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sábado, 12 de julho de 2014

Primeiras lições de moral da infância

Por Allan Kardec

De todas as chagas morais da Sociedade, parece que o egoísmo é a mais difícil de desarraigar. Com efeito, ela o é tanto mais quanto mais é alimentada pelos próprios hábitos da educação. Parece que se toma a tarefa de excitar, desde o berço, certas paixões que mais tarde tornam-se uma segunda natureza. E admiram-se dos vícios da Sociedade, quando as crianças o sugam com o leite. Eis um exemplo que, como cada um pode julgar, pertence mais à regra do que à exceção.

Numa família de nosso conhecimento há uma menina de quatro a cinco anos, de uma inteligência rara, mas que tem os pequenos defeitos das crianças mimadas, isto é, é um pouco caprichosa, chorona, teimosa, e nem sempre agradece quando lhe dão qualquer coisa, o que os pais cuidam bem de corrigir, porque fora esses defeitos, segundo eles, ela tem um coração de ouro, expressão consagrada. Vejamos como eles se conduzem para lhe tirar essas pequenas manchas e conservar o ouro em sua pureza.

Um dia trouxeram um doce à criança e, como de costume, lhe disseram: “Tu o comerás se fores boazinha”. Primeira lição de gulodice. Quantas vezes, à mesa, não dizem a uma criança que não comerá tal petisco se chorar. “Faze isto, ou faze aquilo”, dizem, “e terás creme” ou qualquer outra coisa que lhe apeteça, e a criança se constrange, não pela razão, mas em vista de satisfazer a um desejo sensual que aguilhoam.

É ainda muito pior quando lhe dizem, o que não é menos frequente, que darão o seu pedaço a uma outra. Aqui já não é só a gulodice que está em jogo, é a inveja. A criança fará o que lhe dizem, não só para ter, mas para que a outra não tenha. Querem dar-lhe uma lição de generosidade? Então lhe dizem: “Dá esta fruta ou este brinquedo a fulaninho”. Se ela recusa, não deixam de acrescentar, para nela estimular um bom sentimento: “Eu te darei um outro”, de modo que a criança não se decide a ser generosa senão quando está certa de nada perder.

Certo dia testemunhamos um fato bem característico neste gênero. Era uma criança de cerca de dois anos e meio, a quem tinham feito semelhante ameaça, acrescentando: “Nós o daremos ao teu irmãozinho, e tu ficarás sem nada.” Para tornar a lição mais sensível, puseram o pedaço no prato do irmãozinho, que levou a coisa a sério e comeu a porção. À vista disso, o outro ficou vermelho e não era preciso ser nem o pai nem a mãe para ver o relâmpago de cólera e de ódio que partiu de seus olhos. A semente estava lançada: poderia produzir bom grão?

Voltemos à menina, da qual falamos. Como ela não se deu conta da ameaça, sabendo por experiência que raramente a cumpriam, desta vez foram mais firmes, pois compreenderam que era necessário dominar esse pequeno caráter, e não esperar que com a idade ela adquirisse um mau hábito. Diziam que é preciso formar cedo as crianças, máxima muito sábia e, para a pôr em prática, eis o que fizeram: “Eu te prometo, disse a mãe, que se não obedeceres, amanhã cedo darei o teu bolo à primeira menina pobre que passar.” Dito e feito. Desta vez queriam manter a promessa e dar-lhe uma boa lição. Assim, no dia seguinte, de manhã, tendo visto uma pequena mendiga na rua, fizeram-na entrar e obrigaram a filha a tomá-la pela mão e ela mesma lhe dar o seu bolo. Então elogiaram a sua docilidade. Moral da história: A filha disse: “Se eu soubesse disto teria me apressado em comer o bolo ontem.” E todos aplaudiram esta resposta espirituosa. Com efeito, a criança tinha recebido uma forte lição, mas de puro egoísmo, da qual não deixará de aproveitar-se uma outra vez, pois agora sabe quanto custa a generosidade forçada. Resta saber que frutos dará mais tarde esta semente quando, com mais idade, a criança fizer a aplicação dessa moral em coisas mais sérias que um bolo.

Sabe-se todos os pensamentos que este único fato pode ter feito germinar nessa cabecinha? Depois disto, como querem que uma criança não seja egoísta quando, em vez de nela despertar o prazer de dar e de lhe representar a felicidade de quem recebe, impõem-lhe um sacrifício como punição? Não é inspirar aversão ao ato de dar e àqueles que necessitam?

Outro hábito, igualmente frequente, é o de castigar a criança mandando-a comer na cozinha com os criados. A punição está menos na exclusão da mesa do que na humilhação de ir para a mesa dos serviçais. Assim se acha inoculado, desde a mais tenra idade, o vírus da sensualidade, do egoísmo, do orgulho, do desprezo aos inferiores, das paixões, numa palavra, que com razão são consideradas como as chagas da Humanidade.

É preciso ser dotado de uma natureza excepcionalmente boa para resistir a tais influências, produzidas na idade mais impressionável, na qual não podem encontrar o contrapeso nem da vontade, nem da experiência. Assim, por pouco que aí se ache o germe das más paixões, o que é o caso mais ordinário, dada a natureza da maioria dos Espíritos que se encarnam na Terra, ele não pode deixar de desenvolver-se sob tais influências, ao passo que seria preciso observar-lhe os menores traços para reprimi-los.

A falta, sem dúvida, é dos pais, mas é preciso dizer que muitas vezes estes pecam mais por ignorância do que por má vontade. Em muitos há, incontestavelmente, uma culposa despreocupação, mas em muitos outros a intenção é boa, no entanto, é o remédio que nada vale, ou que é mal aplicado.

Sendo os primeiros médicos da alma de seus filhos, os pais deveriam ser instruídos, não só de seus deveres, mas dos meios de cumpri-los. Não basta ao médico saber que deve procurar curar, é preciso saber como agir. Ora, para os pais, onde estão os meios de instruir-se nesta parte tão importante de sua tarefa? Hoje dá-se muita instrução à mulher; fazem-na passar por exames rigorosos, mas algum dia foi exigido da mãe que soubesse como fazer para formar o moral de seu filho? Ensinam-lhe receitas caseiras, mas foi iniciada aos mil e um segredos de governar os jovens corações?

Os pais, portanto, são abandonados sem guia à sua iniciativa. É por isto que tantas vezes seguem caminhos errados. Assim recolhem, nos erros dos filhos já crescidos, o fruto amargo de sua inexperiência ou de uma ternura mal compreendida, e a Sociedade inteira lhes recebe o contragolpe.

Considerando-se que o egoísmo e o orgulho são reconhecidamente a fonte da maioria das misérias humanas; que enquanto eles reinarem na Terra não se pode esperar nem paz, nem caridade, nem fraternidade, então é preciso atacá-los no estado de embrião, sem esperar que fiquem vivazes.

Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem dúvida nenhuma, e não hesitamos em dizer que ele é o único suficientemente poderoso para fazê-lo cessar, pelo novo ponto de vista com o qual ele permite perceber a missão e a responsabilidade dos pais; dando a conhecer a fonte das qualidades inatas, boas ou más; mostrando a ação que se pode exercer sobre os Espíritos encarnados e desencarnados; dando a fé inquebrantável que sanciona os deveres; enfim, moralizando os próprios pais. Ele já prova sua eficácia pela maneira mais racional empregada na educação das crianças nas famílias verdadeiramente espíritas. Os novos horizontes que abre o Espiritismo fazem ver as coisas de outra maneira. Sendo o seu objetivo o progresso moral da Humanidade, ele forçosamente deverá iluminar o grave problema da educação moral, primeira fonte da moralização das massas. Um dia compreender-se-á que este ramo da educação tem seus princípios, suas regras, como a educação intelectual, numa palavra, que é uma verdadeira ciência. Talvez um dia, também, será imposta a toda mãe de família a obrigação de possuir esses conhecimentos, como se impõe ao advogado a de conhecer o Direito.

(Revista Espírita, fevereiro de 1864)

terça-feira, 31 de maio de 2011

Contribuições do Espiritismo para uma Nova Família

Por Jaci Regis

A família atual sofre ataques profundos em sua estrutura, apressando as mudanças, no conjunto das mutações que revoluciona o comportamento social, abalando velhas estruturas e tradições.

Como conceituar a família atual, comparativamente à tradição? Como executar as funções de pai e mãe num momento tão inseguro como atualmente? Como encaminhar os filhos ou ensiná-los ao autogoverno, em meio a tantas variáveis e da imaturidade natural?

Teria o Espiritismo contribuição objetiva para encaminhar a questão familiar de maneira a ajudar os pais e a família a encontrar um caminho de realização?

Pretendo analisar as questões relativas ao núcleo familiar, na procura de indicações que formulem uma filosofia espírita da família, contribuindo para a dar ao núcleo doméstico a eficiência afetiva que é fundamental para o bom encaminhamento dos Espíritos que reencarnam.

EM BUSCA DE UM NOVO MODELO

Após 1945, a estrutura moral e de valores da sociedade foi definitivamente balada. Após os horrores da II Guerra Mundial do século 20, o modelo que vinha sendo corroído mais aceleradamente com a queda da moral vitoriana do século 19 e pelos efeitos da I Guerra Mundial de 1914-1918, mostrou-se inadequado, falso e hipócrita.

Desde então buscam-se novas formas de relacionamento, sem encontrar um novo rumo. O que se vê é um não-modelo ou um modelo a procura de um sentido, moral e social, com fundas repercussões na instituição da família.

A família nuclear de hoje, na cultura ocidental e cristã, com seu reduzido numero de participantes, é o retrato atual de um longo e diversificado processo de depuração da instituição familiar.

O modelo de relação familiar que herdamos decorre da implantação do cristianismo no mundo ocidental. Analisando a conceituação básica do pensamento cristão, sob a ótica espírita, devido a visão de homem e de mundo adotada, podemos dizer que o cristianismo jamais entendeu a criatura humana, sua estrutura espiritual, medos e ansiedades. Centralizado na obsessão de salvar a humanidade, criou um sistema moralista baseado na negação do ser e na repressão sexual.

A figura paterna passa por revisão avassaladora tanto pelos filhos, como pelo próprios pais. A mãe já não quer ser a rainha do lar, mas deseja participar social e profissionalmente e assumir a condição de mulher desejante, enfim, uma pessoa com direito à busca de si mesma, sem a tutela paterna ou do marido.

Balançam as opções. Persistir no não-modelo , isto é, abandonar e desprezar todo o acervo histórico e moral existente e deixar as coisas correrem ao sabor das casualidades ou manter o modelo a procura de um sentido, resgatando parte do passado e buscando novas orientações, que é o que permanece no limbo das transições em curso.

É verdade que não há como abandonar os fundamentos morais mais substanciais da doutrina cristã. O que incomoda e torna frágil a estrutura familiar é a falta de uma base conceitual límpida, sem coerção e pré-conceitos que se mostram antinaturais.

MUTAÇÕES

Analisarei alguns itens que transformaram o velho modelo familiar.

A - Liberação Sexual da Mulher

Nada mais justo que a mulher tivesse conquistado o direito a sua sexualidade. Seria absurdo persistir no parâmetros que a Igreja cristã estabeleceu para a mulher, seja sexual, humana ou socialmente.

As mulheres têm agora a liberdade de usar sua sexualidade conforme sua consciência. No uso do livre arbítrio, essa liberação será legítima conforme for utilizada de maneira equilibrada e responsável, de maneira a manter a dignidade da pessoa.

É inegável que essa liberação abalou profundamente os alicerces da antiga família . Não apenas por essa elevação social e humana da mulher, mas por todas as transformações que daí decorreram e decorrem para as instituições do casamento, da divisão do trabalho no lar e pela eliminação do poder legal e institucional do homem na estrutura da família. Ou seja o rompimento da base sobre a qual a Igreja edificou o instituto da família.

B - Questionamento do Casamento

A indissolubilidade do casamento, pregada secularmente pela Igreja é um contrassenso, felizmente erradicada pela maioria dos países cristãos. As pessoas até nominalmente cristãs, sem dar importância à posição das igrejas em geral, casam e descasam.

O Espiritismo sempre foi favorável ao divórcio. Kardec disse-o claramente.

Muitas vezes os casamentos são desfeitos pelo voluntarianismo, pelo egoísmo e pela impaciência na adaptação. Outras, entretanto, são decorrentes de situações dramáticas, de sofrimentos e comportamentos que atingem a dignidade. Nesses casos, não há porque mantê-los. Eis o que diz O Livro dos Espíritos:

940 . A falta de simpatia entre os seres destinados a viver juntos não é igualmente uma fonte de sofrimento, tanto mais amarga quanto envenena toda a existência?

- Muito amarga, de fato: mas é uma dessas infelicidades de que, na maioria das vezes, sois a primeira causa. Em primeiro lugar as vossas leis estão erradas, pois acreditais que Deus vos obriga a viver com aqueles que vos desagradam?

A própria instituição do casamento formal, legal, é questionada por muitos. Todavia, o anseio de construir uma família e a procura de uma convivência duradoura, dominam o cenário. Novas formas no relacionamento entre os cônjuges decorrerão do nivelamento mental, moral e até profissional dos parceiros. A antiga família contemplava a supremacia do homem, o “cabeça da família”, o que saía para prover os recursos e a submissão da mulher que devia ficar na casa para os serviços domésticos. O novo panorama exige a mudança desse modelo, com funções compartilhadas pelo casal. O casamento do futuro será baseado no afeto e no amor.

C - Sexualidade Sem Compromisso

Em virtude da liberação sexual da mulher, a sexualidade teve novos contornos na sociedade atual. Muitas máscaras caíram, muita hipocrisia desfez-se e também muito exagero e mesmo libertinagem se instalou. O alastramento da Aids é uma consequência dessa desestruturação moral. “Transar” já é normal. A virgindade feminina não é considerada fundamental. Entretanto, as famílias bem estruturadas deverão criar um clima de confiança e equilíbrio, de compreensão dos fatores sexuais, de modo a induzir os filhos a iniciar-se na sexualidade de maneira consciente, no seu tempo adequado, com apoio e acompanhamento dos pais.

D - Limitação dos Filhos

Na onda de transformações, as famílias encolheram. Dificuldades naturais e outros fatores levaram os casais na sociedade cristã a pensarem numa família nuclear reduzida. O problema da limitação dos filhos repercute na produção de remédios e métodos anticonceptivos. Alguns notadamente insensíveis e perniciosos, como a utilização do aborto como método anticoncepcional, o que não se pode aceitar. Parece-me, dentro da lei do livre arbítrio, que a decisão de limitar o número de filhos pertence ao casal. O planejamento, entretanto, não será legitimado se for baseado no egoísmo ou na futilidade.

A paternidade realça o valor do homem para si mesmo, tanto quanto a maternidade eleva a mulher no seu próprio conceito. São estados de consciência que gratificam o Espírito, preparando-o para movimentar energias e possibilidades. (Amor, Casamento & Família, Jaci Regis, pág. 69).

REESTRUTURAÇÃO MENTAL

A introdução de um modelo renovador deve começar pela mudança da estrutura mental da pessoa e, posteriormente, pela reestrutura mental da sociedade. Sabemos que a sociedade cria sua própria moral que atua de forma condicionadora sobre o indivíduo. Logo a organização familiar estabelecida pela Igreja, séculos após séculos de indução, criou modelos mentais fixos, a custos reorganizados na mente.

Quando Allan Kardec queixava-se da inexistência de um vocabulário específico para as idéias espíritas, sabia que uma palavra de significado consagrado em tradição secular correspondia a fixações mentais condicionadas.

Assim, a palavra família, por exemplo, embora designe uma estrutura bem conhecida, essencialmente, tem entendimento diferente e contraditório quanto a sua real significação.

No sentido de criação de uma mentalidade mais aberta, devemos considerar que tanto a concepção espiritualista univivencial, como também a materialista, entendem que a família é uma reunião fortuita e circunstancial de pessoas corporais dotadas, para os espiritualistas, de uma alma, criada no momento da concepção e para os materialistas apenas como um organismo vivo.

A concepção espírita é totalmente diferente, uma vez que concebe a vida corpórea como um segmento da vida espiritual dinâmica e imortal. Isto é, que a sociedade humana atual é composta de Espíritos reencarnados, ou seja, seres inteligentes perfeitamente definidos e delineados, dentro da lei da evolução, da qual a reencarnação é instrumento.

Dessa forma, postula que a família, antes de tudo, é um encontro de Espíritos. A família, na visão kardecista, é uma reunião de Espíritos afinizados em níveis de moralidade e evolução.

Na visão cristã e materialista, os filhos, por exemplo, não escolhem a família. São gerados aleatoriamente pelos pais e têm que sofrer suas influências, sem poder dela se esquivar, imposta que foi, pelo azar ou pelo destino, a convivência com eles.

Na compreensão kardecista, dentro de uma possível programação pré-reencarnatória, muitos filhos escolheram as famílias em que se encarnam, dentro da relação afetiva e sintônica que estabelece as ligações emotivas das pessoas.

Na visão cristã e materialista, a criança é um ser inocente criada na gestação, entregue aos azares do destino, cujo futuro dependerá de situações aleatórias, que da qual ao crescer se exigirá caráter ilibado, bom. No caso materialista desembocando na finitude da existência e no cristão, para garantir, depois da morte, um lugar no céu ou condenação. ao inferno.

Na visão kardecista a criança é, essencialmente, um Espírito com acervo evolutivo específico, que se submete a um processo de aprimoramento, na encarnação, da qual sairá mais experiente, em trânsito para a continuidade de seu projeto evolutivo, que recebemos como companheiro de jornada evolutiva.

NOVO MODELO

Primeiro é necessário definir como o Espiritismo analisa a vida corpórea.

Aí a compreensão espírita permeia uma posição de extremo equilíbrio. Embora enfatizando a natureza imortal do ser, apoiada na visão evolutiva e da reencarnação, de modo algum a doutrina despreza ou diminui a vida terrena. Nem poderia, uma vez que ela não é uma exceção, nem castigo ou exílio, como às vezes se propala, dando seguimento à afirmação cristã da precariedade da vida humana, como mera transição para o céu ou o inferno.

Em outras palavras, o Espiritismo dá grande ênfase à vida terrena. Para o espírita a encarnação não é um constrangimento.

No nosso nível evolutivo, ela é uma decorrência natural, desejada e imprescindível. Na medida que o Espiritismo nos liberta das velhas contradições do cristianismo a respeito da ação divina e do pecado, vamos compreendendo que encarnar representa uma condição necessária e que cada vida corpórea, matizada pelo esquecimento do passado, representa uma aventura, um caminho a ser percorrido com surpresas, vitórias, fracassos.

Nessa vida o Espírito exprime seus sentimentos, medos, desvios e acertos. Mas é também da sabedoria divina, que a encarnação promove um processo de desvinculação das personalidades anteriores e, embora guardando, como é compreensível, o imo de si mesmo, apresenta-se no mundo aberto, desguarnecido, pronto para receber influenciações que são decisivas para definir.

Isto é, o esquecimento das vidas passadas é, justamente, o instrumento capaz de permitir ao reencarnado viver a vida como se fosse a primeira e única vez que o faz.

Por isso esse modelo não cria qualquer diferença ou condena as manifestações comuns e naturais, sejam sexuais ou afetivas que geralmente constroem as relações familiares.

Não encontro base para engessar o pensamento em formas expiatórias relativas a erros do passado. Ou seja, não considero que todas as agregações familiares sejam previamente combinadas antes da encarnação. Não descarto essa possibilidade, mas não a tomo como básica na compreensão das relações afetivas entre o casal e os filhos e no conjunto familiar em geral.

Isso é necessário para libertar a mente de fantasmas e evitar justificar comportamentos agressivos, ódios, apegos excessivos ou outras formas que constituem uma grande parte da relação familiar, sempre com consequências funestas.

O amor, a afeição são forças interiores da estrutura espiritual e não precisam de justificativas sobre possíveis ligações anteriores para se consolidarem.

Vivendo intensamente a realidade do presente, embora com a visão ampla e libertadora da doutrina espírita, construiremos a família dentro de modelos dinâmicos, exercendo as funções paternais com desembaraço e consciência.

O NÓ DOS CONFLITOS

Os mecanismos da reencarnação são dispostos de modo que ao encarnar o Espírito, desvincula-se de suas personalidade, embora mantendo o acervo próprio de sua individualidade.

Com isso, o Espírito pode reiniciar seu aprendizado terreno, como se fora a primeira vez que o fizesse. O esquecimento do passado é um instrumento básico para permitir a reciclagem das personalidades, condição indispensável à criação de oportunidades de crescimento e refazimento.

Essa realidade nos livra de permanecer na relação humana na posição dúbia de querer ver além do tempo, a motivação pessoal de certos conflitos.

Diante do cônjuge de difícil convivência não há como vê-lo como alguém que nos cobra a culpa por erros do passado, a pretexto de pagar dívidas passadas. Amá-lo, suporta-lo ou tolerá-lo ou não, será fruto da consciência dos fatores que cada um tem que analisar para a tomada de decisões. Da mesma forma o filho rebelde e difícil não tem que ser olhado como uma desafeto que volta para cobrar alguma coisa.

São desafios difíceis, mas que podem ser enfrentados, a partir de uma visão menos utilitarista da vida

Essa diversidade de visão caracteriza formas muitos diferentes de analisar a vida terrena e deveria desencadear motivações pedagógicas e comportamentais profundamente positivas na relação familiar, considerando a posição espírita.

Muitos pais reclamam das dificuldades em criar um ambiente doméstico equilibrado e basicamente positivo. Dizem, com certa razão, que existem, hoje em dia, concorrentes poderosos à conivência familiar. A inserção da mulher no mercado de trabalho, por exemplo, tirou o papel de dona de casa . Se o casal trabalha fora, há de haver uma concentração mental e moral capaz de suprir a ausência com a criação de uma psicosfera familiar segura, de modo que os filhos se sintam importantes, notados e amados, ainda que sem a presença constante dos pais.

Essa circunstância obriga a entregar os filhos em mão de terceiros, sejam parentes, empregados ou instituições, mas isso, como se pode comprovar, não afasta os filhos dos pais desde que, como disse, se deem aos filhos de maneira consistente.

Na verdade, a maioria dos problemas dos filhos é decorrentes do abandono devido a futilidades e egoísmos materno ou paterno, de modo que vibracionalmente eles sentem que são deixados de lado, que não são importantes ou amados.

A concorrência da televisão pode e deve ser contornada com a formação do hábito da conversa positiva, do diálogo e da união familiar em torno de tarefas de ideal, de serviço ao próximo, de utilidade humana, ao lado da merecida e equilibrada cota de laser, recreação, conforme as condições permitirem.

Verificamos que a função paterna e materna, não se complica, mas exige uma atuação mais próxima, mais constante e uma abertura mental dos genitores para olhar os filhos com novo olhar.

A visão imortalista produz efeitos benéficos na estrutura do ser. No caso de uma gravides, por exemplo, a mãe e, ao seu lado o pai, acompanharão o desenvolvimento do feto com ternura e expectativa, sabendo embora que aí se está gerando um corpo que servirá de expressão viva de um Espírito vivido, que virá ao encontro de seu lar para receber amor, compreensão, diretrizes.

Certamente ele será um bebê, criança e viverão a realidade da convivência. Os pais chorarão por ele, se preocuparão com as doenças, com os problemas e o futuro dele. Mas tudo isso dentro de uma ótica mais equilibrada e compreensiva.

CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS

Bem compreendido o Espiritismo é instrumento de libertação e expansão da consciência. A reencarnação, como vimos, é um instrumento do processo evolutivo do ser imortal. É um segmento repetitivo, na nossa fase atual, de aprendizado e reajustamento psicológico, emotivo e moral.

No vocabulário espírita, as expressões castigo, punição, expiação, provas , relativamente ao ser e à vida corpórea, devem ser entendidas, sobretudo, como oportunidades . Ou seja, a divindade não pune, oportuniza.

Devido às realidades espirituais dos habitantes deste planeta e as implicações culturais, o lar só será o doce lar, conforme forem cultivados pelos seus componentes valores positivos. Isso não significa uma homogeneidade total, pois, pragmaticamente, a família é um polo de conflitos. De conflitos porque reúne em seu espaço afetivo todas as paixões e aspirações humanas. Nele reúnem-se Espíritos vivenciados, em busca de uma nova oportunidade de crescimento que a encarnação permite.

Essa visão espírita é extremamente moral, mas não moralista. O Espiritismo baseia-se nos fundamentos da moral de Jesus de Nazaré. Todavia, a filosofia de vida é determina o comportamento. As informações e mesmo o conhecimento formal e intelectual das coisas, nem sempre consegue mudar os impulsos afetivos, nem direcionar convenientemente as emoções.

O sentimento é que estabelece a forma de vivenciar.

E o sentimento é produto de um complexo de percepções do Espírito, que tem que manipular, entretecer-se com variáveis afetivas que incluem o medo, o desejo, a rejeição e o amor, este compreendido, antes de tudo, como uma forma de sentir-se aceito, protegido, sustentado afetivamente.

É a partir dessa matriz que o comportamento se realiza na relação, pois podemos saber que não devemos fazer algo mas fazemos, temos conhecimento que certas formas de agir são prejudicais e mesmo assim as executamos.

Dito isto, consideremos a base moral das relações. É certo que existe uma moral social, coletiva, cultural. São crenças, costumes e leis que estabelecem os limites da relação entre as pessoas, nas quais a família se insere. Pois a moral, em resumo, é a maneira como cada um se relaciona consigo mesmo e com os outros.

Todavia, é também da concepção espírita que existe uma Lei Natural que estabelece limites e canalizações da afetividade, de modo a que a pessoa se encaminhe, pelo melhor caminho possível, para encontrar uma relativa harmonização com a Lei.

Essa compreensão será a baliza da moralidade.

Fonte: Jornal de cultura espírita Abertura, maio de 2000, ano XIII, nº 148 - Santos-SP.

Jaci Regis (1932-2010), psicólogo, jornalista, economista e escritor espírita, foi o fundador e presidente do Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS), idealizador do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita (SBPE), fundador e editor do jornal de cultura espírita “Abertura” e autor dos livros “Amor, Casamento & Família”, “Comportamento Espírita”, “Uma Nova Visão do Homem e do Mundo”, “A Delicada Questão do Sexo e do Amor”, “Novo Pensar - Deus, Homem e Mundo”, dentre outros.

Retirado do site PENSE - http://viasantos.com/pense/arquivo/1338.html

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Allan Kardec e a Educação

"Educação é o conjunto de hábitos adquiridos".
(Allan Kardec, O Livro dos Espíritos. Pergunta 685a)

Por Joamar Z. Nazareth

A renovação da humanidade só se processará através da EDUCAÇÃO.

E o Espiritismo, cuja meta principal é educar o homem para a eternidade, se preocupa desde a codificação de Kardec em convidar espíritas a tão preciosa missão, conforme podemos conferir em Evangelho Segundo o Espiritismo" e em "O Livro dos Espíritos".

Comenta Santo Agostinho sobre a missão dos pais: ''A tarefa é difícil, mas não impossível; não exige o saber do mundo; o ignorante como o sábio pode cumpri-la e o Espiritismo veio facilitá-la, dando a conhecer a causa das imperfeições do coração humano".

Observamos a preocupação da Espiritualidade em convidar os pais para o bom desempenho de sua tarefa educativa, mostrando o auxílio que os mesmos obterão no conhecimento da Doutrina Espírita.

Sobre a ausência de responsabilidade moral e deficiências tais como: desconhecimento espiritual e relaxamento da educação no lar, gerando problemas sociais, afirma Allan Kardec-: "Considerando-se a aluvião de indivíduos diariamente lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio, entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as conseqüências desastrosas que daí decorrem?"

Há mais de um século os Espíritos já mostravam o sério problema dos desvios morais, do desequilibrio no caráter e da ausência de valores elevados nos jovens que saem do lar e mergulham na sociedade, carregando , bagagem dos sentimentos, virtudes, emoções, hábitos e vícios trabalhados no ambiente familiar.

Observamos, desse modo, que os lares deveriam ser núcleos onde os espíritos reencarnantes - trazendo os vícios e as virtudes, os bons e os maus hábitos do passado - fossem preparados para a melhoria de sua situação espiritual, combatendo esses vícios e desenvolvendo essas virtudes, caracterizando assim a EDUCAÇÃO MORAL, que é a missão verdadeira do lar.

Sobre a responsabilidade dos pais, afirma o insigne educador: "... quando produzis um corpo, a alma que nele se encarna vem do espaço para progredir; sabei vossos deveres e colocai todo vosso amor em aproximar essa alma de Deus: é a missão que vos está confiada" ... - "Vossos cuidados, a educação que lhe derdes, ajudarão seu aperfeiçoamento e seu bem-estar futuro".

Os pais devem firmar um incessante combate às ervas daninhas das imperfeições, plantando as boas sementes das virtudes no coração dos filhos, para que elas germinem hoje ou no futuro, abrindo a esses espíritos a porta da renovação e do aperfeiçoamento espiritual. Missão essa da qual não podem fugir ou se furtar às conseqüências de sua negligência, como também receberão os frutos abençoados quando do seu bom cumprimento.

Sobre a cura de todos os males morais do homem, que se fará somente pela educação, esclarece Kardec: "A cura poderá ser demorada, porque as causas são numerosas, mas não é impossível. A isso não chegará de resto, senão tomando o mal em sua raiz, quer dizer, pela educação."

As escolas do mundo nos enriquecem o cérebro com uma gama imensa de conhecimentos, informações, cultura. Mas somente no lar, no seio da família, é que o espírito encontrará a proteção e o ambiente propício à sua preparação no íntimo de seus sentimentos, idéias, emoções para as lutas do mundo. E somente pais e mães conscientes de suas responsabilidades é que conseguem fazer do ambiente doméstico essa escola de moralização das almas.

Com a implantação da Doutrina Espírita na Terra, inaugurou-se uma Nova Era para a Humanidade e abriu-se para o planeta a porta da renovação, que se processará através da consciência do trabalho de EDUCAÇÃO das almas. Educação do cérebro, sim e sempre, mas sobretudo educação do coração e do caráter.