Mostrando postagens com marcador Marcel Souto Maior. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Marcel Souto Maior. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Kardec, a biografia – um livro bom de se ler

Por Dora Incontri

Não direi que o livro Kardec: a biografia é uma grata surpresa, porque quem escreveu a melhor biografia de Chico Xavier, até hoje, prometia escrever também a melhor do mestre de Chico e de milhões de espíritas brasileiros: Allan Kardec.

Por que considero ambas excelentes biografias? Porque são biografias mesmo e não hagiografias. (Para quem não sabe, hagiografia é história de santo, escrita dentro dos cânones da Igreja Católica). Marcel Souto Maior conta a história de um ser humano. De um grande ser humano, mas um ser humano. Um homem de bem, que é o que O Evangelho segundo o Espiritismo propõe como padrão ético. E conta muito bem contado.

Seu estilo é leve, sem cair na banalidade. É espirituoso e às vezes oportunamente irreverente, justo para não assumir um tom laudatório demais, o que acabaria com a sua credibilidade de biógrafo e jornalista investigativo. É um texto saboroso, ágil e que nos dá vontade de ler sem parar.

Souto Maior soube tratar de um assunto delicado, sem ferir nenhum partido; de um assunto sério, sem cair numa doutrinação massacrante e antipática.

Acima de tudo, porém, é fiel aos fatos. E sendo fiel aos fatos, a grandeza do personagem se destaca naturalmente, sem a mínima necessidade de usar uma batelada de elogios melosos.

Aliás, o que se sobressai na biografia escrita por Souto Maior é o Kardec da Revista Espírita. Quem está familiarizado com os 12 volumes da Revista, conhece melhor a personalidade de Kardec, seus embates, seu contexto, seus diálogos e discussões com adversários e aliados, com admiradores e detratores. O autor soube compor não só a partir da Revista, mas de outros documentos, um mosaico bem montado de Kardec, seu trabalho e sua época, que nos permite nos sentirmos lá, na França do século XIX.

Talvez para alguns, que prefeririam uma hagiografia, o fato de Kardec na biografia se irritar, se cansar, se alegrar e usar de uma fina ironia (e usava mesmo com todo o requinte do esprit francês) pode parecer algo humano demais. Mas grandes homens também se irritam e se cansam. Com essa constatação óbvia, em absolutamente nada sai arranhada a personalidade de Kardec e o que ele propôs como Espiritismo.

É claro que não se trata de uma obra filosófica e por isso não discute a fundo alguns pontos que poderiam ser polêmicos e assim não é um livro que sai dos cânones do Espiritismo brasileiro atual. Mas a postura crítica, racional e vigilante que Kardec tinha em relação à mediunidade é muito bem retratada e, mesmo sem querer, serve de alerta para esse movimento, que perde muitas vezes qualquer critério de análise do que supostamente vem do Além.

Quando me refiro aos cânones do Espiritismo brasileiro atual, estou falando de coisas que já estão assentadas entre nós e não me parecem que sejam tão fiéis a Kardec. Por exemplo, o termo “codificador”, que eu mesma usava, criada que fui nesse movimento, mas que tenho criticado ultimamente, pois ele não aparece em nenhuma obra da Kardec. Aparentemente, trata-se de algo criado aqui no Brasil e que ressalta o caráter do mestre como mero organizador de uma revelação pronta ou mero secretário dos Espíritos. Tenho pontuado que, apesar de sua modéstia, o próprio Kardec reconhecia em si mesmo um papel mais ativo e criativo nessa relação com os Espíritos. Diz ele em Obras Póstumas:

“Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como houvera feito com os homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar e não reveladores predestinados.”

E na Gênese:

“O homem concorre para a revelação com o seu raciocínio e o seu critério; desde que os Espíritos se limitam a pô-lo no caminho das deduções que ele pode tirar da observação dos fatos. Ora, as manifestações (…) são fatos que o homem estuda para lhes deduzir a lei, auxiliado nesse trabalho por Espíritos de todas as categorias, que, de tal modo, são mais colaboradores seus do que reveladores, no sentido usual do termo.”

Ou seja, como estudei em minha tese de doutorado na USP, que virou depois o livro Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes, Kardec criou um novo paradigma para conhecermos o mundo, que inclui uma dimensão espiritual. E esse método de estudar os fenômenos que evidenciam a imortalidade de alma é algo criado por ele e não pelos Espíritos. O livro de Souto Maior não desmente isso, aliás chega perto de demonstrar através de sua narrativa essa proposição que fiz. Mas não é seu objetivo, e nem poderia ser, discutir altas questões epistemológicas.

Um único reparo histórico que tenho a fazer no livro, um descuido talvez: Victor Hugo, quando se interessou pelas mesas girantes e manteve diálogos com os Espíritos, inclusive o de sua filha morta num afogamento, não estava em Paris, como afirma Marcel. O grande escritor francês estava exilado na ilha de Jersey, por conta de sua oposição ao governo de Napoleão III, que ele chamava de Napoléon, le petit (Napoleão, o pequeno).

Gostei particularmente dos dois últimos capítulos do livro, que estão muito bem articulados. O penúltimo trata do processo dos espíritas (aliás, num erro de digitação ou num engano de tradução aparece como “processo dos espíritos”), em que o juiz Millet destrata Amélie, já idosa, e lança de uma ironia agressiva e injusta contra a personalidade de Kardec. E Souto Maior nada responde. Mas insere no último capítulo a resposta final: um texto do mestre, que considero um dos mais bonitos, porque revela algo de sua intimidade e que só apareceu em Obras Póstumas, em que ele descreve a si mesmo, fazendo um balanço de sua vida de homem de bem. Essa é a melhor resposta para o Juiz furioso e para todos aqueles que ainda denigrem Kardec. Um texto em que o mestre se analisa com toda a simplicidade como um pessoa interessada em fazer o bem e promover a felicidade alheia. E foi isso o que fez com o Espiritismo.

Fonte: http://doraincontri.com/2013/11/11/kardec-a-biografia-um-livro-bom-de-se-ler/

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

[Livro] - Biógrafo de Chico Xavier escreve sobre vida de Kardec

O jornalista Marcel Souto Maior, autor de "As Vidas de Chico Xavier", escreve agora sobre a vida de Allan Kardec, francês que codificou o espiritismo no século 19.

Em "Kardec", título com lançamento previsto para 21 de outubro, Souto Maior procura compreender como um cético notório se transformou em uma referência quando se trata de comunicação espiritual e vida após a morte.

Nascido em 1804, Hippolite-Leon Denizard Rivail, nome de batismo de Kardec, buscava uma explicação racional para uma série de fenômenos ocorridos em uma pequena propriedade no Estado de Nova York, nos EUA, em 1848.

As manifestações --sons cadenciados ouvidos pela família Fox, donos da propriedade-- foram testemunhados por outras pessoas. A investigação resultou na criação da doutrina espírita e rendeu os cinco livros fundamentais para o espiritismo.

Além de "As Vidas de Chico Xavier", livro adaptado para o cinema com o título "Chico Xavier", o autor também assina "Por Trás do Véu de Ísis" e "As Lições de Chico Xavier".

*
"Kardec"
Autor: Marcel Souto Maior
Editora: Record
Páginas: 322

Texto baseado em informações fornecidas pela editora/distribuidora da obra.

Fonte: Folha de São Paulo - http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2013/09/1346232-biografo-de-chico-xavier-escreve-sobre-vida-de-kardec.shtml

domingo, 7 de abril de 2013

A obra de Chico Xavier - Considerações sobre sua biografia autorizada


Por Silvia Oliveira

O livro de Marcel Souto Maior intitulado As Vidas de Chico Xavier (segunda edição – 2002) é uma biografia para a qual, além do médium, Deus teria dado autorização (pag.17). A obra descreve as relações entre Chico e seu mentor Emmanuel. 

De acordo com o autor, em 1931, Chico Xavier teve suas orações interrompidas pela visita de um espírito de figura imponente que lhe perguntou se estava mesmo decidido a trabalhar na mediunidade. Aceitou, e a tutela se estabeleceria mediante o cumprimento de três pontos básicos: “disciplina, disciplina e disciplina” (pag.44). A missão de Chico seria: “divulgar, por meio de livros, a doutrina dos espíritos”. Trinta livros para começar. 

Em 1938, começa a psicografia de Há Dois Mil Anos, episódio assim descrito no livro de Souto Maior (pag.68): “A primeira cena o pegou de surpresa: dois romanos envoltos em suas túnicas trocavam ideias no jardim. ... As imagens e sons eram nítidos demais. ... Parou de escrever e ouviu de Emmanuel, o autor do romance: Você está sob certa hipnose. Você está vendo o que estou pensando.” Segue: “Chico acompanhou a história como um telespectador diante de novelas. Chegou a torcer por certos personagens. Um deles era Emmanuel numa da suas vidas pregressas. Na época de Cristo, ele teria sido, não um apóstolo, mas um senador romano chamado Públio Lentulus.” Nesta história (pag.80), Chico teria sido Flávia, a filha leprosa de Emmanuel curada por Jesus. Apesar da falta de dados históricos que comprovem a existência destes personagens, ele sentia-se endividado perante Jesus pela cura obtida. 

O Livro dos Médiuns nos diz no cap. XXIII, item 239, que a fascinação é uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium, e que paralisa de alguma forma seu julgamento a respeito das comunicações. O médium fascinado NÃO CRÊ SER ENGANADO; o Espírito tem a arte de inspirar uma CONFIANÇA CEGA.

No fim deste mesmo ano, Chico foi convidado por um grupo de cientistas russos para se submeter a testes em Moscou. Emmanuel disse: “Se quiser, pode ir. Eu fico.” Chico não foi.

Em 1943, surge o livro Nosso Lar, assinado pelo espírito André Luis. Diante do inusitado mundo espiritual Chico Xavier se sentiu como “um autor de ficção científica”. Diz Souto Maior (pag.84): “Escutava as frases e titubeava com o lápis na mão, perplexo diante do mundo novo.” 

Embora Emmanuel tenha dito a Chico Xavier que mantivesse fidelidade irrestrita a Jesus e a Kardec (pag.53), o médium acabou escrevendo uma série de romances absolutamente contrários à codificação, devidamente prefaciados pelo mentor. Chico não se considerava o autor dos livros, razão pela qual entregou à FEB os direitos autorais das suas obras. Talvez, por isto, ele tenha se isentado de qualquer responsabilidade sobre o que escrevia. No livro Emmanuel ele diz: “Entrar na apreciação do livro, em si mesmo, é coisa que não está na minha competência”. Adotando tal conduta, permitiu a impressão de tudo sem analisar o conteúdo, sem se preocupar se havia, ou não, concordância com os princípios da Doutrina à qual lhe foi aconselhado manter-se fiel.

Ao terminar Nosso Lar, o décimo nono livro, Chico quis estudar psicografia. Pediu a opinião do seu amigo espiritual e ouviu o seguinte (pag.85): “Se a laranjeira quisesse estudar o que se passa com ela na produção das laranjas, com certeza não produziria fruto algum. Para nós o que interessa é trabalhar.” Chico obedeceu. Não levou Kardec em consideração quanto à necessidade do estudo preceder à prática mediúnica, fator indispensável ao médium para que ele não se depare com consequências desagradáveis e caia nos perigos da obsessão. 

Na sequência, há na biografia um relato da rotina de Chico Xavier, descrita como “um massacre” (pag.87), sob o “chicote” de Emmanuel (palavras do autor). Diz o livro: “Chico fechava os olhos para a diversão, algumas vezes à força. Numa tarde, ele teve sua conversa com amigos interrompida pelo vozeirão irritado de Emmanuel. Já era mais do que hora de ele encerrar aquele bate-papo, que atravessou a tarde inteira, e se trancar no quarto para escrever. Precisava colocar no papel um novo livro. Chico, animado, pediu mais alguns minutos. Emmanuel encerrou o assunto. Tinha de ser naquele momento, senão ele iria embora. Não podia perder tempo com trivialidades.”

Chico se dedicava a muitas tarefas, trabalhava, atendia doentes, visitava pessoas, era perseguido por jornalistas, tinha sua vida criticada, sofria sérios problemas de saúde e psicografava livros sem parar. Emmanuel, de acordo com o biógrafo, “fiscalizava” o que Chico escrevia, e até o que ele dizia. Aparentemente, era mantido por seu mentor no limite das suas forças físicas e psicológicas, sob um controle absoluto. Estava exausto, mas mantinha-se obediente, esquecendo que a Doutrina nos diz que Espíritos superiores não impõem tarefas, não constrangem os médiuns, apenas sugerem e se retiram quando não são atendidos (RE, fevereiro de 1859) . O contrário caracteriza um processo obsessivo.

Em 1947 Chico Xavier terminou o trigésimo livro (pag.103). “Eufórico, viu Emmanuel se aproximar e perguntou se sua tarefa estava encerrada. O guia anunciou: ”Começaremos uma nova série de 30 volumes. Chico respirou fundo e obedeceu desanimado. O médium demonstra claramente ignorar o seguinte ensinamento de Kardec no artigo Obsedados e Subjugados da Revista Espírita de outubro de 1858: “Todo médium deve prevenir-se contra o irresistível empolgamento que o leva a escrever sem cessar e até em momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando o quer.”

Em 1969, o centésimo livro estava pronto. Chico tinha 59 anos e recebeu perplexo, a notícia de que a tarefa ainda não estava terminada. Eis o relato (pag.190): 

- Devo trabalhar na recepção de mensagens e livros até o fim da minha vida atual?

- Sim, não temos outra alternativa.

O autor dos cem livros insistiu.

- E se eu não quiser? A doutrina espírita ensina que somos portadores do livre-arbítrio para decidir sobre nossos próprios caminhos.

Emmanuel sorriu e deu o veredito:

- A instrução a que me refiro é semelhante a um decreto de desapropriação, quando lançado por autoridade na Terra. Se você recusar o serviço a que me reporto, os orientadores dessa obra de nos dedicarmos ao cristianismo redivivo terão autoridade para TIRAR VOCÊ DE SEU ATUAL CORPO FÍSICO.

Chico Xavier argumenta, citando a Doutrina, mas sucumbe diante da ameaça. Continuou psicografando os mais de 300 volumes que ainda tinha pela frente. Aqui vemos outra vez a contradição entre o que Emmanuel dizia (manter-se fiel a Kardec) e a forma como manipulava o médium. “Os Espíritos vão aonde acham simpatia e onde sabem que serão ouvidos”, diz Allan Kardec na Revista Espírita de novembro de 1859. Chico seguiu Emmanuel até o fim de seus dias.

Julgar o médium não nos cabe. Analisar a obra, no entanto, é necessário. As discrepâncias em relação à codificação são tantas que se poderia dizer que Chico Xavier falou de uma outra doutrina. 

Na mesma revista, em fevereiro de 59, Kardec diz que “as boas intenções ou a própria moralidade do médium nem sempre são suficientes para preserva-lo da ingerência dos Espíritos levianos, mentirosos ou pseudo-sábios. A ciência espírita exige uma grande experiência que, como todas as ciências, filosóficas ou não, só é adquirida por um estudo assíduo, longo e perseverante.” Emmanuel impôs ao seu protegido a teoria das laranjas.