quarta-feira, 17 de junho de 2015

[RE] - O Espiritismo segundo os espíritas

Por Allan Kardec

La Discussion, jornal hebdomadário político e financeiro impresso em Bruxelas, não é uma dessas folhas levianas que visam, pelo fundo e pela forma, ao divertimento do público frívolo. É um jornal sério, acreditado sobretudo no mundo financeiro e que se acha no seu undécimo ano[1]. Sob o título de O Espiritismo segundo os espíritas, o número de 31 de dezembro de 1865 traz o artigo seguinte:

“Espíritas e Espiritismo são agora dois vocábulos muito conhecidos e frequentemente empregados, embora fossem ignorados há poucos meses. Contudo, a maioria das pessoas que deles se servem estão a perguntar o que exatamente significam, e embora cada um faça essa pergunta a si mesmo, ninguém a expressa, pois todos querem passar por conhecedores da chave que mata a charada.

“Algumas vezes, entretanto, a curiosidade embaraça a ponto de verbalizar a pergunta com os lábios e, satisfazendo ao vosso desejo, cada um vos explica.

“Alguns pretendem que o Espiritismo é o truque do armário dos irmãos Davenport; outros afirmam que não passa da magia e da feitiçaria de outrora, que querem reconduzir ao prestígio, sob um novo nome. Segundo as comadres de todos os bairros, os espíritas têm conversas misteriosas com o diabo, com o qual fizeram um compromisso prévio. Enfim, lendo-se os jornais, fica-se sabendo que os espíritas são todos uns loucos ou, pelo menos, vítimas de certos charlatões chamados médiuns. Esses charlatões vêm, com ou sem armários, dar representações a quem lhas queira pagar, e para mais valorizar suas trapaças, dizem agir sob a influência oculta dos Espíritos de além-túmulo.

“Eis o que eu tinha aprendido nestes últimos tempos. Tendo em vista o desacordo dessas respostas, resolvi, para me esclarecer, ir ver o diabo, ainda que me vencesse, ou me deixar enganar por um médium, ainda que tivesse de perder a razão. Lembrei-me, então, muito a propósito, de um amigo que suspeitava fosse espírita, e fui procurá-lo, a fim de que ele me proporcionasse meios de satisfazer a minha curiosidade.

“Comuniquei-lhe as diversas opiniões que havia recolhido, e expus o objetivo de minha visita. Mas o amigo riu-se muito do que chamava a minha ingenuidade e me deu, mais ou menos, a seguinte explicação:

‘O Espiritismo não é, como creem vulgarmente, uma receita para fazer as mesas dançarem ou para executar truques de escamoteação, e é um erro que todos cometem querendo nele encontrar o maravilhoso.

‘O Espiritismo é uma ciência, ou melhor, uma filosofia espiritualista, que ensina a moral.

‘Não é uma religião, porque que não tem dogmas nem culto, nem sacerdotes nem artigos de fé. É mais que uma filosofia, porque sua doutrina é estabelecida sobre a prova certa da imortalidade da alma. É para fornecer essa prova que os espíritas evocam os Espíritos de além-túmulo.

‘Os médiuns são dotados de uma faculdade natural que os torna aptos a servir de intermediários aos Espíritos e a produzir com eles os fenômenos que passam por milagres ou por prestidigitação aos olhos de quem quer que ignore a sua explicação. Mas a faculdade mediúnica não é privilégio exclusivo de certos indivíduos. Ela é inerente à espécie humana, embora cada um a possua em graus diversos, ou sob formas diferentes.

‘Assim, para quem conhece o Espiritismo, todas as maravilhas de que acusam essa doutrina não passam de fenômenos de ordem física, isto é, de efeitos cuja causa reside nas leis da Natureza.

‘Os Espíritos, entretanto, não se comunicam com os vivos com o único objetivo de lhes provar a sua existência: Foram eles que ditaram e desenvolvem diariamente a filosofia espiritualista.

‘Como toda filosofia, esta tem o seu sistema, que consiste na revelação das leis que regem o Universo e na solução de um grande número de problemas filosóficos ante os quais, até aqui, a Humanidade impotente foi constrangida a inclinar-se.

‘É assim que o Espiritismo demonstra, entre outras coisas, a natureza da alma, seu destino e a causa de nossa existência aqui na Terra. Ele desvenda o mistério da morte; dá a razão dos vícios e virtudes do homem; diz o que são o homem, o mundo, o Universo. Enfim, faz o quadro da harmonia universal, etc.

‘Este sistema repousa sobre provas lógicas e irrefutáveis que têm, elas próprias, por árbitro de sua verdade, fatos palpáveis e a mais pura razão. Assim, em todas as teorias que ele expõe, age como a Ciência e não adianta um ponto senão quando o precedente esteja completamente certificado. Assim, o Espiritismo não impõe a confiança, porque, para ser aceito, não precisa senão da autoridade do bom-senso.

‘Este sistema, uma vez estabelecido, dele se deduz, como consequência imediata, um ensinamento moral.

‘Essa moral não é senão a moral cristã, a moral que está escrita no coração de todo ser humano; e é a de todas as religiões e de todas as filosofias, porque pertence a todos os homens. Mas, desvinculada de todo fanatismo, de toda superstição, de todo espírito de seita ou de escola, resplandece em toda a sua pureza.

‘É nessa pureza que ela haure toda a sua grandeza e toda a sua beleza, de modo que é a primeira vez que a moral nos aparece revestida de um brilho tão majestoso e tão esplêndido.

‘O objetivo de toda moral é ser praticada; mas esta, sobretudo, tem essa condição como absoluta, porque ela denomina espíritas não os que aceitam os seus preceitos, mas apenas os que põem os seus preceitos em ação.

‘Direi quais são as suas doutrinas? Aqui não pretendo ensinar, e o enunciado das máximas conduzir-me-ia, necessariamente, ao seu desenvolvimento.

‘Direi apenas que a moral espírita nos ensina a suportar a desgraça sem desprezá-la; a gozar da felicidade sem a ela nos apegarmos. Direi que ela nos rebaixa sem nos humilhar, como nos eleva sem nos ensoberbecer; coloca-nos acima dos interesses materiais, sem por isto estigmatizá-los com o aviltamento, porque nos ensina, ao contrário, que todas as vantagens com que somos favorecidos são outras tantas forças que nos são confiadas e por cujo emprego somos responsáveis para conosco e para com os outros.

‘Vem, então, a necessidade de especificar essa responsabilidade, as penas ligadas à infração do dever e as recompensas de que desfrutam os que o cumprem. Mas também aí, as asserções não são tiradas senão dos fatos e podem verificar-se até a perfeita convicção.

‘Tal é esta filosofia, onde tudo é grande porque tudo é simples; onde nada é obscuro, porque tudo é provado; onde tudo é simpático, porque cada questão interessa intimamente a cada um de nós.

‘Tal é esta ciência que, projetando uma viva luz sobre as trevas da razão, de repente desvenda os mistérios que julgávamos impenetráveis e recua até o infinito o horizonte da inteligência.

‘Tal é esta doutrina que pretende tornar felizes, melhorando-os, todos os que concordam em segui-la, e que, enfim, abre à Humanidade uma via segura para o progresso moral.

‘Tal é, finalmente, a loucura que contagiou os espíritas e a feitiçaria que eles praticam.’

“Assim, sorrindo, terminou o meu amigo, que, a meu pedido, permitiu-me com ele visitar algumas reuniões espíritas, onde as experiências se aliam aos ensinamentos.

“Voltando para casa, recordei o que eu havia dito, em concerto com todo mundo, contra o Espiritismo, antes de conhecer pelo menos o significado desse vocábulo, e essa lembrança encheu-me de amarga confusão.

“Então pensei que, a despeito dos severos desmentidos infringidos ao orgulho humano pelas descobertas da Ciência moderna, quase não sonhamos, na época de progresso em que nos encontramos, em tirar proveito dos ensinamentos da experiência; e que estas palavras escritas por Pascal há duzentos anos, ainda por muitos séculos serão de rigorosa exatidão: ‘É uma doença peculiar ao homem crer que possui a verdade diretamente; e é por isto que ele está sempre disposto a negar aquilo que para ele é incompreensível.”

“A. BRIQUEL.”


Como se vê, o autor deste artigo quis apresentar o Espiritismo sob sua verdadeira luz, despido das fantasias com que o veste a crítica, numa palavra, tal qual o admitem os espíritas, e sentimo-nos feliz ao dizer que o conseguiu perfeitamente. Com efeito, é impossível resumir a questão de maneira mais clara e precisa. Devemos, também, felicitar a direção do jornal que, com aquele espírito de imparcialidade que gostaríamos de encontrar em todos aqueles que fazem profissão de liberalismo e posam como apóstolos da liberdade de pensar, acolheu uma profissão de fé tão explícita.

Ademais, suas intenções em relação ao Espiritismo estão nitidamente formuladas no artigo seguinte, publicado no número de 28 de janeiro:

Como ouvimos falar do Espiritismo

“O artigo publicado em nosso número de 31 de dezembro, sobre o Espiritismo, provocou numerosas perguntas, querendo saber se nos propomos tratar posteriormente deste assunto e se nos transformamos em seu órgão. A fim de evitar equívocos, torna-se necessária uma resposta categórica. Ei-la:

“O Discussion é um jornal aberto a todas as ideias progressistas. Ora, o progresso não pode ser feito senão por ideias novas que de vez em quando vêm mudar o curso das ideias estabelecidas. Repeli-las porque destroem as que foram acalentadas, é, aos nossos olhos, faltar à lógica. Sem nos tornarmos apologistas de todas as elucubrações do espírito humano, o que também não seria mais racional, consideramos como um dever de imparcialidade pôr o público em condições de julgá-las. Para tanto, basta apresentá-las tais quais são, sem tomar, prematuramente, partido pró ou contra, porque, se forem falsas, não será a nossa adesão que as tornará justas, e se forem justas, nossa desaprovação não as tornará falsas. Em tudo, é a opinião pública e o futuro que pronunciam a última sentença. Mas, para apreciar o lado forte e o fraco de uma ideia, é preciso conhecê-la em sua essência, e não tal qual a apresentam os interessados em combatê-la, isto é, o mais das vezes truncada e desfigurada. Se, pois, expomos os princípios de uma teoria nova, não queremos que seus autores ou seus partidários possam censurar-nos por lhes fazer dizer o contrário do que dizem. Agir assim não é assumir a sua responsabilidade: é dizer o que é e reservar a opinião de todo mundo. Nós colocamos a ideia em evidência em toda a sua verdade. Se ela for boa, fará o seu caminho e nós lhe teremos aberto a porta; se for má, teremos fornecido o meio de ser julgada com conhecimento de causa.

“É assim que procederemos em relação ao Espiritismo. Seja qual for a maneira de ver a seu respeito, ninguém pode dissimular a extensão que ele tomou em poucas anos. Pelo número e pela qualidade de seus partidários, ele conquistou uma posição entre as opiniões aceitas. As tempestades que ele desencadeia, o encarniçamento com que o combatem em certo meio, são, para os menos clarividentes, o indício de que ele encerra algo de sério, porque emociona tanta gente. Pensem dele o que quiserem pensar, é incontestavelmente uma das grandes questões na ordem do dia. Assim, não seríamos consequentes com o nosso programa se o deixássemos passar em silêncio. Nossos leitores têm direito de pedir que lhes demos a conhecer o que é essa doutrina que provoca tão grande ruído. Nosso interesse está em satisfazê-los, e nosso dever é fazê-lo com imparcialidade. Pouco lhes importa nossa opinião pessoal sobre a coisa; o que esperam de nós é um relato exato dos fatos e das atitudes de seus partidários para que possam formar sua própria opinião.

“Como nos conduziremos no caso? É muito simples: iremos à própria fonte; faremos pelo Espiritismo o que fazemos pelas questões de política, de finanças, de ciência, de arte ou de literatura, isto é, disto encarregaremos homens especiais. As questões de Espiritismo serão, pois, tratadas por espíritas, como as de arquitetura por arquitetos, a fim de que não nos qualifiquem de cegos raciocinando sobre as cores e que não nos apliquem as palavras de Fígaro: ‘Precisavam de um calculista e tomaram um dançarino.’

“Em suma, o Discussion não se apresenta como órgão nem apóstolo do Espiritismo; abre-lhe suas colunas, como a todas as ideias novas, sem pretender impor essa opinião aos seus leitores, sempre livres de a controlar, aceitar ou rejeitar. Ele deixa aos seus redatores especiais toda liberdade de discutir os princípios, pelo que eles assumem pessoalmente a responsabilidade. Mas o que, no interesse de sua própria dignidade, ele repelirá sempre, é a polêmica agressiva e pessoal.”

[1] Redação em Bruxelas, Montagne de Sion, 17; Paris, Rua Bergère, 31. Preço para a França: 12 francos por ano; 7 francos por semestre; cada número de 8 páginas, grande in-folio: 25 centavos.

Fonte: Revista Espírita, fevereiro de 1866

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Trabalho no plano espiritual

Por André Tirolês e Paulo F. Luiz

É comum ver pessoas com variadas expectativas a respeito do que se sucede após a morte do corpo, o que é natural. Algumas não pensam muito nisso, muitas temem o assunto, outras o esperam da forma como sua crença o "pinta". Cada uma com os seus motivos.

Na Doutrina Espírita (DE), o conceito de morte possui uma leitura diferente e detalha-se muito mais a questão. Para quem não se contenta com a aniquilação completa da sua existência, o Espiritismo fundamenta em cinco obras muitas das questões relativas à natureza de tudo que envolve a temática do “post-mortem”.

Diferente de todas as doutrinas anteriores, religiosas ou não, a DE não se baseia em fantasias celestiais, nem se encerra na completa extinção da consciência e existência humana. Compreendendo a DE, é possível constatar que a sobrevivência da alma é um fato, e que dele decorrem inúmeras outras perguntas às quais são fundamentais para uma compreensão mais completa da vida humana, sem pieguice, dogmas, mitos ou milagres (que não existem).

Ao contrário disso, a DE nos fornece um conjunto de “ferramentas” intelectuais/filosóficas que descortinam as mais complicadas questões da vida humana, como nunca se tratou antes, e encerra de uma vez por todas as bases dessa compreensão. Logo, tão naturalmente curvemo-nos a ela com a seriedade de qualquer ciência e filosofia, despido de qualquer preconceito, será natural então perguntar: O que acontece exatamente depois da morte do corpo? E parte da resposta é: não se sabe exatamente.

Mas uma coisa os espíritos já nos adiantaram na questão 569 de O Livro dos Espíritos (OLE) ao responder que as atividades dos espíritos “São tão variadas que seria impossível descrevê-las; além do que, não as podeis compreender. (...)” Então é certo adiantar que não temos como compreender a realidade das coisas que acontecem depois do desencarne. No entanto, alheio a desânimos, os espíritos deixaram algumas pistas.

Antes de se chegar direto ao ponto, é preciso responder a essa outra questão: por que não podemos compreender? Ou, por que seria impossível aos espíritos descrever essas atividades? Este é o cerne da questão, pois que para aceitar essa resposta dos espíritos, é preciso compreender os limites das faculdades corporais humanas diante da realidade espiritual.

No Livro dos Espíritos, quando Kardec indaga (questão 403) sobre a lembrança dos sonhos (sabe-se que o sono é um período no qual o espírito “acorda para a realidade espiritual, e vive experiências que podem ou não, serem lembradas quando o encarnado acorda do sono - ver OLE, livro II, cap. 08)”. Os espíritos explicam: “(...)Sendo o corpo uma matéria pesada e grosseira, dificilmente conserva as impressões que o espírito recebeu, visto que o espírito não as percebeu pelos órgãos do corpo”.

Outra passagem de OLE toca nessa questão, quando fala sobre a necessidade da união do espírito com o corpo para haver manifestações na matéria, os espíritos informam que “Ela é necessária para vós, porque não sois organizados para perceber o Espírito sem a matéria; vossos sentidos não são feitos para isso.”

Também constitui dificuldade de compreensão o grau de adiantamento moral e intelectual de cada um. Na questão 18 de OLE, quando Kardec indaga sobre a possibilidade do homem adentrar nos mistérios das coisas, os espíritos encerram-na dizendo que “O véu se levanta para ele à medida que se depura; mas, para compreender algumas coisas, é preciso faculdades, dons, que ainda não possui.” Dessa forma, conclui-se que muito ainda falta para compreender completamente uma realidade tão ímpar quanto à do plano espiritual.

Entretanto, apesar dos limites à total compreensão da fase errante, não quer dizer que não temos como compreender pelo menos algumas das ocupações dos espíritos, e que foram reveladas em vários momentos diferentes ao longo de toda Codificação.

É importante lembrar que, quando Kardec compilou os cinco livros, sua preocupação foi outra que não somente falar das atividades dos espíritos. Entretanto, dedicou um capítulo inteiro de OLE a isso (Missão dos Espíritos), do qual se extrai a maior parte das informações sobre esse “trabalho” no plano espiritual.

Usam-se aspas, pois o trabalho humano conceitua-se de forma diferenciada da dos espíritos, a começar pelo fato de não haver mais corpo. E até onde se entende e define trabalho humano, para realizá-lo é necessário haver dispêndio de energia, dentro da premissa de conservação da matéria de Lavoisier, onde “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Ou seja, no plano material, o sistema obedece às leis que impõem desgastes das mais variadas formas, seja como atrito, seja químico/metabólico, cinético, sonoro, etc.

O que acontece quando o sistema e as leis da matéria se aplicam de formas tão diferentes?

Para melhor compreender, tem-se em OLE a distinção que foi necessária fazer entre o conceito errôneo de ser “imaterial” e ser “incorpóreo”. Na pergunta 82 quando os espíritos são questionados se seria certo chamar o espírito de “imaterial”, respondem que “(...)Imaterial não é bem a palavra, incorpóreo seria mais exato, porque deveis compreender bem que o Espírito, sendo uma criação, deve ser alguma coisa. É uma matéria puríssima, mas sem comparação ou semelhança para vós, e tão etérea que não pode ser percebida pelos vossos sentidos”.

Mais à frente, na pergunta 254, completa-se o conceito a respeito da natureza de suas tarefas, quando se explicita que o espírito não sente fadiga, nem necessidade de repouso, “pois não possuem órgãos em que as forças tenham de ser restauradas”. E repetem mais uma vez na questão 558 de OLE dizendo: “a vida espírita é uma ocupação contínua, mas não é sofrida, como na Terra, porque não há o cansaço corporal, nem as angústias da necessidade.” Dessa forma, fica claro que no plano espiritual não há consumo de energia para as atividades realizadas pelos espíritos.

Porém, se há infinitas atividades como os espíritos disseram, outra pergunta se faz: O que move os espíritos?

Na pergunta 89 de OLE, explicam que “quando o pensamento está em algum lugar, a alma está também, uma vez que é a alma que pensa. O pensamento é um atributo.”

Sendo o pensamento o “motor” do espírito, e sendo este incorpóreo como bem explicam, é factível assumir que nada cansaria uma forma de vida assim. Engano. Sendo o espírito confundido com a manifestação da inteligência pura e simples, ele ainda pode cansar-se cognitivamente.

Para descansar, o espírito deixa de focar seus pensamentos em determinada atividade, pois “sua ação é toda intelectual e o seu repouso é todo moral” (OLE, questão 254). Desta forma, os espíritos chamam atenção para a natureza puramente cognitiva das atividades dos espíritos, pois não possuindo mais corpo, eles estão livres dos desgastes do corpo material, podendo dedicar-se única e exclusivamente às atividades de cunho moral e intelectual.

 Entretanto, há uma vastidão de atividades que se desconhece e que envolvem as mais diferentes escalas de adiantamento espiritual, onde os trabalhos dos espíritos variam em um espectro de possibilidades que vai desde mensageiros de Deus até os mais atrasados e próximos da matéria, como se verificará a seguir, na influência que esses exercem nos fenômenos da natureza por exemplo.

As atividades foram separadas nas seguintes categorias: 

De cunho moral

- Proteção e auxílio moral: colocados como fazendo parte da segunda ordem de espíritos, ou espíritos bons, estes auxiliam moralmente ao longo da vida do encarnado, aconselhando quando chamados e procurando influenciar, dentro do possível, a tomarem-se as melhores decisões.

São obrigados a velar por nós, por terem aceitado essa missão (OLE, questão 493), escolhendo geralmente pessoas que lhes são simpáticas. O tempo de sua missão segue “Desde o nascimento até a morte e, muitas vezes, o segue após a morte na vida espiritual, e mesmo em muitas existências corporais, porque essas existências são somente fases bem curtas em relação à vida do Espírito.”

Há, porém, três tipos distintos colocados na questão 514 que são:

 “- O Espírito protetor, anjo de guarda ou bom gênio tem por missão seguir o homem na vida e ajudá-lo a progredir”. É sempre de natureza superior à do protegido.

“- Os Espíritos familiares se ligam a certas pessoas por laços mais ou menos duráveis, para ajudá-las conforme seu poder, muitas vezes limitado. São bons, mas, às vezes, pouco avançados e mesmo um pouco levianos; ocupam-se voluntariamente dos detalhes da vida íntima e somente agem por ordem ou com permissão dos Espíritos protetores”.
“- Os Espíritos simpáticos se ligam a nós por afeições particulares e certa semelhança de gostos e de sentimentos tanto para o bem quanto para o mal. A duração de suas relações é quase sempre subordinada às circunstâncias.”

Esta ocupação pode ser ainda mais estratificada se levarmos em conta as inúmeras afinidades, interesses e relações existentes na terra e no espaço, sendo então assim, impossível descrever todas. Mas o mais importante é que até mesmo o ser mais isolado ou aparentemente sozinho, haverá sempre um espírito amigo a seu lado para lhe auxiliar.

De cunho intelectual

- Inspiração nas ciências, nas artes e tarefas diversas: apesar de terem conhecimentos diferentes, em graus e áreas do conhecimento humano, esses espíritos se ocupam nos trabalhos artísticos e intelectuais dos homens encarnados. Por afinidades de interesses, podem auxiliar e inspirar variadas mentes ao redor do globo.

Tanto a pintura de quadros, as artes cênicas, a música e a literatura, muitos artistas são inspirados em suas ações, sendo muitas dessas ideias provenientes de influências e sugestões dos espíritos (OLE, questões 556, 565, 577).

Há inclusive, uma passagem curiosa no Livro dos Médiuns (LM), sobre os médiuns videntes (questão 196), ocorrido numa apresentação de ópera. Um médium vê diversos espíritos no teatro e os descreve para Kardec. Ele relata a existência de diversos tipos e interesses dos espíritos ali presentes. Uns interessados em pensamentos mundanos da plateia, outros se divertindo com os atores, e outros inspirando os artistas a melhor se expressarem em seu trabalho. Isso ilustra muito bem todo um leque de intenções, afinidades e ocupações.

Arremata-se a questão dos trabalhos intelectuais, na pergunta 419 do Livro dos Espíritos sobre a origem das mesmas ideias surgirem em lugares diferentes do globo. Os espíritos afirmam novamente ser parte do quadro relativo às atividades e ocupações intelectuais.

Vejamos: “Já dissemos que durante o sono os espíritos se comunicam entre si. Pois bem, quando o corpo desperta, o Espírito se recorda do que aprendeu e o homem acredita ser o autor da invenção. Assim, muitos podem descobrir a mesma coisa ao mesmo tempo. Quando dizeis: uma ideia está no ar, usais de uma figura de linguagem mais justa do que acreditais; cada um, sem saber, contribui para propagá-la”.

- Autoinstrução dos espíritos: diferente dos humanos, os espíritos aproveitam o estado errático e “Estudam o seu passado e procuram o meio de se elevarem. Veem, observam o que se passa nos lugares que percorrem; escutam os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados que eles, e isso lhes proporcionam ideias que não possuíam”.

Dessa forma, e somado ao que se sabe do que ocorre durante o sono (comentado mais acima), as atividades de cunho instrucional são tão amplas quanto o conhecimento humano e, claro, não limitado a ele. 

De ordem material

- Fenômenos da natureza: bem explicado entre as questões 536 e 540 (OLE), os espíritos informam que muitos são designados a realizar tarefas ligadas aos fenômenos da natureza, como chuvas, terremotos, ventos e demais atividades naturais.

Os que agem diretamente na matéria, são espíritos inferiores, conforme descrito no capítulo da escala espírita, sobre os batedores: estes “(...)Parecem estar ainda, mais do que outros, ligados à matéria e ser os agentes principais das variações e transformações das forças e elementos da natureza no globo, seja ao atuarem sobre o ar, a água, o fogo, os corpos duros ou nas entranhas da terra. Reconhece-se que esses fenômenos não se originam de uma causa imprevista e física, quando têm um caráter intencional e inteligente. Todos os Espíritos podem produzir esses fenômenos, mas os de ordem elevada os deixam, geralmente, como atribuições dos subalternos, mais aptos às coisas materiais do que às da inteligência. Quando julgam que essas manifestações são úteis, servem-se dos Espíritos dessa classe como seus auxiliares”.

São eles então, comandados por ordens mais superiores, de forma a alcançar o “restabelecimento do equilíbrio e da harmonia das forças físicas da natureza.” E quanto aos grandes fenômenos, como as tempestades, os espíritos nos informam que são “Em massas inumeráveis.”.

Logo, todos possuem uma ocupação, até mesmo os mais atrasados e ligados à matéria, desempenhando funções relativas à sua inteligência e compreensão das coisas, como eles encerram esse pensamento dizendo na pergunta 559: “Todos têm deveres a cumprir. O último dos pedreiros não participa na construção de um edifício tanto quanto um arquiteto?”

Acreditando ser essa ocupação um mero exemplo diante de todo o universo, pode-se inferir que, para tudo o mais, há também classes de espíritos responsáveis pelos eventos de ordem planetária e intergaláctica, visto que a natureza não se encerra neste planeta, nem na galáxia, (OLE, Cap. Pluralidade dos Mundos); é apenas a extensão do raciocínio aplicado a todo o funcionamento do universo. 

De ordem Divina

- Responsáveis pelos desígnios divinos: na pergunta 562 (OLE), os espíritos são muito claros sobre a natureza das ocupações dessa ordem de espíritos. Dizem “Receber diretamente as ordens de Deus, transmiti-las em todo o universo e velar pela sua execução.” São categorizados por Kardec como espíritos puros de Primeira Ordem (OLE, questões 112-113).

Os espíritos explicam que essa ordem mais pura “São os mensageiros e ministros de Deus, cujas ordens executam para a manutenção da harmonia universal. Comandam todos os Espíritos que lhes são inferiores, ajudando-os a se aperfeiçoarem e lhes designam missões. Assistir os homens em suas aflições, incitá-los ao bem ou à expiação das faltas que os afastam da felicidade suprema é para eles uma agradabilíssima ocupação.” Superiores a todos os outros espíritos moral e intelectualmente, sua natureza ainda é um mistério, dada a enorme distância em que os homens se  encontram de tal patamar.

- Responsáveis pelas sugestões nos acontecimentos da vida: agem de acordo com as leis da natureza (OLE, questão 525), ou seja, não podem sair fazendo o que bem entendem, sendo tudo supervisionado e permitido de acordo com a vontade de Deus.

Sobre se se intrometerem nas ocupações dos homens, dizem que “Os Espíritos comuns, sim; estes estão sem cessar ao vosso redor e algumas vezes tomam parte ativa no que fazeis, conforme sua natureza, e isso se faz necessário para estimular os homens nos diferentes caminhos da vida, excitar ou moderar suas paixões.”

Kardec completa em seguida: “Os Espíritos se ocupam das coisas deste mundo em razão de sua elevação ou inferioridade. Os Espíritos Superiores têm, sem dúvida, a condição para considerá-las nos menores detalhes, mas fazem isso somente quando for útil ao progresso; só os Espíritos inferiores dão uma importância relativa às lembranças ainda presentes na sua memória e às ideias materiais que ainda não estão apagadas.”

Outro exemplo igualmente interessante, sobre quanto os espíritos influenciam nossas vidas é quando Kardec, nas questões que levanta sobre uma suposta influência direta dos espíritos, estes nos revelam que não diretamente sobre a matéria, como  exemplo, desviar uma bala, mas sugerir erro ao atirador ou que o alvo se desvie. (OLE, questões 526-528)

Dessa forma, agem de acordo com as Leis da Natureza, sem as transgredir, não precisando manipular a matéria, mas sugerir ao homem a agir dessa ou de outra forma, com um fim útil, seja este para seu desencarne, ou sua salvação como o ilustrado no Livro dos Espíritos.

Enfim, contando ainda os espíritos que trabalham junto a pesquisas e reuniões de natureza mediúnica, esses poderiam também ser contemplados dentro de uma outra categoria, mesmo não sendo mencionada nas obras básicas, pois que onde há alguém trabalhando e se instruindo, há espíritos ali interessados em ver o desenvolvimento de tais atividades, seja pelo bem dos presentes, seja por um bem maior. Todas essas atividades se confundem com um só objetivo: O cumprimento dos desígnios Divinos.

 Mais que bem feito aqui, o trabalho minúsculo de separar, juntar e organizar de uma forma lógica e objetiva, sem esquecer, de apontar de onde procedem tais ideias. Isso é e será de extrema importância para os textos futuros, pois que mais se mostra como a Doutrina Espírita é complexa e que há variados conceitos filosóficos que podem ser compilados e agrupados em temas, a fim de se construir um pensamento ou um entendimento sobre determinada ideia.

No mais, há que se agradecer a Kardec e aos espíritos por esses ensinamentos tão preciosos, e que concedem uma dimensão muito além dos horizontes, circundados pela atmosfera.

Fonte: NEFCA - http://www.nefca.org.br/artigo/trabalho-no-plano-espiritual, acesso em 08/06/2015.