quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Suicidas - Mãe e filho

Por Allan Kardec

Em março de 1865, o Sr. M. C..., negociante em pequena cidade dos arredores de Paris, tinha em sua casa, gravemente enfermo, o mais velho dos seus filhos, que contava 21 anos de idade. Este moço, prevendo o desenlace, chamou sua mãe e teve forças ainda para abraçá-la. Esta, vertendo copiosas lágrimas, disse-lhe: "Vai, meu filho, precede-me, que não tardarei a seguir-te." Dito isto, retirou-se, escondendo o rosto entre as mãos.

As pessoas presentes a essa cena desoladora consideravam simples explosão de dor as palavras da Sra. C..., dor que o tempo acalmaria. Morto o doente, procuraram-na por toda a casa e foram encontrá-la enforcada num celeiro. O enterro da suicida foi juntamente feito com o do filho.

Evocação do filho, muitos dias depois do fato. 

- P. Tendes conhecimento da morte de vossa mãe, que  suicidou-se, sucumbindo ao desespero que lhe causou a vossa perda? 

- R. Sim, e, sem o pesar que me causou o ato de sua fatal resolução, eu estaria perfeitamente feliz. Pobre e excelente mãe! Não pôde suportar a prova dessa separação momentânea, e tomou, para se unir ao filho que amava, o caminho que dele mais deveria afastá-la. E por quanto tempo! Assim, retardou indefinidamente essa reunião que tão pronta teria sido se a submissão às vontades do Senhor houvesse preenchido sua alma, se fosse resignada, humilde e arrependida, diante da prova que deveria sofrer, e a expiação que a purificaria! Orai, oh! orai por ela!... e sobretudo não a imiteis, vós outras mães que vos comoveis com a narrativa da sua morte. Não acrediteis que ela amasse mais que as outras mães, a esse filho que era o seu orgulho, não; é que lhe faltaram a coragem e a resignação. Mães, que me ouvis, quando a agonia empanar o olhar dos vossos filhos, lembrai-vos de que, como o Cristo, eles sobem ao cimo do Calvário, donde deverão alçar-se à glória eterna.

Benjamin C...

Evocação da mãe. 

- R. Quero ver meu filho. Tendes o poder de dar-mo? Cruéis!... Tomaram-mo para levá-lo à luz, e a mim me deixaram em trevas. Quero-o... quero-o porque me pertence!... Nada vale então o amor materno? Pois quê! tê-lo carregado no ventre por nove meses; tê-lo amamentado; nutrido a carne da sua carne, sangue do seu sangue; guiado os seus primeiros passos; ensinado a balbuciar o sagrado nome de Deus e o doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de inteligência, de probidade, de amor filial, para perdê-lo quando realizava as esperanças concebidas a seu respeito, quando brilhante futuro se lhe desvelava! Não, Deus não é justo; não é o Deus das mães, não lhes compreende as dores e desesperos... E quando me dava a morte para me não separar de meu filho, eis que novamente mo roubam!... Meu filho! meu filho, onde estás?

Evocador. - Pobre mãe, compartilhamos da vossa dor. Buscastes, no entanto, um triste recurso para vos reunirdes ao vosso filho: - O suicídio é um crime aos olhos de Deus, e deveis saber que Deus pune toda infração das suas leis. A ausência do vosso filho é a vossa punição.

Ela. - Não; eu julgava Deus melhor que os homens; não acreditava no seu inferno, porém cria na reunião das almas que se amaram como nós nos amávamos... Enganei-me... Deus não é justo nem bom, por isso que não compreende a grandeza da minha dor como do meu amor!... Oh! quem me dará meu filho? Tê-lo-ei perdido para sempre? Compaixão! compaixão, meu Deus!

Evocador. - Vamos, acalmai o vosso desespero; considerai que, se há um meio de rever vosso filho, não é blasfemando de Deus, como ora o fazeis. Com isso, em vez de atrairdes a sua misericórdia, fazeis jus a maior severidade.

Ela. - Disseram-me que não mais o tornaria a ver, e compreendi que o haviam levado ao paraíso. E eu estarei, acaso, no inferno? no inferno das mães? Ele existe, demais o vejo...

Evocador. - Vosso filho não está perdido para sempre; certo tornareis a vê-lo, mas é preciso merecê-lo pela submissão à vontade de Deus, ao passo que a revolta poderá retardar indefinidamente esse momento. Ouvi-me: Deus é infinitamente bom, mas é também infinitamente justo. Assim, ninguém é punido sem causa, e se sobre a Terra Ele vos infligiu grandes dores, é porque as merecestes. A morte de vosso filho era uma prova para a vossa resignação; infelizmente a ela sucumbistes quando em vida, e eis que após a morte de novo sucumbis; como pretendeis que Deus recompense os filhos rebeldes? A sentença não é, porém, inexorável, e o arrependimento do culpado é sempre acolhido. Se tivésseis aceito a prova com humildade; se houvésseis esperado com paciência o momento da vossa desencarnação, ao entrardes no mundo espiritual, em que vos achais, teríeis imediatamente avistado vosso filho, o qual vos receberia de braços abertos. Depois da ausência, vê-lo-íeis radiante. Mas, o que fizestes e ainda agora fazeis, coloca entre vós e ele uma barreira. Não o julgueis perdido nas profundezas do Espaço, antes mais perto do que supondes - é que véu impenetrável o subtrai à vossa vista.

Ele vos vê e ama sempre, deplorando a triste condição em que caístes pela falta de confiança em Deus e aguardando ansioso o momento feliz de se vos apresentar. De vós, somente, depende abreviar ou retardar esse momento. Orai a Deus e dizei comigo: "Meu Deus, perdoai-me o ter duvidado da vossa justiça e bondade; se me punistes, reconheço tê-lo merecido. Dignai-vos aceitar meu arrependimento e submissão à vossa santa vontade."

Ela. - Que luz de esperança acabais de fazer despontar em minha alma! É um como relâmpago na noite que me cerca. Obrigada, vou orar... Adeus.

A morte, mesmo pelo suicídio, não produziu neste Espírito a ilusão de se julgar ainda vivo. Ele apresenta-se consciente do seu estado: - é que para outros o castigo consiste naquela ilusão, pelos laços que os prendem ao corpo. Esta mulher quis deixar a Terra para seguir o filho na outra vida: era, pois, necessário que soubesse aí estar realmente, na certeza da desencarnação, no conhecimento exato da sua situação. Assim é que cada falta é punida de acordo com as circunstâncias que a determinam, e que não há punições uniformes para as faltas do mesmo gênero.

Fonte: KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos, cap V - Suicidas. 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O Castigo

Por Allan Kardec

Exposição geral do estado dos culpados por ocasião de sua entrada no mundo dos Espíritos, ditada à Sociedade Espírita de Paris, em outubro de 1860.

"Os Espíritos maus, egoístas e endurecidos, são, logo depois da morte, tomados de dúvida cruel a respeito do seu destino presente e futuro; eles olham em torno de si, e não vendo de início nada sobre o que possam exercer a sua maldade, são tomados pelo desespero, pois a inação e o isolamento são intoleráveis para os maus Espíritos; eles não levantam seus olhares na direção dos lugares habitados pelos puros Espíritos; consideram o que os cerca, e logo tocados pelo abatimento dos Espíritos fracos e punidos, agarram-se a eles como a uma presa, utilizando-se da lembrança de suas faltas passadas, que incessantemente põem em ação por seus gestos desprezíveis. Não lhes bastando essa zombaria, mergulham sobre a Terra quais abutres famintos; buscam entre os homens, a alma que lhes dê fácil acesso às suas tentações; dela se apoderam, exaltam sua cobiça, e tratam de extinguir sua fé em Deus; quando, enfim, senhores de uma consciência e vendo sua presa assegurada, estendem sobre tudo o que se aproxime de sua vítima, o fatal contágio.

Ao exercer sua raiva, o mau Espírito é quase feliz; ele sofre apenas nos momentos em que não age, e também naqueles em que o bem triunfa do mal.

Entretanto, os séculos se escoam; de repente, o mau Espírito sente as trevas a invadi-lo; seu círculo de ação se restringe; sua consciência, muda até então, lhe faz sentir as pontas aceradas do arrependimento. Inativo, arrastado pelo turbilhão, ele vagueia, como dizem as Escrituras, sentindo sua pele arrepiar de terror. Não tarda, então, e um grande vazio o invade; o momento é chegado, ele deve expiar: a reencarnação está lá, ameaçadora; ele vê, como numa miragem, as provas terríveis que o aguardam; quereria recuar, mas avança e, precipitado no abismo boquiaberto da vida, ele rola amedrontado, até que o véu da ignorância recaia sobre seus olhos. Ele vive, age, e é ainda culpado; sente em si não sei que lembrança inquieta, pressentimentos que o fazem tremer, mas não o fazem recuar na via do mal. Extenuado de forças e de crimes, ele vai morrer. Estendido sobre um grabato, ou sobre seu leito, que importa! o homem culpado sente, sob sua aparente imobilidade, revolver-se e viver um mundo de sensações esquecidas. Sob suas pupilas fechadas, ele vê despontar um clarão, ouve estranhos sons; sua alma, prestes a deixar o corpo, agita-se impaciente, enquanto suas mãos crispadas tentam agarrar as cobertas; ele quereria falar, gritar aos que o cercam: Retenham-me! eu vejo o castigo! Mas não pode; a morte sela seus pálidos lábios, e os assistentes dizem: Ele agora está em paz!

Entretanto, ele tudo ouve; flutua em torno de seu corpo que não desejaria abandonar; uma força secreta o atrai; ele vê, e reconhece o que já havia visto. Desvairado, ele se lança no espaço onde desejaria esconder-se. Nada de abrigo! nada de repouso! Outros Espíritos lhe retribuem o mal que ele fez e, castigado, escarnecido, confuso por sua vez, ele vagueia, e vagueará até que a divina luz deslize sobre seu endurecimento e o clareie, para lhe mostrar o Deus vingador, o Deus que triunfa de todo o mal, que ele não poderá satisfazer senão à força de gemidos e expiações.

Georges.

Jamais foi traçado quadro tão eloquente, tão terrível e tão verdadeiro da sorte do mau; é necessário recorrer à fantasmagoria das chamas e das torturas físicas?

Allan Kardec

(O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos - Capítulo IV - Espíritos sofredores)       

Fonte: IPEAK

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Os adversários

Por Ricardo Malta

Não é novidade que o Espiritismo possui os seus adversários. Embora desafetos declarados, o materialismo e a religião sempre estiveram unidos contra essa Doutrina. Para tanto, não medem esforços. Todo argumento é válido, mesmo que seja falso. É comum a ressurreição de temas já debatidos, esclarecidos e ultrapassados, porém, às vezes, com uma roupagem nova.

Em verdade, os críticos nos deixam confusos, pois não sabemos onde termina a má-fé e em que momento começa a ignorância quanto ao assunto.

É óbvio que o Espiritismo pode ser criticado, por pessoas de boa-fé, mas é de “lógica elementar que o crítico conheça, não superficialmente, mas, a fundo, aquilo de que fala, sem o que, sua opinião não tem nenhum valor” (Kardec, Allan. O que é o Espiritismo, 1987).

Não raro, confundem a opinião pessoal de um Espírito, seja qual for, com os nobres princípios doutrinários. É nítido que desconhecem o método do controle universal do ensino dos Espíritos, que encontra suas bases delineadas na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo.

É conhecido e notório, entre os verdadeiros estudantes da matéria, que a “única garantia séria do Ensino dos Espíritos está na concordância que exista entre as revelações que eles façam espontaneamente, por meio de grande número de médiuns estranhos uns aos outros, e em diversos lugares” (Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, 2010).

Por consequência lógica, fácil perceber que “todo princípio que não recebeu a consagração do controle da generalidade, não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina, mas uma simples opinião isolada, da qual o Espiritismo não pode assumir a responsabilidade” (Kardec, Allan. A Gênese, 2007).

Nesse ínterim, podemos observar, por exemplo, que, se há teorias errôneas escritas na obra A Gênese, contraditas pela ciência atual, os críticos esqueceram-se de ler a introdução do volume, onde Allan Kardec afirma que algumas informações ali contidas eram a título hipotético e que deveriam ser consideradas meras opiniões pessoais, a fim de não pesar a sua responsabilidade sobre a Doutrina.

Os mais simples pesquisadores e estudantes sabem que os Espíritos são apenas as almas dos homens desenfaixados do envoltório carnal. Eles não sabem tudo a respeito de qualquer assunto. É possível obter os mais significativos ensinamentos filosóficos e científicos, bem como dissertações triviais e tolas. Tudo depende do grau evolutivo do Espírito comunicante.

Eis, portanto, a importância de passar todas as comunicações mediúnicas pelo crivo da razão e do método do controle da universalidade do ensino dos Espíritos.

É assim, por exemplo, que não há o desmentido do princípio da reencarnação, pelo contrário, inúmeras pesquisas científicas ratificam essa lei natural. O mesmo ocorre com a fenomenologia mediúnica, pesquisada, inclusive, por respeitados cientistas e institutos internacionais. Será que os críticos estão atualizados nesse sentido? Por via das dúvidas, sugiro a leitura do seguinte artigo: Evidências científicas atuais sobre a existência da vida após a morte. [1]

Comumente afirmam que Kardec pode ter sido vítima de embustes ou mesmo errado em suas observações. De fato, se as pesquisas ficassem adstritas à apenas uma única pessoa, no caso, Kardec, nada nos levaria a admitir a veracidade da fenomenologia mediúnica, por exemplo. Todavia, os contraditores deveriam saber que, após o Codificador do Espiritismo, inúmeros estudos vierem à baila. Afinal, será que ignoram as laboriosas e judiciosas experiências levadas a efeito por homens como Gustave Geley, William Crookes, R. Wallace, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, Alexandre Aksakof, Frederic Zöllner, De Rochas, Hermínio C. Miranda, etc. Enfim, compulsaram os anais científicos do Espiritismo,  in totum? Difícil acreditar que exista um crítico que chegou nesse nível de profundidade.

Pedem provas, estas não faltam. Não querem estudar, desejam que o espírita resuma mais de um século e meio de pesquisas num diálogo informal. Para tal desiderato, seria necessário um curso preliminar da matéria, no mínimo. Não é exagero de nossa parte. Como falar de comunicação mediúnica com alguém que desconhece a existência, características e funções do perispírito?

Por outro lado, a convicção não surge apenas com a exibição de um punhado de fenômenos. É imperioso o estudo contínuo, assíduo e sério. Após laboriosas pesquisas, teóricas e práticas, que devem durar alguns anos, o pesquisador terá condições de confrontar dados, experiências, opiniões, e, por fim, tirar suas próprias conclusões. É lamentável que esse caminho não seja percorrido pelos pseudo-críticos. 

O que é possível constatar, na realidade, é que a esmagadora maioria dos adversários do Espiritismo o desconhece. Também não há o sincero desejo de compreendê-lo em sua essência. Nenhuma prova, por mais robusta que seja, irá fazer um incrédulo obstinado aceitar a veracidade dos fenômenos. Aliás, “muitas vezes, a insistência em querer convencê-lo o leva a crer em sua importância pessoal, o que constitui razão para que ele se obstine ainda mais” (Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns, 2009).

E o que dizer dos fanáticos religiosos? Impossível dialogar com um fundamentalista. Os maiores absurdos são aceitos cegamente, isto é, sem exame racional. Para eles, basta estar escrito no “livro sagrado” de sua religião. Têm medo de estudar o Espiritismo. São repetitivos em seus argumentos ultrapassados. Comumente recitam trechos bíblicos fora de contexto, adulterados ou mal interpretados. Ignoram os estudos espíritas e são mal orientados por lideres religiosos. São cegos guiando outros cegos (Mateus 15:14).

Por fim, conclui-se, por lógica elementar, que “o espiritualismo simplório e o materialismo atrevido são os dois polos da estupidez humana” (Pires, J. Herculano. Agonia das Religiões, 2009).
________________________________________


Fonte: http://estudofilosoficoespirita.blogspot.com.br/

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

[RE] - Os agêneres

Por Allan Kardec

Revista Espírita, fevereiro de 1859

Repetimos muitas vezes a teoria das aparições, e a lembramos em nosso último número a propósito de fenômenos estranhos que relatamos. A eles remetemos nossos leitores, para a inteligência do que se vai seguir.

Todo mundo sabe que, no número das manifestações extraordinárias produzidas pelo senhor Home, estava a aparição de mãos, perfeitamente tangíveis, que cada um podia ver e apalpar, que pressionava e estreitava, depois que, de repente, não ofereciam senão o vazio quando as queriam agarrar de surpresa. Aí está um fato positivo, que se produziu em muitas circunstâncias, e que atestam numerosas testemunhas oculares. Por estranho e anormal que pareça, o maravilhoso cessa desde o instante em que se pode dele dar conta por uma explicação lógica; entra, então, na categoria dos fenômenos naturais, embora de ordem bem diferente daqueles que se produzem sob nossos olhos, e com os quais é preciso guardar-se para não confundi-los. Podem-se encontrar, nos fenômenos usuais, pontos de comparação, como aquele cego que se dava conta do clarão da luz e das cores pelo toque da trombeta, mas não de similitudes; é precisamente a mania de querer tudo assimilar àquilo que conhecemos, que causa decepções a certas pessoas; pensam poder operar sobre esses elementos novos como sobre o hidrogênio e o oxigênio. Ora, aí está o erro; esses fenômenos estão submetidos a condições que saem do círculo habitual de nossas observações; é preciso, antes de tudo, conhecê-las e com elas conformar-se, se se quiser obter resultados. É preciso, sobretudo, não perder de vista esse princípio essencial, verdadeira pedra principal da ciência espírita; é que o agente dos fenômenos vulgares é uma força física, material, que pode ser submetida às leis do cálculo, ao passo que nos fenômenos espíritas, esse agente é constantemente uma inteligência que tem sua vontade própria, e que não podemos submeter aos nossos caprichos.

Nessas mãos haviam a carne, pele, ossos, unhas reais? Evidentemente, não, não eram senão uma aparência, mas tal que produzia o efeito de realidade. Se um Espírito tem o poder de tornar uma parte qualquer de seu corpo etéreo visível e palpável, não há razão que não possa ser do mesmo modo com os outros órgãos. Suponhamos, pois, que um Espírito estenda essa aparência a todas as partes do corpo, creríamos ver um ser semelhante a nós, agindo como nós, ao passo que isso não seria senão um vapor momentaneamente solidificado. Tal é o caso do fantasma de Bayonne. A duração dessa aparência está submetida a condições que nos são desconhecidas; ela depende, sem dúvida, da vontade do Espírito, que pode produzi-la ou fazê-la cessar à sua vontade, mas em certos limites que não está sempre livre para transpor. Os Espíritos, interrogados quanto a esse assunto, assim também sobre todas as intermitências de quaisquer manifestações, sempre disseram que agem em virtude de uma permissão superior.

Se a duração da aparência corporal é limitada para certos Espíritos, podemos dizer que, em princípio, ela é variável, e pode persistir por um maior ou menor tempo; que pode produzir-se em todos os tempos e a toda hora. Um Espírito, cujo corpo todo fosse assim visível e palpável, teria para nós todas as aparências de um ser humano, e poderia falar conosco, sentar-se em nosso lar como uma pessoa qualquer, porque, para nós, seria um dos nossos semelhantes.

Partimos de um fato patente, a aparição de mãos tangíveis, para chegarmos a uma suposição que lhe é a conseqüência lógica; e, todavia, não a teríamos insinuado se a história da criança de Bayonne não tivesse sido colocada em nosso caminho, mostrando sua possibilidade. Um Espírito superior, perguntado sobre esse ponto, respondeu que, com efeito, podem-se encontrar seres dessa natureza sem disso duvidar; acrescentou que é raro, mas que isso se vê. Como para se entender é preciso um nome para cada coisa, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas chama-os agêneres para indicar que sua origem não é o produto de uma geração. O fato seguinte, que se passou recentemente em Paris, parece pertencer a essa categoria:

Uma pobre mulher estava na igreja de Saint-Roch, e pedia a Deus vir em ajuda de sua aflição. Em sua saída da igreja, na rua Saint-Honoré, ela encontrou um senhor que a abordou dizendo-lhe: "Minha brava mulher, estaríeis contente por encontrar trabalho? - Ah! meu bom senhor, disse ela, pedia a Deus que me fosse achá-lo, porque sou bem infeliz. - Pois bem! Ide em tal rua, em tal número; chamareis a senhora T...; ela vo-lo dará." Ali continuou seu caminho. A pobre mulher se encontrou, sem tardar, no endereço indicado - Tenho, com efeito trabalho a fazer, disse a dama em questão, mas como ainda não chamei ninguém, como ocorre que vindes me procurar? A pobre mulher, percebendo um retrato pendurado na parede, disse: - Senhora, foi esse senhor ali, que me enviou. - Esse senhor! Repetiu a dama espantada, mas isso não é possível; é o retrato de meu filho, que morreu há três anos. - Não sei como isso ocorre, mas vos asseguro que foi esse senhor, que acabo de encontrar saindo da igreja onde fui pedir a Deus para me assistir; ele me abordou, e foi muito bem ele quem me enviou aqui.

No que acabamos de ver, não haveria nada de surpreendente em que esse Espírito, do filho dessa dama, para prestar serviço a essa pobre mulher, da qual havia, sem dúvida, ouvido a prece, apareceu-lhe sob sua forma corporal para lhe indicar o endereço de sua mãe. Em que se tornou depois? Sem dúvida, no que era antes: num Espírito, a menos que não tenha julgado oportuno se mostrar as outras sob a mesma aparência, continuando seu passeio. Essa mulher, assim, teria encontrado um agênere, com o qual conversou. Mas, então, dir-se-á, por que não se apresentou à sua mãe? Nessas circunstâncias, os motivos determinantes dos Espíritos nos são completamente desconhecidos; eles agem como melhor lhes parece, ou melhor, como disseram, em virtude de uma permissão sem a qual eles não podem revelar sua existência de maneira material. Compreende-se, de resto, que sua visão poderia causar uma emoção perigosa à sua mãe; e quem sabe se não se apresentou a ela, seja durante o sono, seja de outro modo? E, aliás, esse não era o meio de revelar-lhe sua existência? É mais que provável que foi testemunha invisível da entrevista.

O Fantasma de Bayonne parece-nos dever ser considerado como um agênere, pelo menos nas circunstâncias em que se manifestou; porque para a família sempre teve o caráter de um Espírito, caráter que ele jamais procurou dissimular: era seu estado permanente, e as aparências corporais que tomou não foram senão acidentais; ao passo que o agênere, propriamente dito, não revela sua natureza, e não é, aos nossos olhos, senão um homem comum; sua aparição corporal pode, se for preciso, ter longa duração para poder estabelecer relações sociais com um ou com vários indivíduos.

Pedimos ao Espírito de São Luís consentir em nos esclarecer diferentes pontos, respondendo às nossas perguntas.

1. O Espírito do Fantasma de Bayonne poderia se mostrar corporalmente em outros lugares e a outras pessoas senão em sua família? - R. Sim, sem dúvida.

2. Isso depende de sua vontade? - R. Não precisamente; o poder dos Espíritos é limitado; não fazem senão o que lhes é permitido fazerem.

3. Que ocorreria se fosse apresentado a uma pessoa desconhecida? - R. Seria tomado por uma criança comum. Mas vos direi uma coisa, é que existe, algumas vezes, na Terra, Espíritos que revestem essa aparência, e que são tomados por homens.

4. Esses seres pertencem aos Espíritos inferiores ou superiores? - R. Podem pertencer aos dois; esses são fatos raros. Deles tendes exemplos na Bíblia.

5. Raros ou não, basta que sejam possíveis para merecerem a atenção. Que ocorreria, tomando semelhante ser por um homem comum, se lhe fizesse um ferimento mortal? Seria morto? - R. Desapareceria subitamente, como o jovem de Londres. (Ver o número de dezembro de 1858, Fenômeno de bi-corporeidade.)

6. Têm eles paixões? - R. Sim, como Espíritos, têm as paixões de Espíritos segundo a sua inferioridade. Se tomam um corpo aparente, algumas vezes, é para gozarem as paixões humanas; se são elevados, é para um fim útil.

7. Podem eles procriar? - R. Deus não lhes permitiria; seria contrário às leis que estabeleceu para a Terra; elas não podem ser elididas.

8. Se um semelhante ser a nós se apresentasse, haveria um meio para reconhecê-lo? - R. Não, apenas pela sua desaparição, que se faz de modo inesperado. É o mesmo fato do transporte de móveis de um térreo ao sótão, fato que já lestes.

Nota. Alusão a um fato dessa natureza reportado no começo da sessão.

9. Qual é a finalidade que pode levar certos Espíritos a tomarem esse estado corporal; é antes para o mal que para o bem? - R. Freqüentemente para o mal; os bons Espíritos dispõem da inspiração; agem sobre a alma e pelo coração. Vós o sabeis, as manifestações físicas são produzidas por Espíritos inferiores, e estas são desse número. Entretanto, como já disse, os bons Espíritos também podem tomar essa aparência corpórea com um fim útil; falei de modo geral.

10. Nesse estado, podem tomar-se visíveis ou invisíveis à vontade? - R. Sim, uma vez que poderão desaparecer quando o quiserem.

11. Têm um poder oculto, superior ao dos outros homens? - R. Não têm senão o poder que lhes dá sua posição como Espíritos.

12. Têm eles uma necessidade real de se alimentarem? - R. Não; o corpo não é um corpo real.

13. Entretanto, o jovem de Londres não tinha um corpo real, e todavia almoçou com os amigos, e lhes apertou a mão. Em que se tornou a alimentação ingerida? - R. Antes de apertar a mão, onde estavam os dedos que pressionam? Por que não quereis compreender que a matéria desaparece também? O corpo do jovem de Londres não era uma realidade, uma vez que estava em Boulogne; era, pois, uma aparência; ocorria o mesmo com o alimento que parecia ingerir.

14. Tendo-se um semelhante ser em casa, seria um bem ou um mal? - R. Seria antes um mal; de resto, não se podem adquirir muitos conhecimentos com esses seres. Não podemos dizer-vos muito, esses fatos são excessivamente raros e não têm, jamais, um caráter de permanência. Suas desaparições corpóreas instantâneas, como as de Bayonne, o são muito menos.

15. Um Espírito familiar protetor, algumas vezes, toma essa forma? - R. Não; não tem ele as cordas interiores? Toca-as mais facilmente do que o faria sob forma visível, ou se o tomássemos como um dos nossos semelhantes.

16. Perguntou-se se o conde de Saint-German não pertencia à categoria dos agêneres. - R. Não; era um hábil mistificador.

A história do jovem de Londres, narrada em nosso número de dezembro, é um fato de bicorporeidade, ou melhor, de dupla presença, que difere essencialmente daquele em questão. O agênere não tem corpo vivo na Terra; somente seu perispírito toma forma palpável. O jovem de Londres estava perfeitamente vivo; enquanto seu corpo dormia em Boulogne, seu espírito, envolvido pelo perispírito, foi a Londres, onde tomou uma aparência tangível.

Um fato quase análogo nos é pessoal. Enquanto estávamos pacificamente em nossa cama, um dos nossos amigos viu-nos várias vezes em sua casa, embora sob uma aparência não tangível, sentado ao seu lado e conversando com ele como de hábito. Uma vez nos viu com roupão, outras vezes com paletó. Transcreveu nossa conversa, que nos comunicou no dia seguinte. Ela era, pensando bem, relativa aos nossos trabalhos prediletos. Para fazer uma experiência, ofereceu-nos refrescos, e eis nossa resposta: "Deles não necessito, uma vez que não é meu corpo que aqui está; vós o sabeis, não há nenhuma necessidade de vos produzir uma ilusão." Uma circunstância, bastante bizarra, se apresentou na ocasião. Seja predisposição natural, seja resultado de nossos trabalhos intelectuais, sérios desde nossa juventude, poderíamos dizê-lo desde a infância, o fundo do nosso caráter sempre teve uma extrema gravidade, mesmo na idade em que não se pensa mais do que no prazer. Essa preocupação constante nos dá um encontro muito frio, excessivamente frio mesmo; ao menos é pelo que somos freqüentemente censurados; mas, sob essa falsa aparência glacial, o Espírito sente, talvez mais vivamente, como se tivesse mais expansão exterior. Ora, em nossas visitas noturnas ao nosso amigo, este ficou surpreso por nos achar diferente; éramos mais aberto, mais comunicativo, quase alegre. Tudo respirando, em nós, a satisfação e a calma do bem-estar. Não está aí um efeito do Espírito desligado da matéria?

Fonte: Portal do Espírito -  http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/re/1859/02b-os-ageneres.html