segunda-feira, 8 de junho de 2015

Trabalho no plano espiritual

Por André Tirolês e Paulo F. Luiz

É comum ver pessoas com variadas expectativas a respeito do que se sucede após a morte do corpo, o que é natural. Algumas não pensam muito nisso, muitas temem o assunto, outras o esperam da forma como sua crença o "pinta". Cada uma com os seus motivos.

Na Doutrina Espírita (DE), o conceito de morte possui uma leitura diferente e detalha-se muito mais a questão. Para quem não se contenta com a aniquilação completa da sua existência, o Espiritismo fundamenta em cinco obras muitas das questões relativas à natureza de tudo que envolve a temática do “post-mortem”.

Diferente de todas as doutrinas anteriores, religiosas ou não, a DE não se baseia em fantasias celestiais, nem se encerra na completa extinção da consciência e existência humana. Compreendendo a DE, é possível constatar que a sobrevivência da alma é um fato, e que dele decorrem inúmeras outras perguntas às quais são fundamentais para uma compreensão mais completa da vida humana, sem pieguice, dogmas, mitos ou milagres (que não existem).

Ao contrário disso, a DE nos fornece um conjunto de “ferramentas” intelectuais/filosóficas que descortinam as mais complicadas questões da vida humana, como nunca se tratou antes, e encerra de uma vez por todas as bases dessa compreensão. Logo, tão naturalmente curvemo-nos a ela com a seriedade de qualquer ciência e filosofia, despido de qualquer preconceito, será natural então perguntar: O que acontece exatamente depois da morte do corpo? E parte da resposta é: não se sabe exatamente.

Mas uma coisa os espíritos já nos adiantaram na questão 569 de O Livro dos Espíritos (OLE) ao responder que as atividades dos espíritos “São tão variadas que seria impossível descrevê-las; além do que, não as podeis compreender. (...)” Então é certo adiantar que não temos como compreender a realidade das coisas que acontecem depois do desencarne. No entanto, alheio a desânimos, os espíritos deixaram algumas pistas.

Antes de se chegar direto ao ponto, é preciso responder a essa outra questão: por que não podemos compreender? Ou, por que seria impossível aos espíritos descrever essas atividades? Este é o cerne da questão, pois que para aceitar essa resposta dos espíritos, é preciso compreender os limites das faculdades corporais humanas diante da realidade espiritual.

No Livro dos Espíritos, quando Kardec indaga (questão 403) sobre a lembrança dos sonhos (sabe-se que o sono é um período no qual o espírito “acorda para a realidade espiritual, e vive experiências que podem ou não, serem lembradas quando o encarnado acorda do sono - ver OLE, livro II, cap. 08)”. Os espíritos explicam: “(...)Sendo o corpo uma matéria pesada e grosseira, dificilmente conserva as impressões que o espírito recebeu, visto que o espírito não as percebeu pelos órgãos do corpo”.

Outra passagem de OLE toca nessa questão, quando fala sobre a necessidade da união do espírito com o corpo para haver manifestações na matéria, os espíritos informam que “Ela é necessária para vós, porque não sois organizados para perceber o Espírito sem a matéria; vossos sentidos não são feitos para isso.”

Também constitui dificuldade de compreensão o grau de adiantamento moral e intelectual de cada um. Na questão 18 de OLE, quando Kardec indaga sobre a possibilidade do homem adentrar nos mistérios das coisas, os espíritos encerram-na dizendo que “O véu se levanta para ele à medida que se depura; mas, para compreender algumas coisas, é preciso faculdades, dons, que ainda não possui.” Dessa forma, conclui-se que muito ainda falta para compreender completamente uma realidade tão ímpar quanto à do plano espiritual.

Entretanto, apesar dos limites à total compreensão da fase errante, não quer dizer que não temos como compreender pelo menos algumas das ocupações dos espíritos, e que foram reveladas em vários momentos diferentes ao longo de toda Codificação.

É importante lembrar que, quando Kardec compilou os cinco livros, sua preocupação foi outra que não somente falar das atividades dos espíritos. Entretanto, dedicou um capítulo inteiro de OLE a isso (Missão dos Espíritos), do qual se extrai a maior parte das informações sobre esse “trabalho” no plano espiritual.

Usam-se aspas, pois o trabalho humano conceitua-se de forma diferenciada da dos espíritos, a começar pelo fato de não haver mais corpo. E até onde se entende e define trabalho humano, para realizá-lo é necessário haver dispêndio de energia, dentro da premissa de conservação da matéria de Lavoisier, onde “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Ou seja, no plano material, o sistema obedece às leis que impõem desgastes das mais variadas formas, seja como atrito, seja químico/metabólico, cinético, sonoro, etc.

O que acontece quando o sistema e as leis da matéria se aplicam de formas tão diferentes?

Para melhor compreender, tem-se em OLE a distinção que foi necessária fazer entre o conceito errôneo de ser “imaterial” e ser “incorpóreo”. Na pergunta 82 quando os espíritos são questionados se seria certo chamar o espírito de “imaterial”, respondem que “(...)Imaterial não é bem a palavra, incorpóreo seria mais exato, porque deveis compreender bem que o Espírito, sendo uma criação, deve ser alguma coisa. É uma matéria puríssima, mas sem comparação ou semelhança para vós, e tão etérea que não pode ser percebida pelos vossos sentidos”.

Mais à frente, na pergunta 254, completa-se o conceito a respeito da natureza de suas tarefas, quando se explicita que o espírito não sente fadiga, nem necessidade de repouso, “pois não possuem órgãos em que as forças tenham de ser restauradas”. E repetem mais uma vez na questão 558 de OLE dizendo: “a vida espírita é uma ocupação contínua, mas não é sofrida, como na Terra, porque não há o cansaço corporal, nem as angústias da necessidade.” Dessa forma, fica claro que no plano espiritual não há consumo de energia para as atividades realizadas pelos espíritos.

Porém, se há infinitas atividades como os espíritos disseram, outra pergunta se faz: O que move os espíritos?

Na pergunta 89 de OLE, explicam que “quando o pensamento está em algum lugar, a alma está também, uma vez que é a alma que pensa. O pensamento é um atributo.”

Sendo o pensamento o “motor” do espírito, e sendo este incorpóreo como bem explicam, é factível assumir que nada cansaria uma forma de vida assim. Engano. Sendo o espírito confundido com a manifestação da inteligência pura e simples, ele ainda pode cansar-se cognitivamente.

Para descansar, o espírito deixa de focar seus pensamentos em determinada atividade, pois “sua ação é toda intelectual e o seu repouso é todo moral” (OLE, questão 254). Desta forma, os espíritos chamam atenção para a natureza puramente cognitiva das atividades dos espíritos, pois não possuindo mais corpo, eles estão livres dos desgastes do corpo material, podendo dedicar-se única e exclusivamente às atividades de cunho moral e intelectual.

 Entretanto, há uma vastidão de atividades que se desconhece e que envolvem as mais diferentes escalas de adiantamento espiritual, onde os trabalhos dos espíritos variam em um espectro de possibilidades que vai desde mensageiros de Deus até os mais atrasados e próximos da matéria, como se verificará a seguir, na influência que esses exercem nos fenômenos da natureza por exemplo.

As atividades foram separadas nas seguintes categorias: 

De cunho moral

- Proteção e auxílio moral: colocados como fazendo parte da segunda ordem de espíritos, ou espíritos bons, estes auxiliam moralmente ao longo da vida do encarnado, aconselhando quando chamados e procurando influenciar, dentro do possível, a tomarem-se as melhores decisões.

São obrigados a velar por nós, por terem aceitado essa missão (OLE, questão 493), escolhendo geralmente pessoas que lhes são simpáticas. O tempo de sua missão segue “Desde o nascimento até a morte e, muitas vezes, o segue após a morte na vida espiritual, e mesmo em muitas existências corporais, porque essas existências são somente fases bem curtas em relação à vida do Espírito.”

Há, porém, três tipos distintos colocados na questão 514 que são:

 “- O Espírito protetor, anjo de guarda ou bom gênio tem por missão seguir o homem na vida e ajudá-lo a progredir”. É sempre de natureza superior à do protegido.

“- Os Espíritos familiares se ligam a certas pessoas por laços mais ou menos duráveis, para ajudá-las conforme seu poder, muitas vezes limitado. São bons, mas, às vezes, pouco avançados e mesmo um pouco levianos; ocupam-se voluntariamente dos detalhes da vida íntima e somente agem por ordem ou com permissão dos Espíritos protetores”.
“- Os Espíritos simpáticos se ligam a nós por afeições particulares e certa semelhança de gostos e de sentimentos tanto para o bem quanto para o mal. A duração de suas relações é quase sempre subordinada às circunstâncias.”

Esta ocupação pode ser ainda mais estratificada se levarmos em conta as inúmeras afinidades, interesses e relações existentes na terra e no espaço, sendo então assim, impossível descrever todas. Mas o mais importante é que até mesmo o ser mais isolado ou aparentemente sozinho, haverá sempre um espírito amigo a seu lado para lhe auxiliar.

De cunho intelectual

- Inspiração nas ciências, nas artes e tarefas diversas: apesar de terem conhecimentos diferentes, em graus e áreas do conhecimento humano, esses espíritos se ocupam nos trabalhos artísticos e intelectuais dos homens encarnados. Por afinidades de interesses, podem auxiliar e inspirar variadas mentes ao redor do globo.

Tanto a pintura de quadros, as artes cênicas, a música e a literatura, muitos artistas são inspirados em suas ações, sendo muitas dessas ideias provenientes de influências e sugestões dos espíritos (OLE, questões 556, 565, 577).

Há inclusive, uma passagem curiosa no Livro dos Médiuns (LM), sobre os médiuns videntes (questão 196), ocorrido numa apresentação de ópera. Um médium vê diversos espíritos no teatro e os descreve para Kardec. Ele relata a existência de diversos tipos e interesses dos espíritos ali presentes. Uns interessados em pensamentos mundanos da plateia, outros se divertindo com os atores, e outros inspirando os artistas a melhor se expressarem em seu trabalho. Isso ilustra muito bem todo um leque de intenções, afinidades e ocupações.

Arremata-se a questão dos trabalhos intelectuais, na pergunta 419 do Livro dos Espíritos sobre a origem das mesmas ideias surgirem em lugares diferentes do globo. Os espíritos afirmam novamente ser parte do quadro relativo às atividades e ocupações intelectuais.

Vejamos: “Já dissemos que durante o sono os espíritos se comunicam entre si. Pois bem, quando o corpo desperta, o Espírito se recorda do que aprendeu e o homem acredita ser o autor da invenção. Assim, muitos podem descobrir a mesma coisa ao mesmo tempo. Quando dizeis: uma ideia está no ar, usais de uma figura de linguagem mais justa do que acreditais; cada um, sem saber, contribui para propagá-la”.

- Autoinstrução dos espíritos: diferente dos humanos, os espíritos aproveitam o estado errático e “Estudam o seu passado e procuram o meio de se elevarem. Veem, observam o que se passa nos lugares que percorrem; escutam os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados que eles, e isso lhes proporcionam ideias que não possuíam”.

Dessa forma, e somado ao que se sabe do que ocorre durante o sono (comentado mais acima), as atividades de cunho instrucional são tão amplas quanto o conhecimento humano e, claro, não limitado a ele. 

De ordem material

- Fenômenos da natureza: bem explicado entre as questões 536 e 540 (OLE), os espíritos informam que muitos são designados a realizar tarefas ligadas aos fenômenos da natureza, como chuvas, terremotos, ventos e demais atividades naturais.

Os que agem diretamente na matéria, são espíritos inferiores, conforme descrito no capítulo da escala espírita, sobre os batedores: estes “(...)Parecem estar ainda, mais do que outros, ligados à matéria e ser os agentes principais das variações e transformações das forças e elementos da natureza no globo, seja ao atuarem sobre o ar, a água, o fogo, os corpos duros ou nas entranhas da terra. Reconhece-se que esses fenômenos não se originam de uma causa imprevista e física, quando têm um caráter intencional e inteligente. Todos os Espíritos podem produzir esses fenômenos, mas os de ordem elevada os deixam, geralmente, como atribuições dos subalternos, mais aptos às coisas materiais do que às da inteligência. Quando julgam que essas manifestações são úteis, servem-se dos Espíritos dessa classe como seus auxiliares”.

São eles então, comandados por ordens mais superiores, de forma a alcançar o “restabelecimento do equilíbrio e da harmonia das forças físicas da natureza.” E quanto aos grandes fenômenos, como as tempestades, os espíritos nos informam que são “Em massas inumeráveis.”.

Logo, todos possuem uma ocupação, até mesmo os mais atrasados e ligados à matéria, desempenhando funções relativas à sua inteligência e compreensão das coisas, como eles encerram esse pensamento dizendo na pergunta 559: “Todos têm deveres a cumprir. O último dos pedreiros não participa na construção de um edifício tanto quanto um arquiteto?”

Acreditando ser essa ocupação um mero exemplo diante de todo o universo, pode-se inferir que, para tudo o mais, há também classes de espíritos responsáveis pelos eventos de ordem planetária e intergaláctica, visto que a natureza não se encerra neste planeta, nem na galáxia, (OLE, Cap. Pluralidade dos Mundos); é apenas a extensão do raciocínio aplicado a todo o funcionamento do universo. 

De ordem Divina

- Responsáveis pelos desígnios divinos: na pergunta 562 (OLE), os espíritos são muito claros sobre a natureza das ocupações dessa ordem de espíritos. Dizem “Receber diretamente as ordens de Deus, transmiti-las em todo o universo e velar pela sua execução.” São categorizados por Kardec como espíritos puros de Primeira Ordem (OLE, questões 112-113).

Os espíritos explicam que essa ordem mais pura “São os mensageiros e ministros de Deus, cujas ordens executam para a manutenção da harmonia universal. Comandam todos os Espíritos que lhes são inferiores, ajudando-os a se aperfeiçoarem e lhes designam missões. Assistir os homens em suas aflições, incitá-los ao bem ou à expiação das faltas que os afastam da felicidade suprema é para eles uma agradabilíssima ocupação.” Superiores a todos os outros espíritos moral e intelectualmente, sua natureza ainda é um mistério, dada a enorme distância em que os homens se  encontram de tal patamar.

- Responsáveis pelas sugestões nos acontecimentos da vida: agem de acordo com as leis da natureza (OLE, questão 525), ou seja, não podem sair fazendo o que bem entendem, sendo tudo supervisionado e permitido de acordo com a vontade de Deus.

Sobre se se intrometerem nas ocupações dos homens, dizem que “Os Espíritos comuns, sim; estes estão sem cessar ao vosso redor e algumas vezes tomam parte ativa no que fazeis, conforme sua natureza, e isso se faz necessário para estimular os homens nos diferentes caminhos da vida, excitar ou moderar suas paixões.”

Kardec completa em seguida: “Os Espíritos se ocupam das coisas deste mundo em razão de sua elevação ou inferioridade. Os Espíritos Superiores têm, sem dúvida, a condição para considerá-las nos menores detalhes, mas fazem isso somente quando for útil ao progresso; só os Espíritos inferiores dão uma importância relativa às lembranças ainda presentes na sua memória e às ideias materiais que ainda não estão apagadas.”

Outro exemplo igualmente interessante, sobre quanto os espíritos influenciam nossas vidas é quando Kardec, nas questões que levanta sobre uma suposta influência direta dos espíritos, estes nos revelam que não diretamente sobre a matéria, como  exemplo, desviar uma bala, mas sugerir erro ao atirador ou que o alvo se desvie. (OLE, questões 526-528)

Dessa forma, agem de acordo com as Leis da Natureza, sem as transgredir, não precisando manipular a matéria, mas sugerir ao homem a agir dessa ou de outra forma, com um fim útil, seja este para seu desencarne, ou sua salvação como o ilustrado no Livro dos Espíritos.

Enfim, contando ainda os espíritos que trabalham junto a pesquisas e reuniões de natureza mediúnica, esses poderiam também ser contemplados dentro de uma outra categoria, mesmo não sendo mencionada nas obras básicas, pois que onde há alguém trabalhando e se instruindo, há espíritos ali interessados em ver o desenvolvimento de tais atividades, seja pelo bem dos presentes, seja por um bem maior. Todas essas atividades se confundem com um só objetivo: O cumprimento dos desígnios Divinos.

 Mais que bem feito aqui, o trabalho minúsculo de separar, juntar e organizar de uma forma lógica e objetiva, sem esquecer, de apontar de onde procedem tais ideias. Isso é e será de extrema importância para os textos futuros, pois que mais se mostra como a Doutrina Espírita é complexa e que há variados conceitos filosóficos que podem ser compilados e agrupados em temas, a fim de se construir um pensamento ou um entendimento sobre determinada ideia.

No mais, há que se agradecer a Kardec e aos espíritos por esses ensinamentos tão preciosos, e que concedem uma dimensão muito além dos horizontes, circundados pela atmosfera.

Fonte: NEFCA - http://www.nefca.org.br/artigo/trabalho-no-plano-espiritual, acesso em 08/06/2015.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Espíritos felizes - Sr. Van Durst

Por Allan Kardec

Antigo funcionário público, morto em Antuérpia em 1863, com a idade de oitenta anos.

Pouco tempo após sua morte, tendo um médium perguntado a seu guia espiritual se era possível evocá-lo, foi-lhe respondido: “Esse Espírito sai lentamente de sua perturbação; ele já vos poderia responder, mas a comunicação dar-lhe-ia muita tristeza. Peço-vos então para aguardar ainda quatro dias, e ele vos responderá. Até lá ele saberá as boas intenções que expressastes a seu respeito, e virá a vós reconhecido e como bom amigo.”

Quatro dias mais tarde o Espírito ditou o que se segue: 

Meu amigo, minha vida teve um peso bem pequeno na balança da eternidade; no entanto estou longe de ser infeliz; estou na condição humilde, mas relativamente feliz daquele que fez pouco mal sem por isso visar a perfeição. Se há pessoas felizes numa pequena esfera, pois bem! faço parte delas. Lamento só uma coisa, não ter conhecido o que vós sabeis agora; minha perturbação teria sido menos longa e menos penosa. Ela foi grande, efetivamente: viver e não viver; ver seu corpo, estar fortemente apegado a ele, e, entretanto, não poder mais servir-se dele; ver aqueles que amamos e sentir extinguir-se o pensamento que nos liga a eles, como é terrível! Oh! que momento cruel! Que momento, quando o atordoamento se apodera de vós e vos sufoca! E um instante depois, trevas. Sentir, e um momento depois, ficar aniquilado. Quer-se ter a consciência de seu eu, e não se pode recuperá-la; não se é mais, e no entanto sente-se que se é; mas fica-se numa perturbação profunda! E depois, após um tempo inapreciável, tempo de angústias contidas, pois não se tem mais força para senti-las, após esse tempo que parece interminável, renascer lentamente para a existência; despertar num novo mundo! Não mais corpo material, não mais vida terrestre: a vida imortal! Não mais homens carnais, mas formas ligeiras, Espíritos que deslizam por todos os lados, giram em torno de vós e que não podeis abarcar todos com o olhar, pois é no infinito que eles flutuam! Ter diante de si o espaço e poder atravessá-lo unicamente pelo pensamento; comunicar-se pelo pensamento com tudo o que vos rodeia! Amigo, que vida nova! Que vida brilhante! Que vida de regozijos!... Salve, oh! Salve, eternidade que me conténs em teu seio!... Adeus, terra que me retiveste tanto tempo longe do elemento natural de minha alma! Não, não te quero mais, pois és a terra de exílio e tua maior felicidade não é nada!

Mas se eu tivesse sabido o que vós sabeis, como essa iniciação à outra vida me teria sido mais fácil e mais agradável! Teria sabido antes de morrer o que tive de aprender mais tarde, no momento da separação, e minha alma ter-se-ia desprendido mais facilmente. Vós estais no caminho, mas nunca, nunca ireis bastante longe! Dizei-o a meu filho, mas dizei-lhe tanto, que ele creia e se instrua; então na sua chegada aqui não estaremos separados. 

Adeus a todos, amigos, adeus; espero-vos, e durante o tempo em que estiverdes na terra, virei com frequência instruir-me convosco, pois ainda não sei tanto quanto vários dentre vós; mas aprenderei depressa aqui onde não tenho mais entraves que me retenham, e onde não tenho mais idade que debilite minhas forças. Aqui vive-se sem entrar em pormenores e avança-se, pois diante de si veem-se horizontes tão belos que se fica impaciente para abarcá-los.

Adeus, deixo-vos, adeus.

VAN DURST.

Fonte: O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos, cap. II

Suicidas - Uma mãe e seu filho

Por Allan Kardec

No mês de março de 1865, o Sr. C..., negociante de uma cidadezinha perto de Paris, tinha em casa o filho de vinte e um anos, gravemente enfermo. Esse jovem, sentindo-se prestes a expirar, chamou a mãe e ainda teve força para beijá-la. Disse-lhe esta, derramando abundantes lágrimas: “Vai, meu filho, precede-me, não tardarei a seguir-te.” Ao mesmo tempo ela saiu escondendo a cabeça entre as mãos.

As pessoas presentes a essa cena pungente consideraram as palavras da Sra. C... como uma simples explosão de dor que o tempo e a razão deviam acalmar. No entanto, tendo o doente sucumbido, procuraram-na pela casa toda, e encontraram-na enforcada num sótão. O cortejo fúnebre da mãe fez-se ao mesmo tempo que o do filho. 

Evocação do filho vários dias depois do acontecimento. 

– P. Tendes conhecimento da morte de vossa mãe que se suicidou sucumbindo ao desespero que vossa perda lhe causou?

R. Sim, e sem o desgosto que me causou a execução de sua fatal resolução, eu seria perfeitamente feliz. Pobre e excelente mãe! Ela não pôde suportar a prova desta separação momentânea, e tomou, para se reunir ao filho que tanto amava, a estrada que devia afastá-la dele, infelizmente! por muito tempo. Ela retardou assim indefinidamente essa reunião que teria sido tão imediata se a submissão às vontades do Senhor tivesse preenchido sua alma, e se ela se tivesse resignado, humilde e arrependida, diante da prova que ia sofrer, e da expiação que ia purificá-la!

Orai! Oh! Orai por ela!... e acima de tudo não a imiteis, mães enternecidas pelo triste relato de sua morte! Não acrediteis que ela amava mais do que outras mães esse filho que era sua alegria e seu orgulho; não, ela não amava mais, mas faltou-lhe coragem e resignação. Mães que me escutais, quando virdes a agonia velar os olhos extintos de vossos filhos, lembrai-vos de que, como Cristo, eles sobem ao cimo do calvário, de onde devem elevar-se na glória eterna.

                                                                                                BENJAMIN C... 

Evocação da mãe. 

– Eu quero ver meu filho! Tendes o poder de devolvê-lo a mim? ... Cruéis!... tiraram-no de mim para levá-lo para a luz e deixaram-me na noite!... Eu o quero, eu o quero... ele me pertence!... Então o amor materno não é nada? ... O quê! ter gestado nove meses, alimentado com seu leite a carne da sua carne, o sangue do seu sangue; ter guiado seus primeiros passos; ter-lhe ensinado a balbuciar o nome sagrado de Deus e o doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de inteligência, de honradez, de retidão, de amor filial, e perdê-lo quando ele realizava as esperanças que se haviam concebido para ele, quando um brilhante futuro se abria diante dele! Não, Deus não é justo; não é o Deus das mães; ele não compreende seu desespero e sua dor... e quando me mato para não deixar meu filho, roubam-no novamente de mim!... Meu filho! Meu filho! Onde estás? 

O Evocador. 

Pobre mãe, partilhamos vossa dor; mas usastes um triste meio para vos reunirdes ao vosso filho; o suicídio é um crime aos olhos de Deus, e deveríeis ter pensado que ele pune toda infração às suas leis. A privação de verdes vosso filho é vossa punição.

A mãe. 

Não; eu acreditava que Deus era melhor do que os homens; não acreditava no seu inferno, mas na reunião eterna das almas que se amaram como nos amávamos; enganei-me... Não é o Deus justo e bom, visto que não compreendeu a imensidão da minha dor e do meu amor!... Oh! quem me devolverá meu filho! Perdi-o então para sempre? Compaixão! Compaixão, meu Deus!

O Evocador. 

Vamos, acalmai vosso desespero; pensai que, se existe um meio de rever vosso filho, não é blasfemando contra Deus, como fazeis. Em vez de o pôr a vosso favor, atraís sobre vós uma severidade maior. 

A mãe. 

Eles me disseram que eu não o veria mais; entendi que foi para o paraíso que o levaram. E eu, estou então no inferno?... o inferno das mães?... ele existe, vejo-o bem demais.

O Evocador. 

Vosso filho não está perdido irremediavelmente, acreditai em mim; voltareis a vê-lo certamente; mas é preciso merecê-lo por vossa submissão à vontade de Deus, ao passo que por vossa revolta podeis retardar esse momento indefinidamente. Escutai-me: Deus é infinitamente bom, mas é infinitamente justo. Ele nunca pune sem causa, e se vos infligiu grandes dores na terra, é que as havíeis merecido. A morte de vosso filho era uma prova para vossa resignação; infelizmente, sucumbistes a ela durante a vida, e eis que depois da morte sucumbis de novo; como quereis que Deus recompense seus filhos rebeldes? Mas ele não é inexorável; acolhe sempre o arrependimento do culpado. Se tivésseis aceitado sem murmurar e com humildade a prova que ele vos enviava por essa separação momentânea, e se tivésseis aguardado pacientemente que ele tivesse a bondade de vos retirar da Terra, no momento de vossa entrada no mundo em que estais, teríeis imediatamente revisto vosso filho que teria vindo receber-vos de braços abertos; teríeis tido a alegria de vê-lo radiante depois desse tempo de ausência. Aquilo que fizestes, e o que ainda fazeis neste momento, coloca entre vós e ele uma barreira. Não acrediteis que ele esteja perdido nas profundezas do espaço; não, ele está mais perto de vós do que credes; mas um véu impenetrável o esconde de vossa vista. Ele vos vê, ama-vos, e geme pela triste posição em que vos mergulhou vossa falta de confiança em Deus; ele deseja ardentemente o momento afortunado em que lhe será permitido mostrar-se a vós; depende unicamente de vós apressar ou retardar esse momento. Pedi a Deus, e dizei comigo:

“Meu Deus, perdoai-me por ter duvidado de vossa justiça e de vossa bondade; se me punistes, reconheço que o mereci. Dignai-vos a aceitar meu arrependimento e minha submissão à vossa santa vontade.”

A mãe.  

Que vislumbre de esperança acabais de fazer resplandecer na minha alma! É um relâmpago na noite que me cerca. Obrigada, vou orar. Adeus.                                                                                                        C...

Observação: A morte, mesmo pelo suicídio, não produziu neste Espírito a ilusão de acreditar que ainda estava vivo; ele tem perfeitamente consciência de seu estado; é que em outros a punição consiste justamente nessa ilusão, nos laços que os prendem ao corpo. Esta mulher quis deixar a Terra para seguir o filho no mundo em que ele entrara: era preciso que ela soubesse que estava nesse mundo para ser punida não o reencontrando ali. Sua punição é precisamente saber que não vive mais corporalmente, e o conhecimento que tem de sua situação. É assim que cada falta é punida pelas circunstâncias que a acompanham, e não há punições uniformes e constantes para as faltas do mesmo gênero.

Fonte: O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos - Capítulo V - Suicidas

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Movimento e Pesquisas Espíritas

Por Carlos Antônio de Barros

Muita gente em nosso meio acredita que a Doutrina Espírita esteja pronta e acabada. Assim pensa os espíritas religiosos. Logo, não tem porquê nem para quê acrescentar algo mais em nome da Ciência.

A palavra "inacabada", contudo, soa como herética aos ouvidos dos espíritas religiosos que acham não ter mais o que estudar e pesquisar, em face do "complemento definitivo" feito com os livros psicografados por Chico Xavier sob a orientação do seu orientador espiritual, Emmanuel.

Os espíritas que simpatizam com o aspecto científico da Doutrina não se conformam com a ideia de segui-la no formato "igrejificado", respingada de dogmas e atavismos teológicos que a deixa obscurecida pela fé cega.

Esta pendenga doutrinária, infelizmente, acabou dividindo o movimento em grupos que, soberbamente, classificam Allan Kardec como "superado" e que decidiram pesquisar a Bíblia para explicar o Espiritismo, com o propósito de trazer "novas luzes" para O Evangelho Segundo o Espiritismo.

Os espíritas filosóficos - aqueles que se autodenominal de "livres pensadores", correm por fora de todo esse imbróglio preservando-se de atritos e contendas inúteis.

Alguns desses filósofos, evidentemente, admiram a sede conhecimentos dos espíritas científicos e pretendem dividir com estes as pesquisas que o Espiritismo "inacabado" tanto reclama.

Grupos, núcleos e associações espíritas estão se mobilizando em todo o País, implementando projetos para formar novos pesquisadores imbuídos do espírito perspicaz e investigativo de Kardec. Não se sabe ao certo se os projetos vão tomar a dimensão desejada e encontrar respostas em meio a tantas questões que permeiam o complexo campo da Ciência Espírita.

O saudoso e respeitado pesquisador paulista, José Herculano Pires (1914-1979), refere-se à Epistemologia Espírita - Estudo Crítico do Conhecimento Científico à Luz do Espiritismo, como indispensável à sua compreensão.

Segundo Herculano Pires, Kardec examina a posição epistemológica do Espiritismo na "Introdução do Estudo da Doutrina", que abre O Livro dos Espíritos. Resta saber, portanto, quem se interessou e leu essa relevante introdução.

Um texto que a maioria dos espíritas acha chato porque não traz nenhuma revelação dos mais sombrios umbrais ou alguma curiosidade sobre a colônia Nosso lar.

Lembrando: a posição epistemológica do Espiritismo não pode ser modificada a bel prazer dos espíritas entusiasmados com o seu pseudo-saber.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Elias - João Batista - Allan Kardec

O profeta, o precursor, o apóstolo

Do IPEAK

    Apesar de às vezes parecer que a Humanidade terrestre está entregue às suas próprias forças, ao fazermos algumas reflexões com base nos dados da nossa própria história, notamos que isso não é verdade. Muito devemos a Espíritos nobres que desde o inicio estão conduzindo o leme desta embarcação que serve de moradia a Espíritos que para aqui veem a fim de aprender e progredir.

       Nosso propósito, nestas breves reflexões, é seguir a trajetória de um desses Espíritos que temos hoje como nosso Mestre, e que ficou conhecido na Terra como Allan Kardec. Vamos tomar como ponto de partida o personagem Elias, tendo por base os dados históricos registrados na Bíblia, e nessa mesma fonte iremos encontrar registros desse nobre Espírito voltando à Terra, sempre com o objetivo de fazer com que a Humanidade avance na via do progresso intelecto-moral. Vamos então seguir sua passagem pela Terra em três momentos: como Elias, no século IX a.C., no primeiro século da era cristã, como João Batista, e no século XIX, como Allan Kardec.

Elias, o profeta


    Elias viveu em Israel, no século IX a.C., durante o reinado de Acab, após a morte do rei Salomão. Ele anunciava Yahweh, Deus de Israel, face a Baal, deus dos Cananeus, do qual Jezabel, esposa do rei Acab, era ardente missionária.

    A palavra Elias vem do hebreu Eliyâhou ou Eliyâh, que quer dizer: Yahweh é meu Deus.

    O profeta Elias tinha uma ardente fé em Deus, e seu objetivo era despertar no povo pagão a fé no Deus único, no Deus vivo, pregar a moral e defender os frágeis contra a tirania real. Ele surge no Antigo Testamento numa hora em que a fragilidade do rei Acab, pela falta de fé no Deus vivo, precipitava Israel no paganismo. Isso foi por volta de 875-850 a.C.

    No tempo de Elias os profetas do Deus vivo eram facilmente massacrados pelos seguidores de Baal, mas ele foi um sobrevivente e, segundo as tradições, fora arrebatado aos céus numa carruagem de fogo. Pouco antes de partir ele passou seu manto e seus poderes a seu discípulo Eliseu.

Elias ressuscita o filho de uma viúva

    Há uma passagem tocante sobre a vida desse grande profeta, no livro 1Reis,  cap. XVII, 17 a 24.

    Elias havia se hospedado, por orientação da voz que o guiava, na casa de uma pobre viúva que vivia com seu único filho, e mal tinham com que se alimentar.

    Um dia o filho da viúva foi atingido por uma enfermidade tão violenta que parou de respirar. A mulher disse a Elias: “Que há entre vós e mim, homem de Deus? Viestes à minha casa para me trazer à memória os meus pecados, e para fazer morrer meu filho?

    Elias lhe disse: Dai-me vosso filho. E, tendo-o tomado nos braços, levou-o para seu quarto e colocou-o sobre a cama.

    Em seguida rogou ao Senhor, e lhe disse: Senhor meu Deus, afligistes essa viúva que tem o cuidado de me alimentar como pode, até mesmo fazendo morrer seu filho?

    Depois, implorou ao Senhor, dizendo-lhe: Senhor, meu Deus, fazei, eu vos peço, que a alma dessa criança volte ao seu corpo.

    E o Senhor atendeu a prece de Elias; a alma da criança voltou, e ela retomou a vida. A mulher disse a Elias: eu reconheço agora, após esta ação, que sois um homem de Deus, e que a palavra do Senhor é verdadeira em vossa boca.”

    Elias ainda é lembrado hoje em dia como um homem virtuoso, respeitado por muitas religiões, e comemorado em várias nações. Muitas montanhas levam o seu nome, dentre as quais a mais conhecida é o monte Santo Elias, no Alasca.

    O conjunto de livros de Reis, que trazem as narrativas da vida e dos feitos dessa grande alma é conhecido como o “Ciclo de Elias”.

Predição da vinda do precursor do Messias

    Naquele tempo, segundo os escritos bíblicos, o povo judeu estava esquecendo as leis trazidas por Moisés, estava deixando de lado o culto a Deus, e a injustiça se alastrava causando dor e sofrimento.

    No Antigo Testamento, no livro de Malaquias, por volta do V século a.C., vamos encontrar a predição da volta de Elias, agora como sendo aquele que viria preparar o povo para receber o Messias. Eis como está escrito sobre a vinda do precursor:

    O Senhor disse a Malaquias: “Lembrai-vos da lei de Moisés, meu servidor, lei que lhe deixei na montanha de Horeb, para que ele levasse a todo o povo de Israel meus preceitos e meus mandamentos.

    Eu vos enviarei o profeta Elias, antes que chegue o grande dia do Senhor; e ele reunirá o coração dos pais aos dos seus filhos, e o coração dos filhos aos dos seus pais, para que, vindo, eu não lance anátema sobre a Terra." (Malaquias, cap. IV, 4 a 6.)

Comentário de Santo Agostinho sobre a nova vinda de Elias

    Santo Agostinho comenta a predição de Malachias em sua obra intitulada A cidade de Deus, livro XX, cap. XXIV. Reproduzimos aqui um pequeno trecho:

    "Após haver advertido os judeus para que se lembrassem da lei de Moisés, bem prevendo que ainda por longo tempo eles não a conceberiam espiritualmente, logo a seguir a Escritura acrescenta: 'Eu vos enviarei Elias de Thesba, antes que esse grande e luminoso dia do Senhor chegue. E ele volverá o coração do pai ao do filho, e o coração do homem ao de seu próximo, para que, no meu advento, eu não lance anátema à Terra.’

    É uma crença bastante geral entre os fiéis, que no fim do mundo, antes do julgamento, os judeus devem crer no verdadeiro Messias, isto é, em nosso Cristo, por meio desse grande e admirável profeta Elias, que lhes explicará a lei. Além disso, não é sem razão que se espera nele o precursor do advento de Jesus Cristo, pois não é sem razão que ainda agora se crê que ele vive. É certo, com efeito, segundo o testemunho da própria Escritura, que ele foi arrebatado num carro de fogo. Quando ele vier, explicará espiritualmente a lei que os judeus ainda entendem carnalmente, e ‘ele unirá o coração do pai ao do filho’,(…). O sentido é que os judeus, que são os filhos dos profetas, no número dos quais está Moisés, compreenderão a lei como seus pais, e assim o coração dos pais se reunirá aos dos filhos e o coração dos filhos aos de seus pais, quando tiverem os mesmos sentimentos." (...)[1]

João Batista, o precursor       


    Segundo o Evangelho de Lucas, João é filho do sacerdote Zacarias e de Elizabeth, prima de Maria, mãe de Jesus. Zacarias orava a Deus com fervor diante do altar; o anjo Gabriel apareceu ao seu lado, e Zacarias assustou-se. Mas o anjo lhe disse: “Não temas Zacarias, pois tua prece foi ouvida. Tua esposa te dará um filho, e tu lhe darás o nome de João. Ele será para ti um motivo de alegria e contentamento, e muitos se felicitarão com o seu nascimento, pois ele será grande diante do Senhor; não beberá vinho nem outra bebida que possa embriagar, e será repleto do Espírito santo desde o ventre de sua mãe; ele conduzirá ao Senhor seu Deus muitos dos filhos de Israel; caminhará diante de Deus com o espírito e o poder de Elias, para reunir os corações dos pais aos dos seus filhos, e chamar os rebeldes à prudência dos justos, a fim de preparar para o Senhor um povo perfeito.” (Lucas, 1: 5 a 17.)

João Batista é Elias reencarnado

    O Novo Testamento tem algumas passagens que atestam de forma clara que João Batista, o precursor de Jesus, é Elias reencarnado.

    No Evangelho de Mateus, cap. 11: 1 a 10, lemos o seguinte:

    “Ora, tendo João, na prisão, tomado conhecimento das obras maravilhosas de Jesus Cristo, envia dois de seus discípulos lhe dizer: Sois vós aquele de deve vir, ou devemos nós esperar um outro?

    Jesus lhes respondeu: Ide contar a João o que haveis ouvido e o que haveis visto: Os cegos veem, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos pobres.

    E feliz daquele que não fizer de um motivo de escândalo e queda.

    Quando eles se foram [os discípulos de João], Jesus começa a falar de João ao povo, desta maneira:

    O que ides ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento?

    O que ides vós, digo eu, ver? Um homem indolente vestido de luxo? Sabeis que aqueles que se vestem dessa forma estão nas mansões dos reis.[2]

    Que ides ver então? Um profeta? Sim, eu vo-lo digo, e mais que um profeta.

    Pois é dele que foi escrito: Eu envio a vós o meu anjo, que vos preparará o caminho por onde deveis andar.

    Em verdade eu vos digo: entre os que são nascidos de mulher, não teve nenhum maior que João Batista; mas aquele que é o menor no reino dos céus, é maior que ele.(…)”

    Logo após o evento da transfiguração de Jesus no Monte Tabor, e de terem vindo confabular com o Mestre os Espíritos de Moisés e Elias, os discípulos Pedro, Tiago e João, que testemunharam aquela cena, perguntaram a Jesus:

    “Por que, pois, dizem os escribas ser preciso que, antes, venha Elias? - Jesus lhes respondeu: É certo que Elias tem de vir e que restabelecerá todas as coisas.

    Mas, eu vos declaro que Elias já veio e eles não o conheceram; antes o trataram como lhes aprouve. É assim que farão morrer o Filho do homem.

    Então, seus discípulos compreenderam que era de João Batista que ele lhes falara.” (S. Mateus, 17:10 a 13.)

    As palavras de Jesus sobre João Batista são suficientes para que não precisemos buscar evidenciar ainda mais o caráter desse Espírito e a importância do seu papel como precursor do Messias.

Kardec fala sobre o novo advento de Elias

    "Ora, desde o tempo de João Batista até o presente, o reino dos céus é tomado pela violência e são os violentos que o arrebatam; - pois assim o profetizaram todos os profetas até João, e também a lei. - Se quiserdes compreender o que vos digo, ele mesmo é o Elias que deve vir. - Ouça-o aquele que tiver ouvidos de ouvir. (S. Mateus, 11:12 a 15.)”

    Se o princípio da reencarnação, conforme se acha expresso em S. João, podia, a rigor, ser interpretado em sentido puramente místico, o mesmo já não acontece com esta passagem de S. Mateus, que não permite equívoco: ELE MESMO é o Elias que deve vir. Não há aí figura, nem alegoria: é uma afirmação positiva. - ‘Desde o tempo de João Batista até o presente o reino dos céus é tomado pela violência.’ Que significam essas palavras, uma vez que João Batista ainda vivia naquele momento? Jesus as explica, dizendo: 'Se quiserdes compreender o que digo, ele mesmo é o Elias que deve vir.’ Ora, sendo João o próprio Elias, Jesus alude à época em que João vivia com o nome de Elias. 'Até ao presente o reino dos céus é tomado pela violência': outra alusão à violência da lei moisaica, que ordenava o extermínio dos infiéis, para que os demais ganhassem a Terra Prometida, Paraíso dos hebreus, ao passo que, segundo a nova lei, o céu se ganha pela caridade e pela brandura.

    E acrescentou: Ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. Essas palavras, que Jesus tanto repetiu, claramente dizem que nem todos estavam em condições de compreender certas verdades." [3]

    "Elias já voltara na pessoa de João Batista. Seu novo advento é anunciado de modo explícito. Ora, como ele não pode voltar, senão tomando um novo corpo, aí temos a consagração formal do princípio da pluralidade das existências. (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IV, nº 10.)”[4]                         

Anunciação do Consolador

    "Se me amais, guardai os meus mandamentos; e eu rogarei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: – O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê e absolutamente o não conhece. Mas, quanto a vós, conhecê-lo-eis, porque ficará convosco e estará em vós. – Porém, o Consolador, que é o Santo Espírito, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito. (S. João, 14:15 a 17 e 26.)

    Jesus promete outro consolador: o Espírito de Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar maduro para o compreender, consolador que o Pai enviará para ensinar todas as coisas e para relembrar o que o Cristo há dito. Se, portanto, o Espírito de Verdade tinha de vir mais tarde ensinar todas as coisas, é que o Cristo não dissera tudo; se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é que o que este disse foi esquecido ou mal compreendido.”[5]                         

    “Sob o nome de Consolador e de Espírito de Verdade, Jesus anunciou a vinda daquele que havia de ensinar todas as coisas e de lembrar o que ele dissera. Logo, não estava completo o seu ensino. E, ao demais, prevê não só que ficaria esquecido, como também que seria desvirtuado o que por ele fora dito, visto que o Espírito de Verdade viria tudo lembrar e, juntamente com Elias, restabelecer todas as coisas, isto é, pô-las de acordo com o verdadeiro pensamento de seus ensinos.[6]

    Aqui fica bem claro que Elias estaria ao lado do Espírito de Verdade, que é o próprio Cristo, para restabelecer todas as coisas.

Por que Consolador? É Kardec quem responde:

    "Por que chama ele Consolador ao novo messias? Este nome, significativo e sem ambiguidade, encerra toda uma revelação. Assim, ele previa que os homens teriam necessidade de consolações, o que implica a insuficiência daquelas que eles achariam na crença que iam fundar. Talvez nunca o Cristo fosse tão claro, tão explícito, como nestas últimas palavras, às quais poucas pessoas deram atenção bastante, provavelmente porque evitaram esclarecê-las e aprofundar-lhes o sentido profético."[7]

O Espírito de Verdade é o guia espiritual de Allan Kardec

    Na Revista Espírita de novembro de 1861, no discurso feito por Allan Kardec no banquete que lhe fora oferecido em Bordeaux, ele lê uma comunicação que havia recebido sobre o grupo espírita que se formava naquela cidade, e assim se refere:

    “Eis, acerca deste assunto, o que ainda ontem, antes da sessão, dizia meu guia espiritual, o Espírito de Verdade.”

    Numa dissertação do Espírito de Verdade ele assim se refere àquele que está à frente da Doutrina Espírita, isto é a Kardec: “Estou convosco e meu apóstolo vos instrui.”[8]

    Não resta dúvida de que essas duas grandes almas, juntamente, vieram, pelo Espiritismo, restabelecer o verdadeiro pensamento do Cristo.

Allan Kardec, o Apóstolo

    Vejamos o que diz Santo Agostinho sobre o mestre Allan Kardec, numa comunicação publicada na Revista Espírita:

    “Um Espírito encarnado foi escolhido para vos dirigir, para vos conduzir. Submetei-vos com respeito, não às suas leis, pois ele não dá ordens, mas aos seus desejos. Por essa submissão provareis aos vossos inimigos que tendes o necessário espírito de disciplina para fazerdes parte da nova cruzada contra o erro e a superstição, o necessário espírito de amor e de obediência para marchardes contra a barbárie.

    “Envolvei-vos, pois, nessa bandeira da civilização moderna: o Espiritismo sob um só chefe, e derrubareis essas ideias esquisitas de frontes cornudas e de grandes caudas que devem ser destruídas.

    “Esse chefe, cujo nome não direi, bem o conheceis. Ele está na frente. Ele marcha sem temor às picadas venenosas das serpentes e dos répteis da inveja e do ciúme que o cercam. Ele ficará de pé, porque ungimos o seu corpo, para que seja sempre sólido e robusto. Segui-o, então. Mas, em vossa marcha, as tempestades cairão sobre as vossas cabeças e alguns de vós não encontrarão refúgio nem abrigo. Que esses se resignem com coragem, como os mártires cristãos, e pensem que a grande obra pela qual terão sofrido é a vida, é o despertar das nações adormecidas e que por isso serão largamente recompensados um dia, no reino do Pai.” Santo Agostinho.[9]

Jesus, Moisés e Elias: os três reveladores.

    "Seis dias depois, tendo chamado de parte a Pedro, Tiago e João, Jesus os levou consigo a uma alta montanha afastada[10] e se transfigurou diante deles. - Enquanto orava, seu rosto pareceu inteiramente outro; suas vestes se tornaram brilhantemente luminosas e brancas como a neve, de maneira que não há pisoeiro na Terra que possa fazer alguma tão branca. - E eles viram aparecer Elias e Moisés, que conversavam com Jesus." [11]

    No monte Tabor, diante dos três discípulo que Jesus chamara para acompanhá-lo, eis que aparecem, ao lado do Mestre, os Espírito de Moisés e de Elias…

    Naquela cena, em que Jesus mostra seu esplendor como Espírito puro que é, vemos um marco importante para a história da Humanidade, pois estavam ali os três reveladores das leis morais: Moisés, Jesus e Kardec.

Caráter da revelação espírita - Terceira revelação

    “O Espiritismo é a ciência nova que vem revelar aos homens, por meio de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo. Ele no-lo mostra, não mais como coisa sobrenatural, porém, ao contrário, como uma das forças vivas e sem cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso, relegados para o domínio do fantástico e do maravilhoso. É a essas relações que o Cristo alude em muitas circunstâncias e daí vem que muito do que ele disse permaneceu ininteligível ou falsamente interpretado. O Espiritismo é a chave com o auxílio da qual tudo se explica de modo fácil.

    A lei do Antigo Testamento teve em Moisés a sua personificação; a do Novo Testamento tem-na no Cristo. O Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não tem a personificá-la nenhuma individualidade, porque é fruto do ensino dado, não por um homem, sim pelos Espíritos, que são as vozes do Céu, em todos os pontos da Terra, com o concurso de uma multidão inumerável de intermediários. É, de certa maneira, um ser coletivo, formado pelo conjunto dos seres do mundo espiritual, cada um dos quais traz o tributo de suas luzes aos homens, para lhes tornar conhecido esse mundo e a sorte que os espera.

    Assim como o Cristo disse: “Não vim destruir a lei, porém cumpri-la”, também o Espiritismo diz: “Não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe execução.” Nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas, desenvolve, completa e explica, em termos claros e para toda gente, o que foi dito apenas sob forma alegórica. Vem cumprir, nos tempos preditos, o que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras. Ele é, pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra."[12]       

O Consolador consiste nas relações entre os Espíritos e os homens

    "O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas mesmas relações.

    Podemos defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.” (Allan Kardec, O que é o Espiritismo?, Preâmbulo.)       

    Haveria, neste momento por que passa a Humanidade terrena, maior consolo do que obter, nas instruções obtidas nas comunicações com os Espíritos do progresso, por evocação ou espontaneamente, nos diálogos com nossos familiares que nos antecederam na volta para a verdadeira vida, a fé em Deus e a certeza da vida futura?

    Poderíamos, fora das relações com os Espíritos, compreender a justiça divina, obter consolo e aquecer a esperança em melhores dias?

    Todavia, há Espíritos que, embora comunicando-se com os vivos, orientam seus médiuns a desaconselhar as evocações dos familiares, dos Anjos guardiães e dos demais guias, enfim, querem que só alguns possam se comunicar, minando assim o aspecto consolador do Espiritismo…

    Vejamos o que diz o Espírito de Verdade a este respeito:

    “Aliás, os Espíritos que pretendem ser eles os únicos que se podem comunicar esquecem-se de dizer por que não o podem os outros fazê-lo. A pretensão que manifestam é a negação do que o Espiritismo tem de mais belo e de mais consolador: as relações do mundo visível com o mundo invisível, dos homens com os seres que lhes são caros e que assim estariam para eles sem remissão perdidos. São essas relações que identificam o homem com o seu futuro, que o desprendem do mundo material. Suprimi-las é remergulhá-lo na dúvida, que constitui o seu tormento; é alimentar-lhe o egoísmo. Examinando-se com cuidado a doutrina de tais Espíritos, nela se descobrirão a cada passo contradições injustificáveis, marcas da ignorância deles sobre as coisas mais evidentes e, por conseguinte, sinais certos da sua inferioridade” O Espírito de Verdade. (Livro dos Médiuns, item 301.)

Encerramos estas breves reflexões com as ternas palavras do Espírito de Verdade:

    “(…) Meu Pai não quer aniquilar a raça humana; quer que, ajudando-vos uns aos outros, mortos e vivos, isto é, mortos segundo a carne, porquanto não existe a morte, vos socorrais mutuamente, e que se faça ouvir não mais a voz dos profetas e dos apóstolos, mas a dos que já não estão mais no corpo, a clamar: Orai e crede! pois a morte é a ressurreição, e a vida a prova escolhida, durante a qual as virtudes que houverdes cultivado crescerão e se desenvolverão como o cedro.

    Homens fracos, que compreendeis as trevas das vossas inteligências, não afasteis o facho que a clemência divina vos coloca nas mãos para vos clarear o caminho e reconduzir-vos, filhos perdidos, ao regaço de vosso Pai.

    Sinto-me por demais tomado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa fraqueza imensa, para deixar de estender mão socorredora aos infelizes transviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro. Crede, amai, meditai sobre as coisas que vos são reveladas; não mistureis o joio com a boa semente, as utopias com as verdades. (...)"

Eis-me aqui; venho até vós, porque me chamastes

    "Sou o grande médico das almas e venho trazer-vos o remédio que vos há de curar. Os fracos, os sofredores e os enfermos são os meus filhos prediletos. Venho salvá-los. Vinde, pois, a mim, vós que sofreis e vos achais oprimidos, e sereis aliviados e consolados. Não busqueis alhures a força e a consolação, pois que o mundo é impotente para dá-las. Deus dirige um supremo apelo aos vossos corações, por meio do Espiritismo. Escutai-o. Extirpados sejam de vossas almas doloridas a impiedade, a mentira, o erro, a incredulidade. São monstros que sugam o vosso mais puro sangue e que vos abrem chagas quase sempre mortais. Que, no futuro, humildes e submissos ao Criador, pratiqueis a sua lei divina. Amai e orai; sede dóceis aos Espíritos do Senhor; invocai-o do fundo de vossos corações. Ele, então, vos enviará o seu Filho bem-amado, para vos instruir e dizer estas boas palavras: Eis-me aqui; venho até vós, porque me chamastes. - (O Espírito de Verdade. Bordeaux, 1861.) [13]


[1] Santo Agostinho, La Cité de Dieu, livre XIX, ch. XXIX, “De la venue d'Elie avant le jugement, pour dévoiler le sens caché des Écritures et convertir les juifs à Jésus-Christ.” Traduzido do francês pela autora deste artigo.

[2] Elias se vestia com um manto rude feito de pele de camelo e habitava uma caverna no deserto.

[3] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IV - Ninguém poderá ver o reino de Deus se não nascer de novo - Ressurreição e reencarnação, itens 10 e 11.

[4] A Gênese - As predições, cap. XVII - Predições do Evangelho - Advento de Elias, itens 33 e 34.

[5] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI - O Cristo consolador - Consolador prometido, itens 3 e 4.

[6] A Gênese - As predições, cap. XVII - Predições do Evangelho - Anunciação do Consolador, item 37.

[7] A Gênese - A Gênese, cap. I - Caráter da revelação espírita, item 27.

[8] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI - O Cristo consolador - Instruções dos Espíritos - Advento do Espírito de Verdade, item 6.

[9] Revista Espírita, agosto de 1862 - Sociedade Espírita de Constantina.

[10] O Monte Tabor, a sudoeste do lago de Tabarich e a 11 quilômetros a sudeste de Nazaré, com cerca de 1.000 metros de altura. (nota original)

[11] A Gênese - Os milagres segundo o Espiritismo, cap. XV - Os milagres do Evangelho - Transfiguração, itens 43 e 44.

[12] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. I - Não vim destruir a lei - O Espiritismo, itens 5 a 7.

[13] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI - O Cristo consolador - Instruções dos Espíritos - Advento do Espírito de Verdade, itens 5 e 7.

Fonte: IPEAK

quarta-feira, 25 de março de 2015

[RE] - Estudo mediúnico

Por Allan Kardec

Correspondência de além-túmulo

Para a compreensão do fato principal de que se trata, extraímos a passagem seguinte da carta de um assinante. Além disto, é uma simples e tocante expressão das consolações que os aflitos encontram no Espiritismo: 

“Permiti que vos diga quanto alívio me deu o Espiritismo, dando-me a certeza de rever num mundo melhor um ser que eu havia amado com um amor sem limites, um irmão querido, falecido na flor da idade. Como é consolador este pensamento que aquele cuja morte choramos, muitas vezes está perto de nós, sustentando-nos quando estamos acabrunhados ao peso da dor, alegrando-se quando a fé no futuro nos deixa entrever um encontro certo! Iniciado há alguns anos nos admiráveis preceitos do Espiritismo, eu tinha aceitado todas as suas verdades e tinha me esforçado por viver aqui de maneira a apressar o meu adiantamento. Minhas boas resoluções tinham sido tomadas muito sinceramente, entretanto, confesso que, não possuindo os elementos necessários para fortalecer e entreter minha crença na comunicação dos Espíritos, pouco a pouco me havia habituado, não a rejeitá-la, mas a encará-la com mais indiferença. É que a desgraça até então me era desconhecida. Hoje, que a Deus aprouve enviar-me uma prova dolorosa, colhi no Espiritismo preciosas consolações, e experimento a necessidade de vo-lo agradecer muito particularmente, como o primeiro propagador desta santa doutrina.

“Não sendo a doutrina do Espiritismo simples hipótese, mas apoiando-se em fatos patentes e ao alcance de todos, as consolações que proporciona não só consistem na certeza de rever pessoas amadas, mas também, e sobretudo, na possibilidade de corresponder-se com elas e delas obter salutares ensinamentos.” 

Nesta convicção, o irmão vivo escreveu esta carta ao irmão morto, solicitando a resposta através de um médium. 

N..., 14 de março de 1865.

Meu irmão muito amado,

É-me impossível dizer-te quanto fiquei feliz ao ler a carta que me endereçaste através do médium de C... Eu a transmiti aos nossos pobres pais, que afligiste muito, deixando-os de maneira tão inesperada. Eles me pedem que te escreva de novo, que te peça novos detalhes sobre tua existência atual, a fim de poderem crer, por novas provas que darás facilmente, na realidade do ensino dos Espíritos. Mas, antes de tudo, vem para junto deles muitas vezes; inspira-lhes a resignação e a fé no futuro; consola-os, pois necessitam, feridos que estão por um golpe tão imprevisto. Quanto a mim, ó meu irmão bem amado, ficarei sempre feliz quando te for permitido dar notícias tuas. Hoje venho pedir-te novamente detalhes sobre a tua moléstia, tua morte e teu despertar no mundo dos Espíritos.

- Quais os Espíritos que vieram receber-te à entrada do mundo invisível? - Reviste o nosso avô? Ele é feliz? - Reviste e reconheceste nossos parentes falecidos antes de ti, mesmo os que não conheceste na Terra? - Assististe ao teu enterro? Que impressão sentiste? Peço-te detalhes sobre essa triste cerimônia, que não permitam aos nossos pais duvidar de tua identidade. - Poderias dizer-me se algum membro de nossa família poderá tornar-se médium? Não desejarias comunicar-te através de um de nós?

Não posso compreender que não queiras continuar teus estudos de música, que cultivavas com tanto ardor na Terra. Seria um suave consolo para nós se quisesses terminar, através de um médium, os salmos que começaste a musicar em Paris.

Pudeste constatar o vazio imenso causado por tua morte no coração de todos nós. Peço-te que inspires a teus pais a coragem necessária para não sucumbirem nesta prova terrível. Sê muitas vezes com eles e dá-lhes tuas notícias.

Quanto a mim, Deus sabe quanto chorei. Malgrado minha crença no Espiritismo, há momentos em que não posso habituar-me à ideia de não mais te rever nesta Terra, e em que daria a vida para poder apertar-te ao coração.

Adeus, meu nobre amigo. Pensa algumas vezes naquele cujos pensamentos estão constantemente dirigidos para ti, e que fará o possível para ser julgado digno de um dia estar unido a ti.

Abraço-te e te aperto ao coração.

Teu irmão muito devotado, B... 

NOTA: Numa comunicação anterior, dada aos pais, através de outro médium, tinha sido dito que o jovem não queria continuar com os estudos de música no mundo dos Espíritos. 

Resposta do irmão morto ao irmão vivo. 

Eis-me aqui, meu bom irmão, mas tu exiges demais. Com a melhor boa vontade, não posso responder, numa única evocação, às numerosas perguntas que me diriges. Não sabes que por vezes é muito difícil aos Espíritos transmitirem o pensamento através de certos médiuns pouco aptos a receber claramente, em seu cérebro, a impressão fotográfica dos pensamentos de certos Espíritos, e que, desnaturando-os, lhes dão um cunho de falsidade que leva a maioria dos interessados à negação mais formal das manifestações, o que é muito pouco lisonjeiro e entristece profundamente aqueles que, na falta de instrumentos adequados, são impotentes para dar suficientes sinais de identidade?

Crê-me, bom irmão, evoca-me em família, e tu mesmo, com um pouco de boa vontade e alguns ensaios perseverantes, poderás conversar comigo à vontade. Estou quase sempre junto a ti, porque sei que és espírita e espero em ti. É certo que simpatia atrai simpatia e que não se pode ser expansivo com um médium que se vê por primeira vez. Contudo, vou tentar satisfazer-te.

Minha morte, que vos aflige, era o termo do cativeiro de minha alma. Vosso amor, vossa solicitude, vossa ternura, tinham tornado suave meu exílio na Terra. Mas, nos meus mais belos momentos de inspiração musical, eu voltava meu olhar para as regiões luminosas onde tudo é harmonia, e me esquecia a escutar os acordes longínquos da melodia celeste que me inundava com suas doces vibrações. Quantas vezes fiquei absorvido nesses devaneios estáticos aos quais devia o sucesso de meus estudos de música, que continuo aqui! Seria um erro estranho crer que a aptidão individual se perde no mundo espírita. Ao contrário, ela se aperfeiçoa, para em seguida levar esse aperfeiçoamento aos planetas onde esses Espíritos são chamados a viver.

Não choreis mais, vós todos, bem-amados parentes! Para que servem as lágrimas? Para enervar. Para desencorajar as almas. Parti primeiro, mas vireis encontrar-me. Esta certeza não é bastante poderosa para vos consolar? A rosa, que exalou seus perfumes no carvalho, morre como eu, depois de ter vivido pouco, juncando o solo de pétalas murchas. Mas o carvalho morre, por sua vez, e tem a sorte da rosa que ele chorou e cujas cores vivas se harmonizam com sua sombria folhagem.

Ainda algum tempo, e vireis a mim. Então cantaremos o cântico dos cânticos e louvaremos a Deus em suas obras, porque juntos seremos felizes, se vos resignardes à provação que vos atinge.

Aquele que foi teu irmão na Terra e te ama sempre,

B...

Comentários de Kardec:

Vários ensinamentos importantes ressaltam desta comunicação. O primeiro é a dificuldade experimentada pelo Espírito para se exprimir com o auxílio do instrumento que lhe era dado. Conhecemos pessoalmente esse médium, que há muito tempo deu provas de força e de flexibilidade da faculdade, sobretudo no caso de evocações particulares; é o que se pode chamar um médium seguro e bem assistido. De onde vem, então, esse impedimento? É que a facilidade das comunicações depende do grau de afinidade fluídica existente entre o Espírito e o médium. Cada médium está, assim, mais ou menos apto para receber a impressão ou a impulsão do pensamento de tal ou qual Espírito. Ele pode ser um bom instrumento para um e mau para outro, sem que isto permita pressupor qualquer coisa contra suas qualidades, pois a condição é mais orgânica que moral. Assim, os Espíritos buscam, de preferência, os instrumentos com os quais vibram em uníssono. Impor-lhes o primeiro que surge e crer que dele possam servir-se indiferentemente, seria como se se impusesse a um pianista tocar violino, sob a alegação de que se ele conhece música, deve saber tocar todos os instrumentos.

Sem esta harmonia, a única que pode levar à assimilação fluídica, tão necessária na tiptologia quanto na escrita, as comunicações ou são incompletas, ou impossíveis, ou falsas. Em falta do Espírito, que não podemos ver, se ele não pode manifestar-se livremente, não faltarão outros, sempre prontos a aproveitar a ocasião, e que pouco se preocupam com a verdade do que dizem. Essa similitude fluídica por vezes é totalmente impossível entre certos Espíritos e certos médiuns; outras vezes, e é o caso mais ordinário, ela só se estabelece gradualmente e com o tempo, o que explica por que de hábito os Espíritos que se manifestam por um médium, o fazem com mais facilidade, e por que as primeiras comunicações quase sempre atestam uma certa dificuldade e são menos explícitas.

Assim, está demonstrado ao mesmo tempo pela teoria e pela experiência que não há mais médiuns universais para as evocações senão pela aptidão aos diversos gêneros de manifestações. Aquele que pretendesse receber à vontade e em hora marcada as comunicações de todos os Espíritos e, consequentemente, poder satisfazer os legítimos desejos de todos os que querem entreter-se com os seres que lhes são caros, ou daria prova de uma ignorância radical dos mais elementares princípios da ciência, ou de charlatanismo e, em todos os casos, de uma presunção incompatível com as qualidades essenciais de um bom médium. Pudemos acreditar nisso durante algum tempo, mas hoje os progressos da ciência teórica e prática demonstram que isso, em princípio, é impossível. Quando um Espírito se comunica pela primeira vez por um médium sem qualquer dificuldade, isto se deve a uma afinidade fluídica excepcional ou anterior, entre o Espírito e seu intérprete.

É, pois, um erro impor um médium ao Espírito que se quer evocar. É preciso deixar-lhe a liberdade de escolha de seu instrumento. Mas, perguntarão, como fazer quando só se tem um médium, o que é muito frequente? Para começar, contentar-se com o que se tem e privar-se do que se não tem. Não está na alçada da ciência espírita mudar as condições normais das manifestações, assim como à química mudar as da combinação dos elementos.

Entretanto, há aqui um meio de atenuar a dificuldade. Em princípio, quando se trata de uma evocação nova, o médium deve sempre previamente evocar seu guia espiritual e perguntar se ela é possível. Em caso afirmativo, perguntar ao Espírito evocado se ele encontra no médium a aptidão necessária para receber e transmitir seu pensamento. Se houver dificuldade ou impossibilidade, pedir-lhe que o faça através do guia do médium ou que aceite a sua assistência. Neste caso o pensamento do Espírito só chega de segunda mão, isto é, depois de haver atravessado dois meios. Compreende-se, então, o quanto é importante que o médium seja bem assistido, porque se o for por um Espírito obsessor, ignorante ou orgulhoso, a comunicação será alterada. Aqui, as qualidades pessoais do médium forçosamente representam um papel importante, pela natureza dos Espíritos que ele atrai para si. Os mais indignos médiuns podem ter poderosas faculdades, mas os mais seguros são os que a essa força juntam as melhores simpatias no mundo invisível. Ora, essas simpatias não são absolutamente garantidas pelos nomes mais ou menos imponentes dos Espíritos que assinam as comunicações, mas pela natureza constantemente boa das comunicações que eles recebem.

Esses princípios são fundados simultaneamente na lógica e na experiência. As próprias dificuldades que apresentam provam que a prática do Espiritismo não deve ser tratada levianamente.

Outro fato ressalta igualmente da comunicação acima. É a confirmação do princípio segundo o qual os Espíritos inteligentes prosseguem na vida espiritual os trabalhos e estudos que tinham empreendido na vida corpórea.

É assim que nas comunicações que publicamos damos preferência àquelas de onde pode sair um ensinamento útil.

Quanto à carta do irmão vivo ao irmão morto, é uma ingenuidade e uma tocante expressão da fé sincera na sobrevivência da alma, na presença dos seres que nos são caros, e da possibilidade de continuar com essas relações de afeição que a eles nos uniam.

Sem dúvida os incrédulos rirão daquilo que aos seus olhos é uma credulidade pueril. Por mais que façam, o nada que preconizam jamais terá encanto para as massas, porque quebra o coração e as mais santas afeições; gela, em vez de aquecer; espanta e desespera, em vez de fortalecer e consolar.

Suas diatribes contra o Espiritismo têm por pivô essa doutrina apavorante do nada, então não é de admirar a sua impotência para desviar as massas das novas ideias. Entre uma doutrina desesperadora e outra consoladora, a escolha da maioria não podia ser duvidosa.

Depois da espantosa catástrofe da igreja de Santiago do Chile em 1864, encontraram na igreja uma caixa de cartas, na qual os fiéis depositavam aquelas que dirigiam à Santa Virgem. Seria possível estabelecer uma paridade entre a carta acima e estas últimas, que desencadearam a verve dos trocistas? Por certo que não. Contudo, o erro não era daqueles que acreditavam na possibilidade de corresponder-se com o outro mundo, mas daqueles que exploravam essa crença, dando respostas compatíveis com o pagamento prévio anexado à carta de solicitação. Há poucas superstições que não têm seu ponto de partida numa verdade desnaturada pela ignorância. Acusado de ressuscitá-las, o Espiritismo, ao contrário, vem reduzi-las ao seu justo valor.

Fonte: Revista Espírita, abril de 1865

sexta-feira, 13 de março de 2015

[RE] - A força do remorso - Estudo moral

Da Revista Espírita

Escrevem de Winschoten, a 2 de maio de 1867, ao Journal de Bruxelles:

Sábado passado aconteceu em nossa comuna que um operário cavouqueiro se apresentou na casa do guarda campestre, onde intimou esse funcionário a prendê-lo e o entregar à justiça, diante da qual, dizia ele, tinha que fazer a confissão de um crime por ele cometido há vários anos. Levado ante o burgomestre, esse operário, que declarou chamar-se Jean Ryzak, fez a seguinte confissão:

“Há cerca de doze anos eu era empregado nos trabalhos de dessecamento do lago de Harlem, quando um dia o cabo, pagando a minha quinzena, entregou-me o soldo devido a um de meus camaradas, com ordem de entregá-la a este último. Gastei o dinheiro e, querendo evitar aborrecimentos de investigações, resolvi matar o amigo a quem acabara de roubar. Para isso, precipitei-o num dos abismos do lago e, vendo-o voltar à superfície e fazer esforços para nadar para a margem, dei-lhe duas facadas na nuca.

“Logo que cometi o crime, o remorso começou a fazer-se sentir. Em breve tornou-se intolerável e foi-me impossível continuar no trabalho. Comecei por fugir do teatro do meu erro, e não achando em parte alguma do país nem paz nem trégua, embarquei para as Índias, onde me alistei no exército colonial. Mas lá também o espectro de minha vítima me perseguiu noite e dia; minhas torturas eram incessantes e incríveis e, assim que terminou o meu período de engajamento, uma força irresistível impeliu-me a voltar a Winschoten e a pedir à justiça o apaziguamento de minha consciência. Ela mo dará, impondo-me a expiação que julgar conveniente, e se ordenar que eu morra, prefiro esse suplício ao que me faz experimentar, há doze anos, a toda hora do dia e da noite, o carrasco que trago no peito.”

Após essa declaração, e tendo certeza de que o homem que estava à sua frente estava no pleno uso de sua razão, o magistrado requisitou a polícia, que prendeu Ryzak e relatou imediatamente o caso ao oficial de justiça.

Aqui se aguarda com emoção a sequência que poderá ter este estranho acontecimento.


INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS SOBRE ESTE CASO

(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 - Médium, Srta. Lateltin)


Como sabeis, cada ser tem a liberdade do bem e do mal, o que chamais de livre-arbítrio. O homem tem em si sua consciência que o adverte quando fez o bem ou fez o mal, cometeu uma ação má ou negligenciou de fazer o bem; sua consciência que, como guarda vigilante encarregada de velar por ele, aprova ou desaprova sua conduta. Muitas vezes acontece que ele se mostre rebelde à sua voz, que repila as suas inspirações; que queira abafá-la pelo esquecimento, mas nunca ela é completamente aniquilada para que num dado momento não desperte mais forte e mais poderosa e não exerça um severo controle de vossas ações.

A consciência produz dois efeitos diferentes: a satisfação de haver agido bem, a paz que deixa o sentimento do dever cumprido; e o remorso que penetra e tortura quando se praticou uma ação reprovada por Deus, pelos homens ou pela honra. É, propriamente falando, o senso moral. O remorso é como uma serpente de mil voltas, que circula em redor do coração e o devasta; é o remorso que sempre vos faz ouvir os mesmos brados e vos grita: Fizeste uma ação má; deverás ser punido; teu castigo não cessará senão depois da reparação. E quando a esse suplício de uma consciência atormentada vem juntar-se a visão constante da vítima, da pessoa a quem se fez o mal; quando, sem repouso nem trégua, sua presença censura ao culpado sua conduta indigna, lhe repete incessantemente que sofrerá enquanto não houver expiado e reparado o mal que fez, o suplício se torna intolerável. É então que, para pôr fim às suas torturas, seu orgulho se dobra e ele confessa os seus crimes. O mal carrega em si a sua pena, pelo remorso que deixa e pelos reproches feitos unicamente pela presença daqueles contra os quais se agiu mal.

Crede-me, escutai sempre essa voz que vos adverte quando estais prestes a falir; não a abafeis pela revolta do vosso orgulho, e se falirdes, apressai-vos em reparar o mal, pois do contrário o remorso seria vossa punição. Quanto mais tardardes, mais penosa será a punição e mais prolongado o suplício.

UM ESPÍRITO

(Mesma sessão - Médium, Sra. B...)


Hoje tendes um exemplo notável da punição que sofrem, mesmo na Terra, os que se tornaram culpados de uma ação má. Não é somente no mundo invisível que a visão de uma vítima vem atormentar o assassino para forçá-lo ao arrependimento; onde a justiça dos homens não começou a expiação, a justiça divina faz começar, a despeito de todos, o mais lento e o mais terrível dos suplícios, o mais temível castigo.

Há certas pessoas que dizem que a punição infligida ao criminoso no mundo dos Espíritos, e que consiste na visão contínua de seu crime, não pode ser muito eficaz, e que em nenhum caso essa punição por si só determina o arrependimento. Dizem que um perverso natural, como é o caso de um criminoso, não pode senão amargurar-se cada vez mais por essa visão, assim se tornando pior. Os que assim falam não fazem uma ideia do que pode tornar-se tal castigo; não sabem quanto é cruel esse espetáculo contínuo de uma ação que gostariam de jamais haver cometido. Certamente vemos alguns criminosos se empedernirem, mas muitas vezes é só por orgulho, e por quererem parecer mais fortes do que a mão que os castiga; é para fazer crer que não se deixam abater pela visão de imagens vãs, mas essa falsa coragem não tem longa duração; em breve vê-los-emos enfraquecerem diante desse suplício, que deve muito de seus efeitos à sua lentidão e à sua persistência. Não há orgulho que possa resistir a essa ação, semelhante à da gota d’água sobre o rochedo: por mais dura que possa ser a pedra, é inevitavelmente atacada, desagregada, reduzida a pó. É assim que o orgulho, que faz resistirem esses infelizes contra seu soberano senhor, mais cedo ou mais tarde é abatido, e que o arrependimento enfim pode ter acesso à sua alma. Como eles sabem que a origem de seus sofrimentos está em sua falta, pedem para repará-la, a fim de trazer um abrandamento para os seus males.

Aos que disso pudessem duvidar, não precisais senão citar o caso que vos foi assinalado esta noite. Ali não é só a hipótese; não é mais somente o ensinamento dos Espíritos: é um exemplo, de certo modo palpável, que se vos apresenta. Nesse exemplo, o castigo seguiu de perto a falta, e foi de tal monta que ao cabo de vários anos forçou o culpado a pedir a expiação de seu crime à justiça humana, e ele mesmo disse que todas as penas, a própria morte, lhe pareceriam menos cruéis que o que ele sofria, no momento em que se entregou à justiça.

UM ESPÍRITO

OBSERVAÇÃO: Sem ir procurar aplicações do remorso nos grandes criminosos, que são exceções na Sociedade, podemos encontrá-las nas mais comuns circunstâncias da vida. É esse sentimento que leva todo indivíduo a afastar-se daqueles diante dos quais sente que tem reproches a se fazer; em sua presença ele se sente mal; se a falta não for conhecida, ele teme ser descoberto; parece-lhe que um olhar pode penetrar o fundo de sua consciência; em toda palavra, em todo gesto, ele vê uma alusão à sua pessoa. Eis porque, se ele se sente descoberto, retira-se. O ingrato também foge de seu benfeitor, porque a presença dele é uma censura incessante, da qual em vão ele procura desembaraçar-se, porque uma voz íntima lhe grita no fundo de sua consciência que ele é culpado.

Se o remorso já é um suplício na Terra, quão maior não será no mundo dos Espíritos, onde não é possível subtrair-se à vista daqueles a quem se ofendeu. Felizes os que, tendo reparado já nesta vida, poderão sem receio enfrentar todos os olhares no mundo onde nada é oculto.

O remorso é uma consequência do desenvolvimento do senso moral; ele não existe onde o senso moral ainda se acha em estado latente. É por isto que os povos selvagens e bárbaros cometem sem remorso as piores ações. Aquele, pois, que se pretendesse inacessível ao remorso assimilar-se-ia ao bruto. À medida que o homem progride, o senso moral torna-se mais apurado; ofusca-se ao menor desvio do reto caminho. Daí o remorso, que é o primeiro passo para o retorno ao bem.

Fonte: Revista Espírita, agosto de 1867 - Jean Rizak