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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Os sonhos no Espiritismo e na neurociência

Por João Alberto Vendrani Donha

Quando, em artigo anterior, eu disse que o Espiritismo trouxe a primeira e mais completa teoria científica sobre os sonhos, reconheço que pareceu ufanismo de crente. Naquela oportunidade, eu o estava comparando à contribuição freudiana e afirmei que o Espiritismo admitia os sonhos como sendo desde manifestação puramente cerebral, passando pela identificação do sonho como realização do desejo (LE 405,406) e, ampliando sobremaneira seu conceito quando desvenda o desprendimento do espírito durante o sono e suas atividades extra-corpóreas. Deteve-se, preferencialmente, como bem o sabemos, nestes últimos, os "sonhos profundos". Agora, a divulgação de recente trabalho no campo da neurobiologia, permite-me continuar acreditando no pioneirismo espírita.

Durante quase todo o século XX os sonhos foram encarados como propriedade quase exclusiva da psicanálise; apesar disso, os neurocientistas nunca abandonaram as pesquisas e os resultados que sugerem seja o sonho conseqüência direta das alterações do funcionamento do cérebro durante o sono. Assim é que o artigo publicado em 01.03.03, no Le Monde, dando conta de uma pesquisa aparentemente aproximativa entre as duas ciências, tem como título: "Pode-se sonhar sem Freud?". O artigo, assinado por Catherine Vincent, traz, ainda, como subtítulo: "Os sonhos poderiam nascer do despertar. Esta abordagem recente da neurobiologia não contradiz a psicanálise".

A pesquisa citada é da neurobióloga Sophie Schwartz, da Universidade College de Londres, publicada em outubro de 2002 na revista "Sciences et Avenir", e que tentaremos resumir a seguir.

No período de sono, o córtex cerebral funciona na ausência de dois tipos de controles: o controle sensorial externo (o que vemos, o que ouvimos), e o controle "neuromodulador" de uma certa categoria de neurônios, encarregados, no estado de vigília, de hierarquizar a atividade das áreas cerebrais. A atividade do córtex durante o sono depende, pois, estreitamente das memórias constituídas nos períodos de vigília. Em outros termos, do funcionamento analógico do sistema nervoso central (no cérebro adulto, existiriam dois modos de estocagem das informações: um modo rápido, chamado analógico, onde a informação é tratada e registrada em algumas centenas de milissegundos sem que se tenha disso consciência, e um modo lento, dito cognitivo, onde a informação é analisada conscientemente antes de ser estocada).

E o que têm os sonhos com isso? Os neurocientistas respondem. As fases regulares de sono são entrecortadas de períodos muito curtos de "micro-despertamentos", que duram poucos segundos e podem se repetir uma dezena de vezes durante a noite. Ora, o estudo experimental tem demonstrado que esses micro-despertamentos estão associados à entrada em atividade dos neurônios moduladores. Daí a conclusão do subtítulo: os sonhos nasceriam do despertar!

Quando estamos em vigília estável, o modo de funcionamento cognitivo do nosso cérebro dá permanentemente uma coerência aos nossos atos e aos nossos pensamentos. Mas, quando ocorre um desses micro-despertamentos, a reativação abrupta dos neurônios moduladores provoca a entrada em forma consciente do conteúdo das memórias recém-ativadas. Como esta operação ocorre em algumas centenas de milissegundos, a censura, ativa em estado de vigília, não apareceria aqui. Daí as características bizarras do sonho: escala aberrante dos objetos, pessoas conhecidas com rostos estranhos, confusão de imagens, etc.

Mas, ainda segundo o artigo, os psicanalistas poderiam retorquir: esta hipótese permite explicar porque eu sonho com um cão gigantesco, mas não esclarece porque eu sonho com um cão! A neurobióloga reconhece que, com efeito, durante o sono, as memórias de nosso cérebro não seriam ativadas de maneira aleatória. Teriam mais chances de serem ativadas aquelas que possuíssem mais importância, maior carga emocional, sejam as dos primeiros anos da vida ou as dos dias que precedem o sonho. Enfim, continuaria sobrando muito interesse e material para análise.

Pois bem, o Espiritismo também não é contradito por esta pesquisa: a teoria espírita dos sonhos, revelada (não o podemos negar) com século e meio de antecedência, aborda essa relação entre sonho e despertar! Na questão 425 de "O Livro dos Espíritos", respondendo a uma pergunta de Kardec sobre a relação entre o sonambulismo natural e o sono, os Espíritos dizem, entre outras coisas: "Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos, inclusive os da memória, começam a despertar. Recebem imperfeitamente as impressões produzidas por objetos ou causas externas e as comunicam ao Espírito, que, então, também em repouso, só experimenta, do que lhe é transmitido, sensações confusas e, amiúde, desordenadas, sem nenhuma aparente razão de ser, mescladas que se apresentam de vagas recordações, quer da existência atual, quer de anteriores". (LE 425; mas não conferir pela tradução do Herculano, que está incompleta).

O Espiritismo, como filosofia destinada a "marcar uma nova era na vida da humanidade" (E.I.8), aborda os problemas humanos de forma genérica. A Ciência, com outro desiderato, pesquisa, experimenta, detalha. Mas, o pesquisador espírita encontraria muitas "dicas" na leitura atenta daquelas generalidades filosóficas.

domingo, 2 de agosto de 2009

Os Sonhos, no Espiritismo e na Psicanálise

13:38 Posted by Fabiano Vidal , , , , 1 comment
Por João Alberto Vendrani Donha

Durante centenas de anos os sonhos foram encarados como portadores de vaticínios transmitidos por deuses ou forças superiores, e que, de alguma forma, poderiam ser interpretados, respondendo a necessidades imediatas de indivíduos ou grupos. Na filosofia, chegou a ser aceito como resultado da elevação da alma ou do desprendimento do espírito das amarras do corpo promovido pelo sono. Na ciência ocidental, a medicina cartesiana tentou reduzi-lo a manifestação inútil de grupos isolados de células do cérebro adormecido respondendo a estímulos externos casuais.

A psicanálise, apesar de confessadamente mecanicista, recuperou o sentido e o potencial significante dos sonhos, tornando-os passíveis de interpretação e conhecimento, o que, aliás, nunca fora renegado pela crença popular. Mas, manteve uma redução conceitual: sonhos são realizações de desejos.

O Espiritismo, com meio século de antecedência em relação à psicanálise, trouxe a primeira teoria realmente científica sobre o sonho. E, também, a mais completa, pois o admite como sendo desde uma simples manifestação puramente cerebral, passando pela identificação do sonho como realização do desejo e, ampliando sobremaneira o conceito, quando identifica o desprendimento do espírito e suas atividades extra-corpóreas como constituindo matéria dos sonhos.

Freud chegou muito perto disso, mas o enorme preconceito que ele e seus contemporâneos nutriam pelo ocultismo o impediu de ir além. É importante observar que em seu tempo, tanto quanto hoje em dia na Europa, o Espiritismo é apenas mais uma repartição na grande estante do ocultismo. Então, como hoje, os europeus empregavam amiúde o termo ocultismo como sinônimo de espiritismo. Freud declarou o ocultismo como inimigo da psicanálise! Ele relaciona a perda de valores pela guerra (1914/18) e a troca do paradigma mecanicista pelo relativista como facilitadores da expansão do ocultismo. (Exatamente os mesmo fatores que alguns antropólogos modernos relacionam como responsáveis pelo declínio do Espiritismo). Reconhece que há um parentesco aparente entre psicanálise e ocultismo – o inconsciente e seus mistérios, bem como o fato de a psicanálise ser encarada como "mística" – mas, diz, o ocultista não procura o conhecimento: ele é um crente buscando confirmação. Pode ser que o analista encontre confirmação para alguns fatos "ocultos", mas o ocultista irá generalizar e proclamar o triunfo de suas opiniões. Por isso mesmo, segundo ele, "a aceitação geral do ocultismo provocaria um colapso do pensamento crítico, dos padrões deterministas e da ciência mecanicista". Ele não deixa de ter razão, uma vez que a aceitação geral do Espiritismo provocará sim um colapso, não só na ciência, mas, também, na economia, na política, na sociedade enfim, pela substituição de paradigmas: o lucro, pelo desapego.

Quanto aos sonhos, ele reconhece que podem ser confundidos com "fantasias noturnas sem acréscimos", "repetição de experiências reais do dia" e com "sonhos telepáticos". Sua descrição destes últimos os deixa iguaizinhos aos sonhos espíritas, porém, ele os considera "uma percepção de algo externo perante o qual a mente permanece passiva e receptiva". Mas ele prefere denominar tudo isto de "outros produtos mentais do estado de sono" e, não, como "sonhos". Sonhos, dignos deste nome, seriam apenas quando há condensação, deformação, dramatização e, acima de tudo, realização de desejo.

Leon Denis divide os sonhos em três categorias: "Primeiramente, o sonho ordinário, puramente cerebral, simples repercussão de nossas disposições físicas ou de nossas preocupações morais". A segunda categoria equivale ao "primeiro grau de desprendimento do Espírito", quando este "flutua na atmosfera, sem se afastar muito do corpo; mergulha, por assim dizer, no oceano de pensamentos e imagens que de todos os lados rolam pelo espaço". "Por último vêm os sonhos profundos, ou sonhos etéreos. O Espírito se subtrai à vida física, desprende-se da matéria, percorre a superfície da Terra e a imensidade..." Mas o grande escritor espírita não observou, ao contrário do que está em "O Livro dos Espíritos", a categoria que mais impressionou Freud, justamente por fornecer maior quantidade de material para as análises.

Na questão 405 de "O Livro dos Espíritos", Kardec pergunta sobre as coisas que parecem pressentimentos, nos sonhos, mas que não se confirmam, e a resposta é que "o Espírito viu aquilo que ele DESEJAVA..." E, mais: "as preocupações do estado de vigília podem dar ao que se VÊ a aparência do que se DESEJA, ou do que se teme". Na questão 406, Kardec aborda o fato de sonharmos com pessoas que conhecemos cometendo atos de que elas não cogitam, e os Espíritos voltam à questão do desejo: "não é raro atribuirdes, de acordo com o que DESEJAIS, a pessoas que conheceis, o que se deu ou se está dando em outras existências". Os Espíritos não precisavam dizer mais do que isto. Não competia a eles ou a Kardec aprofundarem-se mais nesse caminho, uma vez que o interesse espírita estava sobre os "sonhos profundos". Mas, quem limitou ou reduziu a conceituação de sonhos foi Sigmund Freud.

Fontes:
"O Livro dos Espíritos"; Allan Kardec; FEB.
"No Invisível"; Leon Denis; FEB.
"Psicanálise e Telepatia" e "Sonhos e Telepatia"; Sigmund Freud; Edição Standard Brasileira; Volume XVIII.
"Sobre os Sonhos"; idem; idem; Volume V.