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terça-feira, 4 de junho de 2013

Impasse Doutrinário?

Por Anderson Santiago

“As opiniões são contraditórias, mas isso não nos deve impressionar, pois opiniões não passam de palpites, de pontos de vista individuais, sujeitos às idiossincrasias de cada um. E Pitágoras, o criador do termo Filosofia, já afirmava que a Terra é a morada da opinião”. (J. Herculano Pires [1])
               
Consoante o que afirmou o filósofo Pitágoras, podemos afirmar, sem medo, que também a erraticidade é a morada da opinião. Da mesma forma, não devemos nos assustar com a disparidade de opiniões encontradas, pois sabemos que os Espíritos não são divindades nem se tornam perfeitos pelo fato de abandonarem o veículo corporal. A vantagem que hipoteticamente eles teriam, por estarem livres do envoltório corporal, está em razão da sua posição na escala espírita, ou, como se diz popularmente: da sua evolução espiritual.
                
É por isto que, não cessamos de repetir sobre a importância do cuidado na análise das informações vindas dos Espíritos independente do nome que assine. De outra forma, também cabe ressaltar já no início deste texto que não estamos iniciando nenhuma cruzada inquisitorial contra o médium Carlos Baccelli e o Espírito que se denomina Inácio Ferreira. Estamos, antes de qualquer coisa, realizando a tão propalada análise crítica preconizada pelo codificador e enfatizada pelos Espíritos que o orientaram no trabalho de construção do edifício doutrinário espírita. O fato de ser esta a quarta mensagem da autoria do Inácio a ser analisada se deve ao fato de o seu conteúdo nos permitir um desenvolvimento oportuno da crítica literária espírita iniciada por Kardec e que é dever de todos os Espíritas. Também vale mencionar que, de fato, o que se analisa aqui é a opinião do Espírito Inácio e sobre a qual o médium deve permanecer indiferente, dado que a sua função é ser um mediador entre o autor espiritual e nós encarnados, da mesma forma que o computador serve de mediador entre aquele que escreve e aquele que lê, por exemplo [2].
                
Nesta mensagem, intitulada de Impasse Doutrinário [3], o referido Espírito afirma que “na atualidade, o Espiritismo, através de seu Movimento, está vivenciando um impasse doutrinário sem precedentes na sua recente história”. Impasse este resultante, não de um questionamento dos seus princípios, mas, na opinião de Ferreira, dos “perigosos rumos que vêm, de algum tempo a esta parte, sendo impressos ao Movimento, por companheiros que, no que pese a sua boa intenção, agem equivocadamente”.
                
Estes “perigosos rumos” seriam dados por seres que, deslumbrados pelos poderes temporais, estariam levando o Espiritismo para o caminho do elitismo. Esta acusação, infundada, não é nova e continuará a ser usada toda a vez que houver um conflito de ideias. E é bastante usada quando as ideias de determinados Espíritos são avaliadas criticamente e questionadas em sua validade e importância por apresentarem, muitas, equívocos insanáveis ou por ser, de forma clara, obra de espíritos mistificadores. Qualquer um pode ser acusado de elitista. Basta, para isso, questionar algum destes Espíritos tendo por base dados da Codificação e realizar um exame criterioso em busca de coerência e lógica na opinião em análise. Basta também divulgar a importância de um estudo metódico, profundo e perseverante dos cerca de dezoito livros publicados por Allan Kardec e as valiosas obras complementares de autores como Léon Denis, Gabriel Delanne, Camille Flammarion, Ernesto Bozzano, Alexander Aksakof, entre os europeus e J. Herculano Pires, Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy, Hermínio C. Miranda, entre os escritores e pesquisadores brasileiros.
                
E evocando os feitos de Francisco de Assis, numa citação (ao que parece) textual da obra de Emmanuel, Inácio questiona se da mesma forma que a doutrina cristã foi deturpada por aqueles deslumbrados com a visão dos poderes temporais à época do “iluminado da Úmbria”, não estaria o Espiritismo sendo deturpado na atualidade por indivíduos “deslumbrados pelos poderes temporais” e se hierarquizando a semelhança do cristianismo quando começou a se afastar da essência do evangelho.
                
Até aqui, a não ser pela palavra “hierarquizando”, que parece ser uma clara referência aos trabalhos desenvolvidos pela Federação Espírita Brasileira, não conseguimos divisar claramente nem quem são os alvos desta crítica feita pelo Inácio Ferreira, nem quais são estes malfadados “poderes temporais”, embora todos possam intuí-los. Provavelmente os deslumbrados são pessoas ligadas aos trabalhos federativos e aqueles outros que realizam trabalhos de análise crítica das obras dos Espíritos.
                
Contudo, mais à frente alguns de seus alvos vão sendo delineados. Quando ele questiona se “não estaríamos, a pretexto de pureza doutrinária, novamente incrementando a censura, qual o equívoco em que a Igreja Católica ocorreu, quando, então, chegou a instaurar o Tribunal do Santo Ofício, condenando os que não se pautavam pela sua cartilha ideológica às fogueiras da Inquisição?!”, ele deixa claro a quem se destinam suas acusações. Aos Espíritas que, como José Herculano Pires, se propõem estudar de forma séria e continuada o Espiritismo e que ousam questionar as informações vindas do mundo espiritual, justamente aquilo que a maioria do movimento espírita brasileiro nunca foi ensinada a fazer. Ou seria que todo aquele que resolve fazer crítica literária deve ser comparado com um inquisidor do Tribunal do Santo Ofício. A atitude de publicar obras como o fez Herculano, questionando abertamente os ensinos de Espíritos como Ramatís e acusar André Luiz de ser um neófito em Espiritismo [4], deve ser equiparada á censura realizada pela Igreja Católica que inseria os livros proibidos no seu Índex Prohibitorum? Com pretexto de impedir a censura não estaria ele censurando a saudável e imprescindível crítica literária espírita, já quase inexistente em nosso movimento espírita nacional? Não seria este um exagero desnecessário? Ou seria esta justamente a atitude de desviar o foco das necessárias análises das informações dos Espíritos sob o falso pretexto de que quem assim se comporta estaria deixando de ser caridoso e de se preocupar com a famosíssima ‘reforma íntima’? Estes são questionamentos que considero pertinentes e que são válidos ante a retórica vazia do Inácio. Vazia porque generaliza uma acusação que seria correta se direcionada para alguém, mas, posta da forma em que foi colocada acusa todos aqueles que defendem a pureza doutrinária de serem pessoas elitistas, apegadas aos “deslumbrantes poderes temporais” e de não serem caridosos nem preocupados com a reforma íntima. E o pior, quer passar a impressão de que pureza doutrinária seria o mesmo que censura o que é um absurdo.
                
Equívoco também é a atitude de chamar estes mesmos críticos literários de pessoas insensíveis e de afirmar que querem transformar o Espiritismo em Teologia. Eu, particularmente, não entendi esta parte. O queria dizer com isto o Inácio? Teologia, em sua etimologia, significa “a ciência que estuda a divindade” e, por definição, o Espiritismo possui em seu corpo doutrinário uma ‘teologia’ própria, mais especialmente em O Livro dos Espíritos (capítulo 1) e A Gênese (capítulo 2). A não ser que ele queira se referir a alguma questão de ordem prática, esta afirmação não se sustenta no plano teórico. Por si só, um estudo teológico sério e profundo tende mais a nos aproximar do divino, e em consequência alterar para melhor nosso caráter, do que o contrário. Como o leitor deve estar percebendo, a mensagem do Inácio Ferreira possui um caráter desnecessariamente alarmista e com pouca coerência, não apresentando de forma clara o que deseja expressar. Ou, talvez, seja justamente este o objetivo dele...
Entretanto, ainda existem dois parágrafos que pedem uma análise, mesmo que sucinta. O penúltimo diz assim: “Concitamos, pois, aos sinceros partidários da Doutrina a que não tornem a cometer o erro da omissão, quando, nas lides do Cristianismo, optaram pelo silêncio comprometedor, cujas consequências espirituais se fizeram sentir para a Humanidade no curso da História”. Aqui o primeiro erro é supor que os mesmos partidários da Doutrina Espírita na atualidade são espíritos reencarnados que viveram e aderiram aos ideais revolucionários do então nascente Cristianismo. É o mesmo erro cometido por todo neófito em Espiritismo que supõe ter sido alguma figura famosa ou importante no passado, ou que, também, poderia ter sido algum mártir devorado por leões no coliseu romano. Portanto, quem errar hoje, não necessariamente será por ter sido omisso aos tempos do cristianismo nascente. Ser omisso hoje é dizer-se espírita sem saber o que, de fato, significa ser espírita! Ser omisso hoje é conhecer os princípios filosóficos espíritas e não aplica-los à análise das informações dos Espíritos. Ser omisso hoje, é permitir a difusão de equívocos com relação à interpretação e prática espírita e ficar calado porque o difusor é um palestrante ou médium famoso e poderia ser acusado de não ser caridoso. A lista poderia continuar, mas, imaginamos que os exemplos são suficientes.

O último parágrafo apresenta um argumento coerente e que tem a finalidade de dar, normalmente, maior autoridade ao que se fala. É o tipo de argumento que ninguém contesta, justamente por ser óbvio demais. Ele diz assim: “Em defesa da Verdade, não há necessidade de agressividade na opinião e, muito menos, na conduta, mas imprescindível se torna a postura coerente com os Princípios abraçados, no testemunho solitário da fé, porque, conforme nos disse o Cristo, “nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! Entrarão no reino dos céus; apenas entrará aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus”!”...               

O argumento é coerente e possui validade pelo simples fato de que isso realmente acontece no movimento espírita. Muitos indivíduos, a pretexto de ‘defesa de opinião’, agem de forma agressiva, impositiva, violenta. Não concorda em ser contestado e, muito menos, em perder o status (ilusório) que supunha possuir. Experiências deste tipo são comuns em centros onde o diálogo e o estudo é escasso, onde existe a figura, mesmo que fictícia, de alguém que se ache ‘dono do centro’, seja pelo seu poder econômico, seja por uma suposta autoridade advinda ou da sua mediunidade ou do tempo que possui de frequência na casa. Também é muito comum em discussões na internet ou em redes sociais, onde as pessoas se escondem atrás de máscaras e perfis fakes para poderem expor o que são de verdade, criando intrigas, difamando, debatendo e ridicularizando quem pensa diferente. Existe uma imensa maioria que age corretamente, tanto doutrinariamente quanto moralmente, mas, infelizmente, os maus elementos existem em todos os lugares. Cabe salientar, ainda, que este tipo de atitude não é especial dos que buscam defender a pureza doutrinária, antes, é algo natural de espíritos ainda imaturos e que não conhecem o poder do diálogo e da autoridade moral. Recentemente, ficamos sabendo de um caso de uma leitora que escreveu para uma editora questionando a validade da publicação de uma determinada obra e recebeu como resposta sarcasmos e ironias, justamente daqueles que defendem as ideias deste Espírito que está sendo analisado.

O que podemos concluir desta pequena análise feita sobre a mensagem ‘Impasse Doutrinário’ é que o risco de elitização e hierarquização pelo qual supostamente estaria passando o Espiritismo não é culpa dos hipotéticos defensores da pureza doutrinária empolgados pela “visão dos poderes temporais”, mas, pela omissão de todo e qualquer indivíduo que se permite envolver nos problemas naturais do convívio humano e do seu processo de desenvolvimento tanto social, quanto técnico, biológico e espiritual. Omissão é uma atitude de indiferença, de fuga da responsabilidade que lhe cabe como indivíduo interexistencial e não o contrário. Quando um indivíduo se posiciona ele não está sendo omisso, em hipótese alguma. Ele pode se equivocar, mas, nunca estará sendo omisso. Compreendendo, também, impasse como uma “situação que não oferece saída favorável” [5], o que se pode observar é que o verdadeiro impasse está na situação criada (e defendida, ao que parece, pelo Inácio) em que nenhum espírito pode ser alvo de análises críticas sem que o autor destas análises seja logo taxado de ‘pessoa insensível’ e ‘deslumbrada com a visão dos poderes temporais’, ou ainda elitista. Em nosso país, criou-se uma cultura de ‘santidade’ aos médiuns e aos Espíritos que não condiz com os mais básicos princípios doutrinários da Doutrina. Pior ainda, qualquer esforço de análise crítica corre o risco de ser taxado como falta de caridade para com os autores espirituais e os seus médiuns, como se a postura do Espírita tivesse de ser passiva, acrítica, acomodada ao que os outros dizem. É justamente esta cultura que permite que um Espírito faça comparações como as que o Inácio fez, ao tentar convencer o leitor de que a atitude crítica gerada pela compreensão e defesa da pureza doutrinária, não sendo nada mais que uma postura gerada pela compreensão dos postulados espíritas, por exemplo, seria a mesma que motiva as atitudes de censura, como as da Inquisição ao criar o Tribunal do Santo Ofício e o Índex Prohibituron. E para finalizar, os que entrarão no “reino dos céus” não são os que fingem santidade, mas, os que vivem autenticamente os postulados da Doutrina dos Espíritos de forma integral, defendendo ou não a pureza doutrinária!

Referências
[1] PIRES, J. Herculano. Introdução a Filosofia Espírita. 1ª ed. Ed. Paidéia, 1983, p.
[2] Para maiores informações vide o artigo Os Médiuns são os Intérpretes dos Espíritos, partes I e II.
[3] Texto integral disponível em: http://inacioferreira-baccelli.zip.net/arch2012-07-01_2012-07-31.html
[4] Pires, J. Herculano. Vampirismo. 9ª ed. 2003, Ed. Paidéia, p. 21: “O Espiritismo estaria sujeito á mais completa deformação, se os espíritas se entregassem ao delírio dos caçadores de novidades. André Luiz manifesta-se como um neófito empolgado pela doutrina, empregando às vezes termos que destoam da terminologia doutrinária e conceitos que nem sempre se ajustam aos princípios espíritas”.
[5] Definição de impasse retirada do site: http://www.dicio.com.br/impasse/

Fonte: Blog Análises Espíritas - http://analisesespiritas.blogspot.com.br/2013/06/impasse-doutrinario.html

quarta-feira, 29 de julho de 2009

OLE - Considerações sobre a Pluralidade das Existências


Por Allan Kardec

222.O dogma da reencarnação, dizem algumas pessoas, não é novo e foi retirado de Pitágoras. Mas jamais dissemos que a doutrina espírita fosse uma invenção moderna. O Espiritismo deve ter existido desde a origem dos tempos, pois decorre da própria Natureza. Temos sempre procurado provar que se encontram os seus traços desde a mais alta Antiguidade. Pitágoras, como se sabe, não é o criador do sistema de metempsicose, que tomou dos filósofos indianos e dos meios egípcios, onde ela existia desde de épocas imemorais. A idéia da transmigração das almas era, portanto, uma crença comum, admitida pelos homens mais eminentes. Por que maneira chegou até eles? Não sabemos. Mas, seja como for, uma idéia não atravessa as idades e não é aceita pelas inteligências mais adiantadas, se não tiver um aspecto sério. A antiguidade desta doutrina, portanto, em vez de ser uma objeção, devia ser antes uma prova a seu favor. Há, porém, como igualmente se sabe, entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação, a grande diferença de que os Espíritos rejeitam, da maneira mais absoluta, a transmigração do homem nos animais e vice-versa.

Os Espíritos, ensinando o dogma da pluralidade das existências corpóreas, renovam uma doutrina que nasceu nos primeiros tempos do mundo, e que se conservou até os nossos dias, no pensamento íntimo de muitas pessoas. Apresentam-na, porém, de um ponto de vista mais racional, mais conforme às leis progressivas da natureza e mais em harmonia com a sabedoria do Criador, ao despojá-la de todos os acréscimos da superstição. Uma circunstância digna de nota é que não foi apenas neste livro que eles a ensinaram, nos últimos tempos: desde antes da sua publicação, numerosas comunicações da mesma natureza foram obtidas, em diversas regiões, e multiplicaram-se consideravelmente depois. Seria o caso, talvez, de examinar-se por que todos os Espíritos não parecem de acordo sobre este ponto. É o que faremos logo mais.

Examinemos o assunto por outro ângulo, fazendo abstração da intervenção dos Espíritos. Deixemo-los de lado por um instante. Suponhamos que esta teoria não foi dada por eles; suponhamos mesmo que nunca se tenha cogitado disto com os Espíritos. Coloquemo-nos momentaneamente numa posição neutra, admitindo o mesmo grau de probabilidade para uma hipótese e outra, a saber: a da pluralidade e a da unicidade das existências corpóreas, e vejamos para que lado nos levam a razão e o nosso próprio interesse.

Certas pessoas repelem a idéia da reencarnação pelo único motivo de que ela não lhes convém, dizendo que lhes basta uma existência e não desejam iniciar outra semelhante. Conhecemos pessoas que, à simples idéia de voltar à Terra, ficam enfurecidas. Só temos a lhes perguntar se Deus devia pedir-lhes conselho e consultar os seus gostos, para ordenar o Universo. De duas uma: a reencarnação existe ou não existe. Se existe, é inútil opor-se a ela, pois terão de sofrê-la, sem que Deus lhes peça permissão para isso. Parece-nos ouvir um doente dizer: — Já sofri hoje demais e não quero tornar a sofrer amanhã. Qualquer que seja a sua má vontade, isso não o fará sofrer menos amanhã e nos dias seguintes, até que consiga curar-se. Da mesma maneira, se essas pessoas devem reviver corporalmente, reviverão, tornarão a reencarnar-se; perderão o tempo de protestar, como uma criança que não quer ir à escola ou um condenado, à prisão, pois terão de passar por ela. Objeções dessa espécie são demasiado pueris para merecerem exame mais sério. Diremos, entretanto, a essas pessoas, para tranqüilizá-las, que a doutrina espírita sobre a reencarnação não é tão terrível como pensam, e que, se a estudassem a fundo, não teriam do que se assustar. Saberiam que essa nova existência depende delas mesmas: será feliz ou desgraçada, segundo o que tiverem feito neste plano, e podem desde já elevar-se tão alto, que não mais deverão temer nova queda no lodaçal.

Supomos falar a pessoas que acreditam num futuro qualquer após a morte, e não às que só têm o nada como perspectiva, ou que desejam mergulhar a sua alma no Todo Universal, sem conservar a individualidade, como as gotas de chuva no oceano, o que vem a ser mais ou menos a mesma coisa. Se acreditais num futuro qualquer, por certo não admitireis que ele seja o mesmo para todos, pois qual seria a utilidade do bem? Por que reprimir-se, por que não satisfazer a todas as paixões, a todos os desejos, mesmo à custa dos outros, pois que isso não teria conseqüência? Acreditais, pelo contrário, que esse futuro será mais ou menos feliz ou desgraçado, segundo o que tivermos feito durante a vida; e tereis o desejo de que seja o mais feliz possível, pois que deverá durar pela eternidade? Teríeis, por acaso, a pretensão de ser uma das criaturas mais perfeitas que já passaram pela Terra, tendo, assim, o direito imediato à felicidade dos eleitos? Não. Admitis, então, que há criaturas que valem mais do que vós e têm direito a uma situação melhor, sem por isso vos considerardes entre os réprobos. Pois bem, colocai-vos por um instante, pelo pensamento, nessa situação intermediária, que será a vossa, como o admitis, e suponde que alguém venha dizer-vos: — “Sofreis, não sois tão felizes como poderíeis ser, enquanto tendes diante de vós os que gozam de uma felicidade perfeita; quereis trocar a vossa posição com a deles?” — “Sem dúvida!”, responderíeis, “mas o que devo fazer?” — “Quase nada: recomeçar o que fizestes mal e tratar de fazê-lo melhor.” — Hesitaríeis em aceitar, mesmo que fosse ao preço de muitas existências de provas?

Façamos uma comparação mais prosaica. Se a um homem que, sem estar na miséria extrema, passa pelas privações decorrentes da sua precariedade de recursos viessem dizer: 

— “Eis uma imensa fortuna, que podereis gozar, sendo, porém, necessário trabalhar rudemente durante um minuto”—; fosse ele o maior preguiçoso da terra, e diria sem hesitar: — “Trabalhemos um minuto, dois minutos, uma hora, um dia, se for preciso! O que será isso, para acabar a minha vida na abundância?” Ora, o que é a duração da vida corporal, em relação à da eternidade? Menos que um minuto, menos que um segundo.

Ouvimos algumas vezes este raciocínio: Deus, que é soberanamente bom, não pode impor ao homem o reinicio de uma série de misérias e tribulações. Acharão, por acaso, que há mais bondade em condenar o homem a um sofrimento perpétuo, por alguns momentos de erro, do que em lhe conceder os meios de reparar as suas faltas? Dois fabricantes tinham, cada qual, um operário que podia aspirar a se tornar sócio da firma. Ora, aconteceu que esses dois operários empregaram mal, certa vez, o seu dia de trabalho e mereceram ser despedidos. Um dos fabricantes despediu o seu empregado, apesar de suas súplicas, e este, não mais encontrando emprego, morreu na miséria. O outro disse ao seu: — “Perdeste um dia e me deves uma compensação; fizeste mal o trabalho e me deves a reparação; eu te permito recomeçar; trata de fazê-lo bem, e eu te conservarei, e poderás continuar aspirando à posição superior que te prometi”. Seria necessário perguntar qual dos dois fabricantes foi mais humano? Deus, que é a própria clemência, seria mais inexorável que um homem? O pensamento de que a nossa sorte está para sempre fixada, em alguns anos de prova, ainda mesmo quando nem sempre dependesse de nós atingir a perfeição sobre a Terra, tem qualquer coisa de pungente, enquanto a idéia contrária é eminentemente consoladora, pois não nos tira a esperança. Assim, sem nos pronunciarmos pró ou contra a pluralidade das existências, sem admitir uma hipótese mais do que a outra, diremos que, se pudéssemos escolher, ninguém preferiria um julgamento sem apelo. Um filósofo disse que, se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo, para a felicidade do gênero humano; o mesmo se poderia dizer da pluralidade das existências. Mas, como dissemos, Deus não pede licença, não consulta as nossas preferências; as coisas são ou não são. Vejamos de que lado estão as probabilidades, e tomemos o problema sob outro ponto de vista, fazendo sempre abstração do ensinamento dos Espíritos e unicamente, portanto, como estudo filosófico.
Se não há reencarnação, não há mais do que uma existência corporal, isso é evidente. Se nossa existência corporal é a única, a alma de cada criatura foi criada por ocasião do nascimento, a menos que admitamos a anterioridade da alma. Mas neste caso perguntaríamos o que era a alma antes do nascimento, e se o seu estado não constituiria uma existência, sob qualquer forma. Não há, pois, meio-termo: ou a alma existia ou não existia antes do corpo. Se ela existia, qual era a sua situação? Tinha ou não consciência de si mesma? Se não a tinha, era mais ou menos como se não existisse; se tinha, sua individualidade era progressiva ou estacionária. Num e noutro caso, qual a sua situação ao chegar ao corpo? Admitindo, de acordo com a crença vulgar, que a alma nasce com o corpo ou, o que dá no mesmo, que antes da encarnação só tinha faculdades negativas, formulamos as seguintes questões:

l. Por que a alma revela aptidões tão diversas e independentes das idéias adquiridas pela educação?

2. De onde vem a aptidão extra-normal de algumas crianças de pouca idade para esta ou aquela ciência, enquanto outras permanecem inferiores ou medíocres por toda a vida?

3. De onde vêm, para uns, as idéias inatas ou intuitivas, que não existem para outros?

4. de onde vêm, para certas crianças, os impulsos precoces de vícios ou virtudes, esses inatos de dignidade ou de baixeza, que contrastam com o meio em que nasceram?

5. Por que alguns homens, independentemente da educação, são mais adiantados que os outros?

6. Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomarmos uma criança hotentote, de peito, e a educarmos, enviando-a depois aos mais renomados liceus, faremos dela um Laplace ou um Newton?

Perguntamos qual a Filosofia ou a Teosofia(1) que pode resolver esses problemas. Ou as almas são iguais ao nascer, ou não o são: quanto a isso não há dúvida. Se são iguais, por que essas tamanhas diferenças de aptidões? Dirão que dependem do organismo. Mas nesse caso, teríamos a doutrina mais monstruosa e mais imoral. O homem não seria mais que uma máquina, joguete da matéria; não teria a responsabilidade dos seus atos; tudo poderia atribuir-se às suas imperfeições físicas. Se as almas são desiguais, foi Deus quem as criou assim. Então, por que essa superioridade inata, conferida a alguns? Essa parcialidade estaria conforme à sua justiça e ao amor que dedica por igual a todas as criaturas?
Admitamos, ao contrário, uma sucessão de existências anteriores e progressivas, e tudo se explicará. Os homens trazem, ao nascer, a intuição do que já haviam adquirido. São mais ou menos adiantados, segundo o número de existências por que passaram ou conforme estejam mais ou menos distanciados do ponto de partida: precisamente como, numa reunião de pessoas de todas as idades, cada uma terá um desenvolvimento de acordo com o números de anos vividos. Para a vida da alma, as existências sucessivas serão o que os anos são para a vida do corpo. Reuni um dia mil indivíduos de um até oitenta anos; suponde que um véu tenha sido lançado sobre todos os dias anteriores, e que, na vossa ignorância, julgais todos eles nascidos no mesmo dia: perguntaríeis, naturalmente, por que uns são grandes e outros pequenos, uns velhos e outros jovens, uns instruídos e outros ainda ignorantes. Mas, se a nuvem que vos oculta o passado for afastada, se compreenderdes que todos viveram por mais ou menos tempo, tudo estará explicado. Deus, na sua justiça, não podia ter criado almas mais perfeitas e outras menos perfeitas, mas, com a pluralidade das existências, a desigualdade que vemos nada tem de contrário à mais rigorosa equidade. É porque só vemos o presente e não o passado, que não o compreendemos. Este raciocínio repousa sobre algum sistema, alguma suposição gratuita? Não, pois partimos de um fato patente, incontestável: a desigualdade de aptidões e do desenvolvimento intelectual e moral. E verificamos que esse fato é inexplicável por todas as teorias correntes, enquanto a explicação é simples, natural, lógica, por uma nova teoria. Seria racional preferirmos aquela que nada explica à outra que tudo explica?
No tocante à sexta pergunta, dirão sem dúvida que o hotentote é uma raça inferior. Então perguntaremos se o hotentote ó ou não humano. Se é humano, por que teria Deus, a ele e a toda a sua raça, deserdado dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se o não é, por que procurar fazê-lo cristão? A doutrina espírita é mais ampla que tudo isso. Para ela, não há muitas espécie de homens, mas apenas homens, seres humanos cujos espíritos são mais ou menos atrasados, mas sempre suscetíveis de progredir. Isso não está mais conforme à justiça de Deus?
Vimos a alma no seu passado e no seu presente. Se a considerarmos quanto ao futuro, encontraremos as mesmas dificuldades.
1. Se a existência presente deve ser decisiva para a sorte futura, qual é, na vida futura, respectivamente, a posição do selvagem e a do homem civilizado? Estarão no mesmo nível ou estarão distanciados no tocante à felicidade eterna?
2. O homem que trabalhou toda a vida para melhorar-se estará no mesmo plano daquele que permaneceu inferior, não por sua culpa, mas porque não teve o tempo nem a possibilidade de melhorar?
3. O homem que praticou o mal, por não ter podido esclarecer-se, culpado por um estado de coisas que dele em nada dependeu?
4. Trabalha-se para esclarecer os homens, para os moralizar e civilizar. Mas, para um que se esclarece, há milhões que morrem cada dia antes que a luz consiga atingi-los. Qual é a sorte destes? Serão tratados como réprobos? Caso contrário, o que fizeram eles para merecerem estar no mesmo plano que os outros?
5. Qual é a sorte das crianças que morrem em tenra idade, antes de poderem ter feito o mal ou o bem? Se estiverem entre os eleitos, por que esse favor, sem nada terem feito para o merecer? Por que privilégio foram elas subtraídas às tribulações da vida?
Há uma doutrina que possa resolver essas questões? Admiti as existências sucessivas, e tudo estará explicado de acordo com a justiça de Deus. Aquilo que não pudermos fazer numa existência, faremos em outra. É assim que ninguém escapa à lei do progresso. Cada um será recompensado segundo o seu verdadeiro merecimento, e ninguém é excluído da felicidade suprema, a que pode aspirar, sejam quais forem os obstáculos que encontre no seu caminho.
Essas questões poderiam ser multiplicadas ao infinito, porque os problemas psicológicos e morais que não encontram solução, a não ser na pluralidade das existências, são inumeráveis. Limitamo-nos apenas aos mais gerais. Seja como for, talvez se diga que a doutrina da reencarnação não é admitida na Igreja; isto seria, portanto, a subversão da religião. Nosso objetivo não é, no momento, tratar desta questão, bastando-nos haver demonstrado que ela é eminentemente moral e racional. Ora, o que é moral e racional não pode ser contrário a uma religião que proclame Deus como a bondade e a razão por excelência. O que teria acontecido à religião se, contra a opinião universal e o testemunho da Ciência, tivesse resistido à evidência e expulsado de seu seio quem não acreditasse no movimento do sol e nos seis dias da criação? Que crédito mereceria e que autoridade teria, entre os povos esclarecidos, uma religião baseada nos erros evidentes, oferecidos como artigos de fé? Quando a evidência foi demonstrada, a Igreja sabiamente se alinhou ao seu lado. Se está provado que existem coisas que seriam impossíveis sem a reencarnação, se certos pontos do dogma não podem ser explicados senão por este meio, será necessário admiti-la e reconhecer que o antagonismo entre essa doutrina e os dogmas é apenas aparente. Mais tarde mostraremos que a religião talvez esteja menos afastada desta doutrina do que se pensa, e que ela não sofreria mais, ao admiti-la, do que com a descoberta do movimento da Terra e dos períodos geológicos, que a princípio pareciam opor um desmentido aos textos sagrados. O princípio da reencarnação ressalta, aliás, de muitas passagens das Escrituras, encontrando-se especialmente formulado, de maneira explícita, no Evangelho:
“Descendo eles da montanha (após a transfiguração), Jesus lhe: preceituou, dizendo: — Não digais a ninguém o que vistes, até que o Filho do Homem seja ressuscitado de entre os mortos. Seus discípulos então o interrogaram, e lhe disseram: — Por que dizem então os escribas que é necessário que Elias venha primeiro ? E Jesus, respondendo, lhes disse: — Em verdade, Elias virá primeiro e restabelecerá todas as coisas. Mas eu vos declaro que Elias já veio, e eles não o conheceram, antes o fizeram sofrer, tudo quanto quiseram. Assim também eles farão morrer o Filho do Homem. Então entenderam os discípulos que era de João Batista que ele lhes havia falado. “ (São Mateus, cap. XVII.)
Ora, se João Batista era Elias, houve então a reencarnação do Espírito ou da alma de Elias no corpo de João Batista.
Seja qual for, de resto, a opinião que se tenha sobre a reencarnação, que a aceitem ou não, ninguém a ela escapará por causa da crença em contrário. O ponto essencial é que se apóia na imortalidade da alma, nas penas e recompensas futuras, no livre-arbítrio do homem, na moral do Cristo, e, portanto, não é anti-religioso.
Raciocinamos, como dissemos, fazendo abstração de todo o ensinamento espírita, que, para certas pessoas, não tem autoridade. Se, como tantos outros, adotamos a opinião referente à pluralidade das existências, não é somente porque ela veio dos Espíritos, mas porque nos parece a mais lógica e a única que resolve as questões até então insolúveis. Que ela nos viesse de um simples mortal, e a adoraríamos da mesma maneira, não hesitando em renunciar à nossas próprias idéias. Do mesmo modo, nós a teríamos repelido, embora viesse dos Espíritos, se nos parecesse contrária à razão, como repelimos tanta outras. Porque sabemos por experiência que não se deve aceitar de olhos fechados tudo o que vem dos Espíritos, como aquilo que vem da parte do homens. Seu primeiro título aos nossos olhos é, e antes de tudo, o de se lógica. Mas ainda tem outro, que é o de ser confirmada pelos fatos: fato positivos e por assim dizer materiais, que um estudo atento e raciocinado pode revelar a quem se der ao trabalho de observá-los com paciência perseverança e diante dos quais a dúvida não é mais possível. Quando esses fatos se popularizarem, como os da formação e do movimento da Terra, ser necessário reconhecer a evidência, e os seus opositores terão gasto em vão os argumentos contrários.
Reconhecemos, em resumo, que a doutrina da pluralidade das existências é a única a explicar aquilo que, sem ela, é inexplicável. Que é eminentemente consoladora e conforme à justiça mais rigorosa, sendo para o homem a tábua de salvação que Deus lhe concedeu, na sua misericórdia.
As próprias palavras de Jesus não podiam deixar dúvida a respeito. Eis o que se lê no Evangelho segundo São João, capítulo III:
“3. Jesus, respondendo a Nicodemos disse, — Em verdade, em verdade, te digo que, se um homem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.
“4. Nicodemos lhe disse: — Como pode um homem nascer, quando está velho?” Pode ele entrar de novo no ventre de sua mãe e nascer uma segunda vez?
“5. Jesus respondeu:— Em verdade, em verdade, te digo que, se um homem não nascer da água e do espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do espírito é espírito. Não te maravilhes de eu te haver dito: necessário vos é nascer de novo.” (Ver a seguir, o artigo Ressurreição da carne, item 1010.) (1)
Fonte: KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de José Herculano Pires.

(1) A reencarnação está hoje provada, através dos casos de lembranças de vidas anteriores em crianças, de pesquisas hipnóticas de regressão da memória, de avisos mediúnicos de renascimento com sinais e condições posteriormente verificados. Embora as Ciências oficiais ainda relutem em aceitar essas provas, a Ciência Espírita as considera válidas e espera para breve a sua aceitação oficial. (N. do T.)

(1) - Kardec não se refere à doutrina da Sociedade Teosófica, que só foi fundada mais tarde, em 1875, mas à teosofia num sentido geral, como era então conhecida a palavra, ou seja, uma forma de conhecimento intuitivo ou racional das coisas divinas. (N.do T.)