quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Lincoln e o Espiritismo

Pelo Sr. Clémens

Miss Nettie Colburn morava em Albany, onde fazia sessões, falando os Espíritos por seu intermédio.

Era considerada pessoa muito simples, tímida e perfeitamente honesta.

Durante a guerra de secessão, seu irmão, havendo adoecido, obteve licença, mas perdeu o respectivo documento. Nettie, que tinha vindo a Washington, em companhia da mãe, para cuidar do enfermo, ficou muito aflita, porque a perda da licença o obrigava a voltar ao serviço para justificar a falta.

Achava-se ela em casa de correligionários, e estes conheciam alguém que, na Casa Branca, muito se interessava pelos fenômenos espíritas. 

Era a própria esposa do presidente, a qual entretinha relações com alguns médiuns.

Falaram-lhe na jovem Nettie que, em estado de inconsciência, fazia curiosas revelações.

A mulher do presidente manifestou desejo de vê-la, e como Nettie se lhe apresentasse com os olhos avermelhados pelas lágrimas, que a ocorrência relativa ao irmão fazia-a verter, foram logo tomadas as necessárias providências para ser sanada a falta. 

Miss Nettie, a quem essa boa notícia restituiu a tranqüilidade, achava-se em ótimas condições para realizar a sessão, e, depois de ouvi-la, a senhora Lincoln pediu-lhe que ficasse em Washington, a fim de apresentá-la ao marido.

Refere a nossa médium, na história de sua vida, a grande comoção que sentira, quando, toda trêmula, se apresentou nessa recepção, em palácio, no qual devia encontrar o primeiro magistrado da República.

Entretanto, quem a recebia com muita amabilidade era a senhora Lincoln, e a apresentava em seguida a duas outras pessoas.

Esperavam o presidente, que já tardava.

A amiga de Nettie, a senhora Milles, que também era médium de fenômenos físicos, sentiu-se impelida para o piano, que se achava aberto.

Sentou-se ao mesmo e, durante algum tempo, ficou com os dedos imóveis sobre as teclas à espera da ação dos Espíritos...De repente, fez ouvir uma marcha triunfal, tocada como se fosse por mão de mestre. Às últimas notas, Miss Nettie olha fixamente para a porta: entrava o presidente.

Ele fez algumas perguntas à médium que, perturbada e confusa, como uma acanhada menina de escola, respondeu-lhe com os monossílabos “sim” e “não”.

- Afinal, inquire o presidente, de que modo procedeis para falar “aos Espíritos”?

Intervém então a amiga de Nettie, sugerindo a ideia de formar-se um círculo, não havendo, porém, a necessidade da cadeia de mãos, como se costumava praticar. Foram estas as últimas palavras ouvidas pela jovem Nettie, que caiu logo em estado de inconsciência.

Eis o que se passou em seguida:

Essa franzina mocinha, que, ainda há pouco, comovida e tímida, não ousava articular outras palavras mais que “sim” e “não”, quando a interrogava o presidente, dirigiu-se ao mesmo e falou-lhe com voz firme.

A princípio ocupou-se de certos assuntos, que somente Lincoln parecia compreender. Depois a voz adquirindo um acento forte e másculo, abordou o problema do dia – a Proclamação da Emancipação, declarando ao presidente que não modificasse de modo nenhum as suas intenções, e, servindo-se de uma linguagem enérgica e solene, intimou o chefe da nação para que a data da proclamação não ultrapassasse o final do ano (1), devendo ser esse ato o coroamento de sua legislatura e de sua vida.

“Cumpre não dar ouvidos, dizia a inspirada, àqueles que aconselham o adiamento; cumpre permanecer firme em suas convicções, executar a tarefa, realizar enfim a missão que a Providência lhe há confiado.”

Declararam testemunhas presenciais que “com tanta majestade foram pronunciadas as últimas palavras, com tanta eloquência e em termos tão nobres e alevantados que pareciam ordens emanadas de algum arcanjo”.

Voltando ao estado normal, Miss Nettie deparou com o presidente, que se assentara e, de braços cruzados, fixava-lhe o olhar admirado.

Cheia de perturbação, a médium, procurando recordar-se do lugar em que se achava, afasta-se, no meio do profundo silêncio que todos guardavam.

Afinal, um dos assistentes, amigo íntimo de Lincoln, perguntou-lhe à meia voz se não havia notado alguma coisa de especial no modo de discorrer do orador, a quem acabavam de ouvir. O presidente teve um estremecimento, como se saísse de um sonho, e, erguendo a mão – foi esta a sua silenciosa resposta – apontou para um retrato que pendia da parede.

O retrato era do ardente chefe de partido, o grande Daniel Webster, cuja eloquência irresistível vibrara outrora no Senado e sempre sobre o interminável problema da escravidão.

- Se não me julgais indiscreto, murmurou o Sr. Somes, poderei perguntar se efetivamente, Sr. Presidente, houve pressão, como a voz revelou, para ser adiada a proclamação?

Com um sorriso benévolo, respondeu Lincoln:

- Nas atuais circunstâncias a pergunta vem muito a propósito. Posso dizer que me é preciso empregar toda a minha vontade e todos os meus esforços para resistir a essa pressão que exige o adiamento...

E, voltando-se para a jovem médium, disse:

- Minha filha, possuis um dom verdadeiramente extraordinário. Que ele venha de Deus, não o duvido. Agradeço a vossa vinda até aqui, esta noite. É mais importante do que podem supor todas as outras pessoas presentes. Espero ainda ver-vos.

E retirou-se.

(De L’Intervention des Invisibles, dams  l’Histoire Moderne).

(1) Era em setembro de 1862. A proclamação foi publicada em primeiro de Janeiro de 1863.
(2) O presidente Lincoln foi assassinado no teatro, em Washington, pelo ator Booth, no dia 14 de Abril de 1865.

Fonte: Reformador, Ano LXV, número 4, Abril 1947, p.15-16.

Um comentário:

  1. Muito show a relação dum dos grandes 'pais da América' e o que interessa!

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