segunda-feira, 22 de junho de 2009

O Auto de Fé em Barcelona


A Espanha foi praticamente o último foco de resistência da Inquisição Católica. Quando já na segunda metade do século XIX, os tribunais do Santo Ofício não mais podiam condenar as pessoas ao suplício das fogueiras, buscou-se ao menos utilizá-las para que consumissem as idéias libertadoras surgidas naqueles tempos.

Em 1861, o livreiro francês Maurício Lachâtre que a essa época residia em Barcelona, solicitou a seu compatriota Allan Kardec - o codificador do Espiritismo -, o envio de certo número de obras espíritas para venda e divulgação naquela cidade. Kardec lhe enviara cerca de 300 volumes, entre livros e brochuras de conteúdo espírita ou mediúnico.

O material solicitado chegara à Espanha dentro da mais completa legalidade, e seu destinatário pagara à alfândega todos os direitos de entrada para que lhe entregassem sua encomenda, porém, antes que o Sr. Lachâtre pudesse recebê-la, fora entregue uma relação das obras ao bispo de Barcelona porque na Espanha a autoridade eclesiástica ainda mantinha o poder de policiar e censurar as obras escritas que entravam no país.

Ao retornar de Madri e tomando conhecimento da relação dos livros, o bispo ordenou que os mesmos fossem apreendidos e queimados em praça pública pela mão do carrasco. A execução da sentença foi marcada para 9 de outubro de 1861. “A Igreja Católica é universal, e sendo esses livros contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles passem a perverter a moral e a religião de outros países”. Essas foram as justificativas do bispo para manter sua arbitrária decisão, uma vez que por intermédio do cônsul francês em Barcelona Kardec havia reclamado que as obras lhe fossem devolvidas já que não eram bem-vindas na Espanha.

Em consulta a seu guia espiritual Kardec obteve as seguintes respostas:

Pergunta (à Verdade) _ Não ignorais, sem dúvida, o que acaba de passar-se em Barcelona, com algumas obras espíritas. Quererás ter a bondade de dizer-me se convirá prosseguir na reclamação para restituição delas?

Resposta – Por direito, pode reclamá-las e conseguirias que te fossem restituídas, se te dirigisses ao Ministro de Estrangeiros da França. Mas, ao meu parecer, desse auto-de-fé resultará maior bem do que o que adviria da leitura de alguns volumes. A perda material nada é, a par da repercussão que semelhante fato produzirá em favor da Doutrina.

As considerações do Espírito Verdade prosseguem, contudo passemos à segunda indagação do codificador tendo em vista não nos alongarmos em demasia nesse artigo.

P. _ Convirá que eu escreva a respeito um artigo para o próximo número da Revista? (a Revista Espírita)
R. _Espera o auto-de-fé.

O Registro da História

“Aos nove dias de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez horas e meia da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no lugar em que são executados os criminosos condenados à pena última, por ordem do bispo dessa cidade foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:

A Revista Espírita, diretor Allan Kardec, A Revista Espiritualista, diretor, Piérart, O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec, O Livro dos Médiuns pelo mesmo, O que é o Espiritismo pelo mesmo, Fragmento de Sonata, ditado pelo Espírito de Mozart, carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Doutor Grand, A História de Joana d’ Arc por ela mesma, ditada a Mile. Ermance Dufaux, e A Realidade dos Espíritos Demonstrada pela Escrita Direta, pelo Barão de Guidenstubbé."

“Uma multidão incalculável aglomerava-se nos passeios, e cobria a esplanada em que ardia a fogueira. Quando o fogo consumiu os trezentos volumes e brochuras espíritas, o padre e os seus ajudantes se retiraram cobertos pelos apupos e as maldições dos numerosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição! Em seguida muitas pessoas se acercaram da fogueira e apanharam cinzas”.

O registro histórico mostra que de fato as idéias espíritas foram bastante propagadas na Espanha após o auto-de-fé em Barcelona.

É evidente que nos dias de hoje a Igreja Católica tem uma posição menos radical com relação a outras religiões. Os homens muitas vezes por seus interesses escusos, ignorância, ou mesmo por simples má vontade, conseguem retardar o progresso da humanidade, todavia, jamais poderão tolher-lhe a marcha, porque Jesus permanece firme no comando da Terra.

Nos tempos de maior atividade da Inquisição, o auto-de-fé era na verdade a cerimônia no qual os acusados pelo Santo Ofício tinham a derradeira oportunidade de se arrependerem. Os que tinham a condenação confirmada saiam da jurisdição eclesiástica e passavam à justiça comum, que promovia as execuções. Nota do autor.

Fonte: Recanto das Letras