes desse desprendimento, os parapsicólogos materialistas são levados às hipóteses mais curiosas a respeito. (N. do T.)

(2) O conhecimento dessas características torna ridícula para os experimentadores traquejados, as imitações com que os adversários pretendem provar que os fenômenos não passam de fraudes. Estes possuem elementos que só nas pesquisas regulares vão se revelando, e que não podem ser imitados. (N. do T.)

(3) Trata-se do fluido vital específico dos organismos humanos, correspondentes a uma constituição física superior no plano evolutivo. É evidente que os animais não dispõem desse grau do fluido vital humano, de maneira que a resistência da matéria é neles maior, não permitindo a fusão fluídica necessária às comunicações. (N. do T.)

(4) Todo este período deve ser compreendido em função do assunto, não se tirando ilações contrárias aos princípios fundamentais da Doutrina, o que seria absurdo, O Espiritismo ensina que tudo evolui no Universo, desde a matéria bruta até os Espíritos superiores. Os animais também evoluem, mas sua evolução é forçada e lenta, produzida por influências exteriores, enquanto a humana é determinada de dentro, pela consciência do Espírito já esclarecido do homem. O Espírito comunicante serviu-se das condições de aparente estabilidade da vida terrena para ilustrar o seu ensino. Trata-se apenas de um recurso didático aliás bem aplicado, e que deve ser entendido como tal. (N. do T.)

(5) Esta afirmação parece absurda, diante das teorias atuais do Hipnotismo que negam inteiramente a existência do fluido magnético. Mas as pesquisas parapsicológicas demonstraram a ação da mente sobre a matéria e comprovaram a influência do pensamento sobre vegetais e animais. Por outro lado, a hipótese fluídica, como também a do éter já não pode mais ser considerada cientificamente herética, diante do avanço das pesquisas físicas no campo nuclear. Também neste ponto, portanto,as Ciências atuais estão confirmando rapidamente os princípios espíritas. (N. do T.)

(6) Novamente deparamos com uma figura didática, pois é evidente que o Espírito, por seus conhecimentos já demonstrados, sabe que a domesticação dos animais decorre do processo evolutivo das espécies. Mas convém lembrar que a evolução se processa sob o impulso e segundo as leis de Deus, o que permitiu a imagem ilustrativa. (N. do T.)

(7) Os episódios curiosos de animais matemáticos, como os dos cavalos de Elberfeld, que tanta celeuma têm provocado, podem hoje ser explicados, embora ainda de maneira hipotética, pelo mecanismo da percepção mais aguçada de certas espécies animais, e até mesmo pela influência da mente humana sobre os sentidos animais. As pesquisas parapsicológicas abriram novas perspectivas nesse sentido, embora a Parapsicologia Animal esteja ainda numa fase de desenvolvimento incipiente. As experiências de Fabry, entomólogo da Universidade de Leningrado e parapsicólogo da equipe do famoso prof. Vassiliev, demonstraram a existência de percepção extra sensorial nos animais. Assim, as hipóteses de fraude mecânica e de inteligência especial desses animais vão sendo igualmente afastadas pela pesquisa científica, dando razão ao Espírito de Erasto. (N. do T.)

ESE - Os Laços de Família

Os Laços de Família são Fortalecidos pela Reencarnação e Rompidos pela Unicidade da Existência

18 – Os laços de família não são destruídos pela reencarnação, como pensam certas pessoas. Pelo contrário, são fortalecidos e reapertados. O princípio oposto é que os destrói.

Os Espíritos formam, no espaço, grupos ou famílias, unidos pela afeição, pela simpatia e a semelhança de inclinações. Esses Espíritos, felizes de estarem juntos, procuram-se. A encarnação só os separa momentaneamente, pois que, uma vez retornando a erraticidade, eles se reencontram, como amigos na volta de uma viagem. Muitas vezes eles seguem juntos na encarnação, reunindo-se numa mesma família ou num mesmo círculo, e trabalham juntos para o seu progresso comum. Se uns estão encarnados e outros não, continuarão unidos pelo pensamento. Os que estão livres velam pelos que estão cativos, os mais adiantados procurando fazer progredir os retardatários. Após cada existência terão dado mais um passo na senda da perfeição.

Cada vez menos apegados à matéria, seu afeto é mais vivo, por isso mesmo que mais purificado, não perturbado pelo egoísmo nem obscurecido pelas paixões. Assim, eles poderiam percorrer um número ilimitado de existências corporais, sem que nenhum acidente perturbe sua afeição comum.

Estenda-se bem que se trata aqui da verdadeira afeição espiritual, de alma para alma, a única que sobrevive à destruição do corpo, pois os seres que se unem na Terra apenas pelos sentidos, não têm nenhum motivo para se preocuparem no mundo dos Espíritos. Só são duráveis as afeições espirituais. As afeições carnais extinguem-se com a causa que as provocou; ora, essa causa deixa de existir no mundo dos Espíritos, enquanto a alma sempre existe. Quanto às pessoas que se unem somente por interesse, nada são realmente uma para outra: a morte as separa na Terra e no Céu.

19 – A união e a afeição entre parentes indicam a simpatia anterior que as aproximou. Por isso, diz-se de uma pessoa cujo caráter, cujos gostos e inclinações nada têm de comum com os dos parentes, que ela não pertence à família. Dizendo isso, enuncia-se uma verdade maior do que se pensa. Deus permite essas encarnações de Espíritos antipáticos ou estranhos nas famílias, com a dupla finalidade de servirem de provas para uns e de meio de progresso para outros. Os maus, se melhoram pouco a pouco, ao contacto dos bons e pelas atenções que deles recebem, seu caráter se abranda, seus costumes se depuram, as antipatias desaparecem. É assim que se produz a fusão das diversas categorias de Espíritos, como se faz na Terra entre a raças e os povos.

20 – O medo do aumento indefinido da parentela, em conseqüência da reencarnação, é um medo egoísta, provando que não se possui uma capacidade de amor suficientemente ampla, para abranger um grande número de pessoas. Um pai que tem numerosos filhos, por acaso os amaria menos do que se tivesse apenas um? Mas que os egoístas se tranqüilizem, pois esse medo não tem fundamento. Do fato de ter um homem dez encarnações, não se segue que tenha de encontrar no mundo dos Espíritos dez mães, dez esposas e um número proporcional de filhos e de novos parentes. Ele sempre encontrará os mesmos que foram objetos de sua afeição,que lhe estiveram ligados na Terra por diversas maneiras, e talvez pelas mesmas maneiras.

21 – Vejamos agora as conseqüências da doutrina anti-reencarnacionista. Essa doutrina exclui necessariamente a preexistência da alma, e as almas sendo criadas ao mesmo tempo em que os corpos, não existe entre elas nenhuma ligação anterior. São, pois, completamente estranhas umas às outras. O pai é estranho para o filho, e a união das famílias fica assim reduzida unicamente à filiação corporal, sem nenhuma ligação espiritual. Não haverá portanto nenhum motivo de vanglória por se ter entre os antepassados algumas personagens ilustres. Com a reencarnação, antepassados e descendentes podem ser conhecidos, ter vivido juntos, podem se ter amado, e mais tarde se reunirem de novo para estreitar os seus laços de simpatia.

22 – Isso no tocante ao passado. Quanto ao futuro, segundo os dogmas fundamentais que decorrem do princípio anti-reencarnacionista, a sorte das almas está irrevogavelmente fixada após uma única existência. Essa fixação definitiva da sorte implica a negação de todo o progresso, pois se há algum progresso, não pode haver fixação definitiva da sorte. Segundo tenham elas bem ou mal vivido,vão imediatamente para a morada dos bem-aventurados ou para o inferno eterno. Ficam assim imediatamente separadas para sempre, sem esperanças de jamais se reunirem, de tal maneira que pais, mães e filhos, maridos e esposas, irmãos e amigos, não têm nunca a certeza de se reverem: é a mais absoluta ruptura dos laços de família.

Com a reencarnação, e o progresso que lhe é conseqüente, todos os que se amam se encontram na terra e no espaço, e juntos gravitam para Deus. Se há os que fracassam no caminho, retardam o seu adiantamento e a sua felicidade. Mas nem por isso as esperanças estão perdidas. Ajudados, encorajados e amparados pelos que os amam, sairão um dia do atoleiro em que caíram. Com a reencarnação, enfim, há perpétua solidariedade entre os encarnados e os desencarnados, do que resulta o estreitamento dos laços de afeição.

23. Em resumo, quatro alternativas se apresentam ao homem, para o seu futuro de além-túmulo: 1º) o nada, segundo a doutrina materialista; 2º) a absorção no todo universal, segundo a doutrina panteísta; 3º) a conservação da individualidade, com fixação definitiva da sorte, segundo a doutrina da Igreja; 4º) a conservação da individualidade, com o progresso infinito, segundo a doutrina espírita. De acordo com as duas primeiras, os laços de família são rompidos pela morte, e não há nenhuma esperança de se reencontrarem; com a terceira, há possibilidade de se reverem, contanto que esteja no mesmo meio, podendo esse meio ser o inferno ou o paraíso; com a pluralidade das existências, que é inseparável do progresso gradual, existe a certeza da continuidade das relações entre os que se amam, e é isso o que constitui a verdadeira família.

Fonte: KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Herculano Pires.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Pureza Espiritual - O Grau Máximo do Espírito

Por Marco Milani

Uma das questões mais interessantes e com relevância capital na Doutrina Espírita é o processo evolutivo do Ser.

Sempre utilizando-se de uma primorosa argumentação lógica, o Espírito da Verdade e seu nobres colaboradores esclarecem sobre pontos fundamentais, desde a criação até o grau máximo de pureza que o Espírito é suscetível.

Visando este entendimento, consideramos Deus a inteligência suprema e a causa primária de todas as coisas, constatando a sua grandiosidade através de suas obras (sem se confundir com as mesmas), regendo o Universo pelas imutáveis Leis Naturais, destacando-se a soberana Justiça e Bondade.

Universo este que não restringe-se até onde o limitado conhecimento humano atual pode perceber, porém compreende a Criação em sua generalidade, possuindo somente dois elementos essenciais e distintos entre si: o inteligente e o material.

Uma vez criado simples e ignorante, inicia-se a jornada evolutiva do ser inteligente (nas diversas moradas da casa do Pai), ligando-se à matéria em seus diferentes estados e estagiando nos diversos Reinos da Natureza. Este processo é igual para todos, não existindo seres criados em condições privilegiadas. Em cada etapa, estamos nos preparando para a realização espiritual, visto que já trazemos latente a perfeição relativa (somos perfectíveis).

Tendo o Espírito entrado no período da Humanidade, desperta-lhe a razão e exercita-se no livre-arbítrio, descobrindo vagarosamente sobre a sua própria realidade. Continuando a desenvolver as suas potencialidades, aprimora-se moral e intelectualmente, incentivado ao progresso pelas Leis Naturais, certo de que tudo encadeia-se na Natureza por laços que a compreensão ainda esforça-se por alcançar, mas já vislumbrando as suas bases de Justiça.

Por isto todos somos essencialmente iguais diante da paternidade Divina, tivemos o mesmo início, tivemos e teremos as mesmas oportunidades evolutivas mantendo, porém, a individualidade. Não existe dualidade na realização espiritual (bom/mau, masculino/feminino, sábio/ignorante) apenas unidade ontológica (natureza comum inerente a todos e a cada ser)

Entretanto, abordar o último grau da escala evolutiva (ou qualquer um superior ao atual) requer uma aproximação cuidadosa, visto não termos condições intelectuais plenas para a compreensão integral, somente genérica. Mas fugir a estas considerações é não exercitar a inteligência.

Podemos recorrer ao famoso Mito da Caverna, de Platão, como sendo uma boa referência para este caso, onde comparativamente devemos buscar a análise da realidade nos afastando, no mundo dos sentidos, das sombras (aparências) para o mais próximo possível da fonte luminosa (chegando ao mundo das idéias, de preferência...).

É possível afirmarmos, baseados nas informações de Espíritos de escol (como o Espírito da Verdade) constantes nas obras da Codificação e confirmadas pelo critério da Universalidade (ou seja, não é opinião pessoal) que atingiremos um determinado grau evolutivo, onde não mais necessitaremos reencarnar visto a finalização do percurso de todas as etapas evolutivas (LE-113 e outras).

Voltando às sombras citadas no Mito da Caverna, existe um ponto aparentemente paradoxal para alguns leitores quando consideramos que na própria Codificação o progresso é tratado como uma Lei Natural logo tudo deve evoluir... Será que o progresso espiritual não existe após a última escala? Pode-se ter a impressão de que algo não está certo pois foi a mesma plêiade de Espíritos Superiores que confirmou a Lei do Progresso...

Uma das chaves para compreender esta aparente contradição encontra-se numa das questões do próprio capítulo que trata sobre o progresso n'O Livro dos Espíritos (LE-783), que afirma ?... o Homem não pode permanecer perpetuamente na ignorância pois deve chegar ao fim determinado pela Providência ...?. Sendo assim, concluímos que existe um objetivo a ser alcançado, e este objetivo é a perfeição de que somos suscetível.

Outra chave para entendermos o problema é a reflexão sobre algo que é intrínseco à evolução: o tempo. Encontramos n'A Gênese, Cap. VI - Uranografia Geral: ?O tempo não é senão uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias; a eternidade não pode ser mensurada do ponto de vista de sua duração; para ela tudo é presente.? (ver também Cap. XVI - Teoria da Presciência). Não precisamos recorrer à Teoria Geral da Relatividade nem à Mecânica Quântica ou qualquer teoria científica sobre o tempo (e espaço) pois não alterariam o sentido filosófico desta questão: Os Espíritos Puros não sofrem a ação do tempo visto que já não sofrem os efeitos impuros da matéria (apesar de atuarem sobre ela) logo não se purificam mais do que já estão, não mudam de um estado inferior para um superior. O tempo nesta condição não existe como o percebemos aqui...

Novamente na questão LE-113 encontramos que este é o estado dos Espíritos Puros, que gozam de felicidade inalterável e não sofrem as vicissitudes e necessidades da vida material. São os mensageiros de Deus e concorrem para a harmonia universal, dirigindo e assistindo aos Espíritos que lhes são inferiores. Os homens podem comunicar-se com eles mas bem presunçoso seria este último que pretendesse tê-los constantemente às suas ordens.

Existem muitas outras passagens na Codificação que afirmam que o Espírito atingirá o grau máximo de sua perfeição (pureza) mas apenas citaremos mais uma: LE-116 ?... todos se tornarão perfeitos?.

Assim, diversas considerações fundamentais podem ser extraídas dos princípios acima, destacando-se:

Todos fomos criados simples e ignorantes e estagiamos em diferentes situações na matéria para desenvolver o potencial da perfeição relativa que já possuímos (perfectibilidade);

O processo evolutivo do Espírito finaliza-se quando atinge a perfeição de que é suscetível (desenvolvimento moral e intelectual máximo, felicidade plena e inalterável). Neste estado não há mais necessidade de evoluir pois sua situação espiritual não será alterada. A noção de tempo atual desaparece perante a eternidade. O Espírito Puro é atemporal.

Concorrerá ativamente para a manutenção do Universo onde, mesmo não sentindo as necessidades e vicissitudes da vida material permanecerá ligado à matéria sutil, atuando através do pensamento e da vontade pelo perispírito, que é o seu instrumento de atuação (ver LM-55: em qualquer de seus graus, o Espírito sempre possuirá o perispírito, visto ser o agente de sua vontade. Ver LE-186: ... tal é o estado dos Espíritos Puros, que só têm por envoltório o perispírito...).

Poderá comunicar-se com encarnados (novamente a necessidade do perispírito pois utilizará os recursos fluídicos necessários para tanto) incentivando-nos ao progresso para que também realizemos a perfeição espiritual relativa e colaboremos de maneira específica na manutenção do Universo.

A Lei de Progresso é válida enquanto ligada à noção de tempo, que por sua vez varia no Universo.

Assim, apesar praticamente todos nós não estarmos habituados a pensar em algo sem o tempo e matéria como referências (vivenciamos o mundo dos sentidos), verificamos através do raciocínio que os argumentos logicamente tratados pelos Espíritos Superiores sobre a perfeição relativa, o grau máximo da pureza espiritual, são coerentes e sinalizam a conquista da felicidade plena.

Fonte: Boletim GEAE Número 419 de 12 de junho de 2001

Jesus e o Espírito da Verdade

Por Fernando A. Moreira

Na literatura espírita e mais ultimamente e principalmente, nas revistas espíritas, o Espírito de Verdade vem envolto, às vezes, na névoa encantada da curiosidade, noutras, marulhado em atávicas ondas místicas, e mais além, mergulhado nas profundezas do inefável.

Temos nós, tendências arraigadas às culturas religiosas arcaicas e por isso, inclinação para triturar o abstrato e transformá-lo no concreto, perfeitamente palpável, personificando os conceitos, as imagens e as idéias. Ante tantas facetas e outros tantos prismas, o Espírito de Verdade toma a forma de Jesus, do Espírito Santo, de Sócrates, de um Espírito ou de uma plêiade de Espíritos, tornando o tema extremamente polêmico.

Para Edmundo Vasconcelos, "a verdade não tem rótulo, nem dono a quem prestar obediência, mas por ser luminosa ela é eterna", e é exatamente por isso, que o Espiritismo nos pede uma fé raciocinada.

Em "OBRAS PÓSTUMAS",(Meu Guia Espiritual, pág. 273; 35 de março de 1856), descreve Kardec:

- "Uma noite achando-me no gabinete de trabalho, ouvi fracas, reiteradas pancadas na parede, que o separava do cômodo vizinho. A princípio nenhuma atenção lhes dei; como porém continuassem com mais força, variando de pontos fiz minucioso exame de um e de outro lado da parede(...)sem descobrir-lhe a explicação(....). Minha mulher entrou pelas 10 horas, veio ao gabinete e, ouvindo as pancadas, perguntou-me o que era aquilo.

-Não sei, respondi-lhe; a uma hora que se dá isto.

-Procuramos os dois sem nada descobrir, continuando o ruído até a meia-noite, quando fui deitar-me."(grifos nossos)

P.-(...) Espírito familiar (protetor), quem quer que sejais, agradeço-vos a visita, e peço-vos que me digais quem sois.
R.- Para ti, chamar-me-ei A Verdade e todos os meses, por um quarto de hora, aqui estarei à tua disposição.

P.(...)- O nome Verdade que tomaste, é alusivo a verdade que procuro ?
R.- Talvez. Pelo menos é um guia que protegerá e que te ajudará.
(...) Observação: As conferências mensais, que ele me havia prometido, não foram pontualmente realizadas, a princípio, e mais tarde deixaram de o ser completamente...

9 de abril, 1856.

P.-(À Verdade) _ Criticaste o trabalho que fiz outro dia, e tiveste razão. Tornei a lê-lo e reconheci na 30 ª linha um erro quanto ao qual protestaste com as pancadas que me fizeste ouvir..."

Não consigo imaginar Jesus, por três horas seguidas dando pancadas na parede do escritório de Kardec, para lhe avisar que, na 30 ª linha de seu trabalho, havia cometido um erro. Ora, se Jesus quisesse participar com representatividade da Codificação, o faria dando todas as mensagens e durante todo o tempo, de maneira clara e insofismável e com inigualável alumbramento em todas elas, como sempre fez e como lhe seria permitido como Governador desse planeta. Não haveria razão nenhuma para esconder-se sob qualquer denominação. Faltaria o motivo da incógnita. Quando aqui esteve, há 2000 anos, não deixou qualquer mensagem escrita, confiando nos seus apóstolos, na certeza de que seus ensinamentos seriam condignamente transmitidos às gerações futuras. Ele teve esta certeza, porque se assim não fosse toda sua obra teria sido em vão e se perderia. O Evangelho Segundo o Espiritismo está todo calcado no Novo Testamento e é a sua interpretação. Colocar em dúvida a veracidade e desvirtuar o evangelho de João para desdizê-lo, não é o melhor caminho para a Verdade. Não existe pois, a aventada suposição de se ficar com o Novo Testamento ou com Kardec; a nossa única opção é ficar com os dois.

Em "A Gênese"_ Anunciação do Consolador, podemos destacar :

Pg. 385, n º 35: (...) "Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e fará que vos lembreis de tudo o que vos tenho dito. (S. João, cap. XIV, vv. 15 a 17 e 26._ O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI). (os grifos são nossos)

"O Espírito Santo é a falange dos Emissários da Previdência que superintende os grandes movimentos da Humanidade na Terra e no Plano Espiritual."(Francisco Cândido Xavier, Valdo Vieira: O Espírito da Verdade; p/ vários Espíritos; FEB, 8 ª Ed..

Pg. 386, nº 37: "Sob o nome de Consolador e de Espírito de Verdade, Jesus anunciou a vinda daquele que havia de ensinar todas as coisas e de lembrar o que ele dissera.(...) prevê não só que ficaria esquecido, como também que seria desvirtuado o que por ele fora dito, visto que o Espírito de Verdade viria tudo lembrar e, de combinação com Elias,
restabelecer todas a coisas, isto é, pô-las de acordo com o verdadeiro pensamento de seus ensinos."

pg. 387, n º 38 e 39;

"...indício seguro de que o Enviado ainda não aparecera. Qual deverá ser esse enviado? Dizendo: "Pedirei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador", Jesus claramente indica que esse Consolador não seria ele, pois, do contrário dissera: "Voltarei a completar o que vos tenho ensinado." Não só tal não disse, como acrescentou: Afim de que fique eternamente convosco e ele estará em vos. Esta proposição não poderia referir-se a uma individualidade encarnada (...) O Consolador é pois segundo o pensamento de Jesus, a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o
Espírito de Verdade."

As palavras, "Jesus claramente indica que esse Consolador não seria ele", são de Allan Kardec, são do codificador.

pg 387; n º 40: "O Espiritismo realiza, como ficou demonstrado(cap. I, n º 30), todas as condições do Consolador que Jesus prometeu. Não é uma doutrina individual, nem de concepção humana; ninguém pode dizer-se seu criador. É fruto do ensino coletivo dos Espíritos, ensino a que preside o Espírito de Verdade. Nada suprime do Evangelho: antes o completa e elucida."(grifo nosso)

Em Prolegômeros (L.E. pg 50): "Este livro é o repositório de seus ensinos(dos Espíritos). Foi escrito por ordem e mediante o ditado dos Espíritos superiores(...):mas todos os que tiverem em vista o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento o do amor, do bem(...)" "São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito da Verdade(o grifo é nosso), Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, etc., etc." Seria o mesmo que dizer: "Sigam os princípios de Jesus! (assinado) Jesus."

Das Obras Básicas participam, com comunicações, mais de cinqüenta Espíritos com mais de cem mensagens. O Espírito de S. Luís colabora com dezesseis; o de Espírito Santo Agostinho, com onze ; o Espírito Protetor com oito e assim por diante; o Espírito de Verdade com oito mensagens, usando as denominações: Espírito da Verdade, Espírito-Verdade ou na grande maioria das vezes, Espírito de Verdade.

Sobre a mensagem publicada no L.M.: cap. XXXI, pg 450 (publicado em 1861), diz Kardec (Nota):

"Esta comunicação (...) foi assinada com um nome que o respeito nos não permite reproduzir, senão sob todas as reservas. (...) esse nome é o de Jesus de Nazaré. (...) Como já dissemos, quanto mais elevados são os Espíritos na hierarquia, com tanto mais desconfiança devem seus nomes serem acolhidos nos ditados.(...)

Na comunicação acima apenas uma coisa reconhecemos: é a superioridade incontestável da linguagem e das idéias, deixando que cada um julgue por si mesmo se aquele de quem ele traz o nome não a renegaria."(os grifos são nossos).

Vamos repetir as palavras de Kardec: "Na comunicação acima apenas uma coisa reconhecemos: é a superioridade incontestável da linguagem e das idéias."

Em que pese a linguagem e as idéias, no E.S.E. ; cap. VI: pg 129 (publicada em 1864 e revista, corrigida e modificada pelo autor em 1866), Kardec faz alguns reparos e suprime os seguintes trechos;

"Venho, eu, vosso Salvador e vosso juiz: "

"Crede nas vozes que vos respondem: são as próprias almas dos que evocais. Só muito raramente me comunico. Meus amigos, os que hão assistido a minha vida e à minha morte são os intérpretes divinos da vontade do meu Pai."

"Em verdade vos digo: crede na diversidade, na multiplicidade dos Espíritos que vos cercam."

Modifica ainda, a assinatura da mensagem, com efeito retroativo: "O Espírito da Verdade, (Bordéus, 1861.)"

Apesar da incontestável beleza da mensagem, reconhecida por todos, a supressão desses segmentos, retira algumas afirmações , entre as quais a de que, Jesus nunca se disse nosso juiz, nem estabeleceu nenhuma justiça crística, reconhecendo uma única justiça divina. Caso Kardec estivesse convencido, o que duvido, que a mensagem era mesmo de Jesus, que autoridade teria para suprimir trechos e mudar ou esconder sua autoria?

Além disso, continuando a análise da mensagem, a conclamação: "Espíritas! amai-vos, eis o primeiro ensino; instrui-vos, eis o segundo", demonstraria a natureza doméstica da mensagem, dirigida a um grupo de espíritas reunidos, ou em caso contrário conceder-nos-ia um privilégio, que nenhum Espírito de conscientização universal o faria, pois direcionaria a Terceira Revelação só para os espíritas. Porque, "(...) toda doutrina que tiver por efeito estabelecer uma linha de separação entre os filhos de Deus, não pode deixar de ser falsa e perniciosa."(L.E. parte 2 ª: cap. X; pg 287, perg.842). Além do mais não faria o menor sentido, seria totalmente incoerente, a mesma representatividade, ora se assinar como Jesus e outras vezes como Espírito de Verdade, isto é, ser incógnito e declarado ao mesmo tempo.

Talvez tenha havido a interferência de algum problema mediúnico, ao fim da comunicação, como aconteceu nas duas mensagens ditas de Jesus e publicadas no L. M. (cap. XXXI: pg 474). Mais ainda, comparando em seqüência a mensagem supracitada com a do L.M. (cap. XXXI; pg 456: n º XV), por exemplo, fica difícil acreditar que se trate do mesmo Espírito.

Nas Pegadas do Mestre(Vinícius; 7 ª Ed.: FEB 1989, pág. 130-134 ) Vinícius esclarece; "Tal é a imagem do coração humano antes e depois de ser visitado pelo Espírito Santo, ou Consolador prometido por Jesus Cristo.(...) Espírito Santo, Consolador, Paracleto, Espírito da Verdade que significam tais denominações? Representam uma só entidade? Ou tantas entidades quantas enunciam?

No meio dessa aparente confusão há sabedoria. Se Jesus se reportasse a uma determinada individualidade (...) referir-se-ia a essa entidade sob uma única designação. Como porém o Mestre aludia a plêiade dos "Espíritos do Senhor que são as virtudes do Céu", usou de várias expressões dando assim a entender tratar-se de uma coletividade e não de uma individualidade. Jesus empregou quatro designações no singular, ao invés duma só no plural, para nos ensinar também que entre os Espíritos do Senhor reina perfeita comunhão de sentimentos e de idéias, de modo que o conjunto deles forma uma unidade."

Assim o Espírito Santo, embora figurando uma coletividade, bem pode se afirmar tratar-se de uma entidade individual, tal a identidade entre as grandezas espirituais que os Espíritos apresentam.

Em "Preces Espíritas" ("O Clarim"; abril-95), Cairbar Schutel assim se expressa: "(...) influi para que os mensageiros de Deus e com especialidade a plêiade de Espíritos que constituem o Espírito de Verdade, o Espírito Consolador (grifos nossos ), oriente-nos no Caminho do Bem (...)"

Completa ainda Herculano Pires: "O que o Espiritismo busca é a verdade cristã, cumprindo na Terra a promessa de Jesus, que através de Kardec, e seu guia Espiritual, o Espírito superior que deu a Kardec, quando este perguntou quem era, esta resposta simples: "Para você eu sou A Verdade."(Herculano Pires; O Centro Espírita.). Distingue ele, pois, Jesus, Kardec e o seu Espírito protetor, o Espírito de Verdade.

Diz ainda Kardec (Obras Póstumas; pág. 276 ) "A proteção desse Espírito cuja elevação bem longe estava então de avaliar, nunca me faltou." E ainda à pág. 275 Kardec pergunta: "Terás animado na Terra alguma personagem conhecida?"

R.- Já te disse que, para ti, sou a Verdade; isto, para ti, quer dizer discrição; nada mais saberás a respeito." (o último grifo é nosso)

Nota-se aí a nítida intenção de Kardec e do Espírito superior em não revelar a identidade do Espírito.

Ora se Jesus, Kardec e seu protetor, o Espírito de Verdade, não tiveram este propósito, quem poderá fazê-lo?

Enfim, dar identidade aos Espíritos, querendo suplantar-lhes o desejo de permanecer incógnitos é mergulhar num processo de adivinhação, quase sempre fadado ao erro, desrespeitando-os. O mais valioso da Terceira Revelação não foi colocar em evidência o revelador, mas a REVELAÇÃO, que é de origem divina.; o importante não foi revelar o Espírito, mas a VERDADE, e o Espírito da Verdade está presente em toda a obra da Codificação.

Publicado na Revista Internacional de Espiritismo, jan./2000.

Eutanásia


Por Marco Tulio Michalick

A palavra eutanásia é de origem grega, formada pela junção dos termos “eu” (bom) e tanathos (morte), então “Boa Morte”. Pode ser entendida como morte serena sem sofrimento; ou uma prática sem amparo legal, pelo qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável.

Na realidade é uma ação homicida cometida por um médico ou um leigo (em geral alguém da família), ou legislador que tem o poder de decidir a respeito da sobrevivência do enfermo.

A prática da eutanásia pode ser: positiva, em que se põe fim à vida do paciente, em geral, pela aplicação de fármacos. Negativa, em que se omitem os meios ordinários indispensáveis para a manutenção da vida. Eugenética, em que se elimina toda vida considerada sem valor; na Grécia antiga, a hegemonia espartana, sempre armada para a guerra e a destruição, inseriu no seu Estatuto o emprego legal desta eutanásia em referência aos enfermos, mutilados, psicopatas considerados inúteis. Involuntária, em que o paciente não é consultado, não se pronuncia ou é incapaz de fazê-lo, ou até mesmo não a deseja. Voluntária, em geral praticada pelo médico a pedido do paciente, considerado suicídio assistido.

Joanna de Ângelis, no seu livro Após a Tempestade..., psicografado por Divaldo Pereira Franco, descreve da seguinte forma a eutanásia: “Prática nefanda que testemunha a predominância do conceito materialista sobre a vida, que apenas vê a matéria e suas implicações imediatas, em detrimento das realidades espirituais, reflete, também, a soberania do primitivismo animal na constituição emocional do homem”.

Essa questão é debatida no mundo inteiro. A maioria dos países é contrária à prática da eutanásia, punindo àqueles que agem assim em situação humanitária, mesmo que seja para abreviar o sofrimento indesejado a um enfermo. As religiões, também, se opõem a essa prática, por acreditarem que somente Deus dá a vida e só Ele pode tirar.

Os que são favoráveis à eutanásia dizem agir em nome do doente em fase terminal, que se caracteriza por apresentar um quadro clínico irreversível, no qual passa por horríveis dores e sofrimentos, parecendo que somente a morte é um meio que pode livrá-lo de seu padecimento.

O argumento dos utilitaristas é que um paciente em fase terminal custa muito caro para o Estado, e que esse dinheiro poderia ser destinado à cura de pessoas com possibilidades de voltar à vida normal. Então perguntamos: O que é caro para o Estado? Esse argumento, na atualidade, não tem sustentação ao vermos o poder público fazer uso indevido do dinheiro, desviando-o para fins particulares, ou ainda gerando escândalos atrás de escândalos.

Na sociedade em que vivemos, temos responsabilidade pelos nossos semelhantes. Ao Estado cabe a responsabilidade pela administração do dinheiro público e não aos cidadãos, pela má gestão do recurso público. Pois o mau uso do dinheiro recai sobre as pessoas que pagam com a vida pela prática de atos indignos dos outros. Portanto negar ao doente terminal tratamento digno devido à escassez de recursos em favor de pesquisas para salvar vidas é uma incoerência diante da realidade.

O relato do canadense Mark Pickup, paciente crônico de esclerose múltipla progressiva há 15 anos, em um artigo publicado no National Post, em 1999, na cidade de Toronto, mostra sua preocupação diante da baixa estima que os deficientes têm por parte de seus concidadãos.

Quando Mark Pickup soube das conseqüências de sua doença, ou seja, que sua visão se debilitaria, suas pernas e braços se atrofiariam, perderia a capacidade de falar, teria incontinência, experimentaria esgotamento contínuo, sofreria períodos em que a capacidade de pensar seria obscurecida e não poderia confiar nas suas opiniões, concluiu que não haveria “qualidade de vida nessa existência, somente terror”. Ele faz um comentário muito importante em seu artigo: “Nos primeiros dias, meses e anos de minha doença, minha família me apoiou. Para eles eu era valioso, inclusive quando eu mesmo duvidava disso. Se não tivessem feito isso, eu poderia ter agradecido a visita de Jack Kevorkian. Se alguém me dissesse que minha carreira terminaria aos 37 anos, eu me desesperaria. De fato, quando chegou o momento, fiquei desesperado. Felizmente, muitos destes sintomas aterrorizantes diminuíram. Agora me movimento com muletas e disponho de um veículo adaptado às minhas necessidades. Não trabalho há nove anos, mas minha vida tem qualidade. Para quê? Para amar, para ser amado, para ser valorizado e acreditar que posso contribuir com algo para a comunidade”.

A sua história demonstra que ele valoriza a vida e o faz vencendo os obstáculos que lhe são postos no caminho. E assim segue a sua caminhada evolutiva, passando pelos espinhos. Felizmente, esta é uma atitude corajosa, ao passo que abreviar as dores por meio de uma morte digna não contribui para o processo de crescimento espiritual.

Para ele: “Existe na sociedade uma corrente subterrânea de hostilidade contra a vida humana imperfeita”. E se pergunta: “Com a aceitação da eutanásia, o que o doente incurável ou incapacitado pode esperar?”.

No Canadá, há uma política de duas medidas, ou seja, uma pessoa que tem tendência suicida recebe toda a ajuda necessária, inclusive tratamento psiquiátrico até que passe a crise. O objetivo é melhorar a auto-estima para viver com dignidade. Porém, quando se trata de um doente incurável ou um deficiente, a discussão é em volta da “morte digna”, “liberdade de escolher a própria morte”. Depois de indagar sobre a razão dessa diferença, Pickup comenta: “Sou valioso tanto quanto a pessoa sadia que deseja suicidar-se, mesmo que não me valorize ou deixe de ser amado pelos outros”.

Já no Brasil, existem poucos hospitais e associações cujo objetivo é dar o apoio necessário ao doente terminal e ainda a seus familiares a lidar com a morte. Trata-se de um tratamento paliativo onde o paciente recebe ajuda de psicólogos, médicos, enfermeiros e assistentes sociais.

O comportamento de uma pessoa que recebe a notícia de uma doença fatal é imprevisível. Sabe-se que a primeira coisa que vem a mente é o torpor pela morte. O medo toma conta da pessoa que começa se indagar a Deus. “Por que eu?” A família sofre, mas deve permanecer firme ao lado do enfermo, pois conforme Joanna de Ângelis, no livro citado, “as pessoas que se lhes vinculam na condição de pais, cônjuges, irmãos, amigos, também lhes são partícipes dos dramas e tragédias do passado, responsáveis diretos ou inconscientes, que ora se reabilitam, devendo estender-lhes mãos generosas, auxílio fraterno, pelo menos migalhas de amor”.

Segundo descreve a psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kubler-Ross, em seu livro Sobre a Morte e o Morrer, os pacientes próximos da desencarnação passam por cinco estágios. A primeira fase é a de negar, não aceitar a idéia de morrer. Passa a ignorar o diagnóstico médico e tentam manter sua vida normal. No segundo estágio, ao se confirmar a doença, passam a ter raiva de Deus e de todos. E vem a pergunta de sempre, “Por que eu?”. Com a revolta passam a ter sentimentos de inveja das pessoas sadias e a reclamar dos familiares que não consideram. A terceira fase é o estágio da barganha, quando passam a fazer promessas a Deus na intenção de obter a cura. Nesta fase seu Espírito está mais tranqüilo e amistoso com os que lhe cercam. No quarto estágio vem a depressão. Muitas vezes, nesta fase, coincide com o agravamento do seu estado de saúde ou a frustração diante de um novo tratamento. O último estágio é o da aceitação. Fisicamente debilitado, o paciente se isola, aceita a idéia do fim e sente remorso pelo que deixou de fazer. Tem a sensação de derrota e impotência. Porém, emocionalmente, está mais saudável. A luta pela vida cessou e deu lugar à resignação.

Diante dessa realidade é que o médico Jack Kevorkian responde pela morte de 130 pacientes terminais. Em 1989, ele criou a primeira máquina para praticar a morte rápida, a qual batizou com o nome de Tanatron, palavra originária do grego que significa “máquina da morte”. Com ela, são aplicadas doses altíssimas de analgésicos seguidas por fortes dosagens de relaxantes musculares e soluções de potássio que interrompem o funcionamento do sistema cardiorrespiratório. Segundo ele, o processo é indolor. Sua máquina o deixava em posição cômoda, pois eram os pacientes que abriam a válvula para injetar os medicamentos mortais. Em 1998, Kevorkian operou os instrumentos da morte para Thomas Youk, de 52 anos, que sofria de um tipo de esclerose, conhecida como mal de Lou Gehrig. Thomas assinou uma declaração formal dizendo que não queria mais viver. Sua morte foi filmada por Kevorkian e mostrada na rede de tevê norte-americana CBS. Com base nesse vídeo, as autoridades judiciais de Michigan abriram um processo contra Kevorkian, o quinto aberto no país, desde 1990, por homicídio. O “Doutor Morte” foi condenado a uma pena de 25 anos na penitenciária de Pontiac.

Pesquisa revela que doentes terminais, em sua maioria, admitem a possibilidade da vida após a morte. Outro dado relevante nas pesquisas é que muitas pessoas se sintam culpadas ou com remorso por deixar assunto mal resolvido ou não ter reconciliado.

Não poderíamos deixar de terminar sem escrever um parágrafo que se encontra em Após a Tempestade..., no qual, Joanna de Ângelis dedica um capítulo ao assunto da eutanásia: “No que tange aos enfermos ditos irrecuperáveis, convém considerar que doenças, ontem detestáveis quanto incuráveis, são hoje capítulo superado pelo triunfo de homens-sacerdotes da Ciência Médica, que a enobrecem pelo contributo que suas vidas oferecem a benefício da Humanidade. Sempre há, pois, possibilidade de amanhã conseguir-se a vitória sobre a enfermidade irreversível de hoje. Diariamente, para esse desiderato, mergulham na carne Espíritos Missionários que se prestam e impulsionam o progresso, realizando descobrimentos e conquistas superiores para a vida, fonte poderosa de esperança e conforto para os que sofrem, em nome do Supremo Pai”. E finaliza o parágrafo: “cada minuto em qualquer vida é, portanto, precioso para o Espírito em resgate abençoado. Quantas resoluções nobres, decisões felizes ou atitudes desditosas ocorrem num relance, de momento?”.

Temos aqui considerações importantes, que abrem a possibilidade de refletirmos melhor sobre as reais necessidades de aplicação da eutanásia em pacientes terminais e as posteriores implicações desse ato.

Fonte: Revista Cristã de Espiritismo, edição nº 20, ano 2003.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A obra de Kardec e Kardec diante de sua obra

Por Hermínio C. Miranda

Sempre haverá muito que aprender na obra de Allan Kardec, não apenas aqueles que se iniciam no estudo da Doutrina Espírita, como também os que dela já têm conhecimento mais profundo. Isso porque os livros que divulgam idéias construtivas — e especialmente idéias novas — nunca se esgotam como fonte de onde fluem continuamente motivações para novos arranjos e, portanto, de progresso espiritual, sem abandonar a contextura filosófica sobre as quais se apóiam.

Para usar linguagem e terminologia essencialmente espíritas, diríamos que o perispírito da doutrina permanece em toda a sutileza e segurança de sua estrutura, ao passo que o espírito da Doutrina segue à frente, em busca de uma expansão filosófica, sujeito que está ao constante embate com a tremenda massa de informação que hoje nos alcança, vinda de todos os setores da especulação humana.

De fato, a Doutrina Espírita está exposta às mais rudes confrontações, por todos os seus três flancos ao mesmo tempo: o filosófico, o científico e o religioso. A cada novo pronunciamento significativo da filosofia, da ciência ou da especulação religiosa, a doutrina se entrega a um processo introspectivo de auto-análise para verificar como se saiu da escaramuça.

Isso tem feito repetidamente e num ritmo cada vez mais vivo, durante mais de um século. E com enorme satisfação, podemos verificar que nossas posições se revelaram inexpugnáveis.

Até mesmo idéias e conceitos em que a Doutrina se antecipou aos tempos começam a receber a estampa confirmatória das conquistas intelectuais como, para citar apenas dois exemplos a reencarnação e a pluralidade dos mundos habitados. Poderíamos citar ainda a existência do perispírito que vai cada dia mais tornando-se uma necessidade científica, para explicar fenômenos que a biologia clássica não consegue entender.

Quando abrimos hoje revistas, jornais e livros sintonizados com as mais avançadas pesquisas e damos com o nome de importantes cientistas examinando a sério a doutrina palingenésica ou a existência de vida inteligente fora da Terra, somos tomados por um legítimo sentimento de segurança e de crescente respeito pelos postulados da doutrina que os Espíritos vieram trazer-nos. Tamanha era a certeza de Kardec sobre tais aspectos que escreveu que o Espiritismo se modificava nos pontos em que entrasse em conflito com os fatos científicos devidamente comprovados.

Essa observação do Codificador, que poderia parecer a muitos a expressão de um receio ou até mesmo uma gazua para eventual saída honrosa, foi, ao contrário, uma declaração corajosa de quem pesou bem a importância do que estava dizendo e projetou sobre o futuro a sua própria responsabilidade. O tempo deu-lhe a resposta que ele antecipou: não, não há o que reformular, mas se algum dia houver, será em aspectos secundários da doutrina e jamais nas suas concepções estruturais básicas, como a existência de Deus, a sobrevivência do Espírito, a reencarnação e a comunicabilidade entre vivos e ‘mortos".

O que acontece é que a doutrina codificada não responde a todas as nossas indagações, e nem as de Kardec foram todas resolvidas nos seus mínimos pormenores e implicações. “O Livro dos Espíritos” é um repositório de princípios fundamentais de onde emergem inúmeras “tomadas” para outras tantas especulações e conquistas e realizações.

Nele estão os germes de todas as grandes idéias que a humanidade sonhou pelos tempos afora, mas os Espíritos não realizam por nós o nosso trabalho. Em nenhum outro cometimento humano vê-se tão claramente os sinais de uma inteligente, consciente e preestabelecida coordenação de esforços entre as duas faces da vida —a encarnada e a desencarnada. Tudo parece — e assim o foi — meticulosamente planejado e escrupulosamente executado. A época era aquela mesma, como também o meio ambiente e os métodos empregados.

Para a carne vieram os espíritos incumbidos das tarefas iniciais e das que se seguiram, tudo no tempo e no lugar certos. Igualmente devem ter sido levadas em conta a fragilidade e as imperfeições meramente humanas, pois que também alternativas teriam sido planejadas com extremo cuidado.

Há soluções opcionais para eventuais falhas, porque o trabalho era importante demais para ficar ao sabor das imperfeições humanas e apoiado apenas em dois ou três seres, por maiores que fossem. Ao próprio Kardec, o Espírito da Verdade informa que é livre de aceitar ou não o trabalho que lhe oferecem. O eminente professor é esclarecido, com toda a honestidade e sem rodeios, que a tarefa é gigantesca e, como ser humano, seria arrastado na lama da iniqüidade, da calúnia, da mentira, da infâmia.

Que todos os processos são bons para aqueles que se opõem à libertação do homem. Que ele, Kardec, poderia também falhar. Seu engajamento seria, pois, de sua livre escolha e que, se recusasse a tarefa, outros haviam em condições de levá-la a bom termo.

O momento é dramático.

É também a hora da verdade suprema, pois o plano de trabalho não poderia ficar comprometido por atitudes dúbias e meias-palavras. Aquilo que poderia parecer rudeza de tratamento é apenas ditado pela seriedade do trabalho que se tinha a realizar no plano humano. Kardec aceitou a tarefa e arrostou, com a bravura que lhe conhecemos, a dureza das aflições que sobre ele desabaram, como estava previsto. Tudo lhe aconteceu, como anunciado; os amigos espirituais seriam incapazes de glamourizar a sua colaboração e minimizar as dificuldades apenas para induzi-lo a aceitar a incumbência.

Por outro lado, se ele era, entre os homens, o chefe do movimento, pois alguém tinha que o liderar, compreendeu logo que não era o dono da doutrina e jamais desejou sê-lo.

Quando lhe comunicam que foi escolhido para esse trabalho gigantesco, sente com toda a nitidez e humildade a grandiosidade da tarefa que lhe oferecem e declara que de simples adepto e estudioso a missionário e chefe vai uma distância considerável, diante da qual ele medita, não propriamente temeroso, mas preocupado, dado que era homem de profundo senso de responsabilidade.

Do momento em que toma a incumbência, no entanto, segue em frente com uma disposição e uma coragem inquebrantáveis.

Esse aspecto da sua atuação jamais deve ser esquecido, a consciência que tem da sua posição de coordenador do movimento e não de seu criador.

Não deseja que a doutrina nascente seja ligada ao seu nome. Apaga-se deliberadamente e tenazmente para que a obra surja como planejada, isto é, uma doutrina formulada pelos Espíritos e transmitida aos homens pelos Espíritos, contida numa obra que fez questão de intitular “O Livro dos Espíritos”. Por outro lado, não é intenção dos mensageiros espirituais — ao que parece — ditar um trabalho pronto e acabado, como um “flash” divino, de cima para baixo.

Deixam a Kardec a iniciativa de elaborar as perguntas e conceber não a essência do trabalho, mas o plano geral da sua apresentação aos homens. A obra não deve ser um monólogo em que seres superiores pontificam eruditamente sobre os grandes problemas do ser e da vida; é um diálogo no qual o homem encarnado busca aprender com os irmãos mais experimentados novas dimensões da verdade.

É preciso, pois, que as questões e as dúvidas sejam levantadas do ponto de vista humano, para que o mundo espiritual as esclareça na linguagem simples da palestra, dentro do que hoje se chamaria o contexto da psicologia específica do ser encarnado. Por isso, Kardec não se julga o criador da Doutrina, mas é infinitamente mais do que um mero copista ou um simples colecionador de pensamentos alheios. Deseja apagar-se individualmente para que a obra sobreleve às contingências humanas; a Doutrina não deve ficar “ligada” ao seu nome pessoal como, por exemplo, a do super-homem a Nietszche, o islamismo a Maomé, o positivismo a Augusto Comte ou a teoria da relatividade a Einstein; é, no entanto, a despeito de si mesmo, mais do que simples colaborador, para alcançar o estágio de um co-autor quanto ao plano expositivo e às obras subseqüentes.

Os Espíritos deixam-lhe a iniciativa da forma de apresentação. A princípio, nem ele mesmo percebe que já está elaborando ‘O Livro dos Espíritos”; parece-lhe estar apenas procurando respostas às suas próprias interrogações.

Homem culto, objetivo, esclarecido e com enormes reservas às doutrinas religiosas e filosóficas da sua época, tem em mente inúmeras indagações para as quais ainda não encontrara resposta. Ao mesmo tempo em que vai registrando as observações dos Espíritos, vai descobrindo um mundo inteiramente novo e insuspeitado e tem o bom senso, de não se deixar fascinar pelas suas descobertas.

É, pois, ao sabor de sua controlada imaginação que organiza o esquema das suas perguntas e quando dá conta de si tem anotações metódicas, lúcidas, simples de entender e, no entanto, do mais profundo e transcendental sentido humano. Sem o saber, havia coligido um trabalho que, pela sua extraordinária importância, não poderia ficar egoisticamente preso à sua gaveta; era preciso publicá-lo e isso mesmo lhe dizem os Espíritos. Assim o fez e sabemos de sua surpresa diante do sucesso inesperado da obra.

Daí em diante, isto é, a partir de “O Livro dos Espíritos”, seus amigos assistem-no, como sempre o fizeram, mas deixam-no prosseguir com a sua própria metodologia e nisso também ele era mestre consumado, por séculos de experiência didática.

As obras subseqüentes da Codificação não surgem mais do diálogo direto com os Espíritos e sim das especulações e conclusões do próprio Kardec, sem jamais abandonar, não obstante, o gigantesco painel desenhado a quatro mãos em “O Livro dos Espíritos”.

Conversando uma vez, em nosso grupo, sobre o papel de certos espíritos na história, disse-nos um amigo espiritual que é muito importante para todos nós o trabalho daqueles a quem ele chamou Espíritos ordenadores.

São os que vêm imcumbidos de colocar em linguagem humana, acessível, as grandes idéias. Sem eles, muito do que se descobre, se pensa e se realiza ficaria perdido no caos e na ausência de perspectiva e hierarquia. São eles — Espíritos lúcidos, objetivos e essencialmente organizadores — que disciplinam as idéias, descobrindo-lhes as conexões, implicações e conseqüências, colocando-as ordenadamente ao alcance da mente humana, de modo facilmente acessível e assimilável, sob a forma de novas sínteses do pensamento.

São eles, portanto, que resumem um passado de conquistas e preparam um futuro de realizações. Sem eles, o conhecimento seria um amontoado caótico de idéias que se contradizem, porque invariavelmente vem joio com o trigo, na colheita, e ganga com ouro, na mineração.

São eles os faiscadores que tudo tomam, examinam, rejeitam, classificam e colocam no lugar certo, no tempo certo, altruisticamente, para que quem venha depois possa aproveitar-se das estratificações do conhecimento e sair para novas sínteses, cada vez mais amplas, mais nobres, mais belas, ad infinitum.

Allan Kardec é um desses espíritos. Não diremos que seja um privilegiado porque essa classificação implica idéia de prerrogativa mais ou menos indevida e as suas virtudes são conquistas legítimas do seu espírito, amadurecidas ao longo de muitos e muitos séculos no exercício constante de uma aguda capacidade de julgamento — é, pois, um direito genuinamente adquirido pelo esforço pessoal do espírito e não uma concessão arbitrária dos poderes superiores da vida.

O trabalho que realizou pela Doutrina Espírita é de inestimável relevância. Para avaliar a sua importância basta que nos coloquemos, por alguns instantes, na posição em que ele estava nos albores do movimento. Era um homem de 50 -anos de idade, professor e autor de livros didáticos.

Sua atenção é solicitada para os fenômenos, mas ele não é de entregar-se impulsivamente aos seus primeiros entusiasmos. Quer ver primeiro, observar, meditar e concluir, antes de um envolvimento maior. Quando recebe a incumbência e percebe o vulto da tarefa que tem diante de si, nem se intimida, nem se exalta. É preciso, porém, formular um plano de trabalho. Por onde começar? Que conceitos selecionar? Que idéias têm precedência sobre outras? Serão todas as comunicações autênticas? Será que os Espíritos sabem de tudo? Poderão dizer tudo o que sabem?

É tudo novo, tudo está por fazer e já lhe preveniram que o mundo vai desabar sobre ele. O cuidado tem de ser redobrado, para que o edifício da doutrina não tenha uma rachadura, um fresta, um ponto fraco, uma imperfeição; do contrário, poderá ruir, sacrificando toda a obra. Os representantes das trevas estão atentos e dispostos a tudo. Os Espíritos o ajudam e o inspiram e o incentivam, embora sejam extremamente parcimoniosos em elogios e um tanto enérgicos nas advertências.

Quando notam um erro de menor importância numa exposição de Kardec, não indicam o ponto fraco; limitam-se a recomendar-lhe que releia o texto, que ele próprio encontrará o engano.

Do lado humano, encarnado, da vida, é um trabalho solitário. Não tem a quem recorrer para uma sugestão, um conselho, um debate. Os amigos espirituais somente estão à sua disposição por algum tempo, restrito, sob limitadas condições, durante as horas que consegue subtrair ao seu repouso, porque as outras são destinadas a ganhar a vida, na dura atividade de modesto guarda-livros.

Sem dúvida alguma, trata-se de um trabalho de equipe, tarefa pioneira, reformadora, construtora de um novo patamar para a escalada do ser na direção de Deus.

As velhas doutrinas religiosas não satisfazem mais, a filosofia anda desgovernada pelos caminhos da negação e a ciência desgarrada de tudo, aspirando ao trono que o dogmatismo religioso deixou vago.

No meio de tudo isso, o homem que pensa e busca um sentido para a vida se atormenta e se angustia, porque não vê suporte onde escorar sua esperança. A nova doutrina vem trazer-lhe o embasamento que faltava, propor uma total reformulação dos conceitos dominantes.

Ciência e religião não se eliminam, como tantos pensavam; ao contrário, se completam, coexistindo com a filosofia. O homem que raciocina também pode crer e o crente pode e deve exercer, em toda a extensão, o seu poder de análise e de crítica. Isso não é apenas tolerado, senão estimulado, pois entende Kardec que a fé só merece confiança quando passada pelos filtros da razão. Se não passar, é espúria e deve ser rejeitada.

Concluindo, assim, o trabalho que lhe competia junto aos Espíritos ainda lhe resta muito a fazer, e o tempo urge. Incumbe-lhe agora inserir a nova doutrina no contexto do pensamento de seu tempo — como se diria hoje. Terminou o recital a quatro mãos e começa o trabalho do solista, porque o mestre ainda está sozinho entre os homens, embora cercado do carinho e da amizade de seus companheiros espirituais. Atira-se, pois, ao trabalho.

A luz do seu gabinete arde até altas horas da noite. É preciso estudar e expor aos homens os aspectos experimentais implícitos na Doutrina dos Espíritos. Desses aspectos, o mais importante, sem dúvida, é a prática da mediunidade, instrumento de comunicação entre os dois mundos. Sem um conhecimento metodizado da faculdade mediúnica, seria impossível estabelecer as bases experimentais da doutrina. Daí, o “O Livro dos Médiuns”.

Em seguida, é preciso dotar o Espiritismo de uma estrutura ética. Não é necessário criar uma nova moral; já existe a do Cristo. O trabalho é enorme e exige tudo de seu notável poder ordenador. É que o ensinamento de Jesus, com a passagem dos séculos e ao sopro de muitas paixões humanas, ficara soterrado em profunda camada de impurezas. Kardec decidiu reduzir ao mínimo os atritos e controvérsias, buscando nos Evangelhos apenas o ensinamento moral, sem se deter, portanto, na análise dos milagres, nem dos episódios da vida pública do Cristo, ou dos aspectos que foram utilizados para a elaboração dos dogmas.

Dentro dessa idéia diretora, montou com muito zelo e amor “O Evangelho segundo o Espiritismo”. O problema dos dogmas — pelo menos os principais — ficaria para “O Céu e o Inferno” e sobre as questões científicas ainda voltaria a escrever em “A Gênese”.

E assim concluía mais uma etapa da sua tarefa. O começo, onde andaria? Em que tempo e em que ponto cósmico? Era — e é — um espírito reformador, ordenador, preparador de novas veredas.

A continuação, seus amigos espirituais deixaram-no entrevê-la ao anunciar-lhe que se aproximava o término da existência terrena, mas não dos seus encargos: voltaria encarnado noutro corpo, lhe disseram, para dar prosseguimento ao trabalho. Ainda precisavam dele e cada vez mais.

Nada eram as alegrias que experimentava ao ver germinar as sementes que ajudara a semear; aquilo eram apenas os primeiros clarões de uma nova madrugada de luz. Quando voltasse, teria a alegria imensa de ver transformadas em árvores majestosas as modestas sementeiras das suas vigílias, regadas por dores muitas.

Não seria mais o vulto solitário a conversar com os Espíritos e a escrever no silêncio das horas mortas — teria companheiros espalhados por toda a Terra, entregues ao mesmo ideal supremo de trabalhar sem descanso na seara do Cristo, cada qual na sua tarefa, conforme seus recursos, possibilidades e limitações, dado que o trabalho continua entregue a equipes, onde o personalismo não pode ter vez para que as paixões humanas não o invalidem.

“De modo que — dizia Paulo — nem o que planta é alguém, nem o que rega, senão Deus que a faz crescer.

E o que planta e o que rega são iguais; se bem que cada um receberá o seu salário segundo seu próprio trabalho, já que somos colaboradores de Deus e vós, campo de Deus, edificação de Deus” (1 Coríntios, 3:7 a 9).

Trabalhadores de Deus desejamos ser e o seremos toda vez que apagarmos o nosso nome na glória suprema do anonimato, para que o nosso trabalho seja de Deus, que faz germinar a semente e crescer a árvore, e não nosso, que apenas confiamos a semente ao solo. Somos portadores da mensagem, não seus criadores, porque nem homens nem espíritos criam; apenas descobrem aquilo que o Pai criou.

São essas as dominantes do espírito de Kardec.

Sua vitória é a vitória do equilíbrio e do bom senso, é a vitória do anonimato e da humildade, notável forma de humildade que não se anula, mas que luta e vence. Como figura humana, nem sequer aparece nos livros que relatam a saga humana. Para o historiador leigo, quem foi Kardec? Seu próprio nome civil, Hippolyte-Léon Denizard Rivail, ele o apagou para publicar seus livros com o nome antigo de um obscuro sacerdote druida.

De modo que não é somente a obra realizada por Kardec que devemos estudar, é também sua atitude perante a obra, porque tudo neste espírito é uma lição de grandeza em quem não deseja ser grande.