Por Paulo da Silva Neto Sobrinho
Não é raro ouvirmos de oradores e expositores espíritas que Kardec é o autor dessa célebre frase. Tentamos descobrir com alguns deles qual seria a fonte onde se basearam para passar essa informação ao público, mas nunca logramos êxito. Então, o recurso foi fazermos minuciosa pesquisa em todas as obras do Codificador para ver se nelas encontrávamos algo; porém, nada encontramos sobre o assunto. E já não tínhamos esperança de que um dia fôssemos desvendar isso.
Bem disse Jesus que "não há nada de escondido que não venha a ser revelado, e não existe nada de oculto que não venha a ser conhecido" (Mt 10,26; Lc 12,2), hoje, a luz se fez, e acabamos encontrando uma obra que fala dessa frase. Trata-se do livro Allan Kardec: o educador e o codificador, de Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, uma publicação da Federação Espírita Brasileira. Como achamos que o que consta dessa obra pode, certamente, esclarecer o assunto e, consequentemente, apontar a sua origem, resolvemos por bem transcrever o seguinte trecho:
No bordo frontal da pedra que, pesando seis toneladas, serve de teto, acha-se gravado o apotegma que resume a doutrina kardequiana, de justiça e progresso:
NAÎTRE, MOURIR, RENAÎTRE ENCORE
ET PROGRESSER SANS CESSE TELLE EST LA LOI.
Esta inscrição faltava à época da inauguração, tendo sido esculpida ainda em 1870(39). Jean Vartier, que parcialmente biografou Kardec (40), escreve que ela fora calcada no capítulo IX da primeira parte da obra "Die Wahlverwandstschaften", de Johann Wolfgang von Goethe.
Vartier baseou-se na tradução francesa de Camille Selden, pseudônimo de Elise Krinitz, publicada em Paris, s. d., com prefácio datado de janeiro de 1872. De fato, na referida tradução - "Les affinités électives" -, a página 78, há referência a uma casa cujos fundamentos seriam então lançados. Na solenidade, um pedreiro (maçon), com o martelo numa das mãos e a colher na outra, procurou em pequeno discurso dizer que o edifício a ser levantado seria um dia destruído, acrescentando: "Naître pour mourir, mourir pour renaître, telle est la loi universelle. Les hommes y sont soumis, à bien plus forte raison leurs travaux".
O Sr. Vartier, com aquele seu apressado e mordente espírito crítico, deveria ter estudado mais a fundo o assunto. Descobriria, então, que no original alemão não há aquela frase, tal como está em francês; que a tradução francesa, feita com certa liberdade por C. Selden, fora publicada posteriormente a janeiro de 1872, mais de um ano após ter sido gravado o apotegma em questão no dólmen de Kardec; que, se houve plágio (como o Sr. Vartier quis insinuar), ele partiu do tradutor.
Não acreditamos, porém, em plágio de quem quer que seja. A frase em foco andava no ar, não é de Kardec, como pretendem alguns, e pode ser encontrada, com algumas variantes, em citações bem anteriores à desencarnação de Kardec, como, por exemplo, na obra "Clê de la Víe", de Louis Michel, organizada por C. Sardou e L. Pradel, editores, Rue du Hassard, 9, Paris, datada de 1º de agosto de 1857, p. 570:
"Saturées de l'aimant divin, de l'amour divin, des provisions divines de toute nature, les âmes solaires, par cet aimant, par cel amour, par tous ces divers agents cêlestes. font naître, vivre, circuler, évolutionner, mûrir, se transformer, monter au chemin ascendant, leurs soleils et leurs planètes, et, par les âmes de ces dernières, font jouir des mêmes avantages la plus obscure image de Dieu elle-même, l'homme, restê, encore, en dehors de l'unité; dès qu'il consent à s'y prêter un peu".
Em discurso pronunciado na presença de Kardec, no dia 14 de outubro de 1861, na Reunião Geral dos Espíritas de Bordéus, o Sr. Sabó disse textualmente:
"...pour aller à lui, il faut naître, mourir et renaître jusqu'à ce qu'on soit arrivé aux limites de la perfection..." ("Revue Spirite", 1861, p. 331.)
Vejamos também estas duas frases:
"Tout, tout, dan cette grande unité de la création, existe, naît,
vit, fonctionne et meurt et renaît pour l'harmonie universelle".
"(...) il faut naître, mourir et renaître jusqu'à ce que l'on soit
parvenu aux limites de la perfecion".
Estão elas em "Les Quatre Évangiles", J.-B. Roustaing, Tome Premier, Paris, Librairie Centrale, 24, Boulevard des Italiens, 1866, às páginas 191 e 227, respectivamente. Notemos que a frase é substancialmente a mesma, sob várias formas, sempre, porém, com o mesmo sentido, em 1857, 1861, 1866 e finalmente em 1870, quando foi esculpida no frontispício do dólmen de Kardec, em três linhas:
NAÎRE, MOURIR, RENAÎTRE ENCORE
ET PROGRESSER SANS CESSE
TELLE EST LA LOI
Terá sido por tudo isso que o Espírito Emmanuel a atribui não a um ser humano em particular, mas sim ao Espiritismo? Com efeito, diz ele, na página intitulada "Problema conosco", inserta no livro "Justiça Divina" (F. C. Xavier, 3ª edição FEB, 1974, p. 84):
"E o Espiritismo acentua: "Nascer, viver, morrer, renascer de novo e progredir continuamente, tal é a lei". (os grifos são nossos [dos autores]).
Inauguration du monument", Paris, à la Librairie Spirite, 1870, pp. 7/8. Neste opúsculo foi anexada uma estampa (vue) do dólmen de Kardec, "executada (executée) com o maior cuidado e a mais rigorosa exatidão pelo Sr. Pégard, gravador, conforme desenho feito pelo Sr. Sebille" (pp. 11 e 12).
Pégard, gravador em madeira, da Escola francesa, fez as gravuras do "Dictionnaire d'architccture" de Viollet-le-Duc e as da "Histoire populaire, anecdotique et pittoresque de Napoléon". (Apud E. Bénézit: "Dictionnaire des Peintres, Sculpteurs, Dessinateurs et Graveurs", nouvelle édition, tome sixième, Librairie Gründ, 1996, p. 571.)
(40) Jean Vartier: "ALLAN KARDEC, la naissance de spiritisme", Paris, Libraire Hachette, 1971, pp. 150/151.
(WANTUIL, Z. e THIESEN, F. Allan Kardec: o educador e o codificador. Vol. II. Rio de Janeiro: FEB, 2004, p. 285-288) (grifo nosso).
Vamos, por oportuno e atendendo à solicitação de um amigo, transcrever a tradução das frases em francês, constantes da Revue Spirite e Les Quatre Évangiles, pela ordem:
[...] para ir a ele, é necessário nascer, morrer e renascer até que se tenha chegado aos limites da perfeição, [...] (KARDEC, A. Revista Espírita 1861. Araras, SP: IDE, 1993, p. 331).
Tudo, tudo, na grande unidade da Criação, nasce, existe, vive, funciona, morre e renasce para a harmonia do Universo, [...] (ROUSTAING, J. B. Os quatro evangelhos - revelação da
revelação. Vol. 1. Rio de Janeiro: FEB, s/d., p. 323).
[...] para chegar a ele, teria o homem que nascer, morrer e renascer até atingir os limites da perfeição. [...] (ROUSTAING, J. B. Os quatro evangelhos - revelação da revelação. Vol. 1. Rio de Janeiro: FEB, s/d., p. 387).
Fica bem claro, portanto, que a frase não é mesmo de Kardec. Sem nos colocarmos acima de ninguém, sinceramente, esperamos que, com as informações aqui apresentadas, possamos ter contribuído para que os nossos oradores e expositores tenham um maior esclarecimento do assunto.
Observação: Substituímos as imagens da obra de Wantuil e Thiesen porquanto, na reprodução, perderam em qualidade, as novas foram encontradas no link: http://geak2002.blogspot.com.br/2011/03/o-atentado-ao-tumulo-de-allan- kardec.html, acesso em 01/05/2012, às 13:49 hs.
Artigo publicado na revista Espiritismo & Ciência, nº 95, São Paulo: Mythos Editora, jun/2012, p. 30-33
Olá adorei teu blog, o espiritualismo tem crescido muito nesses últimos anos, nosso plante vai por completo se espiritualizar de vez. um abraço!
ResponderExcluirParabéns pela belíssima pesquisa em torno da conhecida frase.
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