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terça-feira, 26 de maio de 2015

Suicidas - Uma mãe e seu filho

Por Allan Kardec

No mês de março de 1865, o Sr. C..., negociante de uma cidadezinha perto de Paris, tinha em casa o filho de vinte e um anos, gravemente enfermo. Esse jovem, sentindo-se prestes a expirar, chamou a mãe e ainda teve força para beijá-la. Disse-lhe esta, derramando abundantes lágrimas: “Vai, meu filho, precede-me, não tardarei a seguir-te.” Ao mesmo tempo ela saiu escondendo a cabeça entre as mãos.

As pessoas presentes a essa cena pungente consideraram as palavras da Sra. C... como uma simples explosão de dor que o tempo e a razão deviam acalmar. No entanto, tendo o doente sucumbido, procuraram-na pela casa toda, e encontraram-na enforcada num sótão. O cortejo fúnebre da mãe fez-se ao mesmo tempo que o do filho. 

Evocação do filho vários dias depois do acontecimento. 

– P. Tendes conhecimento da morte de vossa mãe que se suicidou sucumbindo ao desespero que vossa perda lhe causou?

R. Sim, e sem o desgosto que me causou a execução de sua fatal resolução, eu seria perfeitamente feliz. Pobre e excelente mãe! Ela não pôde suportar a prova desta separação momentânea, e tomou, para se reunir ao filho que tanto amava, a estrada que devia afastá-la dele, infelizmente! por muito tempo. Ela retardou assim indefinidamente essa reunião que teria sido tão imediata se a submissão às vontades do Senhor tivesse preenchido sua alma, e se ela se tivesse resignado, humilde e arrependida, diante da prova que ia sofrer, e da expiação que ia purificá-la!

Orai! Oh! Orai por ela!... e acima de tudo não a imiteis, mães enternecidas pelo triste relato de sua morte! Não acrediteis que ela amava mais do que outras mães esse filho que era sua alegria e seu orgulho; não, ela não amava mais, mas faltou-lhe coragem e resignação. Mães que me escutais, quando virdes a agonia velar os olhos extintos de vossos filhos, lembrai-vos de que, como Cristo, eles sobem ao cimo do calvário, de onde devem elevar-se na glória eterna.

                                                                                                BENJAMIN C... 

Evocação da mãe. 

– Eu quero ver meu filho! Tendes o poder de devolvê-lo a mim? ... Cruéis!... tiraram-no de mim para levá-lo para a luz e deixaram-me na noite!... Eu o quero, eu o quero... ele me pertence!... Então o amor materno não é nada? ... O quê! ter gestado nove meses, alimentado com seu leite a carne da sua carne, o sangue do seu sangue; ter guiado seus primeiros passos; ter-lhe ensinado a balbuciar o nome sagrado de Deus e o doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de inteligência, de honradez, de retidão, de amor filial, e perdê-lo quando ele realizava as esperanças que se haviam concebido para ele, quando um brilhante futuro se abria diante dele! Não, Deus não é justo; não é o Deus das mães; ele não compreende seu desespero e sua dor... e quando me mato para não deixar meu filho, roubam-no novamente de mim!... Meu filho! Meu filho! Onde estás? 

O Evocador. 

Pobre mãe, partilhamos vossa dor; mas usastes um triste meio para vos reunirdes ao vosso filho; o suicídio é um crime aos olhos de Deus, e deveríeis ter pensado que ele pune toda infração às suas leis. A privação de verdes vosso filho é vossa punição.

A mãe. 

Não; eu acreditava que Deus era melhor do que os homens; não acreditava no seu inferno, mas na reunião eterna das almas que se amaram como nos amávamos; enganei-me... Não é o Deus justo e bom, visto que não compreendeu a imensidão da minha dor e do meu amor!... Oh! quem me devolverá meu filho! Perdi-o então para sempre? Compaixão! Compaixão, meu Deus!

O Evocador. 

Vamos, acalmai vosso desespero; pensai que, se existe um meio de rever vosso filho, não é blasfemando contra Deus, como fazeis. Em vez de o pôr a vosso favor, atraís sobre vós uma severidade maior. 

A mãe. 

Eles me disseram que eu não o veria mais; entendi que foi para o paraíso que o levaram. E eu, estou então no inferno?... o inferno das mães?... ele existe, vejo-o bem demais.

O Evocador. 

Vosso filho não está perdido irremediavelmente, acreditai em mim; voltareis a vê-lo certamente; mas é preciso merecê-lo por vossa submissão à vontade de Deus, ao passo que por vossa revolta podeis retardar esse momento indefinidamente. Escutai-me: Deus é infinitamente bom, mas é infinitamente justo. Ele nunca pune sem causa, e se vos infligiu grandes dores na terra, é que as havíeis merecido. A morte de vosso filho era uma prova para vossa resignação; infelizmente, sucumbistes a ela durante a vida, e eis que depois da morte sucumbis de novo; como quereis que Deus recompense seus filhos rebeldes? Mas ele não é inexorável; acolhe sempre o arrependimento do culpado. Se tivésseis aceitado sem murmurar e com humildade a prova que ele vos enviava por essa separação momentânea, e se tivésseis aguardado pacientemente que ele tivesse a bondade de vos retirar da Terra, no momento de vossa entrada no mundo em que estais, teríeis imediatamente revisto vosso filho que teria vindo receber-vos de braços abertos; teríeis tido a alegria de vê-lo radiante depois desse tempo de ausência. Aquilo que fizestes, e o que ainda fazeis neste momento, coloca entre vós e ele uma barreira. Não acrediteis que ele esteja perdido nas profundezas do espaço; não, ele está mais perto de vós do que credes; mas um véu impenetrável o esconde de vossa vista. Ele vos vê, ama-vos, e geme pela triste posição em que vos mergulhou vossa falta de confiança em Deus; ele deseja ardentemente o momento afortunado em que lhe será permitido mostrar-se a vós; depende unicamente de vós apressar ou retardar esse momento. Pedi a Deus, e dizei comigo:

“Meu Deus, perdoai-me por ter duvidado de vossa justiça e de vossa bondade; se me punistes, reconheço que o mereci. Dignai-vos a aceitar meu arrependimento e minha submissão à vossa santa vontade.”

A mãe.  

Que vislumbre de esperança acabais de fazer resplandecer na minha alma! É um relâmpago na noite que me cerca. Obrigada, vou orar. Adeus.                                                                                                        C...

Observação: A morte, mesmo pelo suicídio, não produziu neste Espírito a ilusão de acreditar que ainda estava vivo; ele tem perfeitamente consciência de seu estado; é que em outros a punição consiste justamente nessa ilusão, nos laços que os prendem ao corpo. Esta mulher quis deixar a Terra para seguir o filho no mundo em que ele entrara: era preciso que ela soubesse que estava nesse mundo para ser punida não o reencontrando ali. Sua punição é precisamente saber que não vive mais corporalmente, e o conhecimento que tem de sua situação. É assim que cada falta é punida pelas circunstâncias que a acompanham, e não há punições uniformes e constantes para as faltas do mesmo gênero.

Fonte: O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos - Capítulo V - Suicidas

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Um drama íntimo - Apreciação Moral

Por Allan Kardec


O Monde Illustré de 7 de fevereiro de 1863 conta o drama de família seguinte, que comoveu, a justo título, a sociedade de Florença. O autor assim começa a sua narração:

“Eis a história. Ele era um velho de setenta e dois anos; ela, uma jovem de vinte. Ele a havia esposado há três anos... Não vos revolteis! O velho conde, originário de Viterbo, era absolutamente sem família, o que é muito estranho para um milionário! Amália não era sem família, mas era sem milhões! Para compensar as coisas, quase a tendo visto nascer, sabendo-a de bom coração e de um espírito encantador, ele tinha dito à mãe: ‘Deixa-me paternalmente casar com Amália. Durante alguns anos ela cuidará de mim e depois...’

“Fez-se o casamento. Amália compreende os seus deveres; cerca o velho dos mais assíduos cuidados e lhe sacrifica todos os prazeres de sua idade. Tendo o conde ficado cego e semipa­ralítico, ela passava as mais longas horas do dia a lhe fazer companhia, a fazer leitura, a lhe contar tudo o que podia distraí-lo e encantá-lo. ‘Como sois boa, minha cara filha!’ exclamava ele muitas vezes, tomando-lhe as mãos e atraindo-a para depor sobre sua fronte o casto e doce beijo do enternecimento e do reconhecimento.

“Um dia, entretanto, ele percebe que Amália se afasta de sua pessoa; que, posto sempre assídua e cheia de solicitude, ela parece temer sentar-se a seus pés. Uma suspeita atravessa seu espírito. Uma noite, quando ela fazia leitura, ele lhe toma o braço, a atrai, enlaça-lhe a cintura e então, soltando um grito terrível, cai esgotado de emoção e de cólera aos pés da jovem! Amália perde a cabeça; lança-se para a escada, atinge o andar superior, precipita-se pela janela e cai estatelada. O velho sobreviveu apenas seis horas a essa catástrofe!” 

Perguntarão que relação pode ter esta história com o Espiritismo? Vê-se aí a intervenção de alguns espíritos brincalhões? - Essas relações estão nas deduções que o Espiritismo ensina a tirar das coisas aparentemente mais vulgares da vida. Quando o céptico ou o indiferente não vê num fato senão um motivo para a ironia, ou passa ao lado sem notar, o espírita o observa e dele tira uma instrução, remontando às causas providenciais, sondando-lhes as consequências para a vida porvindoura, conforme os exemplos que as relações de além-túmulo lhe oferecem, da justiça de Deus.

No fato acima relatado, em vez de simples e agradável anedota entre ele, o velho, e ela, a jovem, o Espiritismo vê duas vítimas. Ora, como o interesse pelos infelizes não termina no sólio da vida presente, mas os segue na vida futura, na qual acredita, ele pergunta se aí não há um duplo castigo para uma dupla falta, e se ambos não foram punidos por onde pecaram. Ele vê um suicídio, e como sabe que esse crime é sempre punido, ele se pergunta qual o grau de responsabilidade em que incorre o que o cometeu.

Vós que pensais que o Espiritismo só se ocupa de duendes, de aparições fantásticas, de mesas girantes e de Espíritos batedores, se vos désseis ao trabalho de estudá-lo, saberíeis que ele toca em todas as questões morais. Esses Espíritos que vos parecem tão risíveis, e que, entretanto, não passam de almas dos homens, dão a quem observa as suas manifestações a prova de que ele próprio é Espírito, momentaneamente ligado a um corpo. Ele vê na morte não o fim da vida, mas a porta da prisão que se abre ao prisioneiro para restituí-lo à liberdade. Aprende que as vicissitudes da vida corpórea são as consequências de suas próprias imperfeições, isto é, das expiações pelo passado e pelo presente, e provações para o futuro. Daí ele é naturalmente conduzido a não ver o cego acaso nos acontecimentos, mas a mão da Providência. Para ele a justa sentença: A cada um segundo as suas obras não só acha a sua aplicação apenas no além-túmulo, mas também na Terra. Eis por que tudo o que se passa em redor de si tem seu valor, sua razão de ser. Ele tudo estuda para disso tirar proveito e regular sua conduta com vistas ao futuro, que para ele é uma realidade demonstrada. Remontando às causas das desgraças que o afligem, aprende a não mais acusar a sorte ou a fatalidade, mas a si mesmo.

Não tendo esta digressão outro objetivo senão mostrar que o Espiritismo se ocupa de algo mais que de Espíritos batedores, voltemos ao nosso assunto. Considerando-se que o fato foi tornado público, é permitido apreciá-lo, tanto mais quanto não designamos ninguém nominalmente.

Se se examinar a coisa do ponto de vista puramente mundano, a maior parte das pessoas não verá nele senão a consequência muito natural de uma união desproporcional, e atirarão no velho a pedra do ridículo como oração fúnebre. Outros acusarão de ingratidão a jovem senhora que traiu a confiança do homem generoso que queria enriquecê-la. No entanto, ela tem para o espírita um lado mais sério, porque o espírita aí busca um ensinamento.

Perguntar-nos-emos, então, se na ação do velho não havia mais egoísmo que generosidade ao vincular uma moça quase criança à sua caducidade, pelos laços indissolúveis que podiam conduzi-la à idade em que se deve antes pensar no descanso do que em gozar do mundo; se impondo-lhe esse duro sacrifício, não era fazê-la pagar bem caro a fortuna que lhe prometera. Não há verdadeira generosidade sem desinteresse. Quanto à jovem, ela não podia aceitar esses laços senão com a perspectiva de vê-los quebrados em breve, pois nenhum motivo de afeição a ligava ao velho. Havia, pois, cálculo de ambos os lados, e esse cálculo foi frustrado. Deus não permitiu que nem um nem o outro o aproveitassem. A um infringiu a desilusão, ao outro a vergonha, que os mataram a ambos.

Resta a responsabilidade do suicídio, que jamais fica impune, mas que muitas vezes encontra circunstâncias atenuantes. A mãe da jovem, para encorajá-la a aceitá-lo, havia dito: “Com esta grande fortuna farás a felicidade do homem pobre que amares. Enquanto esperas, honra e respeita, durante o que lhe resta de vida, esse grande coração que quis fazer-te sua herdeira.” Era tomá-la pelo lado sensível, mas, para gozar dos benefícios desse grande coração, que teria sido muito maior se a tivesse dotado sem interesse, seria preciso especular sobre a duração de sua vida. A moça errou ao ceder, mas a mãe errou mais em excitá-la, e é ela que incorrerá na maior parte da responsabilidade do suicídio da filha.

É assim que aquele que se mata para escapar à miséria é culpado pela falta de coragem e de resignação, mas muito mais culpado ainda é aquele que é a causa primeira desse ato de desespero. Eis o que o Espiritismo ensina, pelos exemplos que põe sob os olhos daqueles que estudam o mundo invisível.

Quanto à mãe, sua punição começa nesta vida, a princípio pela morte horrível da filha, cuja imagem talvez venha persegui-la e enchê-la de remorsos, depois pela inutilidade, para ela, do sacrifício que ela provocou, porque tendo falecido o marido seis horas depois de sua mulher, toda a sua fortuna vai para os colaterais afastados, e ela nenhum proveito terá.

Os jornais estão cheios de casos de todo gênero, louváveis ou censuráveis, que podem oferecer, como este que acabamos de relatar, assunto para estudos morais sérios. É para os espíritas uma mina inesgotável de observações e instruções. O Espiritismo lhes dá os meios de aí descobrirem o que se passa desapercebido para os indiferentes e ainda mais para o céptico, que geralmente aí não vê senão o fato mais ou menos picante, sem lhe procurar nem as causas nem as consequências. Para os grupos, é um elemento fecundo de trabalho, no qual os Espíritos protetores não deixarão de ajudar, dando a sua apreciação.

Fonte: Revista Espírita, fevereiro de 1864 - Um drama íntimo

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Suicidas - Mãe e filho

Por Allan Kardec

Em março de 1865, o Sr. M. C..., negociante em pequena cidade dos arredores de Paris, tinha em sua casa, gravemente enfermo, o mais velho dos seus filhos, que contava 21 anos de idade. Este moço, prevendo o desenlace, chamou sua mãe e teve forças ainda para abraçá-la. Esta, vertendo copiosas lágrimas, disse-lhe: "Vai, meu filho, precede-me, que não tardarei a seguir-te." Dito isto, retirou-se, escondendo o rosto entre as mãos.

As pessoas presentes a essa cena desoladora consideravam simples explosão de dor as palavras da Sra. C..., dor que o tempo acalmaria. Morto o doente, procuraram-na por toda a casa e foram encontrá-la enforcada num celeiro. O enterro da suicida foi juntamente feito com o do filho.

Evocação do filho, muitos dias depois do fato. 

- P. Tendes conhecimento da morte de vossa mãe, que  suicidou-se, sucumbindo ao desespero que lhe causou a vossa perda? 

- R. Sim, e, sem o pesar que me causou o ato de sua fatal resolução, eu estaria perfeitamente feliz. Pobre e excelente mãe! Não pôde suportar a prova dessa separação momentânea, e tomou, para se unir ao filho que amava, o caminho que dele mais deveria afastá-la. E por quanto tempo! Assim, retardou indefinidamente essa reunião que tão pronta teria sido se a submissão às vontades do Senhor houvesse preenchido sua alma, se fosse resignada, humilde e arrependida, diante da prova que deveria sofrer, e a expiação que a purificaria! Orai, oh! orai por ela!... e sobretudo não a imiteis, vós outras mães que vos comoveis com a narrativa da sua morte. Não acrediteis que ela amasse mais que as outras mães, a esse filho que era o seu orgulho, não; é que lhe faltaram a coragem e a resignação. Mães, que me ouvis, quando a agonia empanar o olhar dos vossos filhos, lembrai-vos de que, como o Cristo, eles sobem ao cimo do Calvário, donde deverão alçar-se à glória eterna.

Benjamin C...

Evocação da mãe. 

- R. Quero ver meu filho. Tendes o poder de dar-mo? Cruéis!... Tomaram-mo para levá-lo à luz, e a mim me deixaram em trevas. Quero-o... quero-o porque me pertence!... Nada vale então o amor materno? Pois quê! tê-lo carregado no ventre por nove meses; tê-lo amamentado; nutrido a carne da sua carne, sangue do seu sangue; guiado os seus primeiros passos; ensinado a balbuciar o sagrado nome de Deus e o doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de inteligência, de probidade, de amor filial, para perdê-lo quando realizava as esperanças concebidas a seu respeito, quando brilhante futuro se lhe desvelava! Não, Deus não é justo; não é o Deus das mães, não lhes compreende as dores e desesperos... E quando me dava a morte para me não separar de meu filho, eis que novamente mo roubam!... Meu filho! meu filho, onde estás?

Evocador. - Pobre mãe, compartilhamos da vossa dor. Buscastes, no entanto, um triste recurso para vos reunirdes ao vosso filho: - O suicídio é um crime aos olhos de Deus, e deveis saber que Deus pune toda infração das suas leis. A ausência do vosso filho é a vossa punição.

Ela. - Não; eu julgava Deus melhor que os homens; não acreditava no seu inferno, porém cria na reunião das almas que se amaram como nós nos amávamos... Enganei-me... Deus não é justo nem bom, por isso que não compreende a grandeza da minha dor como do meu amor!... Oh! quem me dará meu filho? Tê-lo-ei perdido para sempre? Compaixão! compaixão, meu Deus!

Evocador. - Vamos, acalmai o vosso desespero; considerai que, se há um meio de rever vosso filho, não é blasfemando de Deus, como ora o fazeis. Com isso, em vez de atrairdes a sua misericórdia, fazeis jus a maior severidade.

Ela. - Disseram-me que não mais o tornaria a ver, e compreendi que o haviam levado ao paraíso. E eu estarei, acaso, no inferno? no inferno das mães? Ele existe, demais o vejo...

Evocador. - Vosso filho não está perdido para sempre; certo tornareis a vê-lo, mas é preciso merecê-lo pela submissão à vontade de Deus, ao passo que a revolta poderá retardar indefinidamente esse momento. Ouvi-me: Deus é infinitamente bom, mas é também infinitamente justo. Assim, ninguém é punido sem causa, e se sobre a Terra Ele vos infligiu grandes dores, é porque as merecestes. A morte de vosso filho era uma prova para a vossa resignação; infelizmente a ela sucumbistes quando em vida, e eis que após a morte de novo sucumbis; como pretendeis que Deus recompense os filhos rebeldes? A sentença não é, porém, inexorável, e o arrependimento do culpado é sempre acolhido. Se tivésseis aceito a prova com humildade; se houvésseis esperado com paciência o momento da vossa desencarnação, ao entrardes no mundo espiritual, em que vos achais, teríeis imediatamente avistado vosso filho, o qual vos receberia de braços abertos. Depois da ausência, vê-lo-íeis radiante. Mas, o que fizestes e ainda agora fazeis, coloca entre vós e ele uma barreira. Não o julgueis perdido nas profundezas do Espaço, antes mais perto do que supondes - é que véu impenetrável o subtrai à vossa vista.

Ele vos vê e ama sempre, deplorando a triste condição em que caístes pela falta de confiança em Deus e aguardando ansioso o momento feliz de se vos apresentar. De vós, somente, depende abreviar ou retardar esse momento. Orai a Deus e dizei comigo: "Meu Deus, perdoai-me o ter duvidado da vossa justiça e bondade; se me punistes, reconheço tê-lo merecido. Dignai-vos aceitar meu arrependimento e submissão à vossa santa vontade."

Ela. - Que luz de esperança acabais de fazer despontar em minha alma! É um como relâmpago na noite que me cerca. Obrigada, vou orar... Adeus.

A morte, mesmo pelo suicídio, não produziu neste Espírito a ilusão de se julgar ainda vivo. Ele apresenta-se consciente do seu estado: - é que para outros o castigo consiste naquela ilusão, pelos laços que os prendem ao corpo. Esta mulher quis deixar a Terra para seguir o filho na outra vida: era, pois, necessário que soubesse aí estar realmente, na certeza da desencarnação, no conhecimento exato da sua situação. Assim é que cada falta é punida de acordo com as circunstâncias que a determinam, e que não há punições uniformes para as faltas do mesmo gênero.

Fonte: KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos, cap V - Suicidas. 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

[ESE] - O Suicídio e a Loucura

Por Allan Kardec

A calma e a resignação adquiridas na maneira de encarar a vida terrena, e a fé no futuro, dão ao Espírito uma serenidade que é o melhor preservativo da loucura e do suicídio. Com efeito, a maior parte dos casos de loucura são provocados pelas vicissitudes que o homem não tem forças de suportar. Se, portanto, graças à maneira por que o Espiritismo o faz encarar as coisas mundanas, ele recebe com indiferença, e até mesmo com alegria, os revezes e as decepções que em outras circunstâncias o levariam ao desespero, é evidente que essa força, que o eleva acima dos acontecimentos, preserva a sua razão dos abalos que o poderiam perturbar.

O mesmo se dá com o suicídio. Se excetuarmos os que se verificam por força da embriaguez e da loucura, e que podemos chamar de inconscientes, é certo que, sejam quais forem os motivos particulares, a causa geral é sempre o descontentamento. Ora, aquele que está certo de ser infeliz apenas um dia, e de se encontrar melhor nos dias seguintes, facilmente adquire paciência. Ele só se desespera se não ver um termo para os seus sofrimentos. E o que é a vida humana, em relação à eternidade, senão bem menos que um dia? Mas aquele que não crê na eternidade, que pensa tudo acabar com a vida, que se deixa abater pelo desgosto e o infortúnio, só vê na morte o fim dos seus pesares. Nada esperando, acha muito natural, muito lógico mesmo, abreviar as suas misérias pelo suicídio.

A incredulidade, a simples dúvida quanto ao futuro, as idéias materialistas, em uma palavra, são os maiores incentivadores do suicídio: elas produzem a frouxidão moral. Quando vemos, pois, homens de ciência, que se apóiam na autoridade do seu saber, esforçarem-se para provar aos seus ouvintes ou aos seus leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não o vemos tentando convencê-los de que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se? Que poderiam dizer para afastá-los dessa idéia? Que compensação poderão oferecer-lhes? Que esperanças poderão propor-lhes? Nada além do nada! De onde é forçoso concluir que, se o nada é o único remédio heróico, a única perspectiva possível, mais vale atirar-se logo a ele, do que deixar para mais tarde, aumentando assim o sofrimento.

A propagação das idéias materialistas é, portanto, o veneno que inocula em muitos a idéia do suicídio, e os que se fazem seus apóstolos assumem uma terrível responsabilidade. Com o Espiritismo, a dúvida não sendo mais permitida, modifica-se a visão da vida. O crente sabe que a vida se prolonga indefinidamente para além do túmulo, mas em condições inteiramente novas. Daí a paciência e a resignação, que muito naturalmente afastam a idéia do suicídio. Daí, numa palavra, a coragem moral.

O Espiritismo tem ainda, a esse respeito, outro resultado igualmente positivo, e talvez mais decisivo. Ele nos mostra os próprios suicidas revelando a sua situação infeliz, e prova que ninguém pode violar impunemente a lei de Deus, que proíbe ao homem abreviar a sua vida. Entre os suicidas, o sofrimento temporário, em lugar do eterno, nem por isso é menos terrível, e sua natureza dá o que pensar a quem quer que seja tentado a deixar este mundo antes da ordem de Deus. O espírita tem, portanto, para opor à idéia do suicídio, muitas razões: a certeza de uma vida futura, na qual ele sabe que será tanto mais feliz quanto mais infeliz e mais resignado tiver sido na Terra; a certeza de que, abreviando sua vida, chega a um resultado inteiramente contrário ao que esperava; que foge de um mal para cair noutro ainda pior, mais demorado e mais terrível; que se engana ao pensar que, ao se matar, irá mais depressa para o céu; que o suicídio é um obstáculo à reunião, no outro mundo, com as pessoas de sua afeição, que lá espera encontrar. De tudo isso resulta que o suicídio, só lhe oferecendo decepções, é contrário aos seus próprios interesses. Por isso, o número de suicídios que o Espiritismo impede é considerável, e podemos concluir que, quando todos forem espíritas, não haverá mais suicídios conscientes. Comparando, pois, os resultados das doutrinas materialistas e espírita, sob o ponto de vista do suicídio, vemos que a lógica de uma conduz a ele, enquanto a lógica de outra o evita, o que é confirmado pela experiência.

Fonte: O Evangelho Segundo o Espiritismo - tradução de José Herculano Pires.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Ante o suicídio - Algumas considerações espíritas

Por Jorge Hessen

Em recente reportagem, divulgou-se que uma jovem, de 15 anos, suicidou-se com um tiro de revolver, dentro de uma escola, em Curitiba. Não houve grito nem pedido de socorro. Em silêncio, ela entrou no banheiro e se trancou em uma das cinco cabines reservadas. Sentada sobre o vaso sanitário, disparou contra a boca. Suicídios desse gênero (tiro especialmente), em escolas brasileiras, não são comuns. "Três meses antes da tragédia, a jovem procurou os pais e pediu para que eles a levassem a um psicólogo. Dizia sentir-se triste e desmotivada. O pai passou a pegá-la na aula de pintura e levá-la, semanalmente, a um psiquiatra. No inquérito policial sobre o suicídio, apurou-se que ela tomava benzodiazepínicos (soníferos) para dormir, e outros fármacos para controlar a ansiedade que sentia". (1) Diante do dilema, indagamos: Como os pais podem proteger os filhos ante os desequilíbrios emocionais que assolam a juventude de hoje? Obviamente, precisam estar atentos. Interpretar qualquer tentativa ou anúncio de suicídio do jovem como sinal de alerta. O ideal é procurar ajuda especializada de um psicólogo e, para os pais espíritas, os recursos terapêuticos dos centros espíritas. Aproximar-se, mais amiudemente, do filho que apresenta sinais fortes de introspecção ou depressão. O isolamento e o desamparo podem terminar com aguda depressão e ódio da vida.

É evidente que sugerir serem os pais os únicos responsáveis pelo autocídio de um filho(a), é algo muito delicado e preocupante, pois, trata-se um ato pessoal de extremo desequilíbrio da personalidade, gerado por circunstâncias atuais ou por reminiscências de existências passadas. Se há culpa dos pais, atribui-se à negligência, à desatenção, a não perceber as mudanças no comportamento de um filho(a) e a tudo que acontece à sua volta. Sobre isso, estamos convictos de que a sociedade, como um todo, é, igualmente, culpada. Inobstante colocarem o fardo da culpa nos pais em primeiro lugar, reflitamos: quem pode controlar a pressão psicológica que uma montanha de apelos vazios faz na cabeça dos jovens, diariamente? O suicídio é um ato exclusivamente humano e está presente em todas as culturas. Suas matrizes causais são numerosas e complexas. Os determinantes do suicídio patológico estão nas perturbações mentais, depressões graves, melancolias, desequilíbrios emocionais, delírios crônicos, etc. Algumas pessoas nascem com certas desordens psiquiátricas, tal como a esquizofrenia e o alcoolismo, o que aumenta o risco de suicídio. Há os processos depressivos, onde existem perdas de energia vital no organismo, desvitalizando-o, e, conseqüentemente, interferindo em todo o mecanismo imunológico do ser.

Em termos percentuais, 70% das pessoas que cometem suicídio, certamente sofriam de um distúrbio bipolar (maníaco-depressivo); ou de um distúrbio do humor; ou de exaltação/euforia (mania), que desencadearam uma severa depressão súbita, nos últimos minutos que antecederam aos de suas mortes. O suicídio pode ocorrer, tanto na fase depressiva, quanto na fase da mania, sempre conseqüente do estado mental. O suicida é, antes de tudo, um deprimido, e a depressão é a doença da modernidade. O suicida não quer matar a si próprio, mas alguma coisa que carrega dentro de si e que, sinteticamente, pode ser nominado de sentimento de culpa e vontade de querer matar alguém com quem se identifica. Como as restrições morais o impedem, ele acaba se autodestruindo. Assim, "o suicida mata uma outra pessoa que vive dentro dele e que o incomoda, profundamente. Outra coisa que deve ser analisada é a obsessão que poderia ser definida como um constrangimento que um indivíduo, suicida em potencial ou não, sente, pela presença perturbadora de um obsessor.

A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da Natureza. Todas asseveram que ninguém tem o direito de abreviar, voluntariamente, a vida. Entretanto, por que não se tem esse direito? Por que não é livre o homem de pôr termo aos seus sofrimentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma falta somente por constituir infração de uma lei moral - consideração, essa, de pouco peso para certos indivíduos - mas, também, um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica. Antes, o contrário, é o que se dá com eles, na existência espiritual, após ato tão insano. Temos notícia, não somente, pelo que lemos nos livros da Doutrina Espírita e que nos advertem os Espíritos Superiores, mas pelos testemunhos que nos dão esses infelizes irmãos, narrando tristes fatos que eles mesmos nos põem sob as vistas, em sessões de orientação às entidades sofredoras. Sob o ponto de vista sociológico, o suicídio é um ato que se produz no marco de situações anômicas, (2) em que os indivíduos se vêem forçados a tirar a própria vida para evitar conflitos ou tensões inter-humanas, para eles insuportáveis.

O pensador Émile Durkheim teoriza que a "causa do suicídio, quase sempre, é de raiz social, ou seja, o ser individual é abatido pelo ser social. Absorvido pelos valores [sem valor], como o consumismo, a busca do prazer imediato, a competitividade, a necessidade de não ser um perdedor, de ser o melhor, de não falhar, o jovem se afasta de si mesmo e de sua natureza. Sobrevive de 'aparências', para representar um 'papel social' como protagonista do meio. Nessa vivência neurotizante, ele deixa de desenvolver suas potencialidades, não se abre, nem expõe suas emoções e se esmaga na sua intimidade solitária." (3)

O Espiritismo adverte que o suicida, além de sofrer no mundo espiritual as dolorosas conseqüências de seu gesto impensado, de revolta diante das leis da vida, ainda renascerá com todas as seqüelas físicas daí resultantes, e terá que arrostar, novamente, a mesma situação provacional que a sua flácida fé e distanciamento de Deus não lhe permitiram o êxito existencial.

É verdade que após a desencarnação não há tribunal nem Juízes para condenar o espírito, ainda que seja o mais culpado. Fica ele, simplesmente, diante da própria consciência, nu perante si mesmo e todos os demais, pois nada pode ser escondido no mundo espiritual, tendo o indivíduo de enfrentar suas próprias criações mentais. "O pensamento delituoso é assim como um fruto apodrecido que colocamos na casa de nossa mente. A irritação, a crítica, o ciúme, a queixa exagerada, qualquer dessas manifestações, aparentemente sem importância, pode ser o início de lamentável perturbação, suscitando, por vezes, processos obsessivos nos quais a criatura cai na delinqüência ou na agressão contra si mesma." (4)

A rigor, não existe pessoa "fraca", a ponto de não suportar um problema, por julgá-lo superior às suas forças. O que de fato ocorre é que essa criatura não sabe como mobilizar a sua vontade própria e enfrentar os desafios. Joanna de Angelis assevera que o "suicídio é o ato sumamente covarde de quem opta por fugir, despertando em realidade mais vigorosa, sem outra alternativa de escapar".(5) Na Terra, é preciso ter tranqüilidade para viver, até porque, não há tormentos e problemas que durem uma eternidade. Recordemos que Jesus nos assegurou que "O Pai não dá fardos mais pesados que nossos ombros" e "aquele que perseverar até o fim, será salvo". (6)

FONTES:
1. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI73803-15228,00- NO+BANHEIRO+DA+ESCOLA+UM+TIRO.html
2. O sociólogo acredita que, quando o indivíduo resolve tirar a própria vida, ele está em estado de anomia, que significa "falta de valores". "Uma situação anômica é a ausência ou desintegração de normas. Quando ocorrem perturbações da ordem coletiva, o número de suicídios tende a se elevar".
3. Durkheim, Emile. Título: El suicidio. P.imprenta: Tlahuapan, Puebla. Premiá. 1987. 343 p. Edición; 2a ed. Descriptores: Suicidio. Sociología. Aspectos psicológicos.
4. Mensagem extraída do livro "PACIÊNCIA", de Emmanuel; psicografado por Francisco Cândido Xavier
5. Franco, Divaldo, Momentos de Iluminação, Ditado pelo Espírito Joanna de Angelis, RJ: ed. FEB
6. MT 24:13

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

ESE - Justiça das Aflições

1 – Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Bem-aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. (Mateus, V: 5, 6 e 10).

2 – Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. Bem-aventurados os que agora tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque rireis. (Lucas, VI: 20 e 21) Mas ai de vós, ricos, porque tendes no fundo a vossa consolação. Ai de vós, os que estais fartos, porque tereis fome. Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis. (Lucas, VI: 24 e 25).

Justiça das Aflições

3 – As compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra só podem realizar-se na vida futura. Sem a certeza do porvir, essas máximas seriam um contra-senso, ou mais ainda, seriam um engodo. Mesmo com essa certeza, compreende-se dificilmente a utilidade de sofrer para ser feliz. Diz-se que é para haver mais mérito. Mas então se pergunta por que uns sofrem mais do que outros; por que uns nascem na miséria e outros na opulência, sem nada terem feito para justificar essa posição; por que para uns nada dá certo, enquanto para outros tudo parece sorrir? Mas o que ainda menos se compreende é ver os bens e os males tão desigualmente distribuídos entre o vício e a virtude; ver homens virtuosos sofrer ao lado de malvados que prosperam. A fé no futuro pode consolar e proporcionar paciência, mas não explica essas anomalias, que parecem desmentir a justiça de Deus.

Entretanto, desde que se admite a existência de Deus, não é possível concebê-lo sem suas perfeições. Ele deve ser todo poderoso, todo justiça, todo bondade, pois sem isso não seria Deus. E se Deus é soberanamente justo e bom, não pode agir por capricho ou com parcialidade. As vicissitudes da vida têm, pois, uma causa, e como Deus é justo, essa causa deve ser justa. Eis do que todos devem compenetrar-se. Deus encaminhou os homens na compreensão dessa causa pelos ensinos de Jesus, e hoje, considerando-os suficientemente maduros para compreendê-la, revela-a por completo através do Espiritismo, ou seja, pela voz dos Espíritos.

Causas Atuais das Aflições

4 – As vicissitudes da vida são de duas espécies, ou, se quisermos, tem duas origens bem diversas, que importa distinguir: umas têm sua causa na vida presente; fora desta vida.

Remontando à fonte dos males terrenos, reconhece-se que muitos são as conseqüências naturais do caráter e da conduta daqueles que os sofrem. Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição! Quantas pessoas arruinadas por falta de ordem, de perseverança, por mau comportamento ou por terem limitado os seus desejos!

Quantas uniões infelizes, porque resultaram dos cálculos do interesse ou da vaidade, nada tendo com isso o coração! Que de dissensões de disputas funestas, poderiam ser evitadas com mais moderação e menos suscetibilidade! Quantas doenças e aleijões são o efeito da intemperança e dos excessos de toda ordem!

Quantos pais infelizes com os filhos, por não terem combatido as suas más tendências desde o princípio. Por fraqueza ou indiferença, deixaram que se desenvolvessem neles os germes do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que ressecam o coração. Mais tarde, colhendo o que semearam, admiram-se e afligem-se com a sua falta de respeito e a sua ingratidão. Que todos os que têm o coração ferido pelas vicissitudes e as decepções da vida, interroguem friamente a própria consciência. Que remontem passo a passo à fonte dos males que os afligem, e verão se, na maioria das vezes, não podem dizer: “Se eu tivesse ou não tivesse feito tal coisa, não estaria nesta situação”.

A quem, portanto, devem todas essas aflições, senão a si mesmos? O homem é, assim, num grande número de casos o autor de seus próprios infortúnios. Mas, em vez de reconhecê-lo, acha mais simples, e menos humilhante para a sua vaidade, acusar a sorte, a Providência, a falta de oportunidade, sua má estrela, enquanto, na verdade, sua má estrela é a sua própria incúria.

Os males dessa espécie constituem, seguramente, um número considerável das vicissitudes da vida. O homem os evitará, quando trabalhar para o seu adiantamento moral e intelectual.

5 – A lei humana alcança certas faltas e as pune. O condenado pode então dizer que sofreu a conseqüência do que praticou. Mas a lei não alcança nem pode alcançar a todas as faltas. Ela castiga especialmente as que causam prejuízos à sociedade, e não as que prejudicam apenas os que as cometem. Mas Deus vê o progresso de todas as criaturas. Eis por que não deixa impune nenhum desvio do caminho reto. Não há uma só falta, por mais leve que seja, uma única infração à sua lei, que não tenha conseqüências forçosas e inevitáveis, mais ou menos desagradáveis. Donde se segue que, nas pequenas como nas grandes coisas, o homem é sempre punido naquilo em que pecou. Os sofrimentos conseqüentes são então uma advertência de que ele andou mal. Dão-lhe as experiências e o fazem sentir, a diferença entre o bem e o mal, bem como a necessidade de se melhorar, para evitar no futuro o que já foi para ele uma causa de mágoas. Sem isso, ele não teria nenhum motivo para se emendar, e confiante na impunidade, retardaria o seu adiantamento, e portanto a sua felicidade futura.

Mas a experiência chega, algumas vezes, um pouco tarde; e quando a vida já foi desperdiçada e perturbada, gastas as forças, e o mal é irremediável, então o homem se surpreende a dizer: “Se no começo da vida eu soubesse o que hoje sei, quantas faltas teria evitado; se tivesse de recomeçar, eu me portaria de maneira inteiramente outra; mas já não há mais tempo!” Como o trabalhador preguiçoso que diz: “Perdi o meu dia”, ele também diz: “Perdi a minha vida”. Mas, assim como para o trabalhador o sol nasce no dia seguinte, e começa uma nova jornada, em que pode recuperar o tempo perdido, para ele também brilhará o sol de uma vida nova, após a noite do túmulo, e na qual poderá aproveitar a experiência do passado e pôr em execução suas boas resoluções para o futuro.

Causas Anteriores das Aflições

6 – Mas se há males, nesta vida, de que o homem é a própria causa, há também outros que, pelo menos em aparência, são estranhos à sua vontade e parecem golpeá-lo por fatalidade. Assim, por exemplo, a perda de entes queridos e dos que sustentam a família. Assim também os acidentes que nenhuma previdência pode evitar; os revezes da fortuna, que frustram todas as medidas de prudência; os flagelos naturais; e ainda as doenças de nascença, sobretudo aquelas que tiram aos infelizes a possibilidade de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, a idiota, a imbecilidade etc.

Os que nascem nessas condições, nada fizeram, seguramente, nesta vida, para merecer uma sorte triste, sem possibilidade de compensação, e que eles não puderam evitar, sendo impotentes para modificá-las e ficando à mercê da comiseração pública. Por que, pois, esses seres tão desgraçados, enquanto ao seu lado, sob o mesmo teto e na mesma família, outros se apresentam favorecidos em todos os sentidos?

Que dizer, por fim, das crianças que morrem em tenra idade e só conheceram da vida o sofrimento? Problemas, todos esses, que nenhuma filosofia resolveu até agora, anomalias que nenhuma religião pode justificar, e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, segundo a hipótese da criação da alma ao mesmo tempo em que o corpo, e da fixação irrevogável da sua sorte após a permanência de alguns instantes na Terra. Que fizeram elas, essas almas que acabam de sair das mãos do Criador, para sofrerem tantas misérias no mundo, e receberem, no futuro, uma recompensa ou uma punição qualquer, se não puderam seguir nem o bem nem o mal?

Entretanto, em virtude do axioma de que todo efeito tem uma causa, essas misérias são efeitos que devem ter a sua causa, e desde que se admita a existência de um Deus justo, essa causa deve ser justa. Ora a causa sendo sempre anterior ao efeito, e desde que não se encontra na vida atual, é que pertence a uma existência precedente. Por outro lado, Deus não podendo punir pelo bem o que se fez, nem pelo mal que não se fez, se somos punidos, é que fizemos o mal. E se não fizemos o mal nesta vida, é que o fizemos em outra. Esta é uma alternativa a que não podemos escapar, e na qual a lógica nos diz de que lado está à justiça de Deus.

O homem não é, portanto, punido sempre, ou completamente punido, na sua existência presente, mas jamais escapa às conseqüências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea, e se ele não expia hoje, expiará amanhã, pois aquele que sofre está sendo submetido à expiação do seu próprio passado. A desgraça que, à primeira vista, parece imerecida, tem portanto a sua razão de ser, e aquele que sofre pode sempre dizer: “Perdoai-me, Senhor, porque eu pequei”.

7 – Os sofrimentos produzidos por causas anteriores são sempre, como os decorrentes de causas atuais, uma conseqüência natural da própria falta cometida. Quer dizer que, em virtude de uma rigorosa justiça distributiva, o homem sofre aquilo que fez os outros sofrerem. Se ele foi duro e desumano, poderá ser, por sua vez, tratado com dureza e desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer numa condição humilhante; se foi avarento, egoísta, ou se empregou mal a sua fortuna, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer com os próprios filhos; e assim por diante.

É dessa maneira que se explicam, pela pluralidade das existências e pelo destino da Terra, como mundo expiatório que é, as anomalias da distribuição da felicidade e da desgraça, entre os bons e os maus neste mundo. Essa anomalia é apenas aparente, porque só encaramos o problema em relação à vida presente; mas quando nos elevamos, pelo pensamento, de maneira a abranger uma série de existências, compreendemos que a cada um é dado o que merece, sem prejuízo do que lhe cabe no Mundo dos Espíritos, e que a justiça de Deus nunca falha.

O homem não deve esquecer-se jamais de que está num mundo inferior, onde só é retido pelas suas imperfeições. A cada vicissitude, deve lembrar que,se estivesse num mundo mais avançado, não teria de sofrê-la, e que dele depende não voltar a este mundo, desde que trabalhe para se melhorar.

8 – As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos endurecidos, ou demasiado ignorantes para fazerem uma escolha consciente, mas são livremente escolhidos e aceitas pelos Espíritos arrependidos, que querem reparar o mal que fizeram e tentar fazer melhor. Assim é aquele que, tendo feito mal a sua tarefa, pede para recomeçá-la, a fim de não perder as vantagens do seu trabalho. Essas tribulações, portanto, são ao mesmo tempo expiações do passado, que castigam, e provas para o futuro, que preparam. Rendamos graças a Deus que, na sua bondade, concede aos homens a faculdade da reparação, e não o condena irremediavelmente pela primeira falta.

9 – Não se deve crer, entretanto, que todo sofrimento por que se passa neste mundo seja necessariamente o indício de uma determinada falta; trata-se freqüentemente de simples provas escolhidas pelo Espírito, para acabar a sua purificação e acelerar o seu adiantamento. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas a prova nem sempre é uma expiação. Mas provas e expiações são sempre sinais de uma inferioridade relativa, pois aquele que é perfeito não precisa ser provado. Um Espírito pode, portanto, ter conquistado um certo grau de elevação, mas querendo avançar mais, solicita uma missão, uma tarefa, pela qual será tanto mais recompensado, se sair vitorioso quanto mais penosa tiver sido a sua luta. Esses são, mais especialmente, os casos das pessoas de tendência naturalmente boas, de alma elevada, de sentimentos nobres inatos, que parecem nada trazer de mal de sua precedente existência, e que sofrem com resignação cristã as maiores dores, pedindo forças a Deus para suportá-las sem reclamar. Podem-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que provocam reclamações e levam à revolta contra Deus.

O sofrimento que não provoca murmurações pode ser, sem dúvida, uma expiação, mas indica que foi antes escolhido voluntariamente do que imposto; é a prova de uma firme resolução, o que constitui sinal de progresso.

10 – Os Espíritos não podem aspirar à perfeita felicidade enquanto não estão puros; toda mancha lhes impede a entrada nos mundos felizes. Assim acontece com os passageiros de um navio tomado pela peste, aos quais fica impedida a entrada numa cidade, até que estejam purificados. É nas diversas existências corpóreas que os Espíritos se livram, pouco a pouco, de suas imperfeições. As provas da vida fazem progredir, quando bem suportadas; como expiações, apagam as faltas e purificam; são o remédio que limpa a ferida e cura o doente, e quanto mais grave o mal, mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, portanto, que muito sofre, deve dizer que tinha muito a expiar e alegrar-se de ser curado logo. Dele depende, por meio da resignação, tornar proveitoso o seu sofrimento e não perder os seus resultados por causa de reclamações, sem o que teria de recomeçar.

Esquecimento do Passado

11 – É em vão que se aponta o esquecimento como um obstáculo ao aproveitamento da experiência das existências anteriores. Se Deus considerou conveniente lançar um véu sobre o passado, é que isso deve ser útil. Com efeito, a lembrança do passado traria inconvenientes muito graves. Em certos casos, poderia humilhar-nos estranhamente, ou então exaltar o nosso orgulho, e por isso mesmo dificultar o exercício do nosso livre arbítrio. De qualquer maneira, traria perturbações inevitáveis às relações sociais.

O Espírito renasce freqüentemente no mesmo meio em que viveu, e se encontra em relação com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes tenha feito. Se nelas reconhecesse as mesmas que havia odiado, talvez o ódio reaparecesse. De qualquer modo, ficaria humilhado perante aquelas pessoas que tivesse ofendido.

Deus nos deu, para nos melhorarmos, justamente o que necessitamos e nos é suficiente: a voz da consciência e as tendências instintivas; e nos tira o que poderia prejudicar-nos.

O homem traz, ao nascer, aquilo que adquiriu. Ele nasce exatamente como se fez. Cada existência é para ele um novo ponto de partida. Pouco lhe importa saber o que foi: se estiver sendo punido, é porque fez o mal, e suas más tendências atuais indicam o que lhe resta corrigir em si mesmo. É sobre isso que ele deve concentrar toda a sua atenção, pois daquilo que foi completamente corrigido já não restam sinais. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, que o adverte do bem e do mal e lhe dá a força de resistir às más tentações.

De resto, esse esquecimento só existe durante a vida corpórea. Voltando à vida espiritual, o Espírito reencontra a lembrança do passado. Trata-se, portanto, apenas de uma interrupção momentânea, como a que temos na própria vida terrena, durante o sono, e que não nos impede de lembrar, no outro dia, o que fizemos na véspera e nos dias anteriores.

Da mesma maneira, não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode dizer-se que ele nunca a perde, pois a experiência prova que, encarnado, durante o sono do corpo, ele goza de certa liberdade e tem consciência de seus atos anteriores. Então, ele sabe por que sofre, e que sofre justamente. A lembrança só se apaga durante a vida exterior de relação. A falta de uma lembrança precisa, que poderia ser-lhe penosa e prejudicial às suas relações sociais, permite-lhe haurir novas forças nesses momentos de emancipação da alma, se ele souber aproveitá-los.

Motivos de Resignação

12 – Pelas palavras: Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão consolados, Jesus indica, ao mesmo tempo, a compensação que espera os que sofrem e a resignação que nos faz bendizer o sofrimento, como o prelúdio da cura.

Essas palavras podem, também, ser traduzidas assim: deveis considerar-vos felizes por sofrer, porque as vossas dores neste mundo são as dívidas de vossas faltas passadas, e essas dores, suportadas pacientemente na Terra, vos poupam séculos de sofrimento na vida futura. Deveis, portanto, estar felizes por Deus ter reduzido vossa dívida, permitindo-vos quitá-las no presente, o que vos assegura a tranqüilidade para o futuro.

O homem que sofre é semelhante a um devedor de grande soma, a quem o credor dissesse: “Se me pagares hoje mesmo a centésima parte, darei quitação do resto e ficarás livre; se não, vou perseguir-te até que pagues o último centavo”. O devedor não ficaria feliz de submeter-se a todas as privações, para se livrar da dívida, pagando somente a centésima parte da mesma? Em vez de queixar-se do credor, não lhe agradeceria?

É esse o sentido das palavras: “Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão consolados”. Eles são felizes porque pagam suas dívidas, e porque, após a quitação, estarão livres. Mas se, ao procurar quitá-las de um lado, de outro se endividarem, nunca se tornarão livres. Ora, cada nova falta aumenta a dívida, pois não existe uma única falta, qualquer que seja, que não traga consigo a própria punição, necessária e inevitável. Se não for hoje, será amanhã; se não for nesta vida, será na outra. Entre essas faltas, devemos colocar em primeiro lugar a falta de submissão à vontade de Deus, de maneira que, se reclamamos das aflições, se não as aceitamos com resignação, como alguma coisa que merecemos, se acusamos a Deus de injusto, contraímos uma nova dívida, que nos faz perder os benefícios do sofrimento. Eis por que precisamos recomeçar, exatamente como se, a um credor que nos atormenta, enquanto pagamos as contas, vamos pedindo novos empréstimos.

Ao entrar no Mundo dos Espíritos, o homem é semelhante ao trabalhador que comparece no dia de pagamento. A uns, dirá o patrão: “Eis a paga do teu dia de trabalho”. A outros, aos felizes da Terra, aos que viveram na ociosidade, que puseram a sua felicidade na satisfação do amor próprio e dos prazeres mundanos, dirá: “Nada tendes a receber, porque já recebestes o vosso salário na Terra. Ide, e recomeçai a vossa tarefa”.

13 – O homem pode abrandar ou aumentar o amargor das suas provas, pela maneira de encarar a vida terrena. Maior é o eu sofrimento, quando o considera mais longo. Ora, aquele que se coloca no ponto de vista da vida espiritual, abrange na sua visão a vida corpórea, como um ponto no infinito, compreendendo a sua brevidade, sabendo que esse momento penoso passa bem depressa. A certeza de um futuro próximo e mais feliz o sustenta encoraja, e em vez de lamentar-se, ele agradece ao céu as dores que o fazem avançar. Para aquele que, ao contrário, só vê a vida corpórea, esta parece interminável, e a dor pesa sobre ele com todo o seu peso. O resultado da maneira espiritual de encarar a vida é a diminuição de importância das coisas mundanas, a moderação dos desejos humanos, fazendo o homem contentar-se com a sua posição, sem invejar a dos outros, e sentir menos os seus revezes e decepções. Ele adquire, assim, uma calma e uma resignação tão úteis à saúde do corpo como à da alma, enquanto com a inveja, o ciúme e a ambição, entregam-se voluntariamente à tortura, aumentando as misérias e as angústias de sua curta existência.

O Suicídio e a Loucura

14 – A calma e a resignação adquiridas na maneira de encarar a vida terrena, e a fé no futuro, dão ao Espírito uma serenidade que é o melhor preservativo da loucura e do suicídio. Com efeito, a maior parte dos casos de loucura são provocados pelas vicissitudes que o homem não tem forças de suportar. Se, portanto, graças à maneira por que o Espiritismo o faz encarar as coisas mundanas, ele recebe com indiferença, e até mesmo com alegria, os revezes e as decepções que em outras circunstâncias o levariam ao desespero, é evidente que essa força, que o eleva acima dos acontecimentos, preserva a sua razão dos abalos que o poderiam perturbar.

15 – O mesmo se dá com o suicídio. Se excetuarmos os que se verificam por força da embriaguez e da loucura, e que podemos chamar de inconscientes, é certo que, sejam quais forem os motivos particulares, a causa geral é sempre o descontentamento. Ora, aquele que está certo de ser infeliz apenas um dia, e de se encontrar melhor nos dias seguintes, facilmente adquire paciência. Ele só se desespera se não ver um termo para os seus sofrimentos. E o que é a vida humana, em relação à eternidade, senão bem menos que um dia? Mas aquele que não crê na eternidade, que pensa tudo acabar com a vida, que se deixa abater pelo desgosto e o infortúnio, só vê na morte o fim dos seus pesares. Nada esperando, acha muito natural, muito lógico mesmo, abreviar as suas misérias pelo suicídio.

16 – A incredulidade, a simples dúvida quanto ao futuro, as idéias materialistas, em uma palavra, são os maiores incentivadores do suicídio: elas produzem a frouxidão moral. Quando vemos, pois, homens de ciência, que se apóiam na autoridade do seu saber, esforçarem-se para provar aos seus ouvintes ou aos seus leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não o vemos tentando convencê-los de que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se? Que poderiam dizer para afastá-los dessa idéia? Que compensação poderão oferecer-lhes? Que esperanças poderão propor-lhes? Nada além do nada! De onde é forçoso concluir que, se o nada é o único remédio heróico, a única perspectiva possível, mais vale atirar-se logo a ele, do que deixar para mais tarde, aumentando assim o sofrimento.

A propagação das idéias materialistas é, portanto, o veneno que inocula em muitos a idéia do suicídio, e os que se fazem seus apóstolos assumem uma terrível responsabilidade. Com o Espiritismo, a dúvida não sendo mais permitida, modifica-se a visão da vida. O crente sabe que a vida se prolonga indefinidamente para além do túmulo, mas em condições inteiramente novas. Daí a paciência e a resignação, que muito naturalmente afastam a idéia do suicídio. Daí, numa palavra, a coragem moral.

17 – O Espiritismo tem ainda, a esse respeito, outro resultado igualmente positivo, e talvez mais decisivo. Ele nos mostra os próprios suicidas revelando a sua situação infeliz, e prova que ninguém pode violar impunemente a lei de Deus, que proíbe ao homem abreviar a sua vida. Entre os suicidas, o sofrimento temporário, em lugar do eterno, nem por isso é menos terrível, e sua natureza dá o que pensar a quem quer que seja tentado a deixar este mundo antes da ordem de Deus. O espírita tem, portanto, para opor à idéia do suicídio, muitas razões: a certeza de uma vida futura, na qual ele sabe que será tanto mais feliz quanto mais infeliz e mais resignado tiver sido na Terra; a certeza de que, abreviando sua vida, chega a um resultado inteiramente contrário ao que esperava; que foge de um mal para cair noutro ainda pior, mais demorado e mais terrível; que se engana ao pensar que, ao se matar, irá mais depressa para o céu; que o suicídio é um obstáculo à reunião, no outro mundo, com as pessoas de sua afeição, que lá espera encontrar. De tudo isso resulta que o suicídio, só lhe oferecendo decepções, é contrário aos seus próprios interesses. Por isso, o número de suicídios que o Espiritismo impede é considerável, e podemos concluir que, quando todos forem espíritas, não haverá mais suicídios conscientes. Comparando, pois, os resultados das doutrinas materialistas e espírita, sob o ponto de vista do suicídio, vemos que a lógica de uma conduz a ele, enquanto a lógica de outra o evita, o que é confirmado pela experiência.

Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo - Allan Kardec

terça-feira, 28 de julho de 2009

Suicídio: uma abordagem espiritual

O suicídio é uma prática condenada por diversas religiões, entre elas, o Espiritismo.

O ser humano, muito individualista e materialista, se apega na maioria das vezes ao seu Eu, fixando a mente em seus problemas que julga ser os maiores do Universo.

Se limita à matéria, às paixões e aos vícios. Sendo assim, o seu mundo se reduz às coisas passageiras, esquecendo da eternidade que é a alma. Sua preocupação se torna uma obsessão; as pessoas ao seu redor muitas vezes não notam seus problemas, pois o indivíduo sabe camuflar de tal forma que quando o suicídio acontece é surpresa para todos.

Sabemos das dificuldades que cada um enfrenta no dia-a-dia. Cada um, realmente, carrega a sua cruz. Neste processo evolutivo as dificuldades enfrentadas são as mesmas, o que difere é que para uns pode ser menos penoso, devido a sua forma de ver os acontecimentos, ou seja, a evolução individual é algo primordial para que possamos ter um melhor entendimento da vida.

Atualmente, cerca de um milhão de pessoas cometem suicídio todos os anos, conforme dados da Organização Mundial da Saúde. Entre os países desenvolvidos, o Japão ocupa o primeiro lugar, e há tempos atrás ficou conhecido como o “Reino dos Suicídios”. Neste país, está se tornando comum a prática do suicídio coletivo. Em 2003, o Japão registrou 34 suicídios cometidos em duplas ou grupos por pessoas que se conheceram pela internet e faziam pactos. Também neste mesmo ano, foram registrados 34.427 suicídios no Japão, 7,1% a mais que em 2002. Está se tornando uma coisa tão comum que todos os anos diversos escritores lançam livros sobre este assunto. O livro Manual Completo do Suicídio, de Wataru Tsurumi, teve sua primeira edição lançada em 4 de julho de 1993, e se tornou um best-seller, pois descrevia inúmeras formas de suicídio, com ranking de facilidade, dor e dicas estratégicas.

Suicídio coletivo

O suicídio coletivo é uma prática antiga. Ficou conhecida devido às seitas que pregavam uma filosofia que chegava a psicotizar o indivíduo. Extraí de um site que fala um pouco da história das seitas, alguns dos suicídios coletivos mais famosos:

1978 – Vocês se lembram de Jim Jones? Era um líder fanático que se intitulava “pastor do Templo do Povo”. Possuía guarda-costas chamados de “anjos” e levou aproximadamente 900 pessoas ao suicídio na Guiana.

1985 – Na ilha de Mindanao, nas Filipinas, sessenta integrantes da tribo Ata são encontrados mortos em conseqüência de um envenenamento ordenado pelo “guru” Datu Mangayanon.

1987 – Em Yongin, arredores da capital Seul (Coréia do Sul), trinta e dois discípulos da sacerdotisa Park Soon-Ja foram encontrados com a garganta destroçada. Uma autópsia revelou que eles beberam um veneno muito potente.

1993 – Cinqüenta e três habitantes de um bairro de Ta He, 300 quilômetros a noroeste de Hanói, se suicidaram com armas de fogo para “chegar ao paraíso” prometido pelo chefe Ca Van Liem. Entre as vítimas estavam dezenove crianças.

1994 – Cinqüenta e três membros da seita “Ordem do Templo Solar” cometeram, igualmente, suicídio coletivo. A seita parecia praticar um tipo de culto solar. A morte dos membros parecia fazer parte de um ritual que levaria os indivíduos da seita para um outro planeta-estrela chamado “Sirius”. Para apressar a viagem, várias das vítimas, incluindo algumas crianças, foram mortas com disparos na cabeça ou asfixiadas com bolsas plásticas pretas ou envenenadas. Dois membros da seita, antes de morrer, deixaram escrito que eles estavam “deixando esta terra para encontrar uma nova dimensão de verdade e absolvição, longe da hipocrisia deste mundo”.

1997 – A seita americana “Porta do Céu”, Heaven’s Gate, fundada nos EUA em 1972 por Marshall Applewhite e Bonnie Lu Trousdale Nettles, cometeu suicídio coletivo. O saldo de mortos foi de trinta e nove pessoas. Homens de 26 a 72 anos, da classe média e alta, ingeriram comprimidos de fenobarbital acompanhado por forte dose de vodka, esperando irem embora da terra na cauda do cometa Halley.

1998 – No dia 05 de outubro de 1998, seis membros da seita conhecida como Igreja Youngsang (Vida Eterna), uma das muitas seitas apocalípticas da Coréia do Sul, e seu líder, Jong-min, 57 anos, foram encontrados queimados mortos em uma mini-van após um ritual religioso. A polícia coreana disse que o líder deixou sua casa em Seul, em julho, com seis seguidores, dizendo que eles estavam embarcando em uma viagem eterna.

2000 – Cerca de oitocentas pessoas que estavam envolvidas com a seita “Movimento Pela Restauração dos Dez Mandamentos” morreram carbonizadas na sede da seita, em Uganda, na África. Antes de cometerem o suicídio coletivo, o líder da seita os incentivou a abandonarem seus bens, pois iriam se encontrar com a Virgem Maria. Pelo jeito, o único mandamento que a seita não quis restaurar foi o “Não matarás”.

A timidez e o suicídio

O psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo publicou um estudo sobre as pessoas que praticam o suicídio, fazendo um paralelo com a timidez: “Obviamente, a problemática é mundial; vide o episódio no Japão sobre o suicídio coletivo dos hikikomoris (tímidos ou reclusos). Neste caso específico, a timidez caminhou para o suicídio, devido às pressões de uma determinada cultura que talvez não preste a atenção devida ao relacionamento humano, mas tão somente ao desempenho profissional e competição, embora não seja um aspecto encontrado apenas no Japão. (...) O tímido teme a situação de prova a todo o momento; quando se retira do contato cria uma ficção de vitória por não ter que passar por determinado apuro, mesmo que isto lhe custe um prazer futuro. (...) O tímido, na verdade, comete uma espécie de “estelionato social”; sua lei é retirar, sendo que os aspectos de egoísmo estão totalmente presentes. (...) O último estágio do processo da timidez é a depressão profunda ou o transtorno do pânico e até o suicídio, quando a pessoa não consegue mais nenhum tipo de satisfação devido a sua conduta masturbatória perante a vida. (...) O suicídio e timidez têm como temática básica a questão de como enfrentar a profunda solidão. O primeiro não enxerga nenhuma alternativa para resolver o dilema; o segundo se acostumou e desfruta da mesma”.

Alguns julgam a prática do suicídio um ato corajoso, outros, um ato covarde. A realidade é que é um ato penoso para quem pratica, pois seus problemas estarão apenas começando, após esta fuga da matéria. Ninguém queira conhecer o “Vale dos Suicidas”, ou melhor, deveriam ter pelo menos uma visão deste lugar para que tenham consciência de que se o inferno existe, ali é o lugar.

Um dos maiores escritores de Portugal, Camilo Castelo Branco, se suicidou aos 65 anos com um tiro no ouvido, quando foi acometido por uma cegueira, devido a uma doença nos olhos. Alguns anos mais tarde, por meio da médium Yvonne Pereira, escreveu Memórias de um Suicida, no qual descreveu com riqueza de detalhes a situação dos que suicidam e sua permanência no Vale dos Suicidas. Em determinado momento, ele fala sobre entidades perversas que escravizam criaturas nas condições amargurosas em que se via. Aprisionado, juntamente com outros suicidas, foram obrigados a fazer uma caminhada “penosamente, por um vale profundo, onde nos vimos obrigados a enfileirar-nos de dois a dois, enquanto faziam idênticas manobras os nossos vigilantes. Cavernas surgiram de um lado e outro das ruas que se diriam antes estreitas gargantas entre montanhas abruptas e sombrias, e todas numeradas. Tratava-se, certamente, de uma estranha “povoação”, uma “cidade” em que as habitações seriam cavernas, dada a miséria de seus habitantes, os quais não possuiriam cabedais suficientes para torná-las agradáveis e facilmente habitáveis (...) Não se distinguiria terreno, senão pedras, lamaçais ou pântanos, sombras, aguaceiros... Sob os ardores da febre excitante da minha desgraça, cheguei a pensar que, se tal região não fosse um pequeno recôncavo da Lua, existiriam por lá, certamente, locais muito semelhantes”.

Dessa forma, imaginem um grupo de suicidas chegando do “outro lado”, tomando ciência de que a vida continua, apesar da promessa de “paraíso” feita por “religioso” ou através de um pacto mal planejado pela Internet, onde a realidade não corresponde com a ilusão dos suicidas que terão que responder por estes atos. A frustração ao chegar do outro lado faz com que os suicidas se arrependam ardentemente, porém, é tarde demais.

Orientações espíritas

Em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, lê-se que “as conseqüências do suicídio são muito diversas: não há penas fixadas e, em todos os casos, são sempre relativas às causas que o provocaram. Mas uma conseqüência à qual o suicida não pode fugir é o desapontamento. De resto, a sorte não é a mesma para todos: depende das circunstâncias. Alguns expiam sua falta imediatamente, outros em uma nova existência que será pior que aquela da qual interromperam o curso”.

Entrevistei Richard Simonetti, um dos mais conceituados escritores espíritas. Perguntei: Quando uma determinada “religião” ou “líder religioso” levam seus seguidores ao suicídio coletivo, quem terá maior dosagem de culpa? Qual o grau de responsabilidade do líder religioso e do seu seguidor? Ele respondeu que “a responsabilidade maior será do líder, que terá, inclusive, o compromisso de ajudar seus seguidores a se recomporem”.

Indaguei novamente: “Caso o seguidor desta seita foi induzido ao suicídio, mesmo assim ele responderá por este ato praticado contra si próprio? Ele informou que “sim, porque não foi obrigado a matar-se, simplesmente rendeu-se às sugestões recebidas”.

Sendo assim, temos consciência de que tanto pela iniciativa, quanto pela indução, iremos responder pelos nossos atos, afinal, temos o livre-arbítrio para tomar as decisões que achamos cabíveis naquele momento, muitas vezes, sem ter a noção exata das conseqüências futuras.

Quando se deseja algo, seja bom ou ruim, temos ao nosso lado espíritos que irão captar as imagens em nossa mente e poderão, dessa forma, criar condições para que o nosso objetivo se concretize. Em se tratando de suicídio, obsessores irão envolver sua presa para que esta pratique este ato. No suicídio coletivo, uma legião de obsessores poderá estar pronta a “encaminhar” para as zonas sombrias seus desafetos do passado ou apenas indivíduos com a mesma afinidade de pensamentos e propósitos.

Independente do país, o suicídio coletivo é uma realidade. As autoridades devem tomar consciência da seriedade deste assunto e um estudo mais profundo deve ser elaborado para tentar evitar tal atrocidade. Aos candidatos ao suicídio coletivo, reflitam muito bem antes. Procurem ajuda, seja com amigos, parentes ou uma determinada religião que trabalhe o emocional da pessoa, mostrando uma visão global e cristã da vida. Nos centros espíritas, pode-se obter ajuda através de palestras educativas e esclarecedoras, passe, tratamento da desobsessão, água fluidificada, leituras edificantes e o culto do evangelho no lar.

Não se deixe levar pelas ilusões de um mundo melhor pós-suicídio, afinal a porta falsa do suicídio é uma armadilha para um caminho sem volta.

É nossa obrigação acolher com carinho as pessoas que sabemos ter tendência suicida. Devemos estar atentos, para que elas não cometam esta atrocidade contra si mesmas. Muitas vezes, o medo faz com que procurem outras pessoas com o mesmo intuito suicida, se encorajando, acabam praticando o suicídio coletivo.

Artigo publicado na edição 43 da Revista Cristã de Espiritismo.