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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Cientista russo teria fotografado a alma no momento da morte?

Desde setembro de 2013 circula na Internet, através de redes sociais, a notícia segundo a qual um cientista russo de nome Konstantin Korotov teria conseguido, através de experiências, fotografar o momento no qual a alma (espírito encarnado) deixa o corpo físico no momento da morte. Muitos espíritas tem compartilhado essa suposta descoberta sem a devida preocupação em aferi-la, conforme ensinamento de Allan Kardec.

"O Blog dos Espíritas" recomenda que se receba esse tipo de informação com um pé atrás e que se pesquise a veracidade da mesma. Sempre. Com o intuito de esclarecimento, realizamos pesquisa que comprova nossas suspeitas: tal informação é falsa. Clique aqui para acessar matéria do site E-farsas a respeito.

"Na ausência dos fatos, a dúvida se justifica no homem ponderado." (Allan Kardec)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A Criogenia ante o Espiritismo


Por Fabiano Vidal

Não tem sido raro lermos notícias a respeito da criogenia, técnica que consiste no congelamento de cadáveres com o objetivo de ressuscitá-los no futuro. O termo ficou conhecido mundialmente após Robert Ettinger, considerado o "pai da criogenia", publicar, em 1964, o livro The Prospect of Immortality (Uma Perspectiva de Imortalidade), inédito no Brasil. Na obra, seu autor defendia a tese segundo a qual "era possível conservar o corpo indefinidamente", de modo que um dia "a ciência médica pudesse reparar os problemas causados pela doença e a própria criogenia".

A técnica consiste em guardar o corpo num tanque de nitrogênio líquido, a 196ºC abaixo de zero, temperatura em que não há decomposição das células. Com esse objetivo, o corpo é envolto em uma manta térmica especial, que ajuda a mantê-lo frio, enquanto é transportado para uma clínica em temperaturas baixas, que tem por objetivo fazer com que o cérebro exija menos oxigênio e mantenha os tecidos vivos por mais tempo.

Essa técnica, feita sob medida para aqueles que não creem na vida após a morte do corpo físico, não é barata. De acordo com o site Mundo Estranho, existem nos Estados Unidos, as duas únicas empresas do mundo que realizam o procedimento: a Alcor (Arizona), que cobra 150 mil dólares pela preservação do corpo todo e 80 mil para preservar apenas o cérebro; e a Cryonics Institute, que não faz preservação do cérebro, apenas do corpo todo, por 100 mil dólares.

Embora a teoria criogênica seja de 1964, até hoje não foi possível reanimar corpo algum. Para tal fim, seria necessário vencer dificuldades como a falta de oxigênio durante os primeiros minutos da morte, que pode acarretar em danos irreparáveis aos tecidos, que permanecerão nesse estado, mesmo estando congelados; o líquido criopreservante utilizado com a finalidade de preservar o organismo seria tóxico e ainda não existe, até o momento, alternativa para substituí-lo; e, por último, a necessidade de reverter o processo que causou a morte daquele corpo.

Mas como a Doutrina Espírita vê a possibilidade da criogenia um dia se tornar real? De acordo com a codificação, tal procedimento jamais poderá se tornar realidade. Em O Livro dos Espíritos, capítulo III, Retorno da vida corpórea à vida espiritual, questão 149, podemos ler, de forma taxativa:

P – Em que se transforma a alma no instante da morte?

R – Volta a ser Espírito, ou seja, retorna ao mundo dos Espíritos que ela havia deixado temporariamente. (Grifo nosso)

Allan Kardec, em A Gênese, afirma: "A atividade do princípio vital é mantida, durante a vida, pela ação do desempenho dos órgãos, como o calor pelo movimento de rotação de uma roda; que essa ação cesse pela morte, o princípio vital se extingue como o calor, quando a roda cessa de girar."

Concluindo: uma vez findo o princípio vital e a ocorrência do desligamento dos laços que prendem a alma ao seu corpo físico, não há a possibilidade de revivê-lo, em que pesem os esforços da Ciência para esse fim.

Para saber mais: 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Kardec aos cientistas e o livre-pensamento

Por Sérgio Aleixo

Renomado físico teórico brasileiro, radicado nos E.U.A., certa feita disse que “a alma não existe; o cérebro é que é um organismo complexo”. Isso causou o maior alvoroço entre os espíritas que adoram bajular as academias, assim como entre os que entendem que o Espiritismo é uma filosofia, uma ciência apenas. Não causou, porém, nenhuma espécie aos espíritas que compreendem a posição epistêmica do Espiritismo em face da ciência oficializada, bem demonstrada por Kardec já na Introdução de O Livro dos Espíritos, § VII:
As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas da mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida. Querer submetê-las aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem. A Ciência, propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter. O Espiritismo é o resultado de uma convicção pessoal, que os sábios, como indivíduos, podem adquirir, abstração feita da qualidade de sábios. Pretender deferir a questão à Ciência equivaleria a querer que a existência ou não da alma fosse decidida por uma assembléia de físicos ou de astrônomos. Com efeito, o Espiritismo está todo na existência da alma e no seu estado depois da morte. Ora, é soberanamente ilógico imaginar-se que um homem deva ser grande psicologista, porque é eminente matemático ou notável anatomista. Dissecando o corpo humano, o anatomista procura a alma e, porque não a encontra, debaixo do seu escalpelo, como encontra um nervo, ou porque não a vê evolar-se como um gás, conclui que ela não existe, colocado num ponto de vista exclusivamente material. Segue-se que tenha razão contra a opinião universal? Não. Vedes, portanto, que o Espiritismo não é da alçada da Ciência.[1]
De importância modelar para esse dimensionamento também são os pareceres de Kardec já ao final de sua carreira, discorrendo sobre um problema concreto relativo a sua obra A Gênese, de 1868:
Em nossa obra A Gênese, desenvolvemos a teoria da geração espontânea, apresentando-a como uma hipótese provável. Alguns partidários absolutos desta teoria admiraram-se de que não a tivéssemos afirmado como princípio. A isto responderemos que, se a questão está resolvida para uns, não o está para todos, e a prova é que a Ciência ainda está dividida a respeito. Aliás, ela é do domínio científico, onde o Espiritismo não pode colher e onde nada lhe cabe resolver de maneira definitiva, naquilo que não é essencialmente de sua alçada.

Pelo fato de o Espiritismo assimilar todas as ideias progressistas, não se segue que se faça campeão cego de todas as concepções novas, por mais sedutoras que sejam à primeira vista, com o risco de receber, mais tarde, um desmentido da experiência e de se expor ao ridículo de haver patrocinado uma obra inviável.

Se não se pronuncia claramente sobre certas questões controvertidas, não é, como poderiam crer, para condescender com os dois partidos, mas por prudência, e para não se adiantar levianamente num terreno ainda não suficientemente explorado. Eis por que não aceita imediatamente as ideias novas, mesmo as que lhe pareçam justas, senão sob muita reserva, e de maneira definitiva apenas quando chegaram ao estado de verdades reconhecidas.

A questão da geração espontânea está neste número. Para nós, pessoalmente, é uma convicção, e se a tivéssemos tratado numa obra comum, tê-la-íamos resolvido pela afirmativa; mas numa obra constitutiva da Doutrina Espírita, as opiniões individuais não podem fazer lei; não se baseando a Doutrina em probabilidades, não podíamos decidir uma questão de tal gravidade, apenas despontada, e que ainda está em litígio entre os especialistas. Afirmando a coisa sem restrição, teria sido comprometer a Doutrina prematuramente, o que jamais fazemos, mesmo para fazer prevalecerem as nossas simpatias.[2]
Infelizmente, o que se viu depois da morte de Kardec, e até nossos dias, foi os espíritas exorbitarem de ansiedade por converter meio mundo ao Espiritismo e, para tanto, não hesitarem em conferir a hipóteses extraespíritas, pertencentes a pesquisadores de searas alheias, a suposta condição de verdades espíritas. Resultado: todo um cortejo de pseudociências ao desserviço de um movimento espírita desatento às lições do mestre Kardec, que alguns preferem criticar, em vez de assimilar em sua especialidade ímpar: Espiritismo. E quantos são ainda os que ressaltam a mal presumida adoção da geração espontânea como um “erro” de Kardec e, portanto, uma fraqueza de sua obra? Está respondido por ele mesmo que a questão pertence aos especialistas, aos cientistas, não ao Espiritismo, por não ser essencialmente da sua alçada. Assim acontece com todos “erros” de Kardec; só se apresentam como tal àqueles que não compreendem essa perfeita postura epistemológica do método kardeciano, ou aos quais não interessa compreendê-la, por trazer à tona um Kardec atual, válido de fio a pavio e, por isso mesmo, muito inconveniente à implantação de subsistemas inspirados só por vaidade e orgulho pessoais, por elitismos mal contidos, que em nada ajudam a causa espírita.

Outro argumento muito evocado é o livre-pensamento. Num contexto em que o catolicismo era repressor absoluto, com poder de polícia, podia o livre-pensamento ser aliado do Espiritismo, pois facultava, nas suas múltiplas possibilidades, questionar dogmas ancestrais, levando, por vezes, à escolha analítica de uma fé raciocinada, tal a espírita, por exemplo. O que parece que se quer esquecer voluntariamente é que o livre-pensamento faculta também a escolha do ateísmo, do agnosticismo, do niilismo. Hoje, que a influência da Igreja Católica perdeu muito de sua antiga força, o livre-pensamento tem podido conduzir mais persuasivamente ao ateísmo do que a qualquer outra coisa, porquanto a ideia de Deus implica a de submissão a um poder que, de uma forma ou de outra, goza da faculdade de nos regular, e isso, em geral, causa repulsa aos radicais do livre-pensamento que, então, preferem optar pela descrença, ou pelo agnosticismo, para manterem o conforto de sua não vinculação a qualquer linha de pensamento predefinida.

Kardec não deixou de identificar tal situação ao dizer que os livres-pensadores constituem “[...] nova denominação pela qual se designam os que não se sujeitam à opinião de ninguém em matéria de religião e de espiritualidade [...]”. E ao observar: “Esta qualificação não especifica nenhuma crença determinada; pode aplicar-se a todas as nuanças do espiritualismo racional, tanto quanto à mais absoluta incredulidade [...] todo homem que não se guia pela fé cega é, por isto mesmo, livre-pensador. A este título os espíritas também são livres-pensadores”. Foi, contudo, bem sintomática sua verificação final, justo ao encontro de meu alerta:
Mas para os que podem ser chamados os radicais do livre-pensamento, esta designação tem uma acepção mais restrita e, a bem dizer, exclusiva; para estes, ser livre-pensador não é apenas crer no que vê: é não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do temor de Deus e do futuro; a espiritualidade é um estorvo e não a querem. Sob este símbolo da emancipação intelectual, procuram dissimular o que a qualidade de materialista e de ateu tem de repulsivo para a opinião das massas e, coisa singular, é em nome desse símbolo, que parece ser o da tolerância por todas as opiniões, que atiram pedra a quem quer que não pense como eles. Há, pois, uma distinção essencial a fazer entre os que se dizem livres-pensadores, como entre os que se dizem filósofos.[3]
Situando os espíritas entre os livres-pensadores, Kardec o fez estritamente no sentido de que pertencem aos que não se guiam por uma fé cega, portanto, num contexto bem específico; visando atingir, sobretudo, o ilogismo dos dogmas da Igreja Católica. E foi perfeito! Mas como poderia o espírita ser hoje propriamente um livre-pensador? Não está sujeito o espírita aos seus princípios, aos princípios de sua crença, aos quais, voluntária e analiticamente, aderiu mediante a obra de Kardec? Ou será que pode o espírita se divorciar desses princípios numa aventura de livre-pensamento radical, sem todo freio? Sim! Pode. Mas não será mais espírita! Ou será? Pode haver espíritas ateus, agnósticos, niilistas? Vou além... Pode haver espíritas não kardecistas? Todavia é o que se quer, especialmente imputando a Kardec a pecha de dogma, como se a sua capacidade de argumentação racional e a instrução iluminista de seus guias espirituais não lhe tivessem conferido, muito naturalmente, uma liderança mais do que merecida: necessária e missionária. O espírita, pois, não é hoje um livre-pensador, embora tenha, sim, liberdade de pensamento. Aliás, coisas que não se confundem.

Fato é que, para questionar o que lhe parecem dogmas, o livre-pensador de ofício tem de se manter equidistante, o que implica ao menos certo descompromisso com esta ou aquela escola, muito especialmente se afinada com ideias religiosas, como é o caso confesso do Espiritismo. É desse modo que a coisa funciona em nossos dias. Só que a turma dana a escrever por aí de forma deslumbrada e acrítica, sem noção mais ponderada daquilo que está falando na condição de espírita. Sim, porque o problema todo é esse. Ou não é? Se me defino como espírita, posso falar como ateu, agnóstico, niilista? Absolutamente! Passarei essas posturas em revista e as rebaterei com o Espiritismo, se assim minha escolha me possibilitar fazê-lo, porquanto há espíritas tíbios, bem como os há falsos. Todo cuidado é pouco. E vou além novamente... Se me defino como espírita, posso falar como não kardecista, ou antikardecista, valendo-me de “erros” de Kardec a fim de minar seu poder de definir a identidade do Espiritismo? Eu não encontrei ainda esses “erros”, nem me foram apontados por ninguém, que não se devessem à limitação da ciência de época e, por isso mesmo, não tivessem no próprio aconselhamento doutrinário o seu devido corretivo. Onde, pois, qualquer demérito?
O Espiritismo não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria. Deixando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.[4]
O problema é que coisas não demonstradas, ainda mal saídas dos domínios da utopia, sempre aparecem impostas ao Espiritismo como sua superação, atualização, mesmo oriundas das pesquisas parapsíquicas. Os adeptos ponderados precisam estar atentos a isso e evitar a voragem mística, de um lado, e a pseudocientífica, de outro. Se algo não é sequer consenso acadêmico, científico, oficial, por que deveria ser adotado pelo Espiritismo? Nesse caso, o Espiritismo basta a si mesmo. A frequência numa universidade, ou a ostentação de títulos acadêmicos, não confere, a priori, maior credibilidade ao discurso de um espírita feito a outros espíritas, até porque não existe nas universidades, nas academias, nenhum curso de Espiritismo; o máximo que há é o estudo de assuntos relativos ao espírito, mas que nem mesmo assim lá podem ser considerados de antemão, sob pena de não serem dignos de atenção científica.

Alguns têm colado grau com teses que recebem o adjetivo de espíritas. Mas onde já se viu que as academias, tradicionalmente livre-pensantes e, por isso, predominantemente ateias e agnósticas, possam agora avaliar e aprovar mestres ou doutores numa matéria que lhes é, senão indiferente, ao menos alheia: o Espiritismo? Não digo que não possamos ingressar nelas e mesmo nos impor às academias, como segmento legítimo da sociedade que somos: os espíritas. Questiono apenas e tão só a legitimidade dessa tentativa de imposição, a um movimento espírita em geral desatento e deslumbrado, dos subsistemas desses mestres e doutores espíritas. Suas teses, apesar de aprovadas por universidades, não conseguem necessariamente consenso acadêmico, ou científico. Aliás, não sei de nenhuma que já o tenha obtido, mesmo porque não houve sequer tempo para isso. Seria justo que o quisessem obter agora e forçadamente nas lides espíritas? São conhecimentos que podem dinamizar o Espiritismo, ou tentativas precipitadas de reformá-lo após certa frustração no meio científico, onde não vingaram ainda e onde enfrentam a resistência de um meio já cristalizadamente refratário ao espiritual e aos espirituais? São questões que se impõem aos espíritas conscienciosos e mais atentos ao portentoso legado de Kardec.

Vez por outra, aparecem espíritas fazendo ciência no quintal de casa e depois querendo impor isso às academias ou, pior: ao próprio movimento espírita, como superação científica de Kardec... Se querem fazer ciência aos cientistas, que a façam nos termos destes e para estes. Os espíritas a aceitarão de bom grado quando for consenso na academia. Antes disso, o Espiritismo não tem a obrigação de acolhê-la, menos ainda como superação científica de Kardec. Convém lembrar aqui estas reflexões do severo Erasto ao mestre espírita por excelência:
[...] acreditai-me, o Espiritismo, tão rico de fenômenos sublimes e grandiosos, nada tem a ganhar com essas insignificantes manifestações que hábeis prestidigitadores podem imitar. Bem sei o que ireis me dizer: que esses fenômenos são úteis para convencer os incrédulos. Mas sabei que, se não tivésseis outros meios de convicção, não teríeis hoje a centésima parte de espíritas com que podeis contar. Falai aos corações: é esse o caminho da maioria das conversões sérias. Se achais conveniente, para certas pessoas, utilizar-vos dos fenômenos materiais, pelo menos apresentai-os de tal maneira que não possam dar motivo a falsas interpretações. E, sobretudo, observai as condições normais desses fenômenos, porque, apresentados de maneira imprópria, eles servem de argumentos para os incrédulos, em vez de convencê-los.[5]
Para ilustrar minhas reflexões, tomo o caso do ectoplasma por exemplo. Kardec usou esse termo? Nem poderia. É posterior a ele. Uma hipótese de C. Richet para a Metapsíquica. Se esta não conseguiu fazer do ectoplasma um consenso científico para as academias, o que o Espiritismo tem com isso? O problema é que os espíritas, após a morte de Kardec, não seguraram, como eu já disse, a sua ansiedade em querer convencer meio mundo de que o Espiritismo era científico mesmo. E começaram a adotar as hipóteses dos metapsiquistas como comprovações definitivas da Doutrina Espírita; o que foi um absurdo, pois a Doutrina Espírita não se detém nessa que Kardec chamou de a “parte material” da Ciência Espírita. Eram apenas e tão só hipóteses de trabalho daqueles experimentadores. Algumas vezes bem favoráveis ao Espiritismo, doutras nem tanto.

Se é verdade que o Espiritismo de Kardec não se tornou consenso científico, também o é que os que o acusaram de credulidade e tentaram reescrevê-lo também não alcançaram esse consenso. Por que eu, espírita, devo hoje então trocar um por outros? Prefiro Kardec e sua nomenclatura supostamente obsoleta às simples hipóteses de pesquisadores de searas alheias, até porque essas hipóteses parapsíquicas atingem seu melhor quando se aproximam das boas e velhas verdades espíritas. Se um consenso científico houver algum dia sobre quaisquer delas, e ficar provado, por exemplo, que o tal ectoplasma são os fluidos para efeitos físicos, para mim, tudo bem, tudo ótimo. Por ora, trata-se de hipótese extraespírita, nomenclatura do que hoje é considerada uma pseudociência, como, aliás, por sua vez, os metapsiquistas consideraram o Espiritismo. Não é irônico? Quiseram corrigir a suposta credulidade de Kardec e só conseguiram, de seus cultuados pares acadêmicos, um rótulo de pseudociência. Para eles, sentimento de fracasso, porque ambicionavam esse aval subido, sobre o que Kardec nunca fez pesar nem metade da ansiedade que eles nisso tanto concentraram. O curioso é que só foram redimidos (quem diria?) pelos espíritas, que se dignam ainda hoje, e não sem razão, estudar seus trabalhos. O erro está em os espíritas misturarem uma coisa com outra e quererem tornar o Espiritismo uma nova Metapsíquica, com a mesma limitação paradigmática do materialismo acadêmico, que o “pobre” e “crédulo” Kardec logo se encarregou de superar com sua genialidade ímpar, oportunizando à humanidade a pavimentação do caminho destinado aos primeiros mas resolutos passos da construção dessa “Ciência do Infinito”.[6]

Liberdade e responsabilidade têm de andar de mãos dadas. O que desgasta certos livres-pensadores perante espíritas como eu, por exemplo, é a pretensão que têm de querer provar que são mais clarividentes, flexíveis, abertos, ou mais o que possam supor. Mas não o suficiente para atinarem que há espíritas oriundos das escolas que lançam aqueles mesmos questionamentos “blasfemos” de que tanto se ufanam os livres-pensadores. Esses espíritas ex-agnósticos, ex-ateus, ex-niilistas escolheram caminho mais produtivo, que dá sentido à vida e não que o retira; preferiram não permanecer iludindo-se com a falsa sensação de que poderiam ser eternos observadores avançados de uma assim pretendida submissão irracional de todos os demais; preferiram a humildade à arrogância. As pirraças materialistas e agnósticas, emitidas por mestres da suspeita moderna, como Darwin, que considerava a vida um “matadouro a céu aberto”, já deram o que tinham que dar. Descrer é fácil demais. Basta desanimar, entregar-se ao fluxo das paixões e ao egoísmo dissolvente. O instigante é a aventura de crer com base racional e até empírica, essa ousadia tipicamente kardecista! Radicais do livre-pensamento acusam-nos de dogmáticos, e subestimam (mais autoritários que alteritários) algo intransponível no outro: sua escolha. Se esses livres-pensadores não são espíritas por definição, se não podem aceitar as argumentações e explicações que lhes ofertamos, calcados na doutrina que professamos, que se há de fazer? Cada um siga seu caminho, pensando diferentemente, mas nem por isso perdendo a estima recíproca.

[1] F.E.B., 2002, 83.ª ed., p. 28/9.
[2] Revista Espírita. Jul/1868. A Geração Espontânea e A Gênese. F.E.B., 2007, 2.ª ed., p. 285/86.
[3] Revista Espírita. Jan/1867. Olhar Retrospectivo Sobre o Movimento Espírita. F.E.B., 2007, 2.ª ed., p. 22.
[4] KARDEC. A Gênese, I, 55. F.E.B, 2003, 23.ª ed., p. 44/5.
[5] KARDEC. O Livro dos Médiuns, 98. L.A.K.E., 1994, 18.ª ed., p. 102. Pelo espírito Erasto. Grifos meus.
[6] O Livro dos Espíritos. Introdução, § XIII.

Fonte: Ensaios da Hora Extrema - http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2012/06/kardec-aos-cientistas-e-o-livre.html

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dever e caridade

Por Cairbar Schutel

O trabalho de propaganda, pelo qual nos empenhamos, aplicando todas as nossas aptidões, além de ser uma tarefa que se acha adstrita aos nossos afazeres na Terra, é um dos maiores exercícios de caridade que não pode deixar de concorrer para o nosso bem-estar futuro.

Se mais não fizemos que pregar, insistentemente, a existência e imortalidade da alma e, portanto, a sorte que aguarda os crentes e os descrentes, os bons e os maus, as almas liberais e as avaras, os simples, os humildes, os orgulhosos e os enfatuados, já teríamos realizado o nosso dever e exercido, na frase de S. Paulo, a mais alta expressão da Caridade Cristã.

Com efeito, a imortalidade da alma, ou seja, o prosseguimento da nossa existência, à despeito da transformação que chamamos morte, é o princípio fundamental de todos os cometimentos e, consequentemente, o ponto de partida, o fundamento de uma orientação firme para bem nos guiarmos na estrada da vida.

Poder-se-á comparar a existência, o modo de agir de um homem que em nada crê, julgando ser o túmulo a sua última morada, com a existência de um outro que, orientado pelos princípios espíritas, já sabe que a morte nada mais é que um incidente na sua ascensão para a felicidade, pela conquista de conhecimentos que enriquecem e santificam sua alma!

O princípio da Imortalidade, quando aceito, não como um artigo de fé-cega, mas, após acurado estudo e experiências positivas e bem controladas, constitui o pivô mágico sobre o qual nos equilibramos para triunfarmos nas lutas e aproveitarmos o tempo da nossa peregrinação terrestre. Além de tudo, a Doutrina da Imortalidade nos faculta uma soma enorme de consolações e esperanças que, em vão, procuraríamos em qualquer religião da Terra e em todas as ciências, que constituem o orgulho da nossa civilização.

A imortalidade individual implica a existência, portanto, dos nossos parentes, dos seres queridos que, segundo afirma o Espiritismo, não foram absorvidos nas voragens dos túmulos e, consequentemente, ela vem nos dizer que nós também não seremos destruídos nesse combate que teremos todos de enfrentar contra a morte.

“Mors janua est” – a morte é a porta da vida –, como disse o filósofo, e repetiu-nos, numa carta que nos enviou o grande biologista francês recém-desencarnado, Professor Charles Richet.

Pois bem, em troco dessa grande Luz que o Espiritismo nos proporciona, julgamos que, por dever e caridade, nos cumpre erguer bem alto esse lábaro sagrado, que constitui a Verdadeira Fé, para que, os que nos são próximos bebam dessa Água que desaltera e vivifica e prossigam, intemeratamente, nas lutas pelo seu aperfeiçoamento espiritual, certos de que, assim fazendo, terão magnificamente aproveitado a sua existência terrestre.

A Imortalidade é a Luz da Vida; só por ela, podemos vislumbrar, desde já, o futuro que nos espera.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

OLE - Finalidade da Encarnação

O Livro dos Espíritos

132. Qual é a finalidade da encarnação dos Espíritos?

— Deus a impõe com o fim de levá-los à perfeição: para uns, é uma expiação; para outros, uma missão. Mas, para chegar a essa perfeição, eles devem sofrer todas as vicissitudes da existência corpórea; nisto é que está a expiação. A encarnação tem ainda outra finalidade, que é a de pôr o Espírito em condições de enfrentar a sua parte na obra da Criação. É para executá-la que ele toma um aparelho em cada mundo, em harmonia com a matéria essencial do mesmo, afim de nele cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. E dessa maneira, concorrendo para a obra geral, também progredir.

Comentário de Kardec: A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha do Universo. Mas Deus, na sua sabedoria, quis que eles tivessem, nessa mesma ação, um meio de progredir e de se aproximarem dele. É assim que, por uma lei admirável de sua providência, tudo se encadeia, tudo é solidário na Natureza.

133. Os Espíritos que, desde o princípio, seguiram o caminho do bem têm necessidade da encarnação?

— Todos são criados simples e ignorantes e se instruem através das lutas e atribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer feliz a uns, sem penas e sem trabalhos, e por conseguinte sem mérito.

133. a) Mas então de que serve aos Espíritos seguirem o caminho do bem, se isso não os isenta das penas da vida corporal?

— Chegam mais depressa ao alvo. Além disso, as penas da vida são freqüentemente a conseqüência da imperfeição do Espírito. Quanto menos imperfeito ele for, menos tormentos sofrerá. Aquele que não for invejoso, nem ciumento, nem avarento ou ambicioso, não passará pelos tormentos que se originam desses defeitos.

II – Da Alma

134. O que é a alma?

— Um Espírito encarnado.

134 - a) O que era a alma, antes de unir-se ao corpo?

— Espírito.

134 – b) As almas e os Espíritos são, portanto, uma e a mesma coisa?

— Sim, as almas não são mais que Espíritos. Antes de ligar-se ao corpo, a alma é um dos seres inteligentes que povoam o mundo invisível, e depois reveste temporariamente um invólucro carnal, para se purificar e esclarecer.

135. Há no homem outra coisa, além da alma e do corpo?

— Há o liame que une a alma e o corpo.

135 – a) Qual é a natureza desse liame?

— Semimaterial; quer dizer, um meio-termo entre a natureza do Espírito e a do corpo. E isso é necessário, para que eles possam comunicar-se. E por meio desse liame que o Espírito age sobre a matéria, e vice-versa.

Comentário de Kardec: O homem é, assim, formado de três partes essenciais:

1°) O corpo, ou ser material, semelhante aos dos animais e animado pelo

mesmo princípio vital;

2°) A alma. Espírito encarnado, do qual o corpo é a habitação;

3°) O perispírito. princípio intermediário, substância semimaterial, que serve de

primeiro envoltório ao Espírito e une a alma ao corpo. Tais são. num fruto, a semente, a polpa e a casca.

136. A alma é independente do princípio vital?

— O corpo não é mais que o envoltório, sempre o repetimos.

136 – a) O corpo pode existir sem a alma?

— Sim; e não obstante, desde que o corpo deixa de viver, a alma o abandona. Antes do nascimento não há uma união decisiva entre a alma e o corpo, ao passo que, após o estabelecimento dessa união, a morte do corpo rompe os liames que a unem a ele, e a alma o deixa. A vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar um corpo sem vida orgânica.

136 – b) O que seria o nosso corpo, se não tivesse alma?

— Uma massa de carne sem inteligência; tudo o que quiserdes, menos um homem.

137. O mesmo Espírito pode encarnar-se de uma vez em dois corpos diferentes?

— Não. O Espírito é indivisível e não pode animar simultaneamente duas criaturas diferentes. (Ver, em O Livro dos Médiuns, o capítulo Bicorporeidade e transfiguração.)

138. Que pensar da opinião dos que consideram a alma como o princípio da vida material?

— Simples questão de palavras, com a qual nada temos. Começai por vos entenderdes.

139. Alguns Espíritos, e antes deles alguns filósofos, assim definiram a alma: Uma centelha anímica emanada do Grande Todo. Por que essa contradição?

— Não há contradição: tudo depende da significação das palavras. Por que não tendes uma palavra para cada coisa?

Comentário de Kardec: A palavra alma é empregada para exprimir as coisas mais diferentes. Uns chamam alma ao principio da vida, e nessa acepção é exato dizer figuradamente, que a alma é uma centelha anímica emanada do Grande Todo. Essas últimas palavras se referem à fonte universal do principio vital, em que cada ser absorve uma porção, que devolve ao todo após a morte. Esta idéia não exclui absolutamente a de um ser moral, distinto, independente da matéria, e que conserva a sua individualidade. É a este ser que se chama igualmente alma. E nesta acepção pode dizer-se que a alma é um Espírito encarnado. Dando da alma diferentes definições, os Espíritos falaram segundo as aplicações que faziam da palavra e segundo as idéias terrestres de que estavam ainda mais ou menos imbuídos. Isso decorre da insuficiência da linguagem humana, que não tem um termo para cada idéia, o que acarreta uma multidão de mal-entendidos e discussões. Eis porque os Espíritos superiores dizem que devemos, primeiro, nos entendermos quanto às palavras(1).

140. Que pensar da teoria da alma subdividida em tantas partes quantos são os músculos, presidindo cada uma às diferentes funções do corpo?

— Isso também depende do sentido que se atribuir à palavra alma. Se por ela se entende o fluido vital, está certo; se se entende o Espírito encarnado, está errado. Já dissemos que o Espírito é indivisível: ele transmite o movimento aos órgãos através do fluido intermediário, sem por isso se dividir.

140 – a) Não obstante, há Espíritos que deram esta definição.

— Os Espíritos ignorantes podem tomar o efeito pela causa.

Comentário de Kardec: A alma age por meio dos órgãos, e estes são animados pelo fluido vital que se reparte entre eles, e com mais abundância nos que são os centros ou focos de movimento. Mas essa explicação não pode aplicar-se à alma como sendo o Espírito que habita o corpo durante a vida e o deixa com a morte.

141. Há qualquer coisa de certo na opinião dos que pensam que a alma é externa e envolve o corpo?

— A alma não está encerrada no corpo como o pássaro numa gaiola. Ela irradia e se manifesta no exterior, como a luz através de um globo de vidro ou como o som ao redor de um centro sonoro. É por isso que se pode dizer que ela é exterior, mas não como um envoltório do corpo. A alma tem dois envoltórios: um, sutil e leve, o primeiro, que chamamos perispírito; o outro, grosseiro, material e pesado, que é o corpo. A alma é o centro desses envoltórios, como a amêndoa na casca, já o dissemos.

142. Que dizer dessa outra teoria, segundo a qual, na criança, a alma vai se completando a cada período da vida?

— O Espírito é apenas um: inteiro na criança, como no adulto; são os órgãos, instrumentos de manifestação da alma, que se desenvolvem e se completam. Isto é ainda tomar o efeito pela causa.

143. Por que todos os Espíritos não definem a alma da mesma maneira?

— Os Espíritos não são todos igualmente esclarecidos sobre essas questões. Há Espíritos ainda limitados, que não compreendem as coisas abstraías, como as crianças entre vós. Há também Espíritos pseudo-sábios, que para se imporem, como acontece ainda entre vós, fazem rodeios de palavras. Além disso, mesmo os Espíritos esclarecidos podem exprimir-se em termos diferentes, que no fundo têm o mesmo valor, sobretudo quando se trata de coisas que a vossa linguagem é incapaz de esclarecer; há então necessidade de figuras, de comparações, que tomais pela realidade.

144. Que se deve entender por alma do mundo?

— O princípio universal da vida e da inteligência de que nascem as individualidades. Mas os que se servem dessa expressão, freqüentemente, não se entendem. A palavra alma tem aplicação tão elástica que cada um a interpreta de acordo com as suas fantasias. Tem-se, às vezes, atribuído uma alma à Terra, e por ela é necessário entender o conjunto dos Espíritos abnegados que dirigem as vossas ações no bom sentido, quando os escutais, e que são de certa maneira os lugares-tenentes de Deus junto ao vosso globo.

145. Como é que tantos filósofos antigos e modernos têm longamente discutido sobre a Ciência psicológica, sem chegar à verdade?

— Esses homens eram os precursores da doutrina espírita eterna, e prepararam o caminho. Eram homens e puderam enganar-se, porque tomaram pela luz as suas próprias idéias; mas os seus mesmos erros, através dos prós e contras de suas doutrinas, servem para evidenciar a verdade. Aliás, entre esses erros se encontram grandes verdades, que um estudo comparativo vos fará compreender.

146. A alma tem, no corpo, uma sede determinada e circunscrita?

— Não. Mas ela se situa mais particularmente na cabeça, entre os grandes gênios e todos aqueles que usam bastante o pensamento, e no coração dos que sentem bastante, dedicando todas as suas ações à Humanidade.

146 – a) Que pensar da opinião dos que situam a alma num centro vital?

— Que o Espírito se encontra de preferência nessa parte do vosso organismo, que é o ponto a que se dirigem toda as sensações. Os que a situam naquilo que consideram como centro da vitalidade, a confundem com afluído ou princípio vital. Não obstante, pode dizer-se que a sede da alma se encontra mais particularmente nos órgãos que servem para as manifestações intelectuais e morais.

(1) Ver, na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, a explicação sobre a palavra alma. II

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O CÉU E O INFERNO - Os Anjos Segundo o Espiritismo

Por Allan Kardec

Que haja seres dotados de todas as qualidades atribuídas aos anjos, não restam dúvidas. A revelação espírita neste ponto confirma a crença de todos os povos, mas nos faz conhecer, ao mesmo tempo, a origem e natureza de tais seres.

As almas ou Espíritos são criados simples e ignorantes, isto é, sem conhecimentos e sem consciência do bem e do mal, porém, aptos para adquirirem tudo o que lhes falta. O trabalho é o meio de aquisição, e o fim - que é a perfeição - é para todos o mesmo.

Conseguem-no mais ou menos prontamente em virtude do livre-arbítrio e na razão direta dos seus esforços; todos têm os mesmos graus a percorrer, o mesmo trabalho a concluir. Deus não aquinhoa melhor a uns do que a outros, porquanto é justo, e, visto serem todos seus filhos, não têm predileções. Ele lhes diz: Eis a lei que deve constituir a vossa norma de conduta; só ela pode levar-vos ao fim; tudo que lhe for conforme é o bem; tudo que lhe for contrário é o mal. Tendes inteira liberdade de observar ou infringir esta lei, e assim sereis os árbitros da vossa própria sorte.

Deus, portanto, não criou o mal; todas as suas leis são para o bem, e foi o próprio homem quem criou esse mal, infringindo essas leis; se ele as observasse, escrupulosamente, jamais se desviaria do bom caminho.

Entretanto, a alma, qual criança, é inexperiente nas primeiras fases da existência, e por isso ela é falível. Não lhe dá Deus essa experiência, mas dá-lhe meios de adquiri-la. Assim, um passo em falso, no caminho do mal, é um atraso para a alma, que, sofrendo-lhe as conseqüências, aprende à sua custa o que importa evitar. Deste modo, pouco a pouco, se desenvolve, aperfeiçoa e avança na hierarquia espiritual até ao estado de Espírito puro ou anjo.

Os anjos são, pois, as almas dos homens chegados ao grau de perfeição que a criatura comporta, fruindo em sua plenitude a prometida felicidade. Antes, porém, de atingir o grau supremo, gozam de felicidade relativa ao seu adiantamento, felicidade que consiste, não na ociosidade, mas nas funções que a Deus apraz confiar-lhes, e por cujo desempenho se sentem felizes, tendo ainda nele um meio de progresso.

A Humanidade não se limita à Terra; ela habita inúmeros mundos que no Espaço circulam; já habitou aqueles que desapareceram e habitará os que se formarem. Tendo-a criado de toda a eternidade, Deus jamais cessa de criá-la. Muito antes que a Terra existisse e por mais remota que a suponhamos, outros mundos haviam, nos quais Espíritos encarnados percorreram as mesmas fases que ora percorrem os de mais recente formação, atingindo seu fim antes mesmo que houvéramos saído das mãos do Criador.

De toda a eternidade tem havido, pois, Espíritos puros ou anjos; mas, como a sua existência humana se passou num infinito passado, eis que os supomos como se tivessem sido sempre anjos de todos os tempos.

Realiza-se assim a grande lei de Unidade da Criação; Deus nunca esteve inativo e sempre teve Espíritos puros, experimentados e esclarecidos, para transmissão de suas ordens e direção do Universo, desde o governo dos mundos até os mais ínfimos detalhes. Tampouco teve Deus necessidade de criar seres privilegiados, isentos de obrigações; todos, antigos ou novos, adquiriram suas posições na luta e por mérito próprio; todos, enfim, são filhos de suas obras.

E, desse modo, completa-se com igualdade a Soberana Justiça do Criador.

Fonte: KARDEC, Allan. “O Céu e o Inferno - A Justiça Divina Segundo o Espiritismo”

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ESE - A Felicidade Não É Deste Mundo

Não sou feliz! A felicidade não foi feita para mim! Exclama geralmente o homem, em toda as posições sociais. Isto prova, meus caros filhos, melhor que todos os raciocínios possíveis, a verdade desta máxima do Eclesiastes: “A felicidade não é deste mundo”. Com efeito, nem a fortuna, nem o poder, nem mesmo a juventude em flor, são condições essenciais da felicidade. Digo mais: nem mesmo a reunião dessas três condições, tão cobiçadas, pois que ouvimos constantemente, no seio das classes privilegiadas, pessoas de todas as idades lamentarem amargamente a sua condição de existência.

Diante disso, é inconcebível que as classes trabalhadoras invejem com tanta cobiça a posição dos favorecidos da fortuna. Neste mundo, seja quem for, cada qual tem a sua parte de trabalho e de miséria, seu quinhão de sofrimento e desengano. Pelo que é fácil chegar-se à conclusão de que a Terra é um lugar de provas e de expiações.

Assim, pois, os que pregam que a Terra é a única morada do homem, e que somente nela, e numa única existência, lhe é permitido alcançar o mais elevado grau de felicidade que a sua natureza comporta, iludem-se e enganam aqueles que os ouvem. Basta lembrar que está demonstrado, por uma experiência multissecular, que este globo só excepcionalmente reúne as condições necessárias à felicidade completa do indivíduo.

Num sentido geral, pode afirmar-se que a felicidade é uma utopia, a cuja perseguição se lançam as gerações, sucessivamente, sem jamais a alcançarem. Porque, se o homem sábio é uma raridade neste mundo, o homem realmente feliz não se encontra com maior facilidade.

Aquilo em que consiste a felicidade terrena é de tal maneira efêmera para quem não se guiar pela sabedoria, que por um ano, um mês, uma semana de completa satisfação, todo o resto da existência se passa numa seqüência de amarguras e decepções. E notai, meus caros filhos que estou falando dos felizes da Terra, desses que são invejados pelas massas populares.

Conseqüentemente, se a morada terrena se destina a provas e expiações, é forçoso admitir que existem, além, moradas mais favorecidas, em que o Espírito do homem, ainda prisioneiro de um corpo material, desfruta em sua plenitude as alegrias inerentes à vida humana. Foi por isso que Deus semeou, no vosso turbilhão, esses belos planetas superiores para os quais os vossos esforços e as vossas tendências vos farão um dia gravitar, quando estiverdes suficientemente purificados e aperfeiçoados.

Não obstante, não se deduza das minhas palavras que a Terra esteja sempre destinada a servir de penitenciária. Não, por certo! Porque, do progresso realizado podeis facilmente deduzir o que será o progresso futuro, e das melhoras sociais já conquistadas, as novas e mais fecundas melhoras que virão. Essa é a tarefa imensa que deve ser realizada pela nova doutrina que os Espíritos vos revelaram.

Assim, pois, meus queridos filhos, que uma santa emulação vos anime, e que cada um dentre vós se despoje energicamente do homem velho. Entregai vos inteiramente à vulgarização desse Espiritismo, que já deu início à vossa própria regeneração. É um dever fazer vossos irmãos participarem dos raios dessa luz sagrada. À obra, portanto, meus caros filhos! Que nesta reunião solene, todos os vossos corações se voltem para esse alvo grandioso, de preparar para as futuras gerações um mundo em que felicidade não seja mais uma palavra vã.

FRANÇOIS-NICOLAS-MADELAINE
Cardeal Morlot, Paris, 1863

Fonte: KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de José Herculano Pires.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O Espiritismo, por Allan Kardec

O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos, como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai ter às bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura. Mas, não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos, nenhum tomou, nem recebeu o título de sacerdote ou de sumo-sacerdote. Estes qualificativos são de pura invenção da crítica.

As crenças que propugna, as tendências que manifesta e o fim a que visa se resumem nas proposições seguintes:

1º) O elemento espiritual e o elemento material são os dois princípios, as duas forças vivas da Natureza, as quais se completam uma a outra e reagem incessantemente uma sobre a outra, indispensáveis ambas ao funcionamento do mecanismo do Universo.

Da ação recíproca desses dois princípios se originam fenômenos que cada um deles, isoladamente, não tem possibilidade de explicar.

À Ciência, propriamente dita, cabe a missão especial de estudar as leis da matéria.

O Espiritismo tem por objeto o estudo do elemento espiritual em suas relações com o elemento material e aponta na união desses dois princípios a razão de uma imensidade de fatos até então inexplicados.

O Espiritismo caminha ao lado da Ciência, no campo da matéria: admite todas as verdades que a Ciência comprova; mas, não se detém onde esta última pára: prossegue nas suas pesquisas pelo campo da espiritualidade.

2º) Sendo o elemento espiritual um estado ativo da Natureza, os fenômenos em que ele intervém estão submetidos a leis e são por isso mesmo tão naturais quanto os que derivam da matéria neutra.

Alguns de tais fenômenos foram reputados sobrenaturais, apenas por ignorância das leis que os regem. Em virtude desse princípio, o Espiritismo não admite o caráter de maravilhoso atribuído a certos fatos, embora lhes reconheça a realidade ou a possibilidade. Não há, para ele, milagres, no sentido de derrogação das leis naturais, donde se segue que os espíritas não fazem milagres e que é impróprio o qualificativo de taumaturgos que umas tantas pessoas lhes dão.

O conhecimento das leis que regem o princípio espiritual prende-se de modo direto à questão do passado e do futuro do homem. Cinge-se a sua vida à existência atual? Ao entrar neste mundo, vem ele do nada e volta para o nada ao deixá-lo? Já viveu e ainda viverá? Como viverá e em que condições? Numa palavra: donde vem ele e para onde vai? Por que está na Terra e por que sofre aí? Tais as questões que cada um faz a si mesmo, porque são para toda gente de capital interesse e às quais ainda nenhuma doutrina deu solução racional. A que lhe dá o Espiritismo, baseada em fatos, por satisfazer às exigências da lógica e da mais rigorosa justiça, constitui uma das causas principais da rapidez de sua propagação.

O Espiritismo não é uma concepção pessoal, nem o resultado de um sistema preconcebido. É a resultante de milhares de observações feitas sobre todos os pontos do globo e que convergiram para um centro que os coligiu e coordenou. Todos os seus princípios constitutivos, sem exceção de nenhum, são deduzidos da experiência. Esta precedeu sempre a teoria.

O Espiritismo não é solidário com aqueles a quem apraza dizerem-se espíritas, do mesmo modo que a Medicina não o é com os que a exploram, nem a sã religião com os abusos e até crimes que se cometam em seu nome. Ele não reconhece como seus adeptos senão os que lhe praticam os ensinos, isto é, que trabalham por melhorar-se moralmente, esforçando-se por vencer os maus pendores, por ser menos egoístas e menos orgulhosos, mais brandos, mais humildes, mais caridosos para com o próximo, mais moderados em tudo, porque é essa a característica do verdadeiro espírita.

É-se espírita pelo só fato de simpatizar com os princípios da doutrina e por conformar com esses princípios o proceder. Trata-se de uma opinião como qualquer outra, que todos têm o direito de professar, como têm o de ser judeus, católicos, protestantes, simonistas, voltairiano, cartesiano, deísta e, até, materialista.

Coerente com seus princípios, o Espiritismo não se impõe a quem quer que seja; quer ser aceito livremente e por efeito de convicção. Expõe suas doutrinas e acolhe os que voluntariamente o procuram. Não cuida de afastar pessoa alguma das suas convicções religiosas; não se dirige aos que possuem uma fé e a quem essa fé basta; dirige-se aos que, insatisfeitos com o que se lhes dá, pedem alguma coisa melhor.

Assim, desde o começo, o Espiritismo lançou raízes por toda parte. A História nenhum exemplo oferece de uma doutrina filosófica ou religiosa que, em dez anos, tenha conquistado tão grande número de adeptos. Entretanto, não empregou, para se fazer conhecido, nenhum dos meios vulgarmente em uso; propagou-se por si mesmo, pelas simpatias que inspirou.

O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; reclama-a para os seus adeptos, do mesmo modo que para toda a gente. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão da reciprocidade. Da liberdade de consciência decorre o direito de livre-exame em matéria de fé. O Espiritismo combate a fé cega, porque ela impõe ao homem que abdique da sua própria razão; considera sem raiz toda fé imposta, donde o inscrever entre suas máximas: Não é inabalável, senão a fé que pode encarar de frente a razão em todas as épocas da Humanidade.

Fonte: KARDEC, Allan. Obras Póstumas.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Nos domínios da fé e da razão

Por Mauro Baamonde

No conjunto de perspectivas da atualidade, nota-se que a ciência tem alcançado significativo êxito no que se refere às descobertas que direcionam todo o progresso da humanidade. São indiscutíveis os avanços que as abordagens científicas trazem para a sociedade, mas o que se nota hoje em dia, é um enfrentamento da ciência com a fé, combate este em que ambas estão em lados opostos e lutam para ter a razão em suas opiniões.

A ciência de um modo geral caracteriza-se por ser eminentemente materialista.Tendo como referência, por exemplo, os estudos de células tronco embrionárias e a questão do aborto, observaremos que existe uma separação bastante sedimentada entre a fé e a razão, ou melhor, uma separação entre a ciência humana e o pensamento religioso.

Esta tendência de separação absoluta entre fé e razão, não aconteceu em toda a história do conhecimento humano. Em outros termos, existiram momentos onde a fé e a razão estavam num caminho paralelo, e em outras circunstâncias onde ambas eram diametralmente justapostas. Houve, entretanto, no século XIX, a existência de um momento único onde uma nova doutrina buscou trazer novamente a fé para os domínios da razão, momento este em que elas pareciam estar definitivamente em lados opostos.

Caracterizando historicamente, devemos apontar o período Renascentista do século XVI como o marco inicial da separação da fé e da razão. O Renascimento inaugurou a chamada Idade Moderna, e com isso, dentro de todo um processo e não de forma abrupta, as reflexões deste tempo diferenciou-se dos da Idade Média. O pensamento a partir de então é pautado na idéia do humanismo, isto é, o homem como centro de todas as decisões. Na Idade Média, por outro lado, Deus é o centro de todas as coisas.

Outra diferença a se destacar, é o pensamento racionalista da renascença que se difere ao pensamento místico da Idade Média, razão que determina os usos e costumes distintos de ambos os tempos.

As mudanças nas quais foram iniciadas no Renascimento, só serão efetivamente implementadas no século XVIII com o Iluminismo, onde efetivamente a fé e a razão começam a ter contornos totalmente diferenciados, devido ao fato dos “filósofos das luzes” serem anticlericais, ou seja, contrários aos desígnios da igreja. Os ideais iluministas influenciaram o liberalismo econômico que deu uma propulsão maior ao capitalismo, e a Revolução Francesa que desencadeou o início do Estado laico que compreende a idéia de uma separação definitiva entre o Estado e a Igreja. Mudanças significativas ocorreram em toda a sociedade e que encaminharia inevitavelmente para o descrédito da idéia da harmonia entre a fé a razão.

O Espiritismo surge, contudo, com a proposta de trazer a fé e a razão para um domínio só, reavaliando o conceito de verdades dogmáticas, que se caracterizam por verdades absolutas e fora de qualquer tipo de investigação imparcial. Allan Kardec diz que a fé verdadeira é aquela que consegue enfrentar face a face a razão em todas as épocas da humanidade. Verifica-se desta forma que o Espiritismo rompeu com todo o padrão de uma época, restituindo uma separação que para todos era algo inevitável. A ciência espírita com suas abordagens e com os fatos delas decorrentes, prova de maneira clara e objetiva a imortalidade da alma e toda uma decorrência de fatores que diz respeito a essa idéia, como a reencarnação e a comunicabilidade com os espíritos.

.Verificamos que uma parte bem reduzida da ciência terrena já começa a prestar atenção em todo um mundo de possibilidades de entendimento acerca da vida espiritual, que sempre esteve ligada a nossa. Se tivermos como ponto de partida a idéia de que o mundo material e o espiritual estiveram sempre em permuta constante, isso corresponde a dizer que necessariamente para entendermos a nossa vida material, devemos compreender o mundo que o complementa, isto é, o mundo espiritual.

Portanto, o surgimento do Espiritismo bem como sua atuação na atualidade, é um marco para a história da humanidade, pois dentro de uma série de perspectivas, ele esteve na vanguarda de seu tempo, e hoje se afirma de maneira inquestionável na mesma proporção em que são inquestionáveis as suas descobertas e conclusões.

Fonte: Verdade e luz, edição nº 260, Setembro de 2007

Federação Espírita do Estado de Mato Grosso – www.feemt.org.br

quinta-feira, 16 de julho de 2009

OBRAS PÓSTUMAS - A Estrada da Vida

21:46 Posted by Fabiano Vidal , , , ,
A comparação seguinte pode ajudar a fazer compreender as peripécias da vida da alma.

Suponhamos uma longa estrada, sobre o percurso da qual se encontram, de distância em distância, mas em intervalos desiguais, florestas que é preciso atravessar; à entrada de cada floresta, a estrada larga e bela é interrompida e não retoma senão na saída.

Um viajor segue essa estrada e entra na primeira floresta; mas lá, não mais vereda batida [sem estrada]; um dédalo inextricável no meio do qual se perde; a claridade do Sol desapareceu sob o espesso maciço das árvores; ele erra sem saber para onde vai; enfim, depois de fadigas extraordinárias chega aos confins da floresta, mas abatido de fadiga, rasgado pelos espinhos, machucado pelos calhaus. Lá, reencontra a estrada e a luz, e prossegue seu caminho, procurando se curar de suas feridas.

Mais longe, encontra uma segunda floresta, onde o esperam as mesmas dificuldades; mas já tem um pouco de experiência e dela sai menos contundido.

Numa, encontra um lenhador que lhe indica a direção que deve seguir e impede-o de se perder.

A cada nova travessia a sua habilidade aumenta, se bem que os obstáculos são mais e mais facilmente superados; seguro de reencontrar a bela estrada na saída, essa confiança o sustenta; depois sabe se orientar para encontrá-la mais facilmente.

A estrada termina no cume de uma montanha muito alta, de onde avista todo o percurso desde o ponto de partida; vê também as diferentes florestas que atravessou e se lembra das vicissitudes que experimentou, mas essa lembrança nada tem de penosa, porque alcançou o objetivo; é como o velho soldado que, na calma do lar doméstico, se lembra das batalhas às quais assistiu.

Essas florestas disseminadas sobre a estrada são para ele como pontos negros sobre uma condecoração branca; ele diz a si mesmo:

- "Quando estava nessas florestas, nas primeiras sobretudo, como me pareciam longas para atravessar! Parecia-me que não chegaria mais ao fim; tudo me parecia gigantesco e intransponível ao meu redor. E quando penso que, sem esse bravo lenhador que me recolocou no bom caminho, talvez estaria ali ainda! Agora que considero essas mesmas florestas, do ponto de vista onde estou, como me parecem pequenas! Parece-me que, com um passo, teria podido transpô-las; bem mais, a minha vista as penetra e nelas distingo os menores detalhes; vejo até as faltas que cometi."

Então, um velho lhe diz:

- Meu filho, eis-te no fim da viagem, mas um repouso indefinido te causaria logo um tédio mortal, e ficarias a lamentar as vicissitudes que experimentaste e que deram atividade aos teus membros e ao teu Espírito. Vês daqui um grande número de viajores sobre a estrada que percorreste, e que, como tu, correm risco de se perder no caminho; tens a experiência, não temes mais nada; vai ao seu encontro e, pelos teus conselhos, trata de guiá-los, a fim de que cheguem mais cedo.

- Vou com alegria, redargüe [responde] nosso homem; mas, ajuntou, por que não há uma estrada direta do ponto de partida até aqui? Isso pouparia, aos viajores, passar por essas abomináveis florestas.

- Meu filho, replica o velho, olha bem nelas e verás que muitos evitam um certo número delas; são aqueles que, tendo adquirido mais cedo a experiência necessária, sabem tomar um caminho mais direto e mais curto para chegar; mas essa experiência é o fruto do trabalho que as primeiras travessias necessitaram, de tal sorte que não chegam aqui senão em razão de seu mérito. Que saberias, tu mesmo, se por ali não tivesses passado? A atividade que deveste desdobrar, os recursos de imaginação que te foram necessários para te traçar um caminho, aumentaram os teus conhecimentos e desenvolveram a tua inteligência; sem isso, serias novato como em tua partida. E depois, procurando tirar-te dos embaraços, tu mesmo contribuíste para a melhoria das florestas que atravessaste; o que fizeste é pouca coisa, imperceptível; mas pensa nos milhares de viajores que o fazem também, e que, trabalhando todos para eles, trabalham, sem disso desconfiarem, para o bem comum. Não é justo que recebam o salário de seu trabalho pelo repouso do qual gozam aqui? Que direito teriam a este repouso se nada tivessem feito?

- Meu pai, refete o viajor, numa dessas florestas, encontrei um homem que me disse: "Sobre a borda há um imenso abismo que é preciso transpor de um salto; mas, sobre mil, apenas um consegue; todos os outros lhe caem no fundo, numa fornalha ardente e estão perdidos sem retorno. Esse abismo eu nunca vi."

- Meu filho, é que não existe, de outro modo isso seria uma armadilha abominável estendida a todos os viajores que viessem em minha casa. Eu bem sei que lhes é preciso superar as dificuldades, mas sei também que, cedo ou tarde, as superarão; se tivesse criado impossibilidades para um único, sabendo que deveria sucumbir, teria sido cruel, e com mais forte razão se o fizera para o grande número. Esse abismo é uma alegoria da qual vais ver a explicação. Olha sobre a estrada, nos intervalos das florestas; entre os viajores, vês os que caminham lentamente, com um ar feliz, vês esses amigos que se perderam de vista nos labirintos da floresta, como estão felizes em se reencontrarem na saída; mas, ao lado deles, há outros que se arrastam penosamente; são estropiados e imploram a piedade dos que passam, porque sofrem cruelmente das feridas que, por sua falta, fizeram a si mesmos através das sarças; mas disso se curarão, e isso será, para eles, uma lição da qual aproveitarão na nova floresta que terão que atravessar, e de onde sairão menos machucados. O abismo é a figura dos males que sofrem, e dizendo que sobre mil só um o transpõe, esse homem teve razão, porque o número dos imprudentes é muito grande; mas errou dizendo que, uma vez caído dentro, dele não se sai mais; há sempre uma saída para chegar a mim. Vai, meu filho, vai mostrar essa saída àqueles que estão no fundo do abismo; vai sustentar os feridos da estrada e mostra o caminho àqueles que atravessam as florestas.

A estrada é a figura da vida espiritual da alma, sobre o percurso da qual se é mais ou menos feliz; as florestas são as existências corpóreas, onde se trabalha para o seu adiantamento, ao mesmo tempo que para a obra geral;o viajor que chega ao objetivo e que retorna para ajudar aqueles que estão atrasados, é a dos anjos guardiães, missionários de Deus, que encontram a sua felicidade em seu objetivo, mas também na atividade que desdobram para fazerem o bem e obedecerem ao supremo Senhor.

Fonte: KARDEC, Allan. Obras Póstumas.