terça-feira, 25 de março de 2014

O Materialismo e o Direito

Por Allan Kardec

O materialismo, vangloriando-se como não o tinha feito em nenhuma outra época e se apresentando como supremo regulador dos destinos morais da Humanidade, teve por efeito apavorar as massas pelas consequências inevitáveis de suas doutrinas para a ordem social. Por isto mesmo provocou, em favor das ideias espiritualistas, uma enérgica reação que lhe deve provar que está longe de merecer simpatias tão gerais quanto supõe, e que labora em estranha ilusão se espera um dia impor suas leis ao mundo.

Seguramente as crenças espiritualistas dos tempos passados são insuficientes para o século atual; elas não estão mais no nível intelectual de nossa geração; sobre muitos pontos elas estão em contradição com os dados concretos da Ciência; deixam no espírito um vago incompatível com a necessidade do positivo que domina na Sociedade moderna; além disso, cometem o imenso erro de se imporem pela fé cega e proscrever o livre exame. Daí resulta, sem dúvida nenhuma, o desenvolvimento da incredulidade na maioria das pessoas. É muito evidente que se os homens não fossem alimentados, desde a infância, senão por ideias de natureza a serem mais tarde confirmadas pela razão, não haveria incrédulos. Quantas pessoas reconduzidas à crença pelo Espiritismo nos disseram: Se nos tivessem sempre apresentado Deus, a alma e a vida futura de maneira racional, jamais teríamos duvidado!

Pelo fato de um princípio receber uma aplicação má ou falsa, segue-se que seja preciso rejeitá-lo? Assim acontece com coisas espirituais, como com a legislação e todas as instituições sociais: é necessário apropriá-las aos tempos, sob pena de sucumbirem. Mas, em vez de apresentar algo de melhor que o velho espiritualismo clássico, o materialismo preferiu tudo suprimir, o que o dispensava de procurar, e parecia mais cômodo àqueles a quem importuna a ideia de Deus e do futuro. Que pensariam de um médico que, achando que o regime de um convalescente não é bastante substancial para o seu temperamento, lhe prescrevesse não comer absolutamente nada?

O que nos espanta encontrar na maioria dos materialistas da escola moderna é o espírito de intolerância levado aos seus últimos limites, eles que reivindicam sem cessar o direito de liberdade de consciência. Seus próprios correligionários políticos não encontram condescendência diante deles, desde que façam profissão de espiritualismo, testemunha o Sr. Jules Favre, a propósito de seu discurso na Academia (Fígaro de 8 de maio de 1868); e como o Sr. Camille Flammarion, ultrajantemente ridicularizado e denegrido, num outro jornal cujo nome esquecemos, porque ousou provar Deus pela Ciência. Segundo o autor dessa diatribe, não se pode ser sábio senão com a condição de não crer em Deus; Chateaubriand não passa de um escritor medíocre e insensato. Se homens de tão incontestável mérito são tratados com tão pouca consideração, os espíritas não se devem lamentar de serem um tanto ridicularizados a propósito de suas crenças.

Há neste momento, da parte de um certo partido, um levante de armas contra as ideias espiritualistas em geral, entre as quais se acha incluído o Espiritismo. O que ele busca não é um Deus melhor e mais justo, é o Deus-matéria, menos aborrecido, porque não é preciso prestar-lhe contas. Ninguém contesta a esse partido o direito de ter as suas opiniões, de discutir as opiniões contrárias, mas o que não se lhe poderia conceder é a pretensão, ao menos singular para homens que se apresentam como apóstolos da liberdade, de impedir que os outros creiam à sua maneira e que discutam as doutrinas que eles não partilham. Intolerância por intolerância, uma não vale mais que a outra.

Um dos melhores protestos que temos lido contra as tendências materialistas foi publicado no jornal le Droit, sob o título: O materialismo e o direito. A questão aí é tratada com notável profundidade e uma perfeita lógica, no duplo ponto de vista da ordem social e da jurisprudência. Sendo a causa do espiritualismo a do Espiritismo, aplaudimos toda enérgica defesa da primeira, mesmo quando aí é feita abstração da segunda. Eis por que pensamos que os leitores da Revista verão com prazer a reprodução desse artigo. 

(Extrato do jornal le Droit, de 14  de maio de 1868) 

A geração presente atravessa uma crise intelectual com a qual não se deve inquietar além da medida, mas cujo desenlace seria imprudência deixar ao acaso. Desde quando a Humanidade passou a pensar, o homem acreditava na alma, princípio imaterial distinto dos órgãos que o servem; faziam-na até imortal. Acreditavam numa Providência, criadora e senhora dos seres e das coisas, no bem, no justo, na liberdade do arbítrio humano, numa vida futura que, por valer mais do que o mundo em que estamos, não necessita, como diz o poeta, senão existir.

Modernos doutores, que começam a tornar-se barulhentos, mudaram tudo isto. O homem é por eles reconduzido à dignidade do animal, e o animal reduzido a um agregado material. A matéria e as propriedades da matéria, tais seriam os únicos objetos possíveis da ciência humana; o pensamento não seria senão um produto do órgão que é sua sede, e o homem, quando as moléculas orgânicas que constituem a sua pessoa se desagregam e voltam aos elementos, pereceria inteiramente.

Se as doutrinas materialistas jamais devessem ter a sua hora de triunfo, os jurisconsultos filósofos ─ há que dizer para a sua honra ─ seriam os primeiros vencidos. O que teriam a fazer as suas regras e as suas leis num mundo no qual a lei da matéria fosse toda a lei? As ações humanas não podem ser senão fatos automáticos, se o homem for todo matéria. Mas então, onde estará a liberdade? E se a liberdade não existir, onde estará a lei moral? A que título uma autoridade qualquer poderia pretender dominar a expansão fatal de uma força toda física e necessariamente legítima se ela é fatal? O materialismo arruína a lei moral, e com a lei moral o direito, a ordem civil toda inteira, isto é, as condições de existência da Humanidade. Tais consequências imediatas, inevitáveis, certamente merecem que nelas pensemos. Vejamos, pois, como se reproduz esta velha doutrina materialista, que não vimos surgir, até o presente, senão nos piores dias.

Quase sempre houve materialistas, teóricos ou práticos, quer por desvio do senso comum, quer para justificar baixos hábitos de viver. A primeira razão de ser do materialismo está na imperfeição da inteligência humana. Disse Cícero, em termos muito crus, que não há tolice que não tenha encontrado algum filósofo para defendê-la: Nihil tam absurde dici potest quod non dicatur ab aliquo philosophorum. Sua segunda razão de ser está nas más inclinações do coração humano. O materialismo prático, que se reduz a algumas máximas vergonhosas, sempre apareceu nas épocas de decomposição moral ou social, como as da Regência e do Diretório. O mais das vezes, quando houve visadas mais altas, o materialismo filosófico foi uma reação contra as exigências exageradas das doutrinas ultraespiritualistas ou religiosas. Mas em nossos dias ele se produz com um caráter novo; ele se diz científico. A história natural seria toda a ciência do homem; nada existiria do que ela não tem por objeto, e como ela não tem por objeto o espírito, o espírito não existe.

Para quem queira pensar no caso, com efeito o materialismo é mesmo um perigo, não da ciência verdadeira, mas da ciência incompleta e presunçosa; é uma planta má que cresce em seu solo. De onde vêm as tendências materialistas, mais ou menos marcantes, de tantos cientistas? De sua constante ocupação em estudar e manipular a matéria? Talvez um pouco. Mas elas vêm sobretudo de seus hábitos de espírito, da prática exclusiva de seu método experimental. O método científico pode reduzir-se a estes termos: Não reconhecer senão os fatos; induzir muito prudentemente a lei desses fatos; banir absolutamente todas as pesquisas das causas. Não é de admirar que, depois disto, inteligências de vistas curtas, débeis nalgum sentido, deformadas, como nos tornamos todos, por um mesmo trabalho intelectual ou físico muito contínuo, desconheçam a existência dos fatos morais, aos quais não convém a aplicação do seu instrumento lógico, e, por uma transmissão insensível, passem da ignorância metódica à negação.

Entretanto, se esse método exclusivamente experimental pode achar-se em erro, o erro está no estudo do homem, ser duplo, espírito e matéria, cujo próprio organismo não pode ser senão o produto e o instrumento da força oculta, mas essencialmente una que o anima. Não se quer ver no organismo humano senão um agregado material! Por que cindir o homem e querer metodicamente nele considerar apenas um princípio, se há dois? É possível gabar-se, ao menos, de assim explicar todos os fenômenos da vida? O materialismo fisiológico, que prepara o materialismo filosófico, mas que a ele não conduz necessariamente, é ferido de impotência a cada passo. A vida, digam o que disserem, é um movimento, o movimento da alma formando o corpo; e a alma é, assim, a mola que move e transporta, por uma ação desconhecida e inconsciente, os elementos dos corpos vivos. Trazendo sistematicamente o estudo do homem físico às condições do estudo dos corpos não organizados; não vendo nas forças vivas de cada parte do organismo senão propriedades da matéria; localizando essas forças em cada uma dessas partes; não considerando a vida senão como uma manifestação física, um resultado, quando ela talvez seja um princípio; afastando a unidade do princípio de vida como uma hipótese, quando ela pode ser uma realidade, cai-se, sem dúvida, no materialismo fisiológico, para depois escorregar rapidamente no materialismo filosófico; mas se conclui por uma enumeração e um exame incompleto dos fatos; acreditou-se marchar apenas apoiado na observação, e afastou-se o fato capital que domina e determina todos os fatos particulares.

O materialismo da nova escola não é, pois, um resultado demonstrado do estudo; é uma opinião preconcebida. O fisiologista não admite o espírito; mas que há de admirável? É uma causa, e ele se pôs a estudar com um método que lhe interdita precisamente a pesquisa das causas. Não queremos submeter a causa do espiritualismo a uma ques­tão de fisiologia controvertida, e sobre a qual poderiam refutar-nos com razão. O senso íntimo me revela a existência da alma com uma autoridade muito diferente. Quando o materialista fisiológico for tão verdadeiro quanto é discutível, nossas convicções espiritualistas ficarão menos inteiras. Fortalecido pelo testemunho do senso íntimo, confirmado pelo assentimento de mil gerações que se sucederam na Terra, repetiríamos o velho adágio: “A verdade não destrói a verdade”, e nós esperaríamos que a conciliação se fizesse com o tempo. Mas de que peso não nos sentimos aliviados quando vemos que, para negar a alma e dar essa declaração como um resultado da ciência, o sábio, por confissão própria, partiu metodicamente da ideia que a alma não existe!

Lemos muitos livros de Fisiologia, em geral muito mal escritos; o que nos chamou a atenção foi o vício constante dos raciocínios do fisiologista organicista quando ele sai da sua área para se fazer filósofo. Vemo-lo constantemente tomar um efeito por uma causa, uma faculdade por uma substância, um atributo por um ser, confundir as existências e as forças, etc., e raciocinar como lhe convém. Dir-se-ia uma aposta. Algumas vezes ele transpõe distâncias incríveis sem se dar conta do caminho que faz. Que espírito exato e claro, por exemplo, jamais pôde compreender o pensamento tão conhecido de Cabanis e de Broussais, que “o cérebro produz, secreta o pensamento?” Outras vezes, o homem positivo, o homem da ciência, o homem da observação e dos fatos, nos dirá seriamente que o cérebro “armazena as ideias.” Ainda um pouco, ele as desenhará. É metáfora ou aranzel?

Jamais será pedido à ciência natural que tome partido pró ou contra a alma humana; mas por que ela não se resolve a ignorar o que não é objeto de suas investigações? Com que direito ousa ela jurar que nada há depois dela, depois de ter constituído a lei de não ver? Por que não guarda ela um pouco dessa reserva que vai bem a todos nós, sobretudo aos que têm a pretensão de não avançar senão com a certeza? A que título o anatomista tomará para si a responsabilidade de declarar que a alma não existe, porque não a encontrou com seu escalpelo? Pelo menos começou ele a demonstrar rigorosamente, cientificamente, por experiências e por fatos, segundo o método que preconiza, que o seu escalpelo a tudo pode atingir, até mesmo um princípio imaterial?

Aconteça o que acontecer com todas estas questões, o materialismo, dizendo-se científico, sem por isto adquirir mais valor, instala-se à luz do dia, e é preciso que vejamos o que seria o direito materialista. Ai de nós! O estado social materialista oferecer-nos-ia um tristíssimo e vergonhoso espetáculo. Para começar, uma coisa é certa, é que, se o homem não existe senão por seu organismo, essa massa material e automática que será daqui por diante todo o homem, provido de um encéfalo para secretar ideias, não será responsável por todos os movimentos que ela produzirá[1]. Com ela não será preciso que o encéfalo de uma outra massa material se lembre de secretar ideias de justiça ou de injustiça, porque essas ideias de justiça ou de injustiça não são aplicáveis senão a uma força livre que existe por si mesma, capaz de querer e de se abster. Não se convence a torrente ou a avalanche.

Então a liberdade, isto é, a vontade de agir ou não agir, não existirá aqui em baixo, como também não existirá o direito. Nesse estado, todas as forças terão um pleno e absoluto poder de expansão. Tudo será legítimo, lícito, permitido, digamos mesmo, ordenado, porque é claro que todo fato que não seja o ato de uma vontade livre, que não se produz como um ato moralmente obrigatório ou moralmente proibido, é um fato inevitável, que bem pode vir chocar-se com um fato contrário do mesmo caráter, mas que, como todos os fatos físicos, cai no império inelutável das leis naturais.

Basta expor tais ideias para lhes fazer justiça. É o sistema de Spinoza, que muito resolutamente estabeleceu o princípio do direito da força. Os fortes, diz Spinoza, são feitos para dominar os fracos, da mesma forma que os peixes para nadar e os maiores para comer os menores. No sistema materialista, o que seria chamado direito não poderia ter um princípio diferente. Mas qual homem dotado de senso ousaria professar tal sistema, que bastaria, por si só, para refutar o materialismo, porquanto necessariamente dele decorre? Querem, entretanto, que esse princípio da força se ache, de fato, limitado por si mesmo? Nada será ganho, ou quase nada, com esse flagrante desmentido do princípio. Admitamos, se quiserem, que a substância pensante (continuamos a falar a linguagem dos materialistas) se concerte nos indivíduos para regularizar essa expansão da força: a que chegará ela? No máximo a um conjunto de regras que terão por base o interesse, e mais, como não há outras leis senão as leis da matéria, essa legislação não terá qualquer caráter obrigatório; cada um poderá infringi-la se sua matéria pensante o aconselhar e se sua força permitir. Assim, nesta singular doutrina, não haverá nem mesmo um estado social construído sobre o plano da triste sociedade de Hobbes.

Não falamos ainda senão das condições primeiras de todo estado social. Mas, em toda sociedade civil consagra-se a propriedade individual; contrata-se, vende-se, aluga-se, associa-se, etc. O casamento funda a família; daí nasce toda uma ordem nova de relações. Pela educação no lar e pela educação pública, perpetuam-se as tradições. Assim se forma um espírito nacional e se desenvolve a civilização. Nossa sociedade materialista terá o seu direito civil? Impossível supô-lo, porque o direito civil, em seu conjunto, tem por princípio a justiça, e a justiça não pode ser senão uma palavra, ou uma contradição, numa doutrina que não conhece senão a matéria e as propriedades da matéria. Chega-se assim, inevitavelmente, a concluir (a menos que desarrazoando a propósito), que o estado civil da sociedade materialista é o estado de bestialidade.

Nada dizemos demais ao afirmarmos que o materialismo é destrutivo, não de tal moral, mas de toda moral; não de tal estado civil, mas de todo estado civil, de toda a Sociedade. É preciso recuar com ele além das regiões da barbárie, além da selvageria. Há que proscrevê-lo por isto? Deus não o permita. Assim reconhecido o seu caráter, não pediríamos, entretanto, que o seu ensino fosse interditado; nós o defenderíamos, se necessário, contra toda compressão pela força, desde que o professor não falasse senão em seu próprio nome. A liberdade nos é tão cara ─ sabem-nos os leitores deste jornal ─ ela leva consigo tais benefícios; temos uma tal confiança no bom-senso público, que não conceberíamos nenhuma inquietude por ver toda cátedra, toda tribuna aberta a todas as ideias.

Mas a questão não mais se apresentaria nos mesmos termos se acontecesse que o professor falasse numa cátedra do Estado, sustentada pelo orçamento. Certo ou errado, o Estado ensina. Pode ele ensinar doutrinas cujas consequências mais próximas sejam destrutivas do Estado? Ficará ao arbítrio de todo professor fazer o Estado endossar todas as doutrinas que puder conceber?

A questão não é simples. Os professores do Estado são funcionários públicos; seu ensino não pode ser e não é senão um ensino oficial. O Estado é responsável pelo que eles dizem; ele responde por isso perante a juventude e as famílias. Se por causa das grandes palavras de independência do professorado, recusassem o seu controle, eles se fariam opressores do Estado, pela mais hipócrita das opressões, porque assumiriam a responsabilidade pelas doutrinas que ele desaprova.

Sem dúvida a autoridade superior deve aos seus professores, muitas vezes encanecidos pelo estudo, cuidados, consideração, uma grande confiança, como aos seus generais, aos seus administradores e aos seus magistrados. Mas ela não lhes deve o sacrifício do mandato do país, que se presume que lhe pertença. O professor não é mais independente do Estado do que o general que tomasse o comando de uma insurreição. 

H. THIERCELIN.

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[1] Assim como o fígado não é responsável pela bile que secreta.

Revista Espírita - Agosto 1868

Fonte: IPEAK - http://www.ipeak.com.br/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=6198&idioma=1

quinta-feira, 6 de março de 2014

Os Religiosos Católicos presentes na Doutrina Espírita

Por Maria das Graças Cabral

Muito comumente causa espanto aos neófitos da Doutrina dos Espíritos, encontrar nomes de veneráveis santos católicos, na condição de grandes Mestres da Espiritualidade, que trouxeram os fundamentos do Espiritismo.  

Nos Prolegômenos de O Livro dos Espíritos, além de grandes pensadores da humanidade do quilate de Sócrates e Platão, mencionam-se os nomes de santos da Igreja Católica tais como: São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, dentre outros religiosos que se manifestaram nas obras fundamentais espíritas.

Podemos citar Fénelon, destinado pela família para a carreira eclesiástica. Começou seus estudos no colégio dos Jesuítas em Cahors. Continuou os Estudos junto aos Jesuítas em Paris e manteve contatos com o seminário de Saint-Sulpice. (Fonte: http://www.geae.inf.br/pt/biografias/ - Acessado em 04/11/2012)

Outro religioso católico presente na codificação foi Lamennais, que nasceu em uma família burguesa. Foi um escritor brilhante, tornando-se uma figura influente e controversa na história da Igreja católica francesa. Com 34 anos de idade, Lamennais foi ordenado padre. Na condição de escritor fluente, político e filósofo, esforçou-se para combinar a política liberal com o Catolicismo Romano, após a Revolução Francesa. (Fonte: http://www.geae.inf.br/pt/biografias/ - Acessado em 04/11/2012)

Também sacerdote das hostes católicas foi Lacordaire, nascido em 12 de maio de 1802, numa cidade francesa perto de Dijon, tornou-se vigário da famosa Catedral de Notre-Dame, em Paris. A força da sua oratória atraía milhares de leigos para o culto. Em 1839 entrou para a Ordem Dominicana na França, trabalhando pela sua restauração, desde que a Revolução Francesa a tinha largamente subvertido. (Fonte: http://www.espiritismogi.com.br/biografias/- Acessado em 04/11/2012)

Constata-se nas mensagens de tais espíritos, esparsas nas obras fundamentais, um discurso bem próprio dos clérigos católicos. Veja-se a título de exemplo, um pequeno trecho de Santo Agostinho falando do “mal como remédio” da alma:
 “Vossa terra é por acaso um lugar de alegrias, um paraíso de delícias? A voz do profeta não soa ainda aos vossos ouvidos? Não clamou ele que haveria choro e ranger de dentes para os que nascessem neste vale de dores? Vós que nele viestes viver, esperai, portanto lágrimas ardentes e penas amargas, e quanto mais agudas e profundas forem as vossas dores, voltai os olhos ao céu e bendizei ao Senhor, por vos ter querido provar”!
E adiante acrescenta: “Se, no auge de vossos mais cruéis sofrimentos, cantardes em louvor ao Senhor, o anjo da vossa guarda vos mostrará o símbolo da vossa salvação e o lugar que devereis ocupar um dia”. (O Evangelho Segundo Espiritismo. Capítulo V. item 19) (grifo nosso).
Identifica-se claramente um sacerdote a falar aos fiéis das “penas” acerbas impingidas pelo “Senhor”, aos “pecadores” que vivem nesse “vale de dores”, utilizando-se de um vocabulário próprio do catolicismo, e que ainda se faz presente muito fortemente em seu discurso.

Não obstante, viajando no tempo e aportando no século XX, nos deparamos com os médiuns brasileiros, Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, considerados os ícones do Espiritismo no Brasil e no mundo. E aí, mais uma vez observa-se a presença ostensiva de religiosos católicos à frente da divulgação da Doutrina Espírita.

No caso do conhecido médium Francisco Cândido Xavier, seu famoso mentor asseverava ter sido em sua última encarnação, o padre jesuíta Manoel da Nóbrega, que aos 27 anos, foi ordenado pela Companhia de Jesus (1544), fazendo-se pregador. Viajou por Portugal, Galiza e o resto da Espanha na pregação do Evangelho. Surpreendido com o convite do rei D. João III, embarcou na armada de Tomé de Sousa (1549). Chegaram à Bahia em 29 de março de 1549 e, celebrada a primeira missa, ter-se-ia voltado para seus auxiliares e dito: “Esta terra é nossa empresa.” (http://pt.wikipedia.org/- Acessado em 04/11/2012).

Quanto ao não menos famoso médium e divulgador mundial do Espiritismo, Divaldo Pereira Franco, assevera este, ter como mentora, a freira católica Joanna de Ângelis. Segundo o médium, Joanna “no século I, vivera como Joana de Cusa, uma das maiores colaboradoras da obra de Jesus, inclusive citada no evangelho como uma das mulheres piedosas, tendo sida queimada viva ao lado de seu único filho, juntamente com outros cristãos no Coliseu de Roma”. Em 12/11/1651 nascia no México Sór Juana Inés de La Cruz, tendo sida a maior poetisa da língua hispânica; muito competente em teologia, medicina, direito canônico e astronomia. Foi teatróloga, musicista, pintora e poliglota. Falava e escrevia, fluentemente, seis idiomas.

Em 11/12/1761 nascia em Salvador-Bahia Sóror Joana Angélica de Jesus que posteriormente tornou-se freira. Em 1822, em defesa da honra das jovens do seu Convento, foi assassinada por um soldado português, tornando-se mártir da independência do Brasil. Joanna de Ângelis também vivera no século XIII, de 16/07/1194 à 11/08/1253. Segundo a mentora, ficou conhecida como irmã Clara de Assis, fundadora da ordem feminina Franciscana. Mais tarde, em 15 de agosto de 1255 foi canonizada pelo papa Alexandre IV como Santa Clara de Assis. (Clara de Assis)”. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/ - Acessado em 04/11/2012).

Diante do exposto, no que concerne aos Espíritos que participaram efetivamente na Codificação da Doutrina Espírita, observa-se em suas biografias, que não viviam a experiência religiosa numa condição de reclusos em monastérios. Pelo contrário, todos foram grandes filósofos, e/ou cientistas, que já pensavam e estudavam as questões cruciais da humanidade, envolvendo a moralidade humana, a educação, e os grandes conflitos sociais.

Desenvolviam teorias filosóficas que se adequassem ao catolicismo, formando entendimento religioso a ser acatado e adotado pela Igreja (instituição). Na realidade, objetivavam encontrar um “elo” que justificasse a vida com todas as suas complexas consequencias ao Deus e supremo criador, coadunando-se tais pensamentos com as “verdades” dogmáticas e bíblicas, adotadas pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Não obstante, tais personalidades quando do retorno ao mundo espiritual, foram expandindo seus conhecimentos, mudando seus entendimentos, obviamente que orientados pelos grandes “Mestres da Espiritualidade”, e assim se prepararam para a grande empreitada de trazer à humanidade, nos albores do século XIX, as grandes revelações que estavam gravadas em nossos “arquétipos”, apropriando-me do termo junguiano, e que considerávamos sobrenatural ou fantástico.

Vieram provar a existência e imortalidade do Espírito e todas as suas consequências, respondendo ao clássico questionamento humano: - “Quem sou? De onde vim? Prá onde vou?” E dentro de suas respectivas áreas de conhecimento, foram desenvolvendo todo um grandioso trabalho que suplantou muitas das convicções que defendiam em encarnações transatas, na condição de encarnados.

Oportuno ressaltar, que a Doutrina dos Espíritos baseia-se no principio evolutivo para todos os seres da criação. Fica claro que este processo envolve tanto o aspecto intelectual como moral, e não está adstrito às experiências no corpo físico.  A Doutrina é farta em exemplos trazidos pelos testemunhos de Espíritos que se reportam aos seus estudos e observações feitos no mundo espiritual.

A esse respeito em O Livro dos Espíritos, quando trata do Mundo Espírita ou dos Espíritos, Kardec indaga aos Mestres Espirituais “de que maneira se instruem os Espíritos errantes”, e a resposta dada é a seguinte: - “Estudam o seu passado e procuram o meio de se elevarem. Vêem e observam o que se passa nos lugares que percorrem; escutam os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados que eles, e isso lhes proporciona idéias que não possuíam”. (O Livro dos Espíritos – pergunta 227)

Daí entende-se porque, os Espíritos católicos avançaram mais rapidamente rumo ao conhecimento Espírita. Observe-se que já acreditavam na vida espiritual, embora com uma visão limitada de céu, purgatório e inferno. Acreditavam nas manifestações dos santos e demônios e nos milagres realizados pelos santos intercessores. Portanto, estavam mais preparados para entender à dinâmica que envolve o mundo material e o mundo espiritual.  

Por outro lado, não se identifica dentre os Espíritos religiosos da Codificação, pastores protestantes. A esse respeito, entende-se que diante de uma maior rigidez interpretativa da bíblia, da não aceitação radical da comunicabilidade dos mortos, onde só aceitam a manifestação do demônio, torna-se muito mais complexa a compreensão e aceitação da Doutrina Espírita.

Na realidade, o protestantismo está mais voltado ao Deus mosaico, e na busca pelo sucesso na vida material. Isto por entenderem, que a morte os levará a um estado de sono profundo até a chegada do Juízo Final. Por conseguinte, não oram pelos mortos nem admitem sua comunicabilidade. Aliás, só trabalham de forma efetiva com o exorcismo - que é a expulsão do demônio - pois segundo suas convicções, este procura seduzir a humanidade tomando a forma de pessoas queridas e veneráveis para conduzí-las ao inferno. Daí se mostrarem menos refratários à compreensão e aceitação dos princípios Espíritas.

Para finalizar far-se-á alguns comentários sobre os mentores religiosos dos médiuns Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, na condição de divulgadores da Doutrina Espírita para o Brasil e o mundo. Observa-se que ao contrário dos Espíritos da codificação que vieram trazer os novos paradigmas para o Espírito humano, os referidos mentores, buscam introduzir aos princípios Espíritas alguns aspectos de suas convicções religiosas católicas.

Fácil compreender, pois o progresso de cada ser humano tem seu rítmo próprio. Portanto, não se daria tão rapidamente as mudanças de “vícios” religiosos arraigados, próprios de espíritos que passaram por várias encarnações vivenciando a dogmática religiosa católica, defendida e abraçada com profunda convicção. Observe-se que para estes não havia conflitos entre seus pensamentos e o que estava posto pela Igreja que serviam e amavam.

É fato que hoje se dizem espíritas e trabalham como divulgadores do espiritismo. Não obstante, sempre que podem, buscam distorcer aquilo que os incomoda na Doutrina Espírita, por entenderem em desacordo com as crenças religiosas que professaram por tantas encarnações e que ainda trazem gravadas em seus Espíritos, como convicções a serem respeitadas.

Em contrapartida, é óbvio que tais Espíritos encontram em seus médiuns um “campo de convicções religiosas” que se coaduna perfeitamente com seus interesses. Daí, a perfeita sintonia que permite sem o menor obstáculo, a divulgação espírita eivada dos rituais e credos iminentemente católicos.

Percebe-se esta forte presença, por exemplo, no “culto do evangelho no lar” - com a jarra de água para fluidificar, o caderno com os nomes dos que deverão receber a ajuda espiritual, a leitura do evangelho e de livros de mensagens de textos bíblicos – nada mais ritualístico e católico.

Portanto, diante das considerações acima expostas, pode-se entender porque o catolicismo ainda se faz tão presente no meio espírita. Porque ainda precisamos casar nas igrejas católicas, batizar nossas crianças, mandar rezar missa de sétimo dia para nossos mortos, levar flores para depositar aos pés das imagens de Nossa Senhora, Bezerra de Menezes, São Francisco de Assis, etc..

Porque ainda fazemos promessas e romarias para os santos. Porque procuramos usar a cor branca e cobrir com toalhas brancas as mesas de reunião mediúnica, como se cobrem os altares das igrejas católicas. Por isso fazemos as filas para receber passes e beber a água fluidificada, como fazíamos as filas para receber a comunhão nos templos católicos.

Efetivamente, são muitos os comportamentos atávicos que ainda estamos longe de nos libertar, por estarem incrustados em nossos Espíritos, em razão das inúmeráveis encarnações abraçando a Igreja Católica como a portadora da verdade inquestionável, a representante de Deus na Terra, e único laço de ligação entre o homem e o Criador.

Fonte: Um Olhar Espirita - http://umolharespirita1.blogspot.com.br/2012/11/os-religiosos-catolicos-presentes-na.html