Por Nazareno Tourinho
A obra de J. B. Roustaing, que unicamente a Federação Espírita Brasileira continua editando, começa para nós com um breve escrito do tradutor Guillon Ribeiro na qual é situada na categoria de "obra incomparável, única até hoje no mundo".
Assevera o referido confrade no arroubo do seu entusiasmo:
"Nela se encerra toda uma revelação de verdades divinas que ainda em nenhuma outra fora dado ao homem entrever."
Fica, assim, os espíritas cientes de que os livros de Allan Kardec não chegam aos pés das brochuras de Jean Baptiste Roustaing – nelas estão as verdades divinas que os tomos do emérito codificador do Espiritismo não conseguem entrever...
O conceituado tradutor faz referência ainda a “"certas inovações" a que se balançou quando verteu para a nossa língua o texto original, como, por exemplo, a iniciativa de separá-lo em quatro volumes e não em três, conforme preferiu o autor; julgou-se no direito de agir de tal modo por ser “"de melhor aviso", esquecendo de informar quem deu o aviso...Mas deixemos de lado este pormenor ético, em homenagem à biografia do ilustre tradutor.
Passemos para o Prefácio contendo a assinatura de J. B. Roustaing.
Ele principia dando a si mesmo um atestado de ingênuo ou mentiroso. Esta observação é tão grave que vamos comprová-la através de suas próprias palavras. Preste o leitor muita atenção, sobretudo para as datas.
Na página 57 escreve:
“No mês de janeiro de 1858 fui acometido de uma enfermidade tão prolongada quão dolorosa...".
Na p.58 prossegue o ilustre advogado, que se tornou proeminente na Corte Imperial de Bordeaux:
“Em janeiro de 1861, completamente restabelecido, cuidei de voltar ao exercício dessa amada profissão para com a qual era devedor de uma posição independente, adquirida mediante trinta anos de trabalho no gabinete e nos tribunais. Mas, 'o homem propõe e Deus dispõe', diz a sabedoria das nações.
Um distinto clínico daquela cidade me falou da possibilidade de comunicações do mundo corpóreo com o mundo espiritual, da doutrina e da ciência espíritas, como fruto dessa comunicação, objetivando uma revelação geral. Minha primeira impressão foi a de incredulidade devida à ignorância...".
Na p.59 confessa:
“Li O Livro dos Espíritos."
Na p.60 acrescenta:
“Li em seguida O Livro dos Médiuns...
Depois desse estudo e desse exame, consultei a História, desde a origem das eras conhecidas até nossos dias...".
Na p.61 aduz:
“Compulsei os livros da filosofia profana e religiosa, antiga e recente, os prosadores e os poetas que refletem as crenças, bem como os costumes dos tempos."
Na p.64 arremata:
“Na véspera do dia 24 de junho de 1861, eu rogara a Deus, no sigilo de uma prece fervorosa, que permitisse ao Espírito de João Batista manifestar-se por um médium, que se achava então em minha companhia e com o qual diariamente me consagrava a trabalhos assíduos. Pedira também a graça da manifestação do Espírito de meu pai e do meu guia protetor."
Aí está:
Em janeiro de 1861 Roustaing era analfabeto em matéria de Espiritismo, nem sequer ouvira falar de comunicação mediúnica, e seis meses depois, em junho do mesmo ano, 1861, já se punha diariamente em “trabalhos assíduos” buscando mensagens do Além, e não apenas do seu genitor, e do seu guia, mas também de um grande vulto evangélico, nada menos do que o precursor do Cristo...Só podia acabar sendo vítima de mistificação!
Abstraindo-se o aspecto espiritual e doutrinário do problema, pergunta-se:
- Como foi possível a Roustaing, no curto período de seis meses, em que andou ocupado analisando O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, ter tido tempo para consultar a História, desde a origem das eras conhecidas até os nossos dias (os dias dele, é claro), e afora esse empreendimento fenomenal, como lhe foi possível ainda ter tido tempo para compulsar os livros da filosofia profana e religiosa, antiga e recente, não dispensando nem os prosadores e os poetas que refletem as crenças, bem como os costumes dos tempos???
Responda a essa pergunta, sem rodeios, quem pretender nos acusar de ser injusto levantando suspeita sobre a competência ou a honestidade intelectual do indigitado autor.
Antes de irmos adiante tem mais um detalhe de natureza moral digno de não passar em branco.
Os trechos da lavra de Roustaing que reproduzimos são do Volume 1 da 6ª edição da FEB, de 1983, de Os Quatro Evangelhos, de sua autoria.
Os espíritas brasileiros das novas gerações, porém, precisam saber deste fato pitoresco: em 1920 o anjo Ismael, dado como sempre em rigoroso plantão para orientar a FEB, cochilou desastradamente e a deixou publicar uma edição da obra de Roustaing onde se lê críticas acerbas, diretas e ferinas, a Allan Kardec.
Tal edição, que alguns companheiros veteranos guardam, constitui hoje uma espinha na garganta da FEB porque documenta a insanável divergência entre os seguidores de Roustaing e de Kardec. Provaremos também isso no próximo texto.
Fonte:
TOURINHO, Nazareno. As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.
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