terça-feira, 30 de abril de 2013

Retrato de Kardec aos 25 anos - um equívoco?


Por Sônia Zaghetto

Uma das mais famosas imagens de Allan Kardec pode não retratar o Codificador do Espiritismo. O desenho que mostraria Kardec aos 25 anos de idade provavelmente é um auto-retrato do pintor francês Raymond Auguste Quinsac Monvoisin (1790 - 1870).

Membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, Monvoisin é o autor de um retrato do Codificador do Espiritismo. Foi uma doação de oito quadros desse pintor renomado que estimulou em Kardec o desejo de fazer um Museu Espírita. A idéia foi apresentada pelo Codificador na Revista Espírita de dezembro de 1868. O texto sobre a "Constituição Transitória do Espiritismo" apresentava os planos de Kardec para o futuro do Espiritismo. Ele incluiu, entre as diversas ações a cargo do Comitê Central, a criação de um museu que reunisse "as primeiras obras de arte espírita, os trabalhos mediúnicos mais notáveis, os retratos dos adeptos que bem tiverem merecido da Causa por seu devotamento, os dos homens que o Espiritismo honra, posto que estranhos à Doutrina, como benfeitores da humanidade, grandes gênios missionários do progresso".

Precisamente nesse item, Kardec acrescentou uma nota em que afirma que "o futuro museu já possui oito quadros de grandes dimensões, que só esperam um local conveniente, verdadeiras obras-primas de arte, especialmente executadas em vista do Espiritismo, por um artista de renome, que generosamente os ofereceu à Doutrina. É a inauguração da arte espírita, por um homem que reuniu a fé sincera ao talento dos grandes mestres". A nota encerra com uma promessa: "Em tempo hábil daremos sua descrição detalhada". Não foi possível, pois três meses depois Kardec desencarnou e o nome do pintor e das obras ficou oculto.

O assunto voltou às páginas da Revista em julho de 1869, no texto "Museu do Espiritismo", no qual se lê um resumo sobre os planos de Allan Kardec sobre o museu e uma lista dos quadros mencionados pelo Codificador: Retrato alegórico do Sr. Allan Kardec; Retrato do autor (Monvoisin); três cenas espíritas da vida de Jeanne d'Arc (Jeanne na fonte, Jeanne ferida e Jeanne sobre a fogueira); o Auto-de-fé de João Huss; um quadro simbólico das Três Revelações, e a Aparição de Jesus entre os apóstolos, depois da morte corporal.

Diz o texto da Revista, que foi extraído da Ata da sessão da Sociedade ocorrida em 7 de maio de 1869: "Quando o Sr. Allan Kardec publicou esse artigo na Revista, ele tinha a intenção de dar a conhecer o nome do autor, a fim de que todos pudessem render homenagem ao seu talento e à firmeza de suas convicções. Se disso nada fez, é que aquele, que a maioria dentre vós conhece, por um sentimento de modéstia que compreendeis facilmente, desejava guardar o incógnito e não ser conhecido senão depois de sua morte. Hoje as circunstâncias mudaram, o Sr. Allan Kardec não está mais entre nós, e, se devemos nos esforçar por executar os seus desejos tanto quanto o possamos, devemos também, todas as vezes de que disso tivermos a possibilidade, pôr nossa responsabilidade a coberto e evitar as eventualidades que os acontecimentos imprevistos ou as manobras malevolentes possam fazer surgir. É com esta intenção, senhores, que a senhora Allan Kardec me encarrega de vos saber fazer que seis dos quadros designados acima, foram remetidos às mãos de seu marido, que se acham atualmente entre os seus, e que ela os conservará em depósito até que um local apropriado, comprado com os fundos provenientes da caixa geral, e gerido por conseqüência sob a direção da comissão central encarregada dos interesses gerais da Doutrina, permita dispô-los de maneira conveniente".

O texto prossegue informando que, doravante, todo espírita poderia examinar e apreciar os quadros na residência particular da senhora Allan Kardec, às quartas-feiras, de duas horas às quatro horas. A Revista informou que dois quadros ainda estavam com o autor, que é finalmente identificado: "É, com efeito, o Sr. Monvoisin que, haurindo uma nova energia na firmeza de suas convicções, quis, apesar de sua idade avançada, concorrer ao desenvolvimento da Doutrina, abrindo uma era nova para a pintura, e se pondo à frente daqueles que, no futuro, ilustrarão a arte espírita. Nós não diremos mais a esse respeito; o Sr. Monvoisin é conhecido e apreciado por todos, tanto quanto artista de talento como espírita devotado, e ele tomará lugar ao lado do mestre, nas fileiras daqueles que terão muito merecido do Espiritismo".

Como se observa, entre as obras listadas há um retrato de Kardec e um auto-retrato de Monvoisin. Em 1954 - quando todos os que conviveram com Kardec e Monvoisin já haviam desencarnado e os arquivos da Sociedade haviam sofrido os efeitos dos transtornos de duas Guerras Mundiais - a Revue Spirite publicou, pela primeira vez, o suposto retrato de Allan Kardec aos 25 anos. Repetiu o retrato na edição de 1962. A partir de então, pesquisadores e biógrafos brasileiros passaram a utilizar a imagem como sendo o Codificador na juventude.

Entretanto, uma comparação entre os auto-retratos de Monvoisin atualmente disponíveis em diversos museus e coleções particulares mostram uma espantosa semelhança com a suposta imagem de Kardec aos 25 anos. Os mais impressionantes são retratos obtidos junto ao Museo de Bellas Artes do Chile (que constam do site www.artistasplasticoschilenos.cl) e o que está disponível no endereço www.naon.com/ dic03/htms/dic03_051esp.htm - este é uma pintura a óleo vendida em dezembro de 2003 por 53 mil dólares, pela empresa argentina J.C Naón e Cia S.A, especializada em leilões de objetos de arte. O quadro, que constava do lote 4, foi adquirido por um colecionador. A Naón garante a autenticidade: é um auto-retrato de Monvoisin. Apesar de um pouco mais velho, são perceptíveis as semelhanças com a suposta imagem de Kardec aos 25 anos: a farta cabeleira, o nariz alongado, a barba rala e o formato dos lábios, do rosto, dos olhos e das sobrancelhas.

No Portal de Arte (www.portaldearte.cl/autores/monvoisin1.ht), patrocinado pelo Ministério da Educação, pela UNESCO, pelo Museo Nacional de Bellas Artes do Chile também há um auto-retrato de Monvoisin, em absolutamente tudo assemelhado ao que se acredita ser Kardec. Lançada a questão, que cada um analise, compare e tire as conclusões que achar convenientes.

Quem é Raymond Monvoisin

Raymond Auguste Quinsac Monvoisin nasceu em 31 de maio de 1790, em Bordeaux, França. Pintor de gênero, paisagem, história e retrato, foi um dos mais destacados discípulos do Barão Guérin, na Escola de Belas Artes de Paris.

Premiado diversas vezes, aos 27 anos tornou-se pensionário do rei da França, em Roma. Ao voltar à França, distinguiu-se nos Salons e por duas vezes foi premiado com o primeiro lugar. Dessa época, que se estendeu até 1842, datam suas séries de retratos dos reis da França e dos marechais da Renascença, encomendados pelo Governo para as galerias históricas do Palácio de Versailles.

Em 1836, Monvoisin - que tinha um forte temperamento - desentendeu-se com o diretor dos museus reais franceses, Sr. de Cailleux. Abalado pelo episódio e por outros problemas particulares, deixou a França em maio de 1842.

Veio para a América do Sul. Monvoisin e Rugendas foram os dois mais importantes artistas a visitar o Continente Americano, nessa época. Depois de uma rápida passagem por Buenos Aires, chegou ao Chile em janeiro de 1843, portando pouco mais de dez painéis que foram exibidos em março daquele ano na Universidade de São Filipe. Essa mostra, que tornou-se um marco na História da Arte no Chile, atraiu a atenção de diversas personali-dades e causou admiração pela perícia e beleza das obras. Monvoisin recebeu pelo menos uma centena de encomendas de retratos: pintou praticamente toda a aristocracia chilena da época. O Governo prometeu-lhe a direção da futura Academia de desenho e pintura do Chile, mas acabou por escolher o italiano Alexandre Cicarelli.

Depois de algum tempo, Monvoisin visitou o Peru e o Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1847. Em carta ao irmão, reclamou do calor e informou que pintaria um retrato de D. Pedro II, que o recebeu calorosamente. A pintura - que mostra D. Pedro de pé, em traje imperial - é considerado o mais fiel retrato do Imperador brasileiro. Em reconhecimento, D. Pedro concedeu ao artista a insígnia de Cavaleiro da Ordem do Cruzeiro e uma pêndula de bronze. O quadro - que pode ser visto no Museu Imperial de Petrópolis - pertence ao príncipe D. João de Orléans e Bragança, bisneto de D. Pedro II. O Imperador tinha, em sua pinacoteca no Paço S. Cristóvão, outro quadro de Monvoisin: Jovem Peruano (ou Jovem Araucano).

Monvoisin voltou à França em 1858, quando o Espiritismo estava no auge. Tornou-se espírita e adepto da Homeopatia. A primeira referência a ele está na Revista Espírita de maio de 1866. A seção "Conversas de Além-Túmulo" traz a transcrição de uma evocação do espírito do Abade Laverdet, um dos pastores da Igreja francesa, ocorrida no dia 5 de janeiro de 1866. Ali, Kardec informa que "um dos mais íntimos amigos do abade, o Sr. Monvoisin, o eminente pintor de história, espírita fervoroso, tendo desejado ter dele algumas palavras de além-túmulo, nos pediu para evocá-lo".

O pintor faleceu em Boulogne-sur-Seine (Paris), em 26 de março de 1870. Na edição de maio daquele ano, a Revista Espírita noticiou a desencarnação com ampla reportagem, em que são contadas sua vida e sua dedicação ao Espiritismo. No texto são citadas frases. Entre elas: "Eu serei o precursor e o pai da pintura espírita". Ao desencarnar, trabalhava em uma série de retratos dos precursores do Espiritismo.

Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - Agosto/2007

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Repensando Jesus


Por Maria Ribeiro

Poderia ser uma experiência interessante e até mesmo oportuna fazer uma reflexão (mais uma!) acerca da personalidade de Jesus.

Todo mundo sabe que a História não registrou sua existência, com raríssimas referências sobre sua pessoa, escritas pelo seu contemporâneo, o historiador Flávio Josefo. Tudo o que se sabe se deve às tradições orais, aos escritos dos evangelistas, e só.

Alguns Espíritos resolveram se aventurar, mandando mensagens através das potencialidades mediúnicas, no mínimo, incautas, sobre a vida de Jesus, suas experiências nos “bastidores” com os apóstolos e outros personagens, sempre trazendo um ensinamento de fundo moral cujo teor até pode auxiliar alguns em algumas ocasiões, mas não parece vir de um Espírito conhecedor da humanidade na qual veio conviver. 

Os que acompanham o Movimento Espírita através das reportagens dos diversos blogs sabem que vive-se uma tensa discussão a respeito dos pontos fundamentais da Doutrina que se tornaram para alguns uma verdadeira “polêmica”: uma delas é justamente sobre o seu tríplice aspecto – científico, filosófico e moral.

O Movimento Espírita brasileiro se vê dividido entre os que querem um Espiritismo laico e os que o querem “religioso”. É preciso salientar que ambas as posturas estão equivocadas. Nas palavras do próprio Kardec o Espiritismo não é uma religião constituída, segundo a acepção que se dá ao termo religião, mas também o Espiritismo é cristão, pois o Cristo é o Ser que melhor nos instruiu, fazendo-o sob a égide da Verdade.  

Jesus era judeu e em diversos momentos agiu como tal, sem prejuízo para sua doutrina de Amor, e isto demonstra que não são as atitudes exteriores que tornam o homem mais ou menos digno, mas suas convicções no Amor, no Bem.

O termo cristão foi proposto, segundo a tradição, por Lucas, companheiro de Paulo em algumas viagens e autor do 4º evangelho e do livro dos Atos dos Apóstolos. Portanto pode-se afirmar que Jesus, sendo o Cristo (ungido), não era ele mesmo cristão. 

As mensagens que causaram e permanecem causando espanto levam o título de cristãs em referência à pessoa de Jesus em sua condição espiritual que ninguém duvida – elevadíssima, um Espírito Puro.

E porque causam espanto? Porque fala a Verdade sobre a intimidade de cada um. Quando Jesus diz: “Ninguém vem ao Pai senão por mim”, ele não fala de sua própria pessoa, mas do que sua pessoa representa. Muitos afirmam que o mundo deverá se tornar “cristão” para que a paz reine. Se esquecem das diferentes culturas onde a pessoa do Cristo jamais seria aceita, mas onde suas orientações revestidas da cultura local podem fazer muitos adeptos. 

Um exemplo clássico é do abnegado Mohandas Gandhi que, sem ser cristão segundo a acepção que a palavra tomou, agiu como um seguidor do Cristo, como um seguidor de Jesus. Sua vida foi marcada por diversas ações dignas de um verdadeiro homem de bem. 

Isto quer dizer que não há ninguém, nenhum Espírito, (nem mesmo Jesus), preocupado em disseminar o nome de Jesus por toda a Terra, mas disseminar sua mensagem, que vence as fronteiras do tempo, do espaço, do preconceito e da ignorância. Isto faz inferir que nenhum ser ficará ou algum dia ficou desprovido de orientações para se guiar no mundo, mesmo que por meio de outras personalidades enviadas pelo nobre Espírito a que chamam Jesus.

Não se pode conceber um Jesus pregando uma caridade impraticável, para não dizer indigesta. Jesus sabia disso muito bem, tanto que com a Doutrina Espírita, diz: amai-vos e instruí-vos. Conhece a ignorância de cada Entidade reencarnada na Terra. Sabe que é através da instrução em todos os campos que se conseguirá conhecer e acima de tudo compreender o Amor que ele propõe. E não em divagações floreadas, tão comuns hoje em dia.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Preto Velho, Pomba Gira, Exu, face as Reuniões Mediúnicas Espíritas



Por Maria das Graças Cabral

Andam muito em voga as obras literárias da autoria de cientistas de formação humanista, como antropólogos, sociólogos, pedagogos e historiadores, que se propõem a estudar o Espiritismo, fazendo suas pesquisas sob a ótica própria da sua área de conhecimento. As conclusões obedecem às limitações impostas pelos objetivos pré-determinados pela pesquisa, apresentando algumas incongruências com o pensamento espírita, posto que, seu entendimento é oriundo de um “outro olhar”.

 E foi lendo uma dessas obras intitulada “Espiritismos – Limiares entre a vida e a morte”, que me deparei com a seguinte assertiva feita pela autora Maria Ângela Vilhena, quando trata de “Dinâmicas da Auto Compreensão Espírita no Brasil”, senão vejamos:

(...) “A valorização do conhecimento letrado, da erudição, do refinamento intelectual atua no sentido de no momento presente excluir dos centros kardecistas os que no passado, quando encarnados, não tiveram acesso a esses bens culturais porque foram pobres, negros, índios. Ergue-se assim uma barreira simbólica, um fosso invisível a afastar do kardecismo os brasileiros menos favorecidos economicamente, discriminados pelo sangue e pele, contaminados por tradições religiosas de procedência não europeia. Eis porque, para muitos analistas do movimento espírita kardecista, aqui estariam, ainda que de maneira velada, traços provenientes de preconceitos de classe, cor, religião e cultura que grassam na sociedade brasileira”. (2008: p. 130) (grifo nosso)

Adiante acrescenta em um tópico intitulado TENDÊNCIA INCLUSIVISTA o seguinte:

(...) “Neles não faltam questionamentos à FEB e a certos centros a ela filiados, que não recebem espíritos de pretos velhos, índios, caboclos, mas apenas literatos, pintores, padres, freiras de cútis branca, olhos azuis”. (2008: p. 141) (grifo nosso)

Diante do exposto, farei resumidamente algumas considerações, de acordo com o que está positivado em O Livro dos Espíritos. Asseveram os Mestres espirituais da Codificação, que somos todos Espíritos em evolução e fomos criados simples e ignorantes; que temos o livre-arbítrio para escolher nossos caminhos, daí, alguns avançarem mais rapidamente rumo à perfeição, e outros mais lentamente; que mais cedo ou mais tarde, todos alcançarão a condição de Espírito Perfeito; e que segundo o grau de perfeição se tem Espíritos de diferentes ordens, que vai da Imperfeição à condição de Espírito Puro.

A Doutrina Espírita estabelece que com a morte do corpo material, o Espírito leva para o plano espiritual todas as aquisições intelectuais e morais. Não vira santo, nem gênio, nem demônio. Continua sendo o que é, com seus vícios, virtudes, crenças, dores morais, desequilíbrios, amores e ódios. Que passará um tempo na condição de Espírito errante, estudando o seu passado e procurando o meio de se elevar.

Também nos é dito que o Espírito desencarnado não perde sua individualidade e utiliza-se de um envoltório semimaterial (períspirito) que toma uma forma visível e palpável, e apresenta a aparência da sua última encarnação.

Fica claro que toma esta aparência, pois é assim que se percebe, se identifica, e se faz reconhecer. Portanto, se desencarnou como negro (a) ou oriental, assim se apresentará e se perceberá. Entretanto, se numa próxima encarnação, reencarnar como um (a) mulato (a), ou branco (a), assim se apresentará e se perceberá. Até porque o Espírito não tem cor nem sexo. Apenas utiliza-se do corpo material para o seu desenvolvimento espiritual, e por consequência, seu períspirito, no papel de elo entre a matéria e espírito, e de envoltório do espírito quando desencarnado, mantém a forma do corpo físico que habitou.

Vale ressaltar, que a aparência o identifica e individualiza. Então se questiona: - Será que alguém que encarnou como escravo, índio, mulato, branco, passará a se apresentar “sempre” com essas características mesmo depois de várias outras encarnações? E se insistir em se fazer conhecer e se identificar com essa forma, qual seria seu propósito?

Asseveram os Mestres Espirituais, que pode o Espírito se apresentar e se identificar sob a forma de uma encarnação transata, desde que haja necessidade de se fazer reconhecer por alguém (uns) que o conheceu sob aquela forma e identidade.

No que concerne à identidade dos Espíritos, outro aspecto relevante a ser proposto, diz respeito aos vários Espíritos da Codificação que se apresentam com nomes de grandes personalidades terrenas como Sócrates, Platão, Santo Agostinho, Erasto, etc. Não obstante, tais pessoas foram individualidades que passaram pela Terra traçando uma rica experiência encarnatória, deixando seus nomes eternizados pela grandeza dos feitos realizados.

Dizem os Mestres espirituais, que muito comumente Espíritos de alta elevação se apropriam de nomes conhecidos e respeitados na Terra, para trazerem mensagens esclarecedoras ou revelações, objetivando serem estas mais facilmente acatadas pela humanidade.

Como também muitos outros Espíritos se apresentam com os nomes de suas últimas encarnações, como pessoas comuns que fizeram parte da humanidade terrestre. São os inúmeros “Joãos”, “Marias”, “Alices”, “Elizabetes”, “Fredericos”, etc., que também viveram na Terra, e narram suas histórias eivadas de vitórias, e/ou insucessos, independente de raça, credo ou condição social. E esses relatos estão fartamente presentes nas Obras Fundamentais incluindo as Revistas Espíritas, a título de ensinamento.

Não obstante, no que concerne ao Preto Velho, a Pomba Gira, ao Exu, ao Satanás, a Iemanjá, ao Anjo Gabriel, ao Anjo Ismael, ao Saci Pererê, a Mula sem Cabeça, etc., não passam de figuras mitológicas ou folclóricas. Ou seja, essas individualidades nunca existiram.

Pode-se entender que alguns Espíritos se façam identificar com tais denominações, ou assumindo tais formas (em face da plasticidade do períspirito) tendo como objetivo, despertar respeito, reverência, credibilidade, assustar ou aterrorizar os crédulos.

Afinal, ninguém é “Preto Velho” nem “Pomba Gira”, nem “Satã”, muito menos os Espíritos de alta evolução andam tomando forma de “Anjos” cacheados e com asas, para serem acatados e respeitados pelos encarnados. Tais recursos apenas denotam o nível de ignorância de tais Espíritos, que ainda procuram recorrer a essas formas e identidades para chamar a atenção daqueles que acreditam, e assim alcançarem objetivos frequentemente não muito nobres.

Oportuno pontuar, que as reuniões mediúnicas espíritas, devem ter caráter educativo e esclarecedor tanto para encarnados, como para desencarnados. Observa-se que Kardec exaustivamente apresenta nas obras fundamentais, as reuniões mediúnicas como a parte prática e educativa da Doutrina dos Espíritos, já que esta tem dentre seus fundamentos, a comunicabilidade e interação entre os dois planos da vida.

Vale ressaltar, que todos os diálogos travados numa mediúnica se desenvolvem num clima de respeito e recolhimento, numa busca incessante de aprendizado e esclarecimento por parte dos interlocutores encarnados e desencarnados.

Daí, por exemplo, se um Espírito se apresenta na reunião mediúnica espírita identificando-se como: - “Sou o Saci Pererê”, ou, “sou o Preto Velho”, ou ainda, “sou a Pomba Gira”, obviamente, que se buscará saber quem ele é realmente, para que se possa analisar a sua problemática. Não se deve jamais fomentar a “fantasia” de individualidades que se apresentam como figuras folclóricas e/ou mitológicas.

Portanto, o Espiritismo não exclui o atendimento a Espíritos de negros, índios ou pobres. Muito pelo contrário, acolhe e respeita a todos. Não obstante, sendo uma Doutrina filosófica e moral, não acolhe superstições e crendices. Na realidade, a Doutrina Espírita busca esclarecer e educar o Espírito humano, conduzindo-o para sua emancipação espiritual.

O Espiritismo assevera que ninguém é anjo ou demônio. Somos todos Espíritos, criados simples e ignorantes, em processo evolutivo, e que temporariamente utilizamo-nos de corpos, e vivenciamos a maldade e a dor, por pura ignorância, no sentido de ignorar, de desconhecer, de faltar habilidade para vivenciar a Lei de Amor.

Entretanto, mais cedo ou mais tarde alcançaremos a condição de Espíritos Puros. Seremos Seres Cósmicos livres do processo reencarnatório, expandindo todo o potencial de bondade, de beleza e paz, em favor de todos os seres. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

VILHENA, Maria Ângela. Espiritismos – Limiares entre a vida e a morte. Ed. Paulinas. 1ª edição. São Paulo/SP. 2008.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Ed. LAKE, 62ª edição. São Paulo/SP. 2001.

Fonte: Blog Um Olhar Espírita - http://umolharespirita1.blogspot.com.br/2012/11/preto-velho-pomba-gira-exu-face-as.html

Allan Kardec racista?


Por Eugenio Lara

A questão do racismo no pensamento de Allan Kardec é bastante controversa. Há quem o considere racista por suas declarações acerca da raça negra. Outros preferem ignorar, dão de ombros e fingem que nada foi dito: tergiversam. “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, diz o dito popular. A consideração do contexto histórico em que Kardec fez tais declarações é fundamental para entendermos seu pensamento, sem cairmos em posições extremadas.

No século 19, a rigor, toda a Europa era “racista”, por se autoconsiderar como modelo, como padrão estético e cultural. Este fato, somado ao quase completo desconhecimento da realidade cultural e social do continente africano, fazia de qualquer europeu de classe média um sujeito preconceituoso em relação a outras culturas e etnias, especialmente a africana. Ainda mais os franceses, que são xenófobos históricos e bastante chauvinistas. Kardec não seria exceção, tanto quanto os médiuns que colaboraram com ele na estruturação do Espiritismo.

Um dos primeiros fatos a serem considerados é a filiação de Allan Kardec à Frenologia (ou Craniologia), que na época obteve certa proeminência. Considerada hoje como pseudociência, foi fundada pelo médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828). Segundo essa pretensa teoria científica, as formas do crânio, sua morfologia, teriam relação com o caráter, com a moralidade e até com a espiritualidade. O grande criminalista e espírita italiano César Lombroso também era partidário dessa teoria. Kardec foi membro e secretário por vários anos da Sociedade Frenológica de Paris.

A adesão a essa pseudociência levou Kardec a pensar sobre o aspecto físico do negro, na suposta expressão de sua inferioridade intelecto-moral pela morfologia, o seu biótipo, em comparação com a raça caucasiana, como vemos nessa afirmação categórica: “O negro pode ser belo para o negro, como um gato é belo para um gato; mas, não é belo em sentido absoluto, porque seus traços grosseiros, seus lábios espessos acusam a materialidade dos instintos; podem exprimir as paixões violentas, mas não podem prestar-se a evidenciar os delicados matizes do sentimento, nem as modulações de um espírito fino.”

Hoje polêmica, esta afirmação de Kardec em Obras Póstumas (Teoria da Beleza) reforça sua ideia de que a raça branca seria a mais bela e evoluída: “podemos, sem fatuidade, creio, dizer-nos mais belos do que os negros e os hotentotes. Mas, também pode ser que, para as gerações futuras, melhoradas, sejamos o que são os hotentotes com relação a nós. E quem sabe se, quando encontrarem os nossos fósseis, elas não os tomarão pelos de alguma espécie de animais”.

É fundamental considerar também o fato de que o século 19 foi marcado por uma visão desenvolvimentista, “evolucionista”, de que haveria um padrão de progresso civilizatório a ser alcançado pelos seres humanos, pelas sociedades. De tal modo que, sob essa visão eurocentrista, marcada pelo positivismo, muitos povos e grupos sociais eram vistos como “primitivos”, “atrasados”, por não possuírem o mesmo progresso tecnológico e cultural das sociedades ditas “civilizadas”. É essa a concepção de mundo que possuía Allan Kardec, presente tanto em seu modo de pensar como no corpo doutrinário do Espiritismo.

No entanto, há um diferencial que precisa ser considerado. O critério de Kardec não é somente o tecnológico, cultural. O critério dele é profundamente ético. Segundo o Espiritismo, uma nação somente poderá se considerar civilizada se praticar a lei de amor e caridade, se houver alteridade, o respeito ao próximo, liberdade, fraternidade e igualdade entre todos os seus membros.

A libertação feminina é a “pedra de toque” dessa questão. Uma sociedade que trata as mulheres com violência, prepotência, desprezo e discriminação não tem o direito de se considerar civilizada. O Espiritismo sempre foi contra qualquer tipo de escravidão. Foi pioneiro em relação à defesa dos direitos das mulheres, num século em que a mulher ainda era muito mais discriminada e desrespeitada do que hoje. Denizard Rivail/Amélie Boudet foram exemplo de casal fora das regras de sua época. Gabi era quase dez anos mais velha do que Rivail, um fato insólito e pouco desejável. Os dois não tiveram filhos, outra estranheza. Mesmo oriunda de família rica, Gabi sempre trabalhou e, ao invés de se dedicar às futilidades próprias das senhoritas e matronas da elite francesa, preferiu manter-se ao lado do marido, como parceira, colaboradora, dando-lhe apoio logístico, afetivo e doutrinário em sua empreitada. E prosseguiu, após a desencarnação de Rivail, o trabalho por ele iniciado.

Além da questão da mulher, acrescentaríamos ainda o tratamento dado aos idosos, às crianças, aos animais, à natureza, como fatores fundamentais para a identificação do provável progresso civilizatório de uma nação.

Isto posto, a afirmação de que Allan Kardec teria sido racista é equivocada. Sem saber, ele era preconceituoso em relação ao negro, aos índios, aborígenes etc. assim como todo e qualquer europeu de seu tempo também o era. Expressou a visão de sua época, marcada pelo preconceito em relação à diversidade cultural, étnica. Isto não significa que ele discriminasse o negro, que o visse como um objeto, um animal de carga. A escravidão, seja ela qual for, é condenada pelo Espiritismo. Já o era pelos iluministas. Essa herança, Kardec também assimilou. Segundo o Espiritismo, nenhum ser humano deve ser tratado como objeto.

Além disso, a ideia de que Kardec seria racista é, também, incompatível com a proposta espírita em relação ao progresso da civilização:

799. De que maneira o Espiritismo pode contribuir para o progresso?

– Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz os homens compreenderem onde está o seu verdadeiro interesse. A vida futura, não estando mais velada pela dúvida, o homem compreenderá melhor que pode assegurar o seu futuro através do presente. Destruindo os preconceitos de seita, de casta e de cor ele ensina aos homens a grande solidariedade que os deve unir como irmãos. (O Livro dos Espíritos - trad. Herculano Pires, grifo meu).

As afirmações de Allan Kardec sobre o negro, a correlação da teoria espírita da evolução com a Frenologia, demonstram o seu evidente preconceito, mas não o guindam à condição de racista, tipo um Hitler, um neonazista ou algum membro radical da Ku Klux Klan. Preconceituoso sim, racista não!

Fonte: www.viasantos.com/pense

[BIOGRAFIA] - Gustave Geley – O mais "Espírita" dos Pesquisadores Metapsíquicos


Por Marcelo Coimbra Régis

Um dos principais filósofos e cientistas de tendência claramente espírita do século 20 foi, sem dúvida, Gustave Geley. Pouco conhecido no Brasil, onde temos apenas duas de suas obras traduzidas (O Ser Subconsciente, ed. FEB e Resumo da Doutrina Espírita, Lake), Gustave Geley, francês nascido em 1868, em Monceau-Les-Mines, doutor em medicina por Lyon, desde jovem se viu atraído pelo inquietante problema da sobrevivência e da evolução humana. Homem de ação e cientista por natureza decidiu dedicar sua vida e prestígio ao crescimento da Metapsíquica.

Em 1919, convidado por J. Myers, abandonou a prática médica e passou a dedicar-se integralmente as pesquisas metapsíquicas, tornando-se o primeiro presidente do Instituto de Metapsíquica Internacional – I.M.I.

Geley foi um dos mais notáveis pesquisadores no campo das materializações, tornando-se referência obrigatória no estudo do ectoplasma e seus fenômenos. Estão entre suas contribuições os estudos e pesquisas extensivas com os médiuns de efeitos físicos Franek Kluski, Jean Guzik e Eva Carriére.

Com Franek Kluski conseguiu obter moldes em parafina de mão e braços de espíritos materializados, ainda hoje em exposição no IMI em Paris. Seu trabalho com Eva Carriére, a quem submeteu aos mais rigorosos testes e provas afim de evitar qualquer possibilidade de fraude, foram assistidos por mais de 150 homens de ciência comprovando a veracidade das materializações ali obtidas. Em 1920 fundou o Bulletin de IMI (mais tarde Revue Metapsychiquee) onde publicou grande parte de suas pesquisas e experimentos acerca da ideoplastia, clarividência, telepatia, correspondência cruzada entre outros.

Dentre suas obras destacamos: O Ser Subconsciente (1899); Essai de revue generale et l’interpretation syntehetique du Spiritisme (1898); L’ectoplasmie et la Clairvoyance (1924) e Del Inconsciente al Consciente (1918).

Del Inconsciente al Consciente, sua obra magistral demonstra toda a grandeza de Geley como pensador e como pesquisador metapsíquico. Nela expõe uma teoria evolutiva baseada tanto nos princípios de Darwin como na reencarnação (por ele chamada de palingenesia), na sobrevivência da alma (por ele chamada de dinamopsiquismo) culminando, num processo de ascensão do inconsciente para o consciente, com a realização da soberana justiça, do bem e do belo. Esta é uma obra que necessita de um amplo e profundo estudo, visto que tem inúmeras contribuições ao pensamento espírita. Trata-se da mais importante obra filosófica da Metapsíquica.

Podemos considerar Geley espírita (apesar de o mesmo não ter-se declarado formalmente como tal), pois aceitava a sobrevivência da alma, a reencarnação e a comunicação com os mortos. Sobre o Espiritismo ele assim se expressa em seu Essay de revue generale d’interpretation syntehetique du Spiritisme (lançado no Brasil com o título Resumo da Doutrina Espírita):

“A Doutrina espírita é muito grandiosa para não impor aos pensadores uma discussão profunda. Bom número deles concluíram, seguramente, considerando que uma doutrina baseada sobre fatos experimentais tão numerosos e tão precisos, e acordes com todos os conhecimentos científicos nos diversos ramos de atividade humana, dando solução muito clara e muito satisfatória aos grandes problemas psicológicos e metafísicos, é verossímil; muito mais verdadeira; é muito provavelmente verdadeira”. (Del Incosnciente al Consciente, G. Geley, pag. 9 , Casa Editorial Maucci- Barcelona).

Em resposta a uma pesquisa feita pela revista Filosofia della Scienza em 1913 expressou assim sua posição quanto à reencarnação:
“Eu sou um reencarnacionista por três razões: (1) porque a doutrina me parece totalmente satisfatória do ponto de vista moral, (2) absolutamente racional do ponto de vista filosófico e (3) do ponto de vista científico aceitável, ou melhor ainda, provavelmente verdadeira.
Sua contribuição ao avanço da Metapsíquica é tão relevante que mesmo o evento se sua morte é significativo e contribuiu para a comprovação dos fenômenos metapsíquicos. Dois casos de premonição vaticinaram as circunstâncias da morte de Geley. O primeiro ocorreu nas experiência levadas a cabo pelo Dr. Eugênio Osty. Iniciando-se 31 meses antes do fato e durante 14 sessões, o sensitivo insistiu na morte acidental, por queda, de um médico francês, homem de ciência, durante uma viagem a um país distante. Além disso relatou que tal morte afetaria em muito na vida do Dr. Osty (após a morte de Geley, Osty se tornaria presidente do IMI).

O segundo caso é mais impressionante ainda. Em abril de 1924 o sensitivo-clarividente francês Pascal Forthuny obteve um “aviso” auditivo que o ordenava a procurar o Dr. Geley no IMI sem demora. Pascal devia comunicar que fora prevenido da morte próxima de um médico francês na Polônia, vítima de um desastre de aviação. Pascal procurou Geley imediatamente e lhe contou a premonição. Geley perguntou então quem seria tal médico, pergunta que Pascal não soube responder. Geley como homem de ciência anotou detalhadamente esse fato para posterior pesquisa e comprovação. Porém a comprovação veio, tragicamente, apenas alguns meses depois. Em 14 de julho de 1924, após encerrar uma série de sessões na Polônia com o médium Franek Kluski, o médico e pesquisador Gustave Geley, tentou retornar à França. A principio teve dificuldades em encontrar piloto que o acompanhasse, devido aos festejos da Revolução Francesa em Varsóvia. Porém, sem recordar da premonição à ele revelada por Pascal Forthuny, Geley tanto insistiu até que encontrou, finalmente, um piloto disposto a empreender a viagem.

Tão logo levantou vôo sobre Varsóvia o avião, por causas desconhecidas, caiu matando Geley e o piloto.

Geley merece de todos nós a admiração e o reconhecimento por sua dedicação, seu espírito cientifico e acima de tudo por suas preocupações éticas e morais, na busca de um mundo mais belo e melhor. Gostaria de terminar esse artigo com um pequeno extrato do pensamento filosófico de Geley, transcrito, em tradução livre, de sua obra: Del Inconsciente al Consciente:
“O mal não é resultado da vontade, da impotência ou imprevidência de um Criador responsável. 
O mal não é tampouco o resultado de uma queda. O mal é companheiro inevitável do despertar da consciência. O esforço necessário para o passo do inconsciente ao consciente não pode deixar de ser doloroso. Caos, tentativas, lutas, sofrimentos; tudo isso é conseqüência da ignorância primitiva e do esforço por sair dela. 
...O mal, em uma palavra, não é mais que a medida da inferioridade dos seres e dos mundos. E nas fases inferiores de sua evolução está a razão suprema deste bem supremo: a aquisição da consciência”. (Geley, G. – Del Inconsciente al Consciente, pág. 375, Casa Editorial Maucci – Barcelona – Espanha)

Fonte: Espiritnet - http://www.espiritnet.com.br/Biografias/biogust.htm

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Espiritismo exige responsabilidade


Antonio Sérgio C. Picollo e Elio Mollo

Dentre as principais finalidades de um Centro Espírita, destacam-se, o amparo, o esclarecimento e o consolo, à luz da Dou­tri­na Espírita, que se fornecem a todos os ir­mãos necessitados que o pro­curam. Em primeiro lugar é óbvio que se algum espírita pretende ajudar alguém, à luz do Espiritismo, é necessário que ele conheça seus fundamentos básicos. É neste ponto que verificamos que surgem muitos problemas, de forma muito comum, em diversos Centros Espíritas de todo o Brasil. Infelizmente, muitos dirigentes e trabalhadores da Seara Espírita não conhecem a fundo (às vezes, nem superficial­mente) as obras básicas do Espiritismo codifica­das por Allan Kardec e por isso mesmo tornam-se inaptos a orientar algum necessitado, ou mesmo a proferir uma palestra sobre Espiritismo. Parece-nos que muitos ainda não conhecem aquelas velhas frases: "Temos de começar pelo começo" ou "Não se inicia a construção de uma casa pelo telhado, e sim pelo alicerce". É comum constatarmos que diversos Centros Espíritas e Federações de alguns Esta­dos, em seus cursos básicos de Espiritismo, ou até mesmo em palestras abertas ao público em geral, releguem as obras de Kardec a um segundo plano, dando franca preferência a outros livros psicografados. E ainda orientam pessoas iniciantes na Doutrina a começarem a ler esse tipo de literatura que, que­remos deixar bem claro, são importantes, louváveis e de inestimável valor, porém, para aqueles que já possuem conhecimento dos elementos básicos da Doutrina Espírita. Não é raro assistirmos palestras públicas, onde muitas pessoas lá se encontram pela primeira vez, e vemos que o expositor espírita, após esclarecer que aquele local é uma “Casa Kardecista”, se põe a falar sobre os bônus-hora, de ministérios existentes nas colônias espirituais, dos veículos de locomoção lá existentes etc.. Ora, se alguém de bom-senso, leigo em conhecimentos espíritas, assistir a esse tipo de palestra, logo duvidará da seriedade do Espiritismo e dos espíritas, pois, com razão, achará que tudo aquilo é ilógico ou se trata de algum conto de ficção. Não devemos nos esquecer de que todos os dias chegam aos Centros Espíritas pessoas oriundas de outras religiões, que nada conhecem sobre Espiritismo e por isso é que tanto em matéria de palestras, como em relação a orientar sobre leituras, é de suma importância que se dê ênfase às obras basilares da Doutrina, a saber: "O que é o Espiritismo", "O Livro dos Espíritos",  e, para que essas pessoas não se confundam e, sim, sejam esclarecidas. Depois desses conhecimentos bem assenta­dos em nossas mentes, é que pode­remos pensar em dar continuidade, em cursos separados do curso básico, ao estudo regular e metódico de "O Livro dos Médiuns" e de­mais obras de Kardec. Somente aí é que estaremos realmente em condições de estudarmos as importantes e verdadeiras obras subsidiárias da Doutrina Espírita. Como dissemos em relação a essas últimas nada te­mos contra, muito pelo contrário, porém, re­afirmamos que somente aqueles que já adquiriram conhecimentos das obras de Kardec serão capazes de absorver essas instruções. Caso contrário, estaremos orientando essas criaturas de forma distorcida e isso é uma ir­responsabilidade.

Como podemos nos considerar espíritas sem o conhecimento das obras de Kardec? Como ingressarmos numa faculdade de medicina, por exemplo, no quarto ano de graduação, sem termos conhecimento dos três primeiros anos básicos? Certamente, não entenderíamos muita coisa do restante do curso, senti­ríamos falta de conhecimentos básicos para compreendermos novas lições, e, se prosseguíssemos, sem dúvida, nos tornaríamos maus profissionais, pondo em risco a saúde dos pacientes, desprestigiando a medicina e os colegas de profissão. Esse simples exemplo serve como termo de comparação com o Centro Espírita. Se alguma pessoa ti­ver acesso a uma Casa Espírita e não lhe for apresentada corretamente a Doutrina Espírita, esta pessoa, caso continue a freqüentar esse local, continuará com falta de conheci­mento e coragem para solucionar esses problemas e, no futuro, será um médium ou trabalhador inseguro, cheio de dúvidas, e ignorante dos conhecimentos que necessita para si e também para poder ajudar aos outros.

Não achamos válida a justificativa que muitos irmãos utilizam de que "Kardec é difícil de entender" ou que "As obras de Kardec são maçantes".  Recordamos textualmente as palavras do codificador na introdução de "O Livro dos Espíritos": "Mas jamais dissemos que esta ciência seja fácil nem que se possa aprendê-la brincando, como também não se dá como qualquer outra ciência. Nunca será demais repetir que ela exige estudo constante e quase sempre prolongado".

Se observarmos com profundidade as obras de Kardec chegaremos a conclusão de que ele sempre usou o bom senso e para não criar dúvidas procurou ser objetivo e simples durante a codificação. Devemos alertar que muitas obras de outros autores que são consideradas "fáceis de entender", além de muitas vezes conterem erros doutrinários, não nos tornam aptos a compreendermos correta e aprofundadamente a Doutrina Espírita, gerando, cedo ou tarde, dúvidas e confusão dentro de nós mesmos que preferimos o caminho "mais fácil". Daí a importância de termos dirigentes espíritas conscientes e responsáveis para essa difícil tarefa de conduzirem a Doutrina Espírita com o máximo de pureza doutrinária, de saberem criar cursos regulares de Espiritismo de maneira adequada e lógica, sempre à luz das obras de Kardec em primeiro lugar. Que nossos dirigentes respeitem o Espiritismo divulgando-o como ele é na realidade e não inserindo opiniões pessoais como sendo verdade. Daí também surge a necessidade gritante de se capacitarem melhor, se aprofundando nas obras de Kardec, de se atualizarem através de trocas de experiências com outros dirigentes de outras Casas Espíritas, da leitura e divulgação dos jornais espíritas, enfim, de estudar Kardec e entender melhor as lições Jesus para praticá-las com mais eficiência a cada dia que passa.

Pensemos nesta responsabilidade.

Artigo publicado originalmente no jornal Correio Fraterno do ABC no 243, abril 1991

Fonte: http://www.ieja.org/portugues/Estudos/Artigos/p_oespiritismoexigeresponsabilidade.htm

domingo, 7 de abril de 2013

A obra de Chico Xavier - Considerações sobre sua biografia autorizada


Por Silvia Oliveira

O livro de Marcel Souto Maior intitulado As Vidas de Chico Xavier (segunda edição – 2002) é uma biografia para a qual, além do médium, Deus teria dado autorização (pag.17). A obra descreve as relações entre Chico e seu mentor Emmanuel. 

De acordo com o autor, em 1931, Chico Xavier teve suas orações interrompidas pela visita de um espírito de figura imponente que lhe perguntou se estava mesmo decidido a trabalhar na mediunidade. Aceitou, e a tutela se estabeleceria mediante o cumprimento de três pontos básicos: “disciplina, disciplina e disciplina” (pag.44). A missão de Chico seria: “divulgar, por meio de livros, a doutrina dos espíritos”. Trinta livros para começar. 

Em 1938, começa a psicografia de Há Dois Mil Anos, episódio assim descrito no livro de Souto Maior (pag.68): “A primeira cena o pegou de surpresa: dois romanos envoltos em suas túnicas trocavam ideias no jardim. ... As imagens e sons eram nítidos demais. ... Parou de escrever e ouviu de Emmanuel, o autor do romance: Você está sob certa hipnose. Você está vendo o que estou pensando.” Segue: “Chico acompanhou a história como um telespectador diante de novelas. Chegou a torcer por certos personagens. Um deles era Emmanuel numa da suas vidas pregressas. Na época de Cristo, ele teria sido, não um apóstolo, mas um senador romano chamado Públio Lentulus.” Nesta história (pag.80), Chico teria sido Flávia, a filha leprosa de Emmanuel curada por Jesus. Apesar da falta de dados históricos que comprovem a existência destes personagens, ele sentia-se endividado perante Jesus pela cura obtida. 

O Livro dos Médiuns nos diz no cap. XXIII, item 239, que a fascinação é uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium, e que paralisa de alguma forma seu julgamento a respeito das comunicações. O médium fascinado NÃO CRÊ SER ENGANADO; o Espírito tem a arte de inspirar uma CONFIANÇA CEGA.

No fim deste mesmo ano, Chico foi convidado por um grupo de cientistas russos para se submeter a testes em Moscou. Emmanuel disse: “Se quiser, pode ir. Eu fico.” Chico não foi.

Em 1943, surge o livro Nosso Lar, assinado pelo espírito André Luis. Diante do inusitado mundo espiritual Chico Xavier se sentiu como “um autor de ficção científica”. Diz Souto Maior (pag.84): “Escutava as frases e titubeava com o lápis na mão, perplexo diante do mundo novo.” 

Embora Emmanuel tenha dito a Chico Xavier que mantivesse fidelidade irrestrita a Jesus e a Kardec (pag.53), o médium acabou escrevendo uma série de romances absolutamente contrários à codificação, devidamente prefaciados pelo mentor. Chico não se considerava o autor dos livros, razão pela qual entregou à FEB os direitos autorais das suas obras. Talvez, por isto, ele tenha se isentado de qualquer responsabilidade sobre o que escrevia. No livro Emmanuel ele diz: “Entrar na apreciação do livro, em si mesmo, é coisa que não está na minha competência”. Adotando tal conduta, permitiu a impressão de tudo sem analisar o conteúdo, sem se preocupar se havia, ou não, concordância com os princípios da Doutrina à qual lhe foi aconselhado manter-se fiel.

Ao terminar Nosso Lar, o décimo nono livro, Chico quis estudar psicografia. Pediu a opinião do seu amigo espiritual e ouviu o seguinte (pag.85): “Se a laranjeira quisesse estudar o que se passa com ela na produção das laranjas, com certeza não produziria fruto algum. Para nós o que interessa é trabalhar.” Chico obedeceu. Não levou Kardec em consideração quanto à necessidade do estudo preceder à prática mediúnica, fator indispensável ao médium para que ele não se depare com consequências desagradáveis e caia nos perigos da obsessão. 

Na sequência, há na biografia um relato da rotina de Chico Xavier, descrita como “um massacre” (pag.87), sob o “chicote” de Emmanuel (palavras do autor). Diz o livro: “Chico fechava os olhos para a diversão, algumas vezes à força. Numa tarde, ele teve sua conversa com amigos interrompida pelo vozeirão irritado de Emmanuel. Já era mais do que hora de ele encerrar aquele bate-papo, que atravessou a tarde inteira, e se trancar no quarto para escrever. Precisava colocar no papel um novo livro. Chico, animado, pediu mais alguns minutos. Emmanuel encerrou o assunto. Tinha de ser naquele momento, senão ele iria embora. Não podia perder tempo com trivialidades.”

Chico se dedicava a muitas tarefas, trabalhava, atendia doentes, visitava pessoas, era perseguido por jornalistas, tinha sua vida criticada, sofria sérios problemas de saúde e psicografava livros sem parar. Emmanuel, de acordo com o biógrafo, “fiscalizava” o que Chico escrevia, e até o que ele dizia. Aparentemente, era mantido por seu mentor no limite das suas forças físicas e psicológicas, sob um controle absoluto. Estava exausto, mas mantinha-se obediente, esquecendo que a Doutrina nos diz que Espíritos superiores não impõem tarefas, não constrangem os médiuns, apenas sugerem e se retiram quando não são atendidos (RE, fevereiro de 1859) . O contrário caracteriza um processo obsessivo.

Em 1947 Chico Xavier terminou o trigésimo livro (pag.103). “Eufórico, viu Emmanuel se aproximar e perguntou se sua tarefa estava encerrada. O guia anunciou: ”Começaremos uma nova série de 30 volumes. Chico respirou fundo e obedeceu desanimado. O médium demonstra claramente ignorar o seguinte ensinamento de Kardec no artigo Obsedados e Subjugados da Revista Espírita de outubro de 1858: “Todo médium deve prevenir-se contra o irresistível empolgamento que o leva a escrever sem cessar e até em momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando o quer.”

Em 1969, o centésimo livro estava pronto. Chico tinha 59 anos e recebeu perplexo, a notícia de que a tarefa ainda não estava terminada. Eis o relato (pag.190): 

- Devo trabalhar na recepção de mensagens e livros até o fim da minha vida atual?

- Sim, não temos outra alternativa.

O autor dos cem livros insistiu.

- E se eu não quiser? A doutrina espírita ensina que somos portadores do livre-arbítrio para decidir sobre nossos próprios caminhos.

Emmanuel sorriu e deu o veredito:

- A instrução a que me refiro é semelhante a um decreto de desapropriação, quando lançado por autoridade na Terra. Se você recusar o serviço a que me reporto, os orientadores dessa obra de nos dedicarmos ao cristianismo redivivo terão autoridade para TIRAR VOCÊ DE SEU ATUAL CORPO FÍSICO.

Chico Xavier argumenta, citando a Doutrina, mas sucumbe diante da ameaça. Continuou psicografando os mais de 300 volumes que ainda tinha pela frente. Aqui vemos outra vez a contradição entre o que Emmanuel dizia (manter-se fiel a Kardec) e a forma como manipulava o médium. “Os Espíritos vão aonde acham simpatia e onde sabem que serão ouvidos”, diz Allan Kardec na Revista Espírita de novembro de 1859. Chico seguiu Emmanuel até o fim de seus dias.

Julgar o médium não nos cabe. Analisar a obra, no entanto, é necessário. As discrepâncias em relação à codificação são tantas que se poderia dizer que Chico Xavier falou de uma outra doutrina. 

Na mesma revista, em fevereiro de 59, Kardec diz que “as boas intenções ou a própria moralidade do médium nem sempre são suficientes para preserva-lo da ingerência dos Espíritos levianos, mentirosos ou pseudo-sábios. A ciência espírita exige uma grande experiência que, como todas as ciências, filosóficas ou não, só é adquirida por um estudo assíduo, longo e perseverante.” Emmanuel impôs ao seu protegido a teoria das laranjas.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Kardec e humildade

Equipe IPEAK

Como antes de tudo buscamos a verdade e não pretendemos ser infalível, quando acontece nos enganarmos não hesitamos em reconhecer. Não conhecemos nada de mais tolo do que aferrar-se a uma opinião errada. Allan Kardec

“A humildade é a virtude que reprime em nós o orgulho; disposição moral que nos lembra nossa fragilidade sem nos envilecer [depreciar, rebaixar]; tendência de nosso coração e de nosso espírito para combater nossos sentimentos de vaidade.”

“A humildade, enquanto virtude, é, por assim dizer, a perfeição da modéstia. Esta última é uma marca de bom gosto e de bom senso, uma das graças da linguagem, da decência e da conduta. A humildade é menos exterior; em nosso coração e em nosso espírito é um ato de alta razão, que nos eleva tanto mais quanto mais nosso sentimento e nosso julgamento sobre nós mesmos forem mais comedidos.”[1]

Allan Kardec foi um homem humilde no verdadeiro sentido do termo.

Nós procuramos em suas obras algumas passagens que retratam bem essa virtude moral, esse “ato de alta razão”. Quem é  humilde tem como princípio: Posso estar errado”. E Kardec sempre se mostrou mais propenso à verdade do que à sua própria opinião.

Em o Livro dos Médiuns, publicado em janeiro de 1861, ao estudar as obsessões, no item 241, ele faz a seguinte consideração:
“Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. Por dois motivos deixamos de adotar esse termo: primeiro, porque implica a crença de seres criados para o mal e perpetuamente votados ao mal, enquanto que não há senão seres mais ou menos imperfeitos, os quais todos podem melhorar-se; segundo, porque implica igualmente a ideia do apoderamento de um corpo por um Espírito estranho, de uma espécie de coabitação, ao passo que o que há é apenas constrangimento. A palavra subjugação exprime perfeitamente a ideia. Assim, para nós, não há possessos, no sentido vulgar do termo, há somente obsidiados, subjugados e fascinados.”
Após novos estudos e observações Kardec muda sua opinião. E, de maneira clara ele a publica na Revista Espírita de dezembro de 1863, no artigo intitulado Um caso de possessão, nos seguintes termos:
“Dissemos que não havia possessos no sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Mudamos de opinião sobre essa afirmativa absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito encarnado por um Espírito errante.”
Na Revista Espírita de outubro de 1864, ao estudar sobre “O sexto sentido e a visão espiritual - Ensaios teóricos sobre os espelhos mágicos”, Kardec diz o seguinte:
“O número de pessoas que espontaneamente gozam dessa faculdade é muito considerável, do que resulta que ela independe de um aparelho qualquer. O copo de que esse homem se serve é um acessório que só lhe é útil por hábito, pois constatamos que em várias circunstâncias ele descrevia as coisas sem o olhar. Pelo que nos concerne, notadamente falando de indivíduos, ele os indicava com o seu giz, por sinais característicos de suas qualidades e de sua posição. Era sobretudo acerca desses sinais que ele falava olhando para a sua mesa, sobre a qual ele parecia ver tão bem quanto no copo, que mal olhava.
No entanto, para ele, o copo é necessário e eis como isto pode ser explicado.
A imagem que ele observa se forma nos raios do fluido perispiritual que lhe transmitem a sensação. Concentrando sua atenção no fundo de seu copo, para aí dirige ele os raios fluídicos, e muito naturalmente a imagem aí se concentra, como se concentraria sobre um objeto qualquer: um copo d’água, uma garrafa, uma folha de papel, um mapa ou um ponto vago no espaço. É um meio de fixar o pensamento e de circunscrevê-lo, e estamos convencidos de que quem quer que exerça tal faculdade com auxílio de um objeto material, com um pouco de exercício e com a firme vontade de prescindir dele, veria igualmente bem.”
Um ano depois Kardec publica um artigo na Revista de outubro de 1865, sob o título: “Novos estudos sobre os espelhos mágicos ou psíquicos - O vidente da floresta de Zimmerwald”, do qual reproduzimos aqui apenas pequenos trechos.
  “Na Revista Espírita de outubro de 1864, fizemos minucioso relato das observações que acabávamos de fazer de um camponês do cantão de Berne, que possui a faculdade de ver num copo as coisas distantes. Novas visitas que lhe fizemos este ano nos permitiram completar as observações e retificar, em certos pontos, a teoria que havíamos dado dos objetos vulgarmente designados sob o nome de espelhos mágicos, mais exatamente chamados espelhos psíquicos. Como antes de tudo buscamos a verdade e não pretendemos ser infalível, quando acontece nos enganarmos, não hesitamos em reconhecer. Não conhecemos nada de mais tolo do que aferrar-se a uma opinião errada.”
(...) Tendo-nos convencido por uma observação atenta que essa faculdade não é senão a dupla vista, isto é, a visão espiritual ou psíquica, independente da visão orgânica, pois a experiência demonstra diariamente que essa faculdade existe sem o concurso de qualquer objeto, tínhamos concluído, de maneira muito absoluta, pela inutilidade desses objetos, pensando que apenas o hábito de empregá-los fazia com que se tornassem necessários, e que todo indivíduo que vê com o seu concurso, poderia ver perfeitamente bem sem eles, se o quisesse. Ora, aqui é que está o erro, como vamos demonstrar.”
Com a humildade que lhe é característica, Kardec recorre aos Espíritos guias da Sociedade de Paris, para instruir-se sobre essa questão:

Pergunta. - Teríeis a bondade de dizer-nos se o copo de que este homem se serve lhe é verdadeiramente útil; se não poderia igualmente ver em qualquer copo, num objeto qualquer, ou mesmo sem objeto, caso o quisesse; se a necessidade e a especialidade do copo não seria um efeito do hábito, que lhe faz crer não poder dispensá-lo; enfim, se a presença do copo é necessária, que ação esse objeto exerce sobre a sua lucidez?

Resposta. - Estando o seu olhar concentrado no fundo do copo, o reflexo brilhante a princípio age sobre os olhos, depois sobre o sistema nervoso, e provoca uma espécie de meio sonambulismo, ou, mais exatamente, sonambulismo desperto, no qual o Espírito, desprendido da matéria, adquire a clarividência, ou visão da alma, que chamais segunda vista.

Existe uma certa relação entre a forma do fundo do copo e a forma exterior ou disposição de seus olhos. Eis por que ele não encontra facilmente um copo que reúna as condições necessárias (vide artigo de outubro de 1864). Mesmo que aparentemente os copos sejam semelhantes, há no poder refletor e no modo de radiação, segundo a forma, a espessura e a qualidade, nuanças que não podeis apreciar, e que são adequadas ao seu organismo individual.

Para ele, pois, o copo é um meio de desenvolver e fixar sua lucidez. É-lhe realmente necessário, porque nele, não sendo permanente o estado lúcido, necessita ser provocado; um outro objeto não poderia substituí-lo, e esse mesmo copo, que sobre ele produz esse efeito, nada produziria sobre outra pessoa, mesmo que fosse vidente. Os meios de provocar essa lucidez variam conforme os indivíduos.

Obediência e resignação

“A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes.” (Lázaro)[2]

A obediência e a resignação pedem humildade. Em seu discurso, na abertura do ano social, a 1º de abril de 1862, Allan Kardec deu mostras dessas duas virtudes cristãs em prol da Ciência Espírita. Após algumas considerações iniciais, ele diz:
“Vós vos lembrais, senhores, que a Sociedade teve as suas vicissitudes. Havia em seu seio elementos de dissolução, vindos da época em que se recrutava gente muito facilmente, e sua existência chegou, em certo momento, a estar comprometida. Naquele momento eu duvidei de sua utilidade real, não como simples reunião, mas como Sociedade constituída. Fatigado por essas perplexidades, eu estava resolvido a retirar-me. Esperava que, uma vez livre dos entraves semeados em meu caminho, trabalharia melhor na grande obra empreendida. Fui dissuadido de fazê-lo por numerosas comunicações espontâneas que me foram dadas de vários pontos. Entre outras há uma, cuja substância me parece útil vos dar a conhecer, porque os acontecimentos justificaram as previsões. Ela está assim concebida:
A Sociedade, formada por nós com o teu concurso, é necessária. Queremos que subsista e subsistirá, malgrado a má vontade de alguns, como tu o reconhecerás mais tarde. Quando existe um mal, não se cura sem crise. Assim é do pequeno ao grande; no indivíduo, como nas sociedades; nas sociedades como nos povos; nos povos como o será na Humanidade.
“Nossa Sociedade, dizemos, é necessária. Quando deixar de ser, sob a forma atual, transformar-se-á como todas as coisas. Quanto a ti, não podes, não deves retirar-te. Contudo, não pretendemos acorrentar o teu livre-arbítrio. Apenas dizemos que a tua retirada seria um erro que lamentarias um dia, porque entravaria os nossos desígnios.
“Desde então, dois anos se passaram e, como vedes, a Sociedade felizmente saiu daquela crise passageira, cujas peripécias todas me foram assinaladas, e das quais um dos resultados foi dar-nos uma lição de experiência que aproveitamos e que provocou medidas pelas quais nos felicitamos.”[3]
Em 1866 um outro evento vem requerer do Mestre mais uma prova de obediência e resignação. Desta vez as instruções lhe são dadas por seu médico espiritual Dr. Demeure, das quais reproduzimos aqui apenas alguns trechos.[4]
Enfraquecendo dia a dia a saúde do Sr. Allan Kardec em consequência dos excessivos trabalhos que ele não pode suportar, vejo-me na necessidade de lhe repetir novamente o que já lhe disse muitas vezes: Necessitais de repouso; as forças humanas têm limites que o vosso desejo de ver progredir o ensino muitas vezes vos leva a infringir; estais errado porque, assim agindo, não apressareis a marcha da doutrina, mas arruinais a vossa saúde e vos pondes na impossibilidade material de acabar a tarefa que viestes desempenhar aqui em baixo. Vossa doença atual não é senão o resultado de um gasto incessante de forças vitais que não deixa ao organismo o tempo de se refazer e de um aquecimento do sangue produzido pela absoluta falta de repouso. Nós vos sustentamos, sem dúvida, mas com a condição de não desfazerdes o que fazemos. De que serve correr? Não vos disseram muitas vezes que cada coisa viria a seu tempo e que os Espíritos prepostos ao movimento das ideias saberiam fazer surgir circunstâncias favoráveis quando chegasse o momento de agir?
......
Sei que vossa posição particular vos suscita uma porção de trabalhos secundários que absorvem a melhor parte do vosso tempo. As perguntas de toda sorte vos cansam, e considerais um dever respondê-las tanto quanto possível. Farei aqui o que sem dúvida não ousaríeis fazer vós mesmo. Dirigindo-me à generalidade dos espíritas, eu lhes pedirei, no interesse do próprio Espiritismo, que vos poupem toda sobrecarga de trabalho de natureza a absorver instantes que deveis consagrar quase que exclusivamente à conclusão da obra. Se vossa correspondência com isto sofre um pouco, o ensinamento lucrará. Às vezes é necessário sacrificar satisfações particulares ao interesse geral. É uma medida urgente que todos os adeptos sinceros saberão compreender e aprovar.
A imensa correspondência que recebeis é para vós uma fonte preciosa de documentos e de informações; ela vos esclarece quanto à marcha verdadeira e os progressos reais da doutrina; é um termômetro imparcial; vós aí colheis, por outro lado, satisfações morais que mais de uma vez sustentavam a vossa coragem, vendo a adesão que vossas ideias encontram em todos os pontos do globo. Sob esse ponto de vista, a superabundância é um bem e não um inconveniente, mas com a condição de secundar os vossos trabalhos, e não de entravá-los, criando-vos um excesso de ocupações.
Dr. DEMEURE

“Bom senhor Demeure, eu vos agradeço os sábios conselhos. Graças à resolução que tomei de obter ajuda, salvo nos casos excepcionais, a correspondência ordinária pouco sofre agora e não sofrerá mais no futuro. Mas o que fazer com esse atraso de mais de quinhentas cartas que, a despeito de minha boa vontade, não consigo pôr em dia?”

Resposta. - É preciso, como se diz em linguagem comercial, passá-las em bloco à conta de lucros e perdas. Anunciando esta medida na Revista, vossos correspondentes saberão o que fazer; compreenderão a necessidade e a encontrarão sobretudo justificada pelos conselhos que precedem. Repito que seria impossível que as coisas continuassem assim por mais tempo. Tudo sofreria com isso, inclusive a vossa saúde e a doutrina. Caso necessário, é preciso saber fazer sacrifícios. Tranquilo, de agora em diante, sobre esse ponto, podereis entregar-vos mais livremente aos vossos trabalhos obrigatórios. Eis o que vos aconselha aquele que será sempre vosso amigo devotado.

 DEMEURE

Obediente e resignado, na sequência dessas recomendações Kardec insere a seguinte nota:

“Atendendo a este sábio conselho, rogamos aos nossos correspondentes com os quais há muito estamos em atraso, recebam as nossas desculpas e o nosso pesar por não ter podido responder em detalhe, e como teríamos desejado, às suas bondosas cartas. Receberão aqui, coletivamente, a expressão de nossos sentimentos fraternos.”

“Nós nos limitaremos a dizer que a humildade é a modéstia da alma.” Voltaire

[1] Extraído do termo humilité, do Nouveau Dictionnaire Universel, tome troisième. Paris, 1867.

[2] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IX - Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos - Instruções dos Espíritos - Obediência e resignação.

[3] Revista Espírita, junho de 1862 - Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas - Discurso do Sr. Allan Kardec na abertura do ano social, a 1º de abril de 1862.

[4] Revista Espírita, maio de 1866 – Dissertações espíritas – Instruções aos Sr. Allan Kardec.