segunda-feira, 7 de maio de 2012

Não há Médiuns Infalíveis

Por Sérgio Aleixo

De extremo fanatismo são as premissas que desnorteiam o pensamento dos sectários mediunistas, aqueles que não suportam qualquer crítica à produção de seus médiuns favoritos, produção que, na verdade, é dos espíritos. O pressuposto errôneo em que se apoiam é o da “folha de serviço”, isto é, os médiuns que muito se dedicam à caridade não seriam passíveis de ser enganados, pois os espíritos protetores não o permitiriam. Eis o erro. É função dos benfeitores estimular nos médiuns a responsabilidade do exercício de sua razão. O discernimento, portanto, este sim, é que constitui o melhor contraveneno às inoculações dos espíritos pseudossábios nos comunicados de além-túmulo. Sou eu quem o diz? Não, em absoluto. É Allan Kardec:
Pelo próprio fato de o médium não ser perfeito, Espíritos levianos, embusteiros e mentirosos podem interferir em suas comunicações, alterar-lhes a pureza e induzir em erro o médium e os que a ele se dirigem. Eis aí o maior escolho do Espiritismo e nós não lhe dissimulamos a gravidade. Podemos evitá-lo? Dizemos altivamente: sim, podemos. O meio não é difícil, exigindo apenas discernimento. [...]
 
As boas intenções, a própria moralidade do médium nem sempre são suficientes para o preservarem da ingerência dos Espíritos levianos, mentirosos ou pseudossábios, nas comunicações. Além dos defeitos de seu próprio Espírito, pode dar-lhes guarida por outras causas, das quais a principal é a fraqueza de caráter e uma confiança excessiva na invariável superioridade dos Espíritos que com ele se comunicam. [1]
 
Ora, prova a experiência que os maus se comunicam tão bem quanto os bons. Os que são francamente maus são facilmente reconhecíveis; mas há também, entre eles, semissábios, pseudossábios, presunçosos, sistemáticos e até hipócritas. Estes são os mais perigosos, porque afetam uma aparência de gravidade, de sabedoria e de ciência, em favor da qual enunciam, em meio a algumas verdades e boas máximas, as coisas mais absurdas. [...]
 

Separar o verdadeiro do falso, descobrir o embuste escondido numa exibição de palavras bonitas, desmascarar os impostores, eis, sem contradita, uma das maiores dificuldades da ciência espírita. Para superá-la, faz-se necessária uma longa experiência, conhecer todas as astúcias de que são capazes os Espíritos de baixa classe, ter muita prudência, ver as coisas com o mais imperturbável sangue-frio e, sobretudo, guardar-se contra o entusiasmo que cega. [2]
 
Entretanto, afora os defeitos do próprio Espírito dos médiuns, o que mais se vê é justamente a fraqueza de caráter; nada referente, aqui, a desonestidade, ou má-fé, e sim a um problema de atitude pessoal. Não raro, esquivam-se da responsabilidade de julgar, ou de submeter ao juízo de outrem, aquilo que recebem. Em geral, há neles confiança excessiva na invariável superioridade dos Espíritos que supostamente os orientam, ou que por si mais se comunicam e, portanto, não se guardam contra o entusiasmo que cega.
 
Tal postura contamina os eventuais seguidores e eis então o sectarismo mediunista, esse estado deplorável de dormência da razão, que vem incapacitando os espíritas de enxergar, em meio a algumas verdades e boas máximas, as coisas mais absurdas; que os têm feito esquecer que os maus se comunicam tão bem quanto os bons, razão pela qual nem sempre hão estado prontos a descobrir o embuste escondido numa exibição de palavras bonitas, a fim de desmascarar os impostores.
 
Não, não há médium infalível, ou perfeito, num mundo de provas e expiações. O que pode haver, no máximo, é um “bom médium, e já é muito, pois são raros”, diz a Doutrina Espírita. E mais:
O médium perfeito seria aquele que os maus Espíritos jamais ousassem fazer uma tentativa de enganar. O melhor é o que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido enganado menos vezes. [...] Os Espíritos bons permitem que os melhores médiuns sejam às vezes enganados, para que exercitem o seu julgamento e aprendam a discernir o verdadeiro do falso. Além disso, por melhor que seja um médium, jamais é tão perfeito que não tenha um lado fraco, pelo qual possa ser atacado. [3] 
E Chico Xavier? Seria exceção aos princípios kardecianos? Seria um médium cujo espírito não teria defeitos que ensejassem a eventual ingerência de pseudossábios nas obras que psicografou? Em rede nacional, dia 21/12/1971, disse:
“[...] nos informamos com ele [Emmanuel] de que, em outras vidas, abusamos muito da inteligência [...]”. E reproduziu também as palavras do jesuíta: “Você não escreverá livros, em pessoa, porque você mesmo renunciou a isso [...] seu espírito, fatigado de muitos abusos dentro da intelectualidade, quis agora ceder as suas possibilidades físicas a nós outros, os amigos espirituais”. [4] 
Então que a razão responda. Em setembro de 1937, Chico assinou o prefácio do livro de seu guia, cujo título, sintomaticamente, traz o nome do próprio Espírito: “Emmanuel”. O que mais o impressionou, em 1931, foi que “a generosa entidade se fazia visível dentro de reflexos luminosos que tinham a forma de uma cruz”. Termina isentando-se por completo: “Entrar na apreciação do livro, em si mesmo, é coisa que não está na minha competência”.
 
Naturalmente, a “competência” coube aos editores rustenistas da F.E.B., desde todo o sempre, os formadores da personalidade mediúnica de Chico Xavier. Resultado: a generosa entidade de luzes em forma de cruz apresentou o perispírito na condição de “sede das faculdades, dos sentimentos, da inteligência e, sobretudo, o santuário da memória”, bem como afirmou, astronáutica, que “Marte ou Saturno já atingiram um estado mais avançado em conhecimentos, melhorando as condições de suas coletividades”. [5]
 
Esta sempre foi a postura equívoca de Chico Xavier ante os comunicados que recebia: simples máquina de escrever. Não se aplicava em discernir os conteúdos. Detinha-se nos aspectos morais. Isso por certo encorajou os autores a dizer tudo o que queriam, sem resistência. E tudo era publicado, afinal vinha de um médium “perfeito”. E agora? Agora, os leitores que se virem com as impropriedades de todas as ordens, as almas gêmeas, a alimentação “física”, as salas de banho, os eventos com entrada paga, os animais no além, entre tantas outras inverdades que suas obras veiculam tão candidamente, nessa falsa complementação febiana a Kardec; sim, falsa, porque o contradiz ao mesmo tempo em que o exalta; um perigo mortal, uma armadilha perfeita aos espíritas desavisados. [6]
 
Os médiuns de mais mérito não estão ao abrigo das mistificações dos Espíritos embusteiros; primeiro, porque não há ainda, entre nós, pessoa assaz perfeita, para não ter algum lado fraco, pelo qual dê acesso aos maus Espíritos; segundo, porque os bons Espíritos permitem mesmo, às vezes, que os maus venham, a fim de exercitarmos a nossa razão, aprendermos a distinguir a verdade do erro e ficarmos de prevenção, não aceitando cegamente e sem exame tudo quanto nos venha dos Espíritos; nunca, porém, um Espírito bom nos virá enganar; o erro, qualquer que seja o nome que o apadrinhe, vem de uma fonte má. Essas mistificações ainda podem ser uma prova para a paciência e perseverança do espírita, médium ou não; e aqueles que desanimam, com algumas decepções, dão prova aos bons Espíritos de que não são instrumentos com que eles possam contar. [7]
 
Bem entendido que nada disso tem o poder de anular a consolação prodigalizada mediante suas faculdades; sobretudo, a tantos aflitos com a perda de seus queridos, e a quem Deus, antes de mais ninguém, é que permitiu se comunicassem de modo tão patente. O Espiritismo, todavia, não se detém nesse ângulo da questão. O fenômeno é uma coisa; o conteúdo, o saber que pode ser integrado ao corpo da Doutrina, é outra, e está num andar mais alto, diz respeito a algo maior que um médium, ou um espírito: se prende à transmissão das verdades às gerações futuras, impossível sem discernimento, porquanto estas verdades sempre têm seu cortejo inevitável de erros, e o Espiritismo mostra onde estão as verdades, sim, mas também onde estão os erros. [8]

[1]  Revista Espírita. Fev/1859. Escolhos dos Médiuns. [2] Revista Espírita. Abr/1860. Formação da Terra.
[3] O Livro dos Médiuns, 226, 9.ª e 10.ª
[4] DVD Pinga-Fogo 2. Clube de Arte. Menu: 39 e 41.
[5] Emmanuel. 15.ª ed., FEB, pp. 133 e 21. Cf. Kardec Versus Emmanuel em 12 Passos, http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2011_06_12_archive.html.
[6] Cf. Sobre André Luiz. http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2010_09_02_archive.html.
[7] KARDEC, O Que é o Espiritismo. Cap. II, n. 82.
[8] Instruções de Santo Agostinho. Cf. Revista Espírita. Jul/1863. Sobre as Comunicações dos Espíritos. Grupo Espírita de Sétif, Argélia. O Livro dos Espíritos. Conclusão, IX.

Fonte: Ensaios da Hora Extrema

5 comentários:

  1. Sobre mensagens psicografadas ou manifestações espirituais, uma coisa me causa estranheza.

    Por que os espíritos do além-túmulo precisam necessariamente se expressar através de mensagens "espiritualistas", como se fosse um panfletarismo espírita?

    Vários artistas escreveram letras de amor, de protesto, de humor, e de repente quando vão para a pátria espiritual, retornam escrevendo apenas letras sobre a sobrevida do espírito, sobre o "espiritualismo cristão", sobre o "autoconhecer do espírito", sobre a fé religiosa etc.

    Fico imaginando um Raul Seixas que escreveu canções tipo "Rock das 'Aranha'", "Eu Também Vou Reclamar" e "Muita Estrela, Pouca Constelação" falar de "fé" e "autoconhecer" quase que como um Marcelo Rossi mais esotérico. Tudo bem que Raul cantou letras místicas, tipo "Gita" (se bem que esta é de Paulo Coelho), mas elas mostram uma excentricidade que destoa da média das "mensagens espirituais" veiculadas para nós.

    Do pessoal do exterior, não parece que um nome como Adam Yauch, integrante dos Beastie Boys que recentemente foi "para o outro lado", vá escrever coisas como "The spirits live / That's our cosmic mission / To recognize the nature of Being / Here comes the light / To bless our souls in praying / Sure for living forever" etc.

    Alguém acharia que um Jimi Hendrix também iria cantar letras assim?

    Mas o que se vê nas mensagens espíritas, até mesmo no "Parnaso do Além-Túmulo" - livro psicografado por Chico Xavier que já é infeliz no título, já que o livro foi lançado depois da decadência do parnasianismo e, de parnasiano lá, creio que só haja o Olavo Bilac - são mensagens espiritualistas.

    Será que Vinícius de Moraes não poderia, do além-túmulo, lançar poemas de amor, como se fez na Terra? Ou será que é proibido que sejam psicografados poemas que vão além do pragmatismo espiritualista?

    Cabe um bom texto para analisar tudo isso.

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  2. Infalibilidade só a papal dos pontífices apostólicos romanos,para eles,que fique bem claro!.No Espiritismo isso não existe,nem com Chico,nem com O Divaldo,ou qualquer outro médium.Lembrando que o própio Kardec foi corrigido pelos Espíritos Superiores durante a elaboração da Codificação.Agora,transformar essa constatação em mais uma peça de desconstrução da obra mediúnica e humana de Chico Xavier vai uma grande distância e segundas intenções pouco nobres.Será que ele passou esses mais de 75 anos de mediunidade produtiva,mistificando e sendo mistificado?Não creio!.Será que Chico era apenas um ingênuo conduzido pelos "cardeais" febeanos pouco provável.Ele foi apenas um companheiro nosso,falível,que fez todo o bem que põde fazer em sua existência.O resto é polêmica que nada serve á nossa doutrina e ao nosso movimento espírita.

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  3. Ricardo, se o próprio Kardec, como você bem frisou, foi corrigido pelos Espíritos Superiores e teve que sair várias vezes em defesa da Doutrina Espírita, por que Chico Xavier não pode ter suas obras contestadas sob o crivo da razão pregado por Kardec e Erasto? Será que, de fato, toda a produção mediúnica do Chico advinda, principalmente de Emmanuel e André Luiz, não pode ser confrontada com os sólidos princípios da Codificação? O que faz as comunicações do Chico tão especiais assim? E outra...Muita da produção mediúnica do Chico foi influenciada pelo Roustainguismo, claramente contrário ao Espiritismo. A produção do Chico, assim como a de qualquer médium, pode e deve ser analisada sob os critérios legados por Allan Kardec.

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  4. Blog dos espíritas.É fora de qualquer dúvida que a obra de Chico Xavier principalmenbte por Emmanuel e André Luis,tem que ser confrontada com os princípios basilares da Codificação,como a de qualquer outro médium.Vou citar dois exemplos:A questão das almas gêmeas e a evolução do Cristo em linha reta defendidas por Emmannuel,são questões superadas por qualquer espírita estudiosos,não são doutrinárias,são apenas opiniões de um espírito.Só não concordo com a maneira,digamos,excessivamente assertiva,com que isso está sendo feito.Afinal somos Espíritas e não xavieristas ou emanuelistas/andreluisistas como diz o Sérgio Aleixo.Não concordo também com a idolatria de companheiros nossos,como o Bacelli,que quer santificar o Chico a todo custo,AFIRMANDO PEREMPTÓRIAMENTE SER ELE REENCARNAÇÃO DE KARDEC.Vamos nos pautar no bom senso que o codificador nos prescreveu,e cerremos fileiras junto aos princípios fundamentais da doutrina.Quanto ao roustanguismo,esse sim é uma grande pedra de tropeço para nossa doutrina,influenciou até Bezerra de Menezes quando encarnado,e o mesmo posteriormente do plano espiritual,ditou várias mensagens principalmente através de Divaldo,dirigidas aos espíritas encarnados,falando da necessidade URGENTE EM SE KARDEQUIZAR NOSSA DOUTRINA,MOSTRANDO ASSIM MUDANÇA DE SUAS IDÉIAS.Sinceramente,nesses últimos 20 anos que me considero espírita,e não é muito tempo mesmo.Nunca li,ou ouvi declaração de Chico apoiando o rostanguismo.A obra Brasil coração do mundo e pátria do evangelho,parece ter sido adulterada posteriormente pela Feb,para incluir Roustaing como um dos trabalhadores do Cristo na difusão do Espiritismo.Tenho postado aqui no blog pois achei sua proposta interessante,não quero polemizar,não sou chiquista,nem emanuelista nem andreluisista,mas discordo da desconstrução do Chico Xavier,que os espíritas científicos estão fazendo de alguns anos para cá.Denunciam incoerências de seu pensamento,mas nada falam sobre sua importância para a aceitação e a a respeitabilidade do Espiritismo no Brasil.Te pergunto:Será que Chico era sómente um médium desequilibrado e mistificado/mistificador?Será que de suas mais de 400 obras psicografadas nenhuma foi aproveitada para o engrandecimento da Doutrina nem para a melhora espiritual de ninguém?Será que ele foi apenas um engodo em forma de médium,inspirado pelos adversários desencarnados da doutrina espírita?Responda se quiser. Como toda a confrontação de idéias,feita de modo civilizado e respeitoso é positiva,e leva á verdade.Me proponho a continuar a acompanhar o blog,com a sua permissão é claro!

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  5. acho interessante a questão colocada por A.F., que pena não ter tido resposta

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