Por Ary Lex*
1 - Introdução
O Espiritismo, codificado em 1857, já se difundiu por todo o mundo, sendo hoje aceito por razoável parcela dos povos. Vários fatores concorrem para esse rápido crescimento. Não os estudaremos com detalhes, pois fugiria ao nosso objetivo. Entretanto, gostaríamos de lembrar, apenas, o caráter eminentemente confortador de seus ensinos, provando-nos a justiça divina e as maravilhas que a mediunidade tem proporcionado. Ante esse apelo, para a valorização das coisas do Espírito, os seres inquietos e sofredores têm acorrido em massa às instituições espíritas. Lamentavelmente, a grande maioria não vai em busca de uma nova filosofia de vida, de uma explicação lógica para os problemas "do ser, do destino e da dor". Vai em busca, apenas, de um lenitivo imediato, que afaste, de pronto, as dificuldades físicas e espirituais, sem exigir das pessoas qualquer mudança de seus hábitos e convicções.
Essa massa de sofredores e, numerosas vezes, de curiosos dos fenômenos, vem pressionando os centros espíritas, para que lhe ofereçam aquilo que seu primitivismo espiritual exige: uma prática mediúnica, cada vez mais deformada e mais cheia de rituais, trazidos de outras religiões, como as orientais, o catolicismo e a umbanda. Por vezes, os próprios dirigentes de instituições ditas espíritas acabam sendo coniventes. Temendo perder aquela enorme freqüência de assistentes, acabam cedendo aqui e ali, e as deturpações do movimento espírita vão se consolidando.
Mensagens melífluas e vazadas em linguagem pobre e repetitiva colaboram para a desfiguração dos verdadeiros conceitos de Espiritismo, mediunidade, justiça, caridade etc ..
Não é mais aceitável que continuemos impassíveis, vendo essa avalanche de coisas estranhas, condenadas, veementemente, nas obras de Allan Kardec, ir avassalando a prática espírita. O tempo urge, no sentido de os verdadeiros espíritas procurarem explicar a todos, crédulos e incrédulos, cultos e incultos, os conceitos e os verdadeiros objetivos do Espiritismo. Em suma, todos nós, que tivemos a ventura de conhecer e entender esta Doutrina de luz, precisamos lutar sem descanso, sem tréguas, pela manutenção da pureza doutrinária.
2 - Conceitos de Espírita e Espiritismo
Deolindo Amorim, no Rio de Janeiro, e Luiz Monteiro de Barros, em São Paulo, foram os que mais lutaram pela conceituação do termo "espírita". Deolindo Amorim, esse brilhante jornalista e professor, escreveu dois livros em que esclarece o assunto: "Africanismo e Espiritismo" (Rio de Janeiro - 1947) e "O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas" (Curitiba -1958). Neste último livro, no Capítulo IV, esclarece:
"Que é o Espiritismo, afinal? É prática mediúnica por si mesma? É a simples crença nas intervençôes de 'além-túmulo?' É a Doutrina integral?
Se o Espiritismo fosse, apenas, sessão mediúnica ou a crença no poder dos Espíritos desencarnados, vulgarmente chamados mortos, bastaria ser médium ou tomar parte em qualquer tipo de sessão mediúnica para que se qualificasse alguém de espírita. Se, porém, o Espiritismo é o corpo de Doutrina, organizado por Allan Kardec, com os princípios que regulam os procedimentos nas relações com o Mundo espiritual; se o Espiritismo tem conceitos que lhe definem o verdadeiro caráter; se, finalmente, de sua elaboração doutrinária, preparada durante anos a fio, resultam conseqüências na ordem científica, como na ordem filosófica, religiosa, moral, social e assim por diante, pois a Doutrina 'toca em diversos ramos do conhecimento', claro que não seria simplesmente a freqüência a sessões ou a submissão, as vozes do outro mundo, sem a mínima elucidação crítica, a condição suficiente para que qualquer curioso ou crente se integrasse no Espiritismo. O adepto do Espiritismo, o espírita, enfim, é aquele que conscientemente adere à Doutrina e, portanto, concorda com seus princípios e aceita as conseqüências das teses espíritas em suas idéias formadoras, sua vida moral, social etc.".
"Suponhamos, então, que alguém se torne freqüentador de reuniões espíritas, seja para fins de estudos, seja à procura de benefícios pelo passe ou motivado pelo desejo de consulta ao médium, mas encare o Espiritismo exclusivamente pelo lado mediúnico, sem qualquer apelo à moral cristã, sem a mínima concordância com a Doutrina, ainda que seja perseverante nas "sessões práticas". Seria razoável considerá-lo espírita? Não haveria lógica".
Dr. Luiz Monteiro de Barros, médico homeopata, diretor, durante largos anos, da Federação Espírita do Estado de São Paulo, inclusive seu presidente, foi o relator de extenso trabalho, apresentado na década de 1950 ao Conselho Federativo Nacional, em nome da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. Nesse trabalho, encontramos o seguinte:
"Espiritismo não é sinônimo de mediunidade. O fenômeno mediúnico pode conduzir uma criatura ao Espiritismo e caso a conduza então essa criatura se dirá espírita".
"O Espiritismo é uma Doutrina filosófica, uma religião não constituída, isto é, sem idolatria, sem rituais e sem hierarquia sacerdotal. Ele não é, apenas, a crença na existência e na comunicabilidade do espírito".
Admira que, apesar desses oportunos esclarecimentos e do trabalho incessante de Herculano Pires, ainda vicejem as confusões entre mediunismo e Doutrina.
Outra diferenciação importante para fazer é entre as palavras Espiritismo e Espiritualismo. Logo, no primeiro parágrafo da Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, em "O Livro dos Espíritos", Kardec diz: "Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, a fim de evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm uma significação bem definida; dar-lhes outra, para aplicá-las à Doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas já tão numerosas de anfibologia (ambigüidade de sentido). Com efeito, o espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que acredite haver em si mesmo alguma coisa além da matéria é espiritualista. Mas não se segue daí que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível.
Em lugar das palavras espiritual e espiritualismo, empregaremos, para designar esta última crença, as palavras espírita e espiritismo, nas quais a forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, têm a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando para espiritualismo sua significação própria.
Como se vê, os católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, brâmanes, teosofistas, rosa-cruzes são todos espiritualistas, pois aceitam a existência do Espírito. Todavia, para ser espírita, é preciso aceitar inúmeras outras coisas, como a reencarnação, a comunicabilidade dos Espíritos, a lei de causa e efeito etc.. Mas, ainda, não basta.
"O Espiritismo não reconhece por seus adeptos senão aqueles que praticam os seus ensinos e se esforçam por se melhorarem."
É oportuno lembrar que os norte-americanos e muitos europeus não empregam a palavra Espiritismo e sim Espiritualismo ou Moderno Espiritualismo. Isso é descabido, pois contraria o conceito de Kardec, que criou os neologismos espírita e espiritismo.
*Ary Lex foi professor titular de Biologia Educacional e Biologia I da Universidade Mackenzie por 15 anos. Como orador e escritor espírita foi sempre intransigente defensor dos princípios doutrinários, não se recusando às polêmicas quando se tratava de defender suas idéias de pureza da doutrina.Escreveu muitos artigos na imprensa espírita e publicou as seguintes obras: "Pureza Doutrinária", "Do sistema nervoso à mediunidade", "60 anos de Espiritismo no Estado de São Paulo" (nossa vivência), tendo ainda participado em vários boletins da AMESP.
1 - Introdução
O Espiritismo, codificado em 1857, já se difundiu por todo o mundo, sendo hoje aceito por razoável parcela dos povos. Vários fatores concorrem para esse rápido crescimento. Não os estudaremos com detalhes, pois fugiria ao nosso objetivo. Entretanto, gostaríamos de lembrar, apenas, o caráter eminentemente confortador de seus ensinos, provando-nos a justiça divina e as maravilhas que a mediunidade tem proporcionado. Ante esse apelo, para a valorização das coisas do Espírito, os seres inquietos e sofredores têm acorrido em massa às instituições espíritas. Lamentavelmente, a grande maioria não vai em busca de uma nova filosofia de vida, de uma explicação lógica para os problemas "do ser, do destino e da dor". Vai em busca, apenas, de um lenitivo imediato, que afaste, de pronto, as dificuldades físicas e espirituais, sem exigir das pessoas qualquer mudança de seus hábitos e convicções.
Essa massa de sofredores e, numerosas vezes, de curiosos dos fenômenos, vem pressionando os centros espíritas, para que lhe ofereçam aquilo que seu primitivismo espiritual exige: uma prática mediúnica, cada vez mais deformada e mais cheia de rituais, trazidos de outras religiões, como as orientais, o catolicismo e a umbanda. Por vezes, os próprios dirigentes de instituições ditas espíritas acabam sendo coniventes. Temendo perder aquela enorme freqüência de assistentes, acabam cedendo aqui e ali, e as deturpações do movimento espírita vão se consolidando.
Mensagens melífluas e vazadas em linguagem pobre e repetitiva colaboram para a desfiguração dos verdadeiros conceitos de Espiritismo, mediunidade, justiça, caridade etc ..
Não é mais aceitável que continuemos impassíveis, vendo essa avalanche de coisas estranhas, condenadas, veementemente, nas obras de Allan Kardec, ir avassalando a prática espírita. O tempo urge, no sentido de os verdadeiros espíritas procurarem explicar a todos, crédulos e incrédulos, cultos e incultos, os conceitos e os verdadeiros objetivos do Espiritismo. Em suma, todos nós, que tivemos a ventura de conhecer e entender esta Doutrina de luz, precisamos lutar sem descanso, sem tréguas, pela manutenção da pureza doutrinária.
2 - Conceitos de Espírita e Espiritismo
Deolindo Amorim, no Rio de Janeiro, e Luiz Monteiro de Barros, em São Paulo, foram os que mais lutaram pela conceituação do termo "espírita". Deolindo Amorim, esse brilhante jornalista e professor, escreveu dois livros em que esclarece o assunto: "Africanismo e Espiritismo" (Rio de Janeiro - 1947) e "O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas" (Curitiba -1958). Neste último livro, no Capítulo IV, esclarece:
"Que é o Espiritismo, afinal? É prática mediúnica por si mesma? É a simples crença nas intervençôes de 'além-túmulo?' É a Doutrina integral?
Se o Espiritismo fosse, apenas, sessão mediúnica ou a crença no poder dos Espíritos desencarnados, vulgarmente chamados mortos, bastaria ser médium ou tomar parte em qualquer tipo de sessão mediúnica para que se qualificasse alguém de espírita. Se, porém, o Espiritismo é o corpo de Doutrina, organizado por Allan Kardec, com os princípios que regulam os procedimentos nas relações com o Mundo espiritual; se o Espiritismo tem conceitos que lhe definem o verdadeiro caráter; se, finalmente, de sua elaboração doutrinária, preparada durante anos a fio, resultam conseqüências na ordem científica, como na ordem filosófica, religiosa, moral, social e assim por diante, pois a Doutrina 'toca em diversos ramos do conhecimento', claro que não seria simplesmente a freqüência a sessões ou a submissão, as vozes do outro mundo, sem a mínima elucidação crítica, a condição suficiente para que qualquer curioso ou crente se integrasse no Espiritismo. O adepto do Espiritismo, o espírita, enfim, é aquele que conscientemente adere à Doutrina e, portanto, concorda com seus princípios e aceita as conseqüências das teses espíritas em suas idéias formadoras, sua vida moral, social etc.".
"Suponhamos, então, que alguém se torne freqüentador de reuniões espíritas, seja para fins de estudos, seja à procura de benefícios pelo passe ou motivado pelo desejo de consulta ao médium, mas encare o Espiritismo exclusivamente pelo lado mediúnico, sem qualquer apelo à moral cristã, sem a mínima concordância com a Doutrina, ainda que seja perseverante nas "sessões práticas". Seria razoável considerá-lo espírita? Não haveria lógica".
Dr. Luiz Monteiro de Barros, médico homeopata, diretor, durante largos anos, da Federação Espírita do Estado de São Paulo, inclusive seu presidente, foi o relator de extenso trabalho, apresentado na década de 1950 ao Conselho Federativo Nacional, em nome da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. Nesse trabalho, encontramos o seguinte:
"Espiritismo não é sinônimo de mediunidade. O fenômeno mediúnico pode conduzir uma criatura ao Espiritismo e caso a conduza então essa criatura se dirá espírita".
"O Espiritismo é uma Doutrina filosófica, uma religião não constituída, isto é, sem idolatria, sem rituais e sem hierarquia sacerdotal. Ele não é, apenas, a crença na existência e na comunicabilidade do espírito".
Admira que, apesar desses oportunos esclarecimentos e do trabalho incessante de Herculano Pires, ainda vicejem as confusões entre mediunismo e Doutrina.
Outra diferenciação importante para fazer é entre as palavras Espiritismo e Espiritualismo. Logo, no primeiro parágrafo da Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, em "O Livro dos Espíritos", Kardec diz: "Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, a fim de evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm uma significação bem definida; dar-lhes outra, para aplicá-las à Doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas já tão numerosas de anfibologia (ambigüidade de sentido). Com efeito, o espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que acredite haver em si mesmo alguma coisa além da matéria é espiritualista. Mas não se segue daí que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível.
Em lugar das palavras espiritual e espiritualismo, empregaremos, para designar esta última crença, as palavras espírita e espiritismo, nas quais a forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, têm a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando para espiritualismo sua significação própria.
Como se vê, os católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, brâmanes, teosofistas, rosa-cruzes são todos espiritualistas, pois aceitam a existência do Espírito. Todavia, para ser espírita, é preciso aceitar inúmeras outras coisas, como a reencarnação, a comunicabilidade dos Espíritos, a lei de causa e efeito etc.. Mas, ainda, não basta.
"O Espiritismo não reconhece por seus adeptos senão aqueles que praticam os seus ensinos e se esforçam por se melhorarem."
É oportuno lembrar que os norte-americanos e muitos europeus não empregam a palavra Espiritismo e sim Espiritualismo ou Moderno Espiritualismo. Isso é descabido, pois contraria o conceito de Kardec, que criou os neologismos espírita e espiritismo.
*Ary Lex foi professor titular de Biologia Educacional e Biologia I da Universidade Mackenzie por 15 anos. Como orador e escritor espírita foi sempre intransigente defensor dos princípios doutrinários, não se recusando às polêmicas quando se tratava de defender suas idéias de pureza da doutrina.Escreveu muitos artigos na imprensa espírita e publicou as seguintes obras: "Pureza Doutrinária", "Do sistema nervoso à mediunidade", "60 anos de Espiritismo no Estado de São Paulo" (nossa vivência), tendo ainda participado em vários boletins da AMESP.