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domingo, 7 de abril de 2013

A obra de Chico Xavier - Considerações sobre sua biografia autorizada


Por Silvia Oliveira

O livro de Marcel Souto Maior intitulado As Vidas de Chico Xavier (segunda edição – 2002) é uma biografia para a qual, além do médium, Deus teria dado autorização (pag.17). A obra descreve as relações entre Chico e seu mentor Emmanuel. 

De acordo com o autor, em 1931, Chico Xavier teve suas orações interrompidas pela visita de um espírito de figura imponente que lhe perguntou se estava mesmo decidido a trabalhar na mediunidade. Aceitou, e a tutela se estabeleceria mediante o cumprimento de três pontos básicos: “disciplina, disciplina e disciplina” (pag.44). A missão de Chico seria: “divulgar, por meio de livros, a doutrina dos espíritos”. Trinta livros para começar. 

Em 1938, começa a psicografia de Há Dois Mil Anos, episódio assim descrito no livro de Souto Maior (pag.68): “A primeira cena o pegou de surpresa: dois romanos envoltos em suas túnicas trocavam ideias no jardim. ... As imagens e sons eram nítidos demais. ... Parou de escrever e ouviu de Emmanuel, o autor do romance: Você está sob certa hipnose. Você está vendo o que estou pensando.” Segue: “Chico acompanhou a história como um telespectador diante de novelas. Chegou a torcer por certos personagens. Um deles era Emmanuel numa da suas vidas pregressas. Na época de Cristo, ele teria sido, não um apóstolo, mas um senador romano chamado Públio Lentulus.” Nesta história (pag.80), Chico teria sido Flávia, a filha leprosa de Emmanuel curada por Jesus. Apesar da falta de dados históricos que comprovem a existência destes personagens, ele sentia-se endividado perante Jesus pela cura obtida. 

O Livro dos Médiuns nos diz no cap. XXIII, item 239, que a fascinação é uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium, e que paralisa de alguma forma seu julgamento a respeito das comunicações. O médium fascinado NÃO CRÊ SER ENGANADO; o Espírito tem a arte de inspirar uma CONFIANÇA CEGA.

No fim deste mesmo ano, Chico foi convidado por um grupo de cientistas russos para se submeter a testes em Moscou. Emmanuel disse: “Se quiser, pode ir. Eu fico.” Chico não foi.

Em 1943, surge o livro Nosso Lar, assinado pelo espírito André Luis. Diante do inusitado mundo espiritual Chico Xavier se sentiu como “um autor de ficção científica”. Diz Souto Maior (pag.84): “Escutava as frases e titubeava com o lápis na mão, perplexo diante do mundo novo.” 

Embora Emmanuel tenha dito a Chico Xavier que mantivesse fidelidade irrestrita a Jesus e a Kardec (pag.53), o médium acabou escrevendo uma série de romances absolutamente contrários à codificação, devidamente prefaciados pelo mentor. Chico não se considerava o autor dos livros, razão pela qual entregou à FEB os direitos autorais das suas obras. Talvez, por isto, ele tenha se isentado de qualquer responsabilidade sobre o que escrevia. No livro Emmanuel ele diz: “Entrar na apreciação do livro, em si mesmo, é coisa que não está na minha competência”. Adotando tal conduta, permitiu a impressão de tudo sem analisar o conteúdo, sem se preocupar se havia, ou não, concordância com os princípios da Doutrina à qual lhe foi aconselhado manter-se fiel.

Ao terminar Nosso Lar, o décimo nono livro, Chico quis estudar psicografia. Pediu a opinião do seu amigo espiritual e ouviu o seguinte (pag.85): “Se a laranjeira quisesse estudar o que se passa com ela na produção das laranjas, com certeza não produziria fruto algum. Para nós o que interessa é trabalhar.” Chico obedeceu. Não levou Kardec em consideração quanto à necessidade do estudo preceder à prática mediúnica, fator indispensável ao médium para que ele não se depare com consequências desagradáveis e caia nos perigos da obsessão. 

Na sequência, há na biografia um relato da rotina de Chico Xavier, descrita como “um massacre” (pag.87), sob o “chicote” de Emmanuel (palavras do autor). Diz o livro: “Chico fechava os olhos para a diversão, algumas vezes à força. Numa tarde, ele teve sua conversa com amigos interrompida pelo vozeirão irritado de Emmanuel. Já era mais do que hora de ele encerrar aquele bate-papo, que atravessou a tarde inteira, e se trancar no quarto para escrever. Precisava colocar no papel um novo livro. Chico, animado, pediu mais alguns minutos. Emmanuel encerrou o assunto. Tinha de ser naquele momento, senão ele iria embora. Não podia perder tempo com trivialidades.”

Chico se dedicava a muitas tarefas, trabalhava, atendia doentes, visitava pessoas, era perseguido por jornalistas, tinha sua vida criticada, sofria sérios problemas de saúde e psicografava livros sem parar. Emmanuel, de acordo com o biógrafo, “fiscalizava” o que Chico escrevia, e até o que ele dizia. Aparentemente, era mantido por seu mentor no limite das suas forças físicas e psicológicas, sob um controle absoluto. Estava exausto, mas mantinha-se obediente, esquecendo que a Doutrina nos diz que Espíritos superiores não impõem tarefas, não constrangem os médiuns, apenas sugerem e se retiram quando não são atendidos (RE, fevereiro de 1859) . O contrário caracteriza um processo obsessivo.

Em 1947 Chico Xavier terminou o trigésimo livro (pag.103). “Eufórico, viu Emmanuel se aproximar e perguntou se sua tarefa estava encerrada. O guia anunciou: ”Começaremos uma nova série de 30 volumes. Chico respirou fundo e obedeceu desanimado. O médium demonstra claramente ignorar o seguinte ensinamento de Kardec no artigo Obsedados e Subjugados da Revista Espírita de outubro de 1858: “Todo médium deve prevenir-se contra o irresistível empolgamento que o leva a escrever sem cessar e até em momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando o quer.”

Em 1969, o centésimo livro estava pronto. Chico tinha 59 anos e recebeu perplexo, a notícia de que a tarefa ainda não estava terminada. Eis o relato (pag.190): 

- Devo trabalhar na recepção de mensagens e livros até o fim da minha vida atual?

- Sim, não temos outra alternativa.

O autor dos cem livros insistiu.

- E se eu não quiser? A doutrina espírita ensina que somos portadores do livre-arbítrio para decidir sobre nossos próprios caminhos.

Emmanuel sorriu e deu o veredito:

- A instrução a que me refiro é semelhante a um decreto de desapropriação, quando lançado por autoridade na Terra. Se você recusar o serviço a que me reporto, os orientadores dessa obra de nos dedicarmos ao cristianismo redivivo terão autoridade para TIRAR VOCÊ DE SEU ATUAL CORPO FÍSICO.

Chico Xavier argumenta, citando a Doutrina, mas sucumbe diante da ameaça. Continuou psicografando os mais de 300 volumes que ainda tinha pela frente. Aqui vemos outra vez a contradição entre o que Emmanuel dizia (manter-se fiel a Kardec) e a forma como manipulava o médium. “Os Espíritos vão aonde acham simpatia e onde sabem que serão ouvidos”, diz Allan Kardec na Revista Espírita de novembro de 1859. Chico seguiu Emmanuel até o fim de seus dias.

Julgar o médium não nos cabe. Analisar a obra, no entanto, é necessário. As discrepâncias em relação à codificação são tantas que se poderia dizer que Chico Xavier falou de uma outra doutrina. 

Na mesma revista, em fevereiro de 59, Kardec diz que “as boas intenções ou a própria moralidade do médium nem sempre são suficientes para preserva-lo da ingerência dos Espíritos levianos, mentirosos ou pseudo-sábios. A ciência espírita exige uma grande experiência que, como todas as ciências, filosóficas ou não, só é adquirida por um estudo assíduo, longo e perseverante.” Emmanuel impôs ao seu protegido a teoria das laranjas.

terça-feira, 22 de março de 2011

Questão de vida ou morte para o Espiritismo

Por Manuel S. Porteiro

O que somos? Seres incapazes de autodeterminação, arrastados pela fatalidade ou totalmente comandados por fatores externos? Seres completamente livres, donos absolutos do nosso destino? Ou criaturas humanas dotadas de livre-arbítrio e responsabilidade, segundo nosso grau de evolução espiritual, e subordinadas às leis naturais e ao meio social em que vivemos?

Ao abordar o tema que me proponho desenvolver, não abrigo a pretensão de responder satisfatoriamente às exigências filosóficas às quais, sem dúvida, tem direito o culto leitor. Não pretendo, tampouco, em um simples trabalho, abarcar em todos os seus aspectos um ponto de doutrina tão vasto e complexo, tão difícil e, sobretudo, tão superior às minhas forças intelectuais como é o livre-arbítrio e sua antítese, o determinismo, quando ilustres psicólogos, esclarecidos espiritistas têm escrito muito a respeito sem haver esgotado o tema. E creio que a solução satisfatória de problema tão escabroso corresponde à psicologia do porvir, refletida nas luzes do Espiritismo.

Esta afirmação parecerá estranha, evidentemente, aos partidários do espiritualismo clássico, que crêem que o livre-arbítrio é um ponto de doutrina perfeitamente esclarecido, que não pode nem deve ser posto em dúvida, porque tem sido considerado por filósofos e teólogos como um dogma indiscutível, fundado na consciência universal. Também parecerá estranho aos deterministas, que crêem haver resolvido o problema da liberdade humana, negando-a e afirmando o determinismo com as elaborações da fisiopsicologia, com o materialismo histórico ou com a lei de causalidade universal.

O Espiritismo, ainda que sustente como fundamento de sua moral o livre-arbítrio, não faz dele um dogma infalível nem põe travas à inteligência de seus adeptos, impedindo-os de refletirem, analisarem e esclarecerem esta questão, do mesmo modo que não exclui da análise os seus fenômenos, embora aceitos em grande parte como produzidos por entidades espirituais que viveram na Terra. Pelo contrário, a experiência, o livre exame, o raciocínio são, para o Espiritismo, a base de sua filosofia, e para o espiritista o fundamento de suas convicções, ainda que, como em toda doutrina racionalista, se diferencie em detalhes na apreciação dos fatos e dos postulados que deles se depreendem.

Nós, espiritistas, não queremos vencer sustentando um “preconceito”, como mais de um sábio mal-intencionado já disse. Buscamos a verdade e, crendo estar na posse de uma partícula desta, desejamos ilustrar com ela, na medida de nossos conhecimentos. Sabemos muito bem que não há verdades absolutas, que todas são relativas ao grau de capacidade e instrução de cada indivíduo, ao desenvolvimento científico de cada época e ao limite traçado à inteligência humana.

Deste ponto de vista abordaremos o tema, não sem antes entrarmos em algumas considerações preliminares sobre a relativa importância que, a nosso ver, tem para o Espiritismo a solução de tão árduo problema.

O materialismo tem pretendido tornar o livre-arbítrio uma questão de vida ou de morte para o Espiritismo, e é por isso que sobre ele foram dirigidos seus melhores ataques, opondo-se-lhes o determinismo em suas diversas formas, inclusive o fanatismo. E não poucos espiritistas, fazendo desta uma questão fundamental, têm respondido às impugnações, acreditando sem dúvida que, se não somos livres nem responsáveis por nossos atos, a causa do Espiritismo está perdida e seu conceito moral aniquilado.

Longe de nós pretender debilitar a tese da liberdade, tal como se a depreende da filosofia espírita. Cremos que, com o livre-arbítrio ou sem ele, com a responsabilidade ou sem ela, o Espiritismo não sofre nenhum enfraquecimento e que o ser humano, tanto hoje como ontem e amanhã, seguirá igualmente o curso de sua evolução ascendente até seu destino superior, acredite ou não em sua liberdade moral e no mérito ou demérito de suas ações. Isso porque o que ele não fizer por sua livre vontade o fará apesar dela e, sem dúvida, com mais acerto, já que o Ser onisciente, que rege os destinos do Universo e de suas criaturas, sabe melhor do que estas o que convém a seus fins. E, ainda que o homem filosoficamente não o queira, lhe dará eternamente a satisfação pelas boas ações e o remorso pelas más; e onde e quando queira que este faça bem, tal bem será, tarde ou cedo, meritório à sua consciência e à de seus semelhantes, recebendo a justa e natural sanção por todas as suas ações, seja libertista, determinista ou fatalista.

É curioso observar a divergência e o ilogismo que existem no campo da filosofia e das religiões. Sócrates e Platão, as maiores figuras do espiritualismo clássico, cuja sublime moral se identifica com a moral espírita, sequer mencionam a vontade e o livre-arbítrio. Epicuro, filósofo sensualista e de certo modo materialista, posto que nega a imortalidade da alma, é partidário do livre-arbítrio: “Ainda que o acaso o persiga com as coisas mais molestas, as enfermidades e os padecimentos – disse –, o homem reto e bom permanece livre, independente, feliz, pois pode evitar tudo isso com um movimento para diante ou para trás, escapando assim à dor e à perturbação, como o átomo ao seu destino.”

Trecho de Conferência proferida na Sociedade Constância, no dia 5 de junho de 1929, e publicada pela revista “La Idea”, em 1936. Tradução de Ciro Pirondi.

Edição Digital
PENSE – Pensamento Social Espírita
www.viasantos.com/pense

Fonte:
Caderno Cultural Espírita - nº 1
Santos - Licespe – 1987

Saiba mais sobre Manuel S. Porteiro clicando aqui.

sábado, 10 de outubro de 2009

Diálogo com o demônio

Por Licinio Castro

- Eu sou o Demônio!

- Não és. Isso eu te digo com a mais absoluta certeza.

- Mas como ousas dizê-lo? Queres asseverar que eu não sou o que sou?

- Não és o que julgas ser.

- Que audácia! Como me explicarias esse absurdo? Porventura ignoras que eu sou protagonista na Bíblia e nas religiões?

- Insisto em assegurar-te que não és esse personagem fictício, ainda hoje capaz de apavorar tanta gente.

- Fictício? Enlouqueceste, por acaso? Não estás me vendo e me ouvindo, e ousas afirmar que não existo?

- Não só não existes, como também jamais poderias existir. Não és O, mas apenas UM demônio. Compreendes, agora?

- Não. Eu fui criado para fazer sempre o mal e tramar a queda de todas as almas. Eu consegui tentar até o Crucificado

- Enganas-te. Deus só cria para o bem: tu é que te imaginas predestinado à maldade. Lembra-te que também és criatura de Deus. Quanto às tentações sofridas pelo Mestre, trata-se de provável equívoco do texto bíblico. Admitirias a possibilidade de provação pecaminosa em alguém já aureolado pelas mais nobres conquistas da angelitude? Os anjos são inacessíveis a quaisquer influenciações da animalidade.

- Mas eu consegui induzir o Sinédrio a crucificar Jesus. Eu ainda o vejo vencido, humilhado e morto no Calvário.

- Não conseguiste coisa alguma. O Mestre desencarnou daquela forma porque quis. Na verdade, não foi vencido, venceu; não morreu como ser aniquilado, pois prossegue, triunfante, na realização de sua obra redentora da Terra e de sua humanidade.

(O Demônio senta-se na relva, em postura meditativa, enquanto o sol delineia, no horizonte, os primeiros acordes da sinfonia do poente.)

- Tu me confundes com essa dialética estranha. Então, não há um só mas vários demônios?

- Sim. São os próprios homens, quando empenhados na transgressão da Lei.

- E qual seria, na tua cosmovisão, o destino deles?

- Todos se tornarão anjos, depois de burilados pela dor e iluminados pelo Amor. Os santos de hoje são os pecadores de ontem, como os pecadores de hoje são os santos de amanhã. Mas escuta bem: isso não é "milagre" ou "graça", mas conquista individual, pela Lei do Mérito.

- Em que te baseias para ensinar isso?

- Na afirmação categórica do nosso Divino Mestre: "Nenhuma das ovelhas que o Pai me confiou se perderá".

- Oh, tiraram meus chifres, meu rabo e meu tridente! Sou também uma criatura humana, e com esperança de salvação?

- E como não? Também és ovelha do imenso rebanho do Galileu.

- Isso me confunde mais ainda!... quem és tu?

- Um ser humano qualquer, um irmão teu, que já foi muito demônio, porém agora disposto a sair do inferno.

- Do inferno, disseste?

- Claro. Do inferno que cada um cria dentro de si.

(Revista O Espírita – nº 100 – abr/ago-98.)

(Jornal Mundo Espírita de Novembro de 98)

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Livre-Arbítrio e Providência

22:48 Posted by Fabiano Vidal , , ,
Autor: Léon Denis

Um dos problemas que mais preocuparam os filósofos e os teólogos é o do livre arbítrio: conciliar a vontade e a liberdade do homem com o fatalismo das leis naturais e com a vontade divina, parecia tanto mais difícil quanto um cego acaso parecia pesar, aos olhos de muitos, sobre o destino humano. O ensinamento dos espíritos esclareceu o problema: a fatalidade aparente que semeia de males o caminho da vida, não é mais que a conseqüência lógica do nosso passado, um efeito que se refere a uma causa, é o cumprimento do destino por nós mesmos aceito antes de renascer, e que nossos guias espirituais nos sugerem para nosso bem e nossa elevação.

Nas camadas inferiores da criação, o ser não tem ainda consciência; apenas a fatalidade do instinto o impele, e não é senão nos tipos superiores da animalidade que surgem, timidamente, os primeiros sintomas das faculdades humanas. A alma, jungida ao ciclo humano, desperta para a liberdade moral, o juízo e a consciência desenvolvem-se cada vez mais no curso de sua imensa parábola: colocada entre o bem e o mal, ela faz o confronto e escolhe livremente, tornada sábia pelas quedas e pela dor; e na prova, sua experiência forma-se e sua força mental se afirma.

A alma humana, livre e consciente, não pode mais recair na vida inferior: suas encarnações sucedem-se na dos mundos, até que, ao fim de seu longo trabalho, tenha conquistado a sabedoria, a ciência e o amor, cuja posse a emancipará para sempre das encarnações e da morte, abrindo-lhe a porta da vida celeste.

A alma alcança seus destinos, prepara suas alegrias ou dores, exercendo sua liberdade, porém, no curso de sua jornada, na prova amarga e na ardente luta das paixões, a ajuda superior não lhe será negada e, se ela mesma não a afasta, por parecer indigna dela, quando a vontade se afirma para retomar o caminho do bem, o bom caminho, a providência intervém e propicia-lhe ajuda e apoio, Providência é o espírito superior, o anjo que vigia na desventura, o Consolador invisível cujas inspirações aquecem o coração enregelado pelo desespero, cujos fluidos vivificadores fortalecem o peregrino cansado; providência é o farol aceso na noite para salvação daqueles que erram no oceano proceloso da existência; providência é, ainda e sobretudo, o amor divino que se derrama sobre suas criaturas. E quanta solicitude, quanta previdência neste amor. Não suspendeu os mundos no espaço, acendeu os sois, formou os continentes, os mares, para servir de teatro à alma, de campo aos seus progressos? Esta grande obra de criação cumpre-se somente para a alma, para ela combinam-se as forças naturais, os mundos deixam as nebulosas.

A alma é nascida para o bem, mas para que ela possa apreciá-lo na justa medida, para que possa conhecer-lhe todo o valor, deve conquistá-lo desenvolvendo livremente as próprias potencialidades: a liberdade de ação e a responsabilidade aumentam com sua elevação, pois quanto mais ela se ilumina mais pode e deve conformar a sua obra pessoal às leis que regem o universo.

A liberdade do ser é exercida, pois, em um círculo limitado, parte pelas exigências da lei natural que não sobre violações ou desordens neste mundo, parte pelo passado do próprio ser, cujas conseqüências se refletem sobre ele através dos tempos, até a completa reparação.

Assim o exercício da liberdade humana não pode obstar, em caso algum, a execução do plano divino, sem o que a ordem das coisas seria continuamente perturbada: acima de nossas vistas limitadas e variáveis, permanece e continua a ordem imutável do universo. Somos quase sempre maus juizes daquilo que é nosso verdadeiro bem; se a ordem natural das coisas devesse dobrar-se aos nossos desejos, que espantosas perturbações não resultariam disto?

A primeira coisa que o homem faria, se possuísse liberdade absoluta, seria afastar de si todas as causas de sofrimento, e assegurar para si uma vida plena de felicidade: ora, se existem males que a inteligência humana tem o dever e os meios de conjurar e destruir, como os que provêm do ambiente terrestre, outros existem que são inerentes à nossa natureza, como os vícios, que somente a dor e a repressão podem domar.

Neste caso a dor torna-se uma escola, ou antes, um remédio indispensável, pelo qual as provas são apenas uma repartição equânime da infalível justiça: é por ignorar os fins desejados por Deus, que nos tornamos rebeldes à ordem do mundo e às suas leis, e se elas são suscetíveis de nossas críticas, é apenas porque ignoramos o seu oculto poder.

O destino é conseqüência de nossos atos e de nossas livres resoluções: no suceder-se das existências, na vida espiritual, mais esclarecidos sobre nossas imperfeições e preocupações com os meios de eliminá-las, aceitamos a vida material sob a forma e nas condições que nos parecem adequadas a atingir esta finalidade. Os fenômenos do hipnotismo e da sugestão mental explicam-nos o que acontece em tais casos, sob a influência de nossos protetores espirituais; no estado de sonambulismo, a alma empenha-se a realizar uma certa ação em certo momento, por sugestão do magnetizador, e, despertada, sem recordar aparentemente a promessa, executa com exatidão o ato imposto. Assim o homem não conserva lembrança das resoluções que tomou antes de renascer, mas, chegada a hora, afronta os acontecimentos previstos, e participa deles na medida necessária ao seu progresso, ou ao cumprimento da lei inexorável.

Fonte: DENIS, Léon. Depois da Morte. 3 ed.Rio de Janeiro:CELD, 2008.