quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Esquecimento das injúrias

Da Revista Espírita 

Minha filha, o esquecimento das injúrias é a perfeição da alma, como o perdão das feridas feitas à vaidade é a perfeição do Espírito. A Jesus foi mais fácil perdoar os ultrajes de sua Paixão do que ao último de vós perdoar uma leve zombaria. A grande alma do Salvador, habituada à doçura, nem concebia amargura nem vingança; as nossas, atingidas por ninharias, esquecem o que é grande.

Diariamente os homens imploram a Deus o perdão, que desce sobre eles como benéfico orvalho, mas seus corações esquecem essa palavra sem cessar repetida na prece. Em verdade vos digo: o fel interno corrompe a alma. É a pedra enorme que a fixa ao solo e retarda a sua elevação. Quando fordes censurados, entrai em vós mesmos; examinai vosso pecado interior, aquele que o mundo ignora; medi a sua profundidade e curai a vossa vaidade, pelo conhecimento de vossa miséria. Se, mais grave, a ofensa atingir o coração, lamentai o infeliz que a cometeu, como lamentaríeis o ferido cuja chaga aberta verte sangue. A compaixão é devida àquele que aniquila seu ser futuro.

No Jardim das Oliveiras, Jesus conheceu a dor humana, mas ignorou sempre a aspereza do orgulho e a pequenez da vaidade. Ele encarnou-se para mostrar aos homens o tipo da beleza moral que lhes devia servir de modelo. Não vos afasteis dela jamais. Modelai as vossas almas como a cera mole e fazei que a vossa argila transformada se transforme num mármore imperecível que Deus, o grande escultor, possa assinar.

LÁZARO

Fonte: 

Revista Espírita, fevereiro de 1862
Sociedade Espírita de Paris - Médium: Sra. Costel

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

domingo, 5 de janeiro de 2014

Questionando o discipulado de Léon Denis

Por Maria Ribeiro

Léon Denis foi um escritor francês que publicou obras nas quais desejou difundir as ideias espíritas, recebendo inclusive o título de discípulo de Allan Kardec.

No entanto, ao se realizar uma releitura de seus trabalhos, percebe-se sem grande dificuldade o quanto Denis testemunhou mal a Doutrina Espírita, pois em suas assertivas, sempre carregadas de um tom poético, às vezes excessivamente viril, observam-se réplicas um tanto quanto escandalosas de orientações doutrinárias; características, aliás, que lhe emprestam as falsas aparências de um grande preceptor sobre o assunto. E mais: Denis imbutiu junto às suas cópias doutrinárias teorias que perecem ao crivo espírita. Pode ele ser considerado o primeiro adepto espírita que saiu a difundir teorias falsas, fazendo escola, pois grande parte destas teorias são também repetidas por alguns Espíritos que vieram se aportar no Brasil. Copia a Codificação desavergonhadamente; criou bordões; é repetitivo e contraditor das próprias obras; quando não é completamente equivocado, deixa margem a dúvidas terríveis; semeou teorias que deram crias, comprometendo o entendimento de várias gerações.

Inicialmente, entretanto, recorra-se à definição de alguns termos para melhorar o entendimento.

Discípulo - origem latina e quer dizer aluno, seguidor. É o que recebe uma instrução, que segue as ideias ou imita exemplos de outra pessoa.

Apóstolo - origem grega de  APOSTOLOS, significa mensageiro, pessoa enviada à frente. É a pessoa dedicada a propagar e defender uma ideia ou uma doutrina.

Muitas vezes os sentidos destes vocábulos são tomados um pelo outro, visto que, aquele que imita o exemplo de alguém está, de certa forma, a propagá-lo.

Pois Denis recebeu o título de propagador e imitador de Allan Kardec, seja pela Federação Espírita Brasileira, que o chama discípulo, seja por um dos seus biógrafos Gaston Luce que o identifica por apóstolo*; e, para que não permaneçam dúvidas e se saiba se o oferecimento do título fora justo, atentem-se para alguns dos terríveis erros que ele difundiu e que geraram raízes profundas no movimento espírita brasileiro:

Em O problema do ser, do destino e da dor, Denis inicia com os termos em latim - crescit eundo, que significa - aumenta e não se pôde entender o propósito deste emblema.

Abaixo dela as incrições: 

"OS TESTEMUNHOS - OS FATOS - AS LEIS

Estudos experimentais sobre os aspectos ignorados do ser humano - As personalidades duplas - A consciência profunda - A renovação da memória - As vidas anteriores e sucessivas, etc."

Chama a atenção os termos usados por ele, como personalidades duplas, mas porque aspectos ignorados do ser humano?  Já cinquenta anos antes surgira O Livro dos Espíritos como base insubstituível para os interessados nas problemáticas questões humanas. 

A obra de Denis pretende não só confirmar a Codificação, mas acrescentar-lhe elementos extravagantes e até mesmo ultrapassados, visto que muitos, questionados por Kardec, não obtiveram a chancela dos Espíritos.

A introdução é digna de um tratado de um assunto grave e, em meio a repetições conforme já citado, ele deixa escapar uma ideia nova, testada apenas por ele mesmo em sua excentricidade. De suposto complementador do Espiritismo, Denis se torna um destruidor em potencial dos fundamentos espíritas.

No primeiro capítulo ele faz uma breve reflexão sobre a evolução do pensamento e mais adiante, creu necessário realizar refutações às objeções levantadas pelos contraditores da Doutrina, esquecido de toda a primeira parte de O Livro dos Médiuns, da Introdução e das Conclusões em O Livro dos Espíritos, além do opúsculo O que é o Espiritismo.

 *
Veja-se o que ele afirma acerca do trabalho de Kardec à frente do Espiritismo:

"...Este livro (O Livro dos Espíritos) é o resultado de um trabalho imenso de classificação, coordenação e eliminação, que teve por base milhões de comunicações, de mensagens, provenientes de origens diversas, desconhecidas umas das outras, mensagens obtidas em todos os pontos do mundo e que o eminente compilador reuniu depois de se ter certificado da sua autenticidade. Tendo o cuidado de por de parte as opiniões isoladas, os testemunhos suspeitos, conservou somente os pontos em que as afirmações eram concordes.

Falta muito para que fique terminado esse trabalho, que, desde a morte do grande iniciador, não sofreu interrupção. Já possuímos uma síntese poderosa, cujas linhas principais Kardec traçou e que os herdeiros do seu pensamento se esforçam por desenvolver com o concurso do invisível. cada um traz  o seu grão de areia para o edifício comum, para esse edifício cujos fundamentos a experimentação científica torna de dia para dia mais sólidos, mas cujo remate elevar-se-á cada vez mais alto.

Há trinta anos que, sem interrupção, eu mesmo, posso dizê-lo, tenho recebido ensinamentos de guias espirituais, que não tem cessado de me dispensar sua assistência e conselhos. As suas revelações tomaram caráter particularmente didático no decurso de sessões, que se sucederam no espaço de oito anos e das quais muitas vezes falei numa obra precedente.

No livro de Allan Kardec, o ensino dos Espíritos é acompanhado, para cada pergunta, de considerações, comentários, esclarecimentos, que fazem sobressair com mais nitidez a beleza dos princípios e a harmonia do conjunto. Aí é que se mostram as qualidades do autor.

Esmerou-se ele, primeiro que tudo, em dar sentido claro e preciso às expressões que habitualmente emprega no seu raciocínio filosófico; depois, em definir bem os termos que podiam ser interpretados em sentidos diferentes. Ele sabia que a confusão que reina na maioria dos sistemas provém da falta de clareza das expressões usadas pelos seus autores.

Outra regra, não menos essencial em toda a exposição metódica, e que Allan Kardec escrupulosamente observou, é a que consiste em circunscrever as idéias e apresentá-las em condições que as tornem bem compreensíveis para qualquer leitor. Enfim, depois de ter desenvolvido essas idéias numa ordem e concatenamento que as ligavam entre si, soube deduzir conclusões, que constituem já, na ordem racional e na medida das concepções humanas, uma realidade, uma certeza. Por isso nos propomos a adotar aqui os termos, as vistas, os métodos de que se serviu Allan Kardec, como sendo os mais seguros, reservando-nos o acrescentar ao nosso trabalho todos os desenvolvimentos que resultaram das investigações e experiências feitas nos cinqüenta anos decorridos desde o aparecimento das suas obras".

Nesta transcrição percebem-se 3 pontos básicos: primeiro, o seu reconhecimento ao grande papel de Allan Kardec para o Espiritismo; segundo, demonstração de admiração pela pessoa do Codificador; terceiro, a comparação que deixa nas entrelinhas sobre os resultados das próprias investigações; esta, culminando na sua queda é confirmada pelas suas falas que demonstrar-se-ão a seguir.

Mais à frente ele afirma:  

"Allan Kardec pôs-nos sempre de sobreaviso contra o dogmatismo e o espírito de seita; recomenda-nos sem cessar, nas suas obras, que não deixemos cristalizar o Espiritismo e evitemos os métodos nefastos que arruinaram o espírito religioso do nosso país."  

Estas palavras poderão fazer que o leitor atribua credibilidade antecipada ao conteúdo da obra. O objetivo aqui não é desmoralizá-lo, nem como homem nem como escritor, mas fazer que se percebam que não há homem que tenha interpretado melhor os ensinos dos Espíritos e ainda reproduzi-los tal como feito pelo professor Rivail. Isto é sinal de que aquele que pretenda fazê-lo deva estudar e examinar pormenorizadamente sem preconceitos cada coisa, cada detalhe.

Mas isto não impede que se cometam erros, uma vez que somente os Espíritos superiores deles estão livres. Para os imperfeitos restam as tentativas mais ou menos acertadas; daí sempre a necessidade de esforços no exercício do auto conhecimento, pois assim tomar-se-á contato com as próprias limitações. O mesmo compreendendo nos outros: sem julgá-los totalmente sábios, aprende-se a observar-lhes os equívocos.

A certeza de que havia compreendido o Espiritismo em toda a sua abrangência fez que Denis caminhasse sozinho, apenas com uma confiança cega nos que lhe se apresentaram como seus guias. 

"Durante oito anos recebemos, em Tours, comunicações dessa ordem, comunicações que tocavam todos os grandes problemas, todas as questões importantes de filosofia e moral. Formavam muitos volumes manunscritos. O resumo deste trabalho, demasiadamente extenso, de texto copiosos demais para se publicado na íntegra, quisera-o eu apresentar aqui. Jerônimo de Praga, o meu amigo, o meu guia do presente e do passado, o Espírito magnânimo que dirigiu os primeiros voos da minha inteligência infantil em idades remotas, é seu autor... Foi-me dado soerguer alguns dos véus que encobriam a sua verdadeira personalidade. Devo, porém, guardar segredo, porque a fina flor dos Espíritos se distingue precisamente pela particularidade de se esconder sob designações emprestadas e querer ficar ignorada... Quis com estes pormenores demonstrar uma coisa: que esta obra não é exatamente minha, que é, antes, o reflexo de um pensamento mais elevado que procuro interpretar. Está de acordo em todos os pontos essenciais com as vistas expressas pelos instrutores de Allan Kardec; todavia, pontos que eles deixaram obscuros, nela começam a ser discutidos... Em certos casos, acrescentei-lhes as minhas impressões pessoais e os meus comentários, porque, no Espiritismo nunca é demais dizê-lo, não há dogmas e cada um dos seus princípios pode e deve ser discutido... Considerei como um dever conseguir que destes ensinamentos tirassem proveito os meus irmãos da Terra..." 
  
De forma evidente Denis admite a ideia de reformular ou atualizar Kardec: 

"Está de acordo em todos os pontos essenciais com as vistas expressas pelos instrutores de Allan Kardec; todavia, pontos que eles deixaram obscuros, nela começam a ser discutidos."

Também em O porque da vida o que chama-se síndrome do missionário está presente: 

"É a vós, irmãos e irmãs na Humanidade, a vós todos a quem o fardo da vida curvou, a quem as lutas árduas, as angústias, as provações tem acabrunhado, que dedico estas páginas. É em vossa intenção, aflitos, deserdados deste mundo, que as escrevi. Humilde campeão da verdade e do progresso, pus nelas o fruto de minhas vigílias, reflexões e esperanças, tudo o que me consola e sustém nesta jornada. Oxalá acheis nelas alguns ensinos úteis, um pouco de luz para esclarecer o vosso caminho. Possa esta modesta obra ser para o vosso espírito contristado o que é a sombra para o trabalhador queimado do sol, o que é, no deserto árido, a fonte límpida e fresca oferecendo-se ao viajor sequioso!" 

Não se observa o menor sinal de modéstia, ao contrário: é fácil imaginar o que representa no deserto, uma fonte límpida e fresca. É a imagem que ele passa da obra - uma super heroína capaz de aliviar a sede de saber de quem o queira...

Mas a qual verdade ele se remete? À verdade espírita ou à verdade dos seus guias?

Estas falas empoladas, até mesmo soberbas, se encontram em suas outras obras. Ainda em O porque da vida, por exemplo, ele assim se expressa: 

"...o homem tem necessidade de saber; precisa do esclareciemnto, da esperança que consola, da certeza que guia e sustém. Também tem os meios de conhecer, a possibilidade de ver a verdade desprender-se das trevas e inundá-lo com sua luz benéfica. Para isso, deve afastar-se dos sistemas preconcebidos, perscrutar-se a si próprio, escutar essa voz interior que fala a todos e qeu os sofismas não podem deturpar: a voz da razão, a voz da consciência. Assim fiz eu. Muito tempo refleti; meditei sobre os problemas da vida e da morte; com perseverança sondei esses abismos profundos. Dirigi à Eterna Sabedoria uma ardente invocação e Ela me atendeu, como atende a todo espírito animado do amor do bem. Provas evidentes, fatos de observação direta vieram confirmar as deduções do meu pensamento, oferecer às minhas convicções base sólida, inabalável." 
 *
No capítulo X da obra O problema do ser, do destino e da dor, ele diz: 

"As existências interrompidas prematuramente por causas de acidentes chegaram ao seu termo previsto. São, em geral, complementares de existências anteriores, truncadas por causa de abusos e excessos."
  
Ele determina o gênero de morte - por acidente - deixando transparecer que mortes por outra causa, doença por exemplo, não se aplicariam à questão. A colocação seguinte, mal definida, sugere a interpretação de que de outra forma as existências não seriam complementares. 

"A alma, dissemos, vem de Deus; é, em nós, o princípio da inteligênica e da vida. Essência misteriosa, escapa à análise, como tudo quanto dimana do Absoluto. Criada por amor, criada para amar, tão mesquinha que pode ser encerrada numa forma acanhada e frágil, tão grande que, com um impulso do seu pensamento, abrange o Infinito, a alma é uma partícula da essência divina projetada no mundo material..."

No parecer acima Léon Denis demonstra sua crença panteísta sem nenhum constrangimento, que não representaria nenhum agravo, desde que não falasse em nome do Espiritismo.

No capítulo XI encontra-se esta passagem onde ele pretende situar a sede da vida, da inteligência:

"... O ser humano, dissemos, pertence desde esta vida a dois mundos. Pelo corpo físico está ligado ao mundo visível; pelo corpo fluídico ao invisível. O sono é a separação temporária dos dois invólucros; a morte é a separação definitiva. A alma, nos dois casos, separa-se do corpo físico e, com ela, a vida concentra-se no corpo fluídico..."   

Desta forma, é no perispírito que se encontram os atributos da alma, ou do Espírito, e não mais nele mesmo, em sua Mente. Denis não considerou os ensinos dos instrutores de Kardec, conforme garante, que atribuem ao perispírito as propriedades que garantam todas as manifestações do Ser inteligente, mas daí a ser ele o concentrador da vida ainda mais após a morte...

É, entretanto, no capítulo XIII que Denis comete erros capitais ao discorrer sobre sexo e almas gêmeas:

"Quanto á escolha do sexo, é também a alma que, de antemão, resolve. Pode até variá-lo de uma encarnação para outra por um ato da sua vontade criadora, modificando as condições orgânicas do perispírito. Certos pensadores admitem que a alternação dos sexos seja necessária para adquirir virtudes mais especiais, dizem eles, a cada uma das metades do gênero humano; por exemplo, no homem, à vontade, a firmeza, a coragem; na mulher, a ternura, a paciência, a pureza. Cremos, de acordo com os nossos Guias, que a mudança de sexo, sempre possível para o Espírito, é, em princípio, inútil e perigosa. Os Espíritos elevados reprovam-na. É fácil reconhecer, à primeira vista, em volta de nós, as pessoas que numa existência precedente adotaram sexo diferente; são sempre, sob algum ponto de vista, anormais. As viragos, de caráter e gostos varonis, algumas das quais apresentam ainda vestígio dos atributos do outro sexo, por exemplo, barba no mento, são, evidentemente, homens reencarnados. Elas nada têm de estético e sedutor; sucede o mesmo com os homens efeminados, que têm todos os característicos das filhas de Eva e acham-se como que transviados na vida. Quando um Espírito se afez a um sexo, é mau para ele sair do que se tornou a sua natureza...A mudança de sexo poderia ser considerada como um ato imposto pela lei de justiça e reparação num único caso, o qual se dá quando maus-tratos ou graves danos, infligidos a pessoas de um sexo, atraem para este mesmo sexo os Espíritos responsáveis, para assim sofrerem, por sua vez, os efeitos das causas a que deram origem; mas, a pena de talião não rege, como mais adiante veremos, de maneira absoluta, o mundo das almas; existem mil formas de se fazer a reparação e de se eliminarem as causas do mal. A cadeia onipotente das causas e dos efeitos desenrola-se em mil anéis diversos."

 Mas a justificativa que ele dá é acintosa:

"Objetar-nos-ão talvez que seria iníquo coagir metade dosEspíritos a evoluírem num sexo mais fraco ebastas vezes oprimido, humilhado, sacrificado por uma organização social ainda bárbara. Podemos responder que esse estado de coisas tende a desaparecer, de dia para dia, para dar lugar a maior soma de eqüidade. É pelo aperfeiçoamento moral e social e pela sólida educação da mulher que a humanidade se há de levantar."

A explicação espírita: 

 202. Quando somos Espíritos, preferimos encarnar num corpo de homem ou de mulher?

 — Isso pouco importa ao Espírito; depende das provas que ele tiver de sofrer.

Comentário de Kardec: Os Espíritos encarnam-se homens ou mulheres, porque não têm sexo. Como devem progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, oferece-lhes provas e deveres especiais, e novas ocasiões de adquirir experiências. Aquele que fosse sempre homem, só saberia o que sabem os homens.

Aliás, que será chama ele de sólida educação da mulher? Certamente ele já pressentia algum avanço feminino surgir e resolveu iniciar uma campanha para conter o perigo feminista. Sabe-se que em 1848 as lavadeiras profissionais parisienses instituíram associações e fundaram cooperativas. Isto repercute na Suiça com Margarethe Faas-Hardegger, sindicalista e primeira secretária na Federação Suiça dos Sindicatos no início do século XX. Aliás, as mulheres já vinham escrevendo história, desde os séculos passados, com sua forte atuação nas insurreições parisienses; tinham a fama de agitadoras. Única explicação cabível para justificar a preocupação de Denis com a mulher fora de casa. 

"Muitas almas, criadas aos pares, são destinadas a evoluírem juntas, unidas para sempre na alegria como na dor. Deram-lhes o nome de almas irmãs; o seu número é mais considerável do que geralmente se crê; realizam a forma mais completa, mais perfeita da vida e do sentimento e dão às outras almas o exemplo de um amor fiel, inalterável, profundo; podem ser reconhecidas por esse característico. Que seria de sua afeição, de suas relações, de seu destino, se a mudança de sexo fosse uma necessidade, uma lei? Entendemos antes que, pelo próprio fato da ascensão geral, os caracteres nobres e as altas virtudes multiplicar-se-ão nos dois sexos ao mesmo tempo; finalmente, nenhuma qualidade ficará sendo apanágio de um só dos sexos, mas atributo dos dois."

Encontram-se inúmeros sites espiritualistas que tentam fazer uma distinção entre almas-gêmeas e almas-irmãs. É possível que em algum contexto caiba a diferença, certamente, para nós, em sentido figurado, evidentemente, pois que conhecemos e abraçamos a definição dos Espíritos Superiores que por meio da arte Kardequiana nos faz distinguir os Espíritos afins e ponto. Mas, neste caso não há contexto onde, sejam almas-gêmeas ou almas-irmãs, sua prédica se encaixe. A primeira frase não deixa dúvida e é suficiente para, sozinha, contradizer o esclarecimento anotado por Kardec e divulgado na Obra Magna:

       298. As almas que se devem unir estão predestinadas a essa união desde a sua origem, e cada um de nós tem, em alguma parte do Universo, a sua  metade, à qual algum dia se unirá fatalmente? 
       — Não; não existe união particular e fatal entre duas almas. A união existe entre os Espíritos, mas em graus diferentes, segundo a ordem que ocupam, ou seja, de acordo com a perfeição que adquiriram: quanto mais perfeitos, tanto mais unidos. Da discórdia nascem todos os males humanos; da concórdia resulta felicidade completa.
         299. Em que sentido se deve entender a palavra metade, de que certos Espíritos se servem para designar os Espíritos simpáticos?
      —A expressão é inexata; se um Espírito fosse a metade de outro, quando  separado estaria incompleto.

      300. Dois Espíritos perfeitamente simpáticos quando reunidos ficarão assim pela eternidade ou podem separar-se e unir-se a outros Espíritos?

      — Todos os Espíritos são unidos entre si. Falo dos que já atingiram a perfeição. Nas esferas inferiores, quando um Espírito se eleva, já não tem a  mesma simpatia pêlos que deixou.

      301. Dois Espíritos simpáticos são o complemento um do outro, ou essa  simpatia é o resultado de uma afinidade perfeita?

      — A simpatia que atrai um Espírito para outro é o resultado da perfeita concordância de suas tendências, de seus instintos; se um. devesse completar o outro, perderia a sua individualidade.

Ainda neste mesmo capítulo é possível encontrar a origem da teoria segundo a qual, no momento da encarnação, o perispírito se miniaturiza a fim de se "encaixar" na dupla de células reprodutoras, deduzo:

"...Sutil por sua natureza, vai ele servir de laço entre o Espírito e a matéria. A alma está presa ao gérmen por 'este mediador plástico', que vai retrair-se, condensar-se cada vez mais, através das fases progressivas da gestação, e formar o corpo físico." 

Ele que disse "é indispensável submeter as produções mediúnicas a rigoroso exame e conduzir as investigações com espírito analítico sempre vigilante", quedou na mesma armadilha que tentou prevenir os outros.

No capítulo XIV lê-se esta afirmação: 

"Quanto mais material e grosseiro é o Espírito, tanto mais influência tem sobre ele a lei da gravidade."

Pelo restante do trecho percebe-se que aí o autor faz uma analogia entre os Espíritos grosseiros que necessitam de reencarnar e a gravidade, lei que atrai os corpos para o centro da Terra, pois que põe em situação oposta os Espíritos puros cuja situação dispensa a encarnação. Mas, uma lei que rege a matéria não tem qualquer controle sobre o mundo espiritual, nem sobre nada que lhe diga respeito. 

Aliás, este ensinamento, assim como muitos outros das obras de Denis, está em flagrante oposição aos ministrados pelos Espíritos a Kardec.

No capítulo XV uma fala é obscura, confusa:  

"A lei da hereditariedade vem muitas vezes obstar até certo ponto, a essas manifestações da individualidade, porque é com os elementos que a hereditariedade lhe fornece que o Espírito põe a seu jeito o seu invólucro." 

Por mais que no decorrer desta abordagem ele tenha se contradito, nada explica como é que o perispírito de alguém será formado a partir de elementos da hereditariedade...

O ensino espírita atesta que os elementos constitutivos do invólucro ou perispírito é haurido do fluido cósmico universal, sempre de acordo com as disposições íntimas do Ser inteligente.  

Em No Invisível, Denis faz o seguinte alerta:  

"...Não procureis na mediunidade um objeto de mera curiosidade ou de simples diversão; considerai-a antes de tudo um dom do céu, uma coisa sagrada..."  (cap. V)

Ora, porque dom do céu? E, coisa sagrada? No capítulo 14 de O Livro dos Médiuns, Kardec deixa muito claro o que é mediunidade, e diz que é faculdade inerente ao homem. "Por isso mesmo não constitui privilégio e são raras as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar."

Léon Denis também demonstra ser um dos que não compreenderam a classificação espírita contida em O Livro dos Espíritos, que, nada tendo de absoluta conforme palavras dos próprios Espíritos, oferecem uma ideia nítida da distinção entre eles, ao menos sob os aspectos gerais. Do contrário, não teria afirmado o seguinte:

"A descida ao nosso mundo terrestre é um ato de abnegação e um motivo de sofrimento para um Espírito elevado. Nunca seriam demasiados nossa admiração e reconhecimento à generosidade dessas almas, que não recuam diante do contato dos fluidos grosseiros, à semelhança dessas nobres damas  delicadas, sensitivas que, ao impulso da caridade, penetram em lugares repugnantes para levar socorros e consolações... Tanto que um desses grandes Espíritos baixa em nosso nível e se demora em nossas obscuras regiões, logo o invade uma impressão de tristeza; ele sente como que uma depressão, uma diminuição de seus poderes e percepções. Só por um constante exercício da vontade, com o auxílio das forças magnéticas hauridas do Espaço é que se habitua ao nosso mundo e nele cumpre as missões de que é encarregado." (cap. V)

A compreensão dos Espíritos elevados escapa às inteligências, pois até eles mesmos que descreveram estas sensações no grupo do estudioso, parecem desconhecer que os fluidos grosseiros não exercem nem podem exercer influência perniciosa a outros já mais depurados. Mesmo porque, em se tratando de Espíritos elevados, pressupõe-se uma ascendência moral, o que também sugere um certo domínio das situações, um certo equilíbrio mesmo sobre as circunstâncias adversas. Daí, como conceber que um Espírito nesta condição se deixe influenciar por fluidos grosseiros a ponto de ter diminuídos seus poderes e percepções? 

Numa tentativa de ensinar como realizar uma reunião mediúnica, ele acrescenta uns procedimentos muito curiosos. Por exemplo: 

"A luz geralmente exerce uma ação dissolvente sobre os fluidos." (Cap. IX)
  
Vejamos: a luz é também um fluido. Em Física, luz é uma energia radiante, ou seja, aquela que se propaga em forma de ondas eletromagnéticas. O espectro da luz ou luz visível varia do ultravioleta ao infravermelho, as conhecidas cores do arco-íris. As ondas de menores frequências, como as de rádio e de microondas, por exemplo, e as de grandes frequências, como os raios X e os Gama, constituem o que se chama luz invisível, somente comprovada por seus efeitos, seja na área médica através de exames diagnósticos e terapias, seja nas catástrofes nucleares.

Esta herança atravessou os oceanos e se alojou nos centros espíritas brasileiros, mas não há uma justificativa razoável para se apagarem as luzes nas sessões mediúnicas, nas salas do Passe, etc. Este procedimento carece de observações e estudos.  

Denis aconselha que se coloquem homens e mulheres alternadamente ao redor da mesa mediúnica (cap X). Sem explicar a razão, ele prossegue tecendo seu manual. 
Denis, sendo maçon reforçou sua cultura machista, tanto que, nos útimos parágrafos do capítulo VII, assim ele conclui o seu pretenso enaltecimento ao gênero feminino:

"Pelo Espiritismo se subtrai a mulher ao vértice dos sentidos e ascende à vida superior. Sua alma se ilumina de clarão mais puro; seu coração se torna o foco irradiador de terno sentimentos e nobilíssimas paixões. Ela reassume no lar a encantadora missão que lhe pertence, feita de dedicação e piedade, seu importante e divino papel de mãe, de irmã e educadora, sua nobre e doce missão persuasiva. Sessa desde então, a luta entre os dois sexos. As duas metades da humanidade se aliam e equilibram no amor, para cooperarem juntas no plano providencial, nas obras da Divina Inteligência."

"Cessa desde então, a luta entre os sexos", porque com suas palavras macias ele supôs convencer a mulher a continuar submissa à cultura em voga. Que grande divulgador a Doutrina dos Espíritos encontrou! Apesar  de o trecho da questão 822 de O Livro dos Espíritos "que o homem se ocupe de fora e a mulher do lar", possa aparentemente remeter à ideia de que o trabalho da mulher está restrito ao lar, contrariaria a lei do progresso. 

Aliás, nos parágrafos precedentes, percebe-se a mulher ideal de Denis: tão frágil mas também tão cheia de responsabilidades a ponto dele afirmar: 

"...o moderno espiritualismo... restitui a mulher seu verdadeiro lugar na família e na obra social, indicando-lhe a sublime função que lhe cabe na educação e no adiantamento da humanidade."

Suas aspirações para a mulher feneceram muito antes de suas pretensões de preletor do Espiritismo, pois cuidaram elas mesmas de escolher outra função, outra missão a não ser a da senda doméstica, por acreditar que seria impossível contribuir com o adiantamento da humanidade apenas parindo e cosendo.  

Denis escreveu boas coisas, mas talvez seja exagero tê-lo na conta de grande escritor, pois muito pouco de si mesmo ele produziu, ficando boa parte dos seus escritos apenas reproduções dos ditos da Codificação. Deve ser lido com extrema cautela e sérias restrições.  

Fonte: Crítica Espírita - http://criticaespirita.blogspot.com/2013/12/questionando-o-discipulado-de-leon-denis.html