domingo, 22 de janeiro de 2012

O Mundo Espiritual segundo o Espiritismo


Por Maria das Graças Cabral

Diante dos inúmeros conflitos de entendimento, motivados por escritos e/ou opiniões que contradizem a existência de ’colônias espirituais’, nos moldes da narrativa do espírito André Luiz, no livro Nosso Lar, o presente artigo, tratará do Mundo Espiritual, objetivando dirimir alguns equívocos suscitados pelo tema, com base nos preceitos Espíritas.

Não obstante, antes da abordagem do tema proposto, farei algumas considerações, que entendo de relevância, para dissipar entendimentos equivocados.

Inicialmente, observo um grande ‘mal-estar’ que se instala ao se questionar a existência das emblemáticas ‘colônias espirituais“. A razão de tal contrariedade, se dá pelo fato de ser a obra refutada (Nosso Lar), produto da mediunidade do grande e respeitado médium Chico Xavier. Ou seja, a grande legião de seguidores e admiradores do médium, entende que ao se questionar a veracidade das mensagens mediúnicas, em razão da falta de amparo doutrinário espírita, por ’tabela’ se põe em ‘xeque’ a moralidade, respeitabilidade e confiabilidade daquele que psicografou as obras.

Entretanto, devemos observar, segundo os ensinamentos positivados em O Livro dos Médiuns, que por ser a Terra um planeta de provas e expiações, os Espíritos que aqui encarnam, são imperfeitos e suscetíveis às influências espirituais. Por conseguinte, todos os médiuns encarnados no orbe terrestre, por não serem Espíritos perfeitos, em algum momento de suas vidas e experiências mediúnicas, serão obsidiados, mistificados ou fascinados, como qualquer outro simples mortal. Cabendo ainda ressaltar, da grande complexidade que envolve o processo mediúnico, o qual estamos longe de compreendê-lo em profundidade e alcançar todas as suas nuances.

Conquanto, é inquestionável que Chico Xavier, foi um homem que buscou vivenciar a moral evangélica, tendo utilizado sua mediunidade como instrumento de consolação aos aflitos. Através das cartas psicografadas, trazia notícias do mundo espiritual, amenizando as dores acerbas de mães, pais, filhos(as) e familiares, que vivenciavam a partida de seus entes queridos para o outro lado da vida.

Além de mitigar as dores da saudade, o médium os aconselhava a direcionar suas energias ao amparo dos desvalidos. Quantas casas de caridade foram instituídas e/ou apoiadas por pais e mães, que buscaram consolação na mediunidade de Chico?!. Indiscutível a grandiosidade do seu trabalho de beneficência, favorecendo com a venda de seus livros psicografados, inúmeras instituições de caridade, e a própria Federação Espírita Brasileira.

No que tange a Doutrina dos Espíritos, os problemas vieram com a produção literária dos Espíritos Emmanuel e André Luiz. Até porque, foram as obras dos referidos Espíritos, que levaram Chico Xavier a ser conhecido no Brasil e no mundo como representante do Espiritismo, passando tais livros a serem catalogados pela própria FEB como Obras Complementares da Doutrina Espírita. Hodiernamente, tais exemplares são mais afamados e lidos, que as próprias Obras Básicas da Codificação, havendo uma verdadeira inversão de valores.

Não obstante, vale lembrar que vários ’equívocos’ doutrinários firmados por Emmanuel, foram publicados no livro O Consolador, de sua autoria. Dentre as incorreções, a que ganhou maior notoriedade foi quando Emmanuel defendia a existência das “almas gêmeas”, em total desacordo com as Obras Básicas da Doutrina Espírita. Na oportunidade, foi a própria FEB, quem levantou a questão, em razão do alvoroço causado no meio espírita (J. Herculano Pires que o diga). Diante do transtorno, qual foi o posicionamento de Emmanuel? - Transferiu a responsabilidade para o médium Chico Xavier, que prontamente assumiu o erro.

Destarte, infere-se que, se nas demais obras ditadas pelo Espírito de Emmanuel, ou sobre sua fiscalização e direção, que é o caso das obras ditadas pelo Espírito de André Luiz, - identifica-se claramente inúmeras incongruências com a Doutrina Espírita, das duas uma: ou os referidos Espíritos ditaram entendimentos próprios, embasados em convicções religiosas e filosóficas não espíritas, “mesclando” com princípios espíritas, principalmente utilizando-se da moral evangélica, para disfarçar os seus reais objetivos(?!); ou, todas as incompatibilidades serão de responsabilidade do médium, que transformou ou procurou adequar as mensagens dos Espíritos, às suas próprias convicções íntimas! Duas possibilidades: mistificação ou animismo.

O mais intrigante, é que Emmanuel, que se apresentava como Guia Espiritual do médium, de personalidade autoritária, e de grande rigorismo para com seu tutelado; que se mostrava um intelectual (observemos que na obra O Consolador ele trata das mais diversas áreas do conhecimento humano); estudioso da Bíblia cristã (ditou várias obras voltadas para mensagens e análises de versículos bíblicos); além de se colocar perante Chico, como um mestre e defensor dos preceitos Espíritas, teria “deixado passar” tantos equívocos doutrinários?!

Oportuno ressaltar, que tais incorreções não são sequer questões de grande complexidade, pois quem quer que estude os preceitos espíritas, com seriedade e atenção, facilmente identificará os sofismas. Isto posto, vamos iniciar o estudo do mundo espiritual, com base nos preceitos propostos pela Doutrina dos Espíritos, codificada por Allan Kardec.

É fato que para estudarmos o mundo espírita, devemos abstrair dos conceitos materiais pertinentes ao mundo corpóreo. Como por exemplo, lugares com espaço definido, tangibilidade, ponderabilidade, necessidades e/ou sensações físicas. Não podemos ter por paradigma o mundo corpóreo, para compreender um outro mundo que foge totalmente à materialidade percebida pelos nossos sentidos.

O Espírito em seu processo evolutivo, passa pela encarnação no mundo material para alcançar a perfeição. Cumprida sua missão no plano físico, o Espírito imortal, retorna ao mundo espiritual, o qual “preexiste e sobrevive a tudo”. Nos dizem os Espíritos Superiores que, “O mundo corpóreo poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem com isso alterar a essência do mundo espírita.” Importante pontuar, que não é pelo fato de o mundo espiritual preexistir ao mundo corpóreo, que este seja uma cópia daquele, como muito comumente se propaga. (LE, p. 85 e 86)

No que tange à “localização” do mundo espiritual, esclarecem objetivamente os Mestres da Codificação, que os Espíritos não ocupam uma região circunscrita e determinada no espaço. Asseveram que “os Espíritos estão por toda parte; povoam ao infinito os espaços infinitos. Há os que estão sem cessar ao vosso lado, observando-os e atuando entre vós, sem o saberdes (...) mas nem todos vão a toda parte, porque há regiões interditadas aos menos avançados.” (LE., p. 87) (grifei)

Observemos, que para tal assertiva, não cabem distorções interpretativas. Os Espíritos Superiores são enfáticos ao afirmar que os Espíritos não ocupam regiões delimitadas na espiritualidade! Infere-se do exposto, que obviamente os Espíritos não delimitam espaços construindo nichos, para se abrigarem, se tratarem, se alimentarem, etc., pois não é assim que ‘funciona’ o mundo espiritual!

Outro aspecto relevante a ser considerado, diante dos ensinamentos acima propostos, diz respeito à ligação psíquica e emocional do Espírito ao mundo material. Nada mais comum, que o relato feito por portadores de visão psíquica, de Espíritos que transitam em suas casas, museus, bibliotecas, ruas, praças, bares, teatros, hospitais, cemitérios, etc., etc. Em contrapartida, muitos outros não sabem onde estão, afirmam estarem cegos, perdidos, imersos em profunda escuridão. Isto porque, são infinitas as possibilidades, do ’estar’ no mundo espírita, dependendo do psiquismo de cada indivíduo.

É fato que o Espírito errante, aspirando por um novo destino, poderá passar longos períodos no estado de erraticidade (no mundo espiritual). E aí asseveram os Mestres da Codificação, que “existem mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que eles podem habitar temporariamente, espécie de acampamentos, de lugares em que possam repousar de erraticidades muito longas, que são sempre um pouco penosas. São posições intermediárias entre os outros mundos, graduados de acordo com a natureza dos Espíritos que podem atingi-los, e que neles gozam de maior ou menor bem-estar.” Acrescentam ainda, que os Espíritos que se encontram nesses mundos transitórios, podem deixá-los para seguir seu caminho. (LE., p. 234)

À título de esclarecimento, vale pontuar que os referidos mundos transitórios, de superfícies estéreis, se tornarão oportunamente mundos habitados. (LE., p. 236/236-b) Ressalto o entendimento, para que não irrompa a concepção de que as emblemáticas ‘colônias espirituais’, se enquadrem nesta categoria.

Dando prosseguimento aos ensinamentos sobre os mundos transitórios, estejamos atentos à resposta dada pelos Mestres Espirituais, quando Kardec indaga se os mundos transitórios são ao mesmo tempo habitados por seres corpóreos. Respondem os Espíritos da Codificação que, Não, sua superfície é estéril. Os que os habitam não precisam de nada.” (LE., p. 236-a) (grifei)

Diante da resposta apresentada, mais uma vez legitimamos o entendimento de que o espírito errante não precisa de nada, do que seria imprescindível ao encarnado no mundo material! Não precisa de nada, repetimos. Ou seja, não precisa de casa, alimentação, hospitais, transportes, etc., porque ele agora é ESPÍRITO. Sua condição é diversa, e por conseguinte suas necessidades não serão as mesmas de quando habitava um corpo físico em um mundo material, como já repetimos anteriormente.

Prossegue o Codificador perguntando. - Esses mundos seriam, então desprovidos de belezas naturais? Observa-se que quando Kardec argüi se tais mundos seriam destituídos de belezas naturais, estava certamente tendo como paradigma o que consideramos no planeta Terra como belezas naturais. Ou seja, os nossos bosques, jardins, mares, cachoeiras, enfim, tudo o que encanta aos nossos sentidos na condição de encarnados. Vejamos então o que respondem os Espíritos Superiores: - “A natureza se traduz pelas belezas da imensidade, que não são menos admiráveis do que as que chamais belezas naturais.” (LE., p. 236-b) Outra grande lição dada pelos Mestres da Espiritualidade, quando asseveram que existem belezas, as quais não correspondem ao nosso ‘padrão’ do que é bonito, agradável e perfeito.

Portanto, constata-se que os Espíritos errantes não precisam de florestas, jardins com flores exóticas, cascatas, para se sentirem reconfortados com a beleza de um mundo transitório. Na condição de espírito, a ‘imensidade’ de uma paisagem tem sua beleza própria.

Adiante, mais um questionamento de grande relevância é feito por Allan Kardec, no que concerne ao mundo espiritual, senão vejamos: - Um lugar circunscrito no Universo está destinado às penas e aos gozos dos Espíritos, de acordo com os seus méritos?

Vale observar, que mais uma vez o Codificador interroga da existência de um “lugar circunscrito no Universo”, reservado ao sofrimento, à purgação, ou à felicidade dos Espíritos. Na realidade, Kardec sabia da nossa carência de ‘visualizar’ um lugar definido, com área delimitada, e se possível com endereço certo, para que pudéssemos ter uma noção desse mundo que nos foge aos sentidos. Até porque, céu, inferno e purgatório eram tidos por lugares delimitados no mundo espiritual, fazendo parte da dogmática católica, e aceita pela maioria cristã. Daí, a oportunidade do questionamento feito por Kardec.

Vejamos então a resposta dada pelos Espíritos Superiores: - “Já respondemos a essa pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição do Espírito. Cada um traz em si mesmo o princípio de sua própria felicidade ou infelicidade. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado se destina a uns ou a outros. (...)” (LE., p. 1011) (grifei)

Oportuno ressalvar que de acordo com o dicionário pátrio, o termo “circunscrito“, significa um lugar restrito, delimitado, já a palavra “fechado“, significa encerrado, trancado. Faço, tal ressalva para alertar que os Espíritos Superiores asseveram mais uma vez da não existência de locais delimitados, nem fechados para se vivenciar a felicidade ou a dor no mundo espiritual. Observe-se quando nos é dito que “cada um traz em si mesmo o princípio da sua própria felicidade ou infelicidade”.

Daí, Kardec oportunamente nos esclarece dizendo que: A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto o outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto que tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima impressão. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, seja à superfície da Terra, no meio dos encarnados, seja no Espaço”.(Revista Espírita. Março de 1865, p. 100) (grifei) Em face de tão claros ensinamentos, mais uma vez encontramos legitimação para contraditar e impugnar, a tese da existência de ’umbral’, ou ‘colônias espirituais’. 

A título de esclarecimento para aqueles que nunca leram a obra Nosso Lar, transcrevo o seguinte trecho em que o espírito de André Luiz, assevera que o Umbral começa na crosta terrestre, sendo uma zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados” (...). (Nosso Lar, p. 79) Acrescenta ainda, que o dito Umbral funciona, como região destinada a esgotamento de resíduos mentais: uma espécie de zona purgatorial, onde se queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura adquiriu por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existência terrena“. (...) “Concentra-se aí, tudo o que não tem finalidade para a vida superior, ressaltando que a Providência Divina agiu sabiamente, permitindo se criasse tal departamento em torno do planeta”. (grifei) (Nosso Lar, p. 79/81)  

Já a colônia espiritual denominada de Nosso Lar é descrita pelo autor espiritual como uma cidade de uma beleza impressionante, com “vastas avenidas, enfeitadas de árvores frondosas. Ar puro, atmosfera de profunda tranqüilidade espiritual”. (Nosso Lar, p. 58) Prossegue o autor informando da existência de uma praça no centro da cidade aonde se erguem o prédio da Governadoria, e os Ministérios. As residências ao entorno são ocupadas por funcionários dos Ministérios. Uma outra parte dos conjuntos residenciais que está fora desse circulo é constituída por pessoas ligadas aos funcionários dos Ministérios e podem ser transmitidos a outros de acordo com a vontade de seus proprietários. Além dessas residências, protegendo-as estão grandes muralhas protetoras.

Não obstante, diante dos ensinamentos transmitidos pelos Espíritos Superiores, e codificados por Allan Kardec, não temos como validar, as narrativas acima apresentadas. Vale ressaltar que tais obras seriam aceitáveis como romances de ficção e/ou de natureza espiritualista, mas nunca como uma obra complementar espírita.

É fato que caímos nas malhas do absurdo, em razão do materialismo visceral que nos aprisiona, impedindo vislumbrar um outro mundo, uma outra vida, que não seja nos moldes do mundo material em que vivemos. Fugimos com medo de uma realidade que não aceitamos e/ou não entendemos, e nos escondemos nos sonhos que nos oferecem e nos agradam, por não conseguirmos nos distanciar da materialidade. E assim viajamos e nos perdemos nas utopias.

Não obstante, de acordo com a Doutrina Espírita, quando retornarmos à verdadeira vida, poderemos nos sentir livres, seguros e felizes, tendo a nos recepcionar, nosso Guia Espiritual, familiares e amigos. Como também poderemos estar desesperados, cegos, perdidos em uma escuridão sem fim, profundamente revoltados e infelizes. Tudo dependerá das nossas condições consciênciais, emocionais e psíquicas.

Por fim, asseveram os Mestres Espirituais da Codificação Espírita, que nesse mundo infinito e eterno, que é o mundo espiritual, “os Espíritos estudam o seu passado e procuram o meio de se elevarem. Vêem, observam o que se passa nos lugares que percorrem; escutam os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados que eles, e isso lhes proporciona idéias que não possuíam.“ (LE., p. 227). Importante ressaltar, que os caminhos que percorre, não serão se arrastando pelo solo, nem voando como pássaros. Nos dizem os Espíritos Superiores que viajaremos pela força do pensamento e da vontade. E como se dará isso? Como descrever a luz aos cegos? Só vivendo pra saber.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos – 1857. Tradução Ed. Lake, 1995, Herculano Pires

KARDEC, Allan, O Livro dos Médiuns - 1863, Tradução Ed. Lake, 2003, Herculano Pires

KARDEC, Allan, Revista Espírita - março de 1865, Ed. FEB, 2004.

XAVIER, Chico , Nosso Lar - Ed. Feb, 1944 - 45ª edição

Um comentário:

  1. Texto excelente! Muitos deveriam ler, vou terminá-lo mais tarde! Mas está ótimo. E tem gente que questiona incessantemente a doutrina tentando usar uma linguagem sofisticada e bonita, mostrando supostas incoerências que inventam em sua cabeças pouco informadas, com preguiça de ver a verdade e estudá-la.

    Parabéns!!

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