sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Paradoxo Espírita: a causa primária


Por Leonardo Montes


Quando se lê em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, sobre Deus, muita gente nem suspeita que várias respostas dos espíritos somam-se a diversos argumentos cosmológicos do passado.

Quando se diz, por exemplo, na questão 1 que Deus é a  “Inteligência Suprema”, faz-se referência aos pensamentos ontológicos de Anselmo de Cantuária(1):
“Portanto, Senhor, tu és não somente aquilo de que não se pode pensar nada de maior, mas tu és muito maior de quanto possa ser pensado”.
Quando se diz “causa primária de todas as coisas”, faz-se referência ao argumento cosmológico Kalam:
“Todo ser que começa a existir tem uma causa para seu início; o mundo é um ser que começou a existir; portanto, ele possui uma causa para seu início”(2).
Em diversas outras questões esse processo se repete, de modo que a visão “teológica espírita” termina por herdar uma série de argumentos cosmológicos construídos ao longo do tempo.

Contudo, para a maioria dos espíritas, o argumento da causalidade (Kalam) é o mais forte. Os próprios espíritos tocaram nele, quando Kardec questionou o surgimento “da formação primária da matéria” pelo acaso:
“Outro absurdo! Que homem de bom-senso pode considerar o acaso um ser inteligente? E, demais, que é o acaso? Nada.” (O.L.E, questão 08).
Como ilustração do dito acima, vou citar um pequeno trecho de um texto escrito por Gerson Simões para o jornal “Extra”:
“Com relação ser Ele a causa de tudo o que há no Universo, o melhor argumento é o da própria ciência, ou seja, a de que “não há efeito sem causa”. Ora procurando a causa de tudo o que existe no Universo, e que não é obra do homem, concluiremos logicamente de que se trata de uma obra de Deus. Vale aqui lembrar que Voltaire, um vulto notável do pensamento francês, afirmou com seu raciocínio prático sobre a existência do Criador: “O Universo me espanta e não posso imaginar que este relógio exista e não tenha um relojoeiro”(3).
Sem dúvida podemos nos admirar com a complexidade do Universo e da Vida. É espantoso quando, às vezes, tomando banho, simplesmente paro e observo a água escorrendo pelos meus dedos; a forma, tamanho, cor e toda a complexidade envolvente em atos tão simples como o de abrir e fechar a mão.

Contudo, tal argumentação possui uma fraqueza: Se a causa do Universo é Deus, qual é a causa de Deus? – Lembre-se: o princípio cosmológico da causalidade (Kalam) pressupõe que “Tudo que começa a existir tem uma causa”.

Kardec tocou neste assunto na questão 14 de O Livro dos Espíritos, mas a resposta foi ríspida e pouco satisfatória:
“Deus existe; disso não podeis duvidar e é o essencial. Crede-me, não vades além.Não vos percais num labirinto donde não lograríeis sair. Isso não vos tornaria melhores, antes um pouco mais orgulhosos, pois que acreditaríeis saber, quando na realidade nada saberíeis. Deixai, conseqüentemente, de lado todos esses sistemas; tendes bastantes coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertardes delas, o que será mais útil do que pretenderdes penetrar no que é impenetrável.”
Se nos contentamos com a explicação de que a existência do Universo se deve a Deus, porque não aplicamos o mesmo conceito quando nos referimos a Deus? Isto é, se o argumento cosmológico é válido em sua primeira premissa (tudo que começa a existir tem uma causa), porque nos contentamos em pensar que Deus é a única “causa” do universo que não precisa de uma causa anterior?

Este assunto é de muito interesse aos novatos no Espiritismo. Quase sempre surge como uma das primeiras dúvidas, nessa forma: Quem criou Deus?

Contudo, já doutrinados, e preparando-se para doutrinar, os espíritas mais velhos quase sempre riem desse questionamento citando a resposta à questão 14 ou alguma passagem de Chico Xavier, como a que diz:

“Vamos nos contentar em chegar até o filho (Jesus), porque o Pai (Deus) está muito distante”. Frase freqüentemente repetida nos centros espíritas quando o assunto é a origem de Deus.

Vi diversas vezes pessoas serem fraternalmente ridicularizadas e desestimuladas a fazer este simples questionamento que fez e faz muitos pensadores antigos e novos perder noites de sono tentando desvendar esse mistério.

O ponto principal, a não perder de vista, é que parece haver um peso e duas medidas na análise espírita desta questão:

- Julgamos válidos os argumentos cosmológicos para explicar a “origem das coisas”; mas, não, para explicar Deus. O que me soa como um paradoxo causal.

Contudo, o meu objetivo ao escrever esse texto não é resolver esta questão, mas a de perguntar:

Deus é a explicação para o Universo; qual é a explicação para Deus? – Por que o argumento da causalidade vale para o Universo e, por conseqüência, para “todas as coisas”, mas não vale para Deus?

Não são duas medidas para um mesmo peso?

Referências:

1 – Disponível, em: http://www.filosofante.com.br/?p=693 acesso: 09/07/12
2 – Disponível, em: http://materialismofilosofia.blogspot.com.br/2012/04/giuliano-thomazini-casagrande-o.html. Acesso: 09/07/12
3 – Disponível, em: http://extra.globo.com/noticias/religiao-e-fe/gerson-monteiro/o-que-deus-na-visao-espirita-366326.html. Acesso: 09/07/12

Clique aqui para ler o debate no Fórum Espírita: http://www.forumespirita.net/fe/artigos-espiritas/paradoxo-espirita-a-causa-primeira/#ixzz20GBI2639

6 comentários:

  1. A especulação filosófica é saudável,e exercita nossa mente.Meu filho de 11 anos já me perguntou durante um estudo do EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO:QUEM CRIOU DEUS?E eu respondi :Se os atributos de Deus segundo a Doutrina Espírita são de que ele é eterno,incriado,onisciente,onipotente,soberanamente justo e bom,ele sempre existiu sem necessitar de criador ou causa,esse é o meu entendimento.Mas talvez os Espíritos superiores que ditaram as respostas ás perguntas de Kardec,não considerassem a mente humana amadurecida O BASTANTE naquela época(sec XIX)para avançar mais em suas revelações.De toda a sorte é um assunto muito interessante e adequado ao debate esclarecedor.O que pensam as outras correntes filosóficas?é para se estudar e pensar!Bons estudos a todos do blog!

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  2. A Lei de Causa e Efeito só tem validade para o mundo físico, mundo físico esse onde DEUS não se enquadra - afirma o filosofo Joel Fernandes. Deus é espírito, confirma o próprio Jesus.

    Deus é a causa incausada. O absoluto. O primeiro motor, de acordo com Aristóteles

    A visão espírita, descrita na primeira questão de O Livro dos Espíritos, é, talvez, a melhor concepção que podemos ter do Criador. Falta-nos a percepção necessária para defini-Lo com maior exatidão, sendo toda tentativa neste sentido infrutífera. Ora, como poderá o limitado definir aquilo que é ilimitado? Inconcebível. “Crede-me, não vades além. Não vos percais num labirinto donde não lograríeis sair.” (L.E, Q.14)

    “Deus não é uma forma humana, não é uma figura mitológica, não é um símbolo. Deus é a realidade fundamental, a Inteligência suprema, a fonte de que surgem todas as coisas, assim como da inteligência finita do homem surgem as coisas que constituem o seu mundo finito. Não é possível dar forma a Deus, limitá-lo, restringi-lo, dominá-lo pela nossa razão, como não é possível dar forma à nossa própria inteligência.” (J. Herculano Pires. O Espírito e o Tempo.)

    Com razão afirmou J. Herculano Pires que o espiritualismo simplório e o materialismo atrevido são os dois pólos da estupidez humana.

    Não conseguimos, por questão de lógica e bom senso, imaginar que o universo seja obra do acaso. “Viu-se alguma vez o arremesso ao acaso das letras do alfabeto produzir um poema? E que poema o da vida universal! [...] Inconscientes e cegos, os átomos não poderiam tender a um fim. Só se explica a harmonia do mundo pela intervenção de uma vontade.” (L. Denis. Depois da morte.)

    Ora, torna-se impossível aceitar que a dança cega dos átomos seja capaz de compor esse poema cósmico de que nos fala o ilustre filósofo Leon Denis. Alias, nas palavras de Herculano Pires, "as coisas evidentes se impõem pela própria evidência. Não podemos negar a existência de Deus, porque como dizia Descartes, isso equivale a negar a existência do sol em nosso sistema planetário." (J.Herculano Pires.O Espírito e o Tempo.)

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  3. Neste particular, os agnósticos se saem melhor, pois para eles é indiferente a questão de se provar ou não a existência de Deus. Não se pode afirmar, como tambem não se pode negar, pois a razão humana carece de fundamentos racionais para justificar se Deus existe ou não.

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    1. Até é interessante o pensamento agnosticista, mas há um porém... Há uma resposta para isso, que é: "Deus sempre existiu (é eterno)." A questão é que não conseguimos compreender isso, e é exatamente por este motivo que os espíritos alertaram oq está no texto: “Deus existe; disso não podeis duvidar e é o essencial. Crede-me, não vades além.Não vos percais num labirinto donde não lograríeis sair. Isso não vos tornaria melhores, antes um pouco mais orgulhosos, pois que acreditaríeis saber, quando na realidade nada saberíeis. Deixai, conseqüentemente, de lado todos esses sistemas; tendes bastantes coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertardes delas, o que será mais útil do que pretenderdes penetrar no que é impenetrável.” Ou seja, sim de fato o ser humano e sua razão são ainda insuficientes para entender tal coisa ( estou confirmando o que vc disse, só estou acrescentando algo importante, que é o fato de existirem outras formas de provar a existência de Deus, porém Deus em si não compreendemos totalmente).

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  4. Acredito em Deus claro. mas observando a parte que falamos causa e efeito tudo tem uma criacao entao uma pergunta que faco. A Terra nao foi criada pelo homem logo foi criada por algum Ser que seria Deus e Deus surgiu do nada?

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  5. Quando chegares a perfeição total de teu espírito, com certeza estarás de frente com o Criador. Aí então, pergunte para Ele, de onde Ele veio?

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