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terça-feira, 30 de julho de 2013

Nem Espiritismo Laico, Nem Nova Religião

Por Dora Incontri

A posição de Kardec ainda não foi compreendida pela maioria e uma das provas disto está no debate ainda atual se o espiritismo é ou não é religião. Por um lado, estão os que se autodenominam espíritas laicos e que defendem a idéia de que Kardec jamais pensou o espiritismo como religião, mas apenas como ciência, filosofia e moral; do outro, estão os que defendem o chamado tríplice aspecto do espiritismo, ciência, filosofia e religião, mas agem e pensam como se o espiritismo fosse apenas mais uma religião. Estes constituem a maioria do movimento espírita brasileiro.

Analisemos a polêmica com cuidado, porque os dois lados têm suas razões e os dois lados cometem enganos. De fato, Kardec não quis estabelecer mais uma religião, no sentido comum do termo, (por isso, diz muitas vezes que o espiritismo não é religião), visto que o espiritismo não tem sacerdócio, templos, hierarquia institucional, dogmas de fé e nem rituais que o adepto deva seguir para dizer-se espírita. Qualquer pessoa que aceite os postulados espíritas e procure viver segundo a moral de Jesus pode se dizer espírita, mesmo que jamais tenha pisado num centro espírita ou assistido a uma reunião. Trata-se de uma convicção pessoal, de uma adesão livre, de que  ninguém está instituído para pedir satisfações ou exigir o cumprimento disto ou daquilo.

Nesse sentido, portanto, quando os espíritas laicos dizem que o espiritismo não é religião, estão certos. Mas seria melhor dizer: não é mais uma religião, nos moldes das religiões tradicionais.

Se Kardec promoveu esse desencantamento, essa crítica e esse esvaziamento hierárquico do universo religioso, guardou aquilo que lhe é essencial. O Livro dos Espíritos declara como a primeira das leis morais a lei de adoração a Deus. Essa adoração pode se manifestar no homem em forma de estudo das leis da natureza – portanto a ciência, como Kepler, Giordano Bruno, Newton e outros afirmaram, pode ser uma espécie de culto a Deus; e em forma de prática de amor ao próximo, na vida social, e, também e sobretudo, em forma de oração, de ligação afetiva do ser humano com a divindade. Ora, o amor ao próximo é a essência ética da maioria das religiões e a oração é um ato indubitavelmente religioso. Não há outra classificação para esse ato universal, por mais que o tornemos simples, espiritualizado, sem ritos, imagens, intermediações, templos, genuflexões ou gestos...

Além disso, é das religiões que nos vêm as experiências milenares de contato com a divindade, de manifestações mediúnicas e de revelações morais – grandes espíritos reencarnaram no seio das mais variadas religiões do planeta e exemplificaram uma ética elevada a partir da vivência religiosa. Assim, a religião é uma forma de ser e estar no mundo que não podemos simplesmente deixar de lado, porque constitui parte integrante da nossa consciência. Descendemos da divindade e foram as religiões que revelaram isso.

Portanto, falar em espiritismo laico – o que significa dizer um espiritismo destituído de qualquer ligação com o assunto religião – é um contrassenso e uma negação da obra de Kardec.

O laicismo nasceu no Ocidente como forma de protesto contra o domínio milenar da Igreja católica. Fala-se em escola laica, em Estado laico, como lugares institucionais que se consideram neutros do ponto de vista religioso e fora da tutela da Igreja. O espiritismo não é neutro em termos religiosos. Kardec critica, reavalia e recria a religiosidade humana, inaugurando uma nova forma de ser religioso, sem jamais negar essa dimensão do homem. 

Fonte:

INCONTRI, Dora. PARA ENTENDER ALLAN KARDEC, ed. Lachátre, Bragança Paulista/SP, 1ª edição, 2004.

In: Um Olhar Espírita - http://umolharespirita1.blogspot.com.br/2013/07/nem-espiritismo-laico-nem-nova-religiao.html?spref=fb

Imagem: Source gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France (Agradecimentos à LIHPE - Liga de Pesquisadores do Espiritismo)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Questão Religiosa no Espiritismo


Por Eugenio Lara

Atendendo à solicitação do coordenador do Espirit Book, Henrique Ventura Regis, pretendo expor aqui, de modo sintético e amparado no pensamento de Allan Kardec, o que penso sobre a chamada questão religiosa no movimento espírita.

Afinal, o Espiritismo é ou não é religião? Tema complexo, apaixonante, tão antigo quanto o Espiritismo, tornou-se recorrente e motivo de discórdia, de cisão e de posturas sectárias. Tanto que, nos anos 1980, o movimento espírita se viu dividido entre duas posições antagônicas, a dos espíritas religiosos e a dos não-religiosos. Ruptura semelhante à que ocorreu entre os espíritas místicos e os espíritas científicos, no Brasil do século 19. Essa divisão ainda prossegue, sem que possamos vislumbrar algum tipo de consenso.

Todavia, ninguém melhor do que o fundador do Espiritismo para defini-lo. E ele o fez diversas vezes, em vários momentos de sua obra. Apesar da evidente vinculação doutrinária ao cristianismo, Allan Kardec rechaçou de modo veemente o suposto caráter religioso do Espiritismo e condenou o uso da palavra religião para classifica-lo, devido ao seu duplo sentido: de laço e de culto.

Quem primeiro levantou esse tema foi o Abade Chesnel, ao considerar que havia “uma nova religião em Paris”, que deveria ser combatida e reprimida. Através da Revista Espírita, Kardec rebateu a tese do Abade, também expondo-a de forma didática em O Que é o Espiritismo, no debate com o Padre.

Allan Kardec insistiu em definir o Espiritismo como uma ciência de observação, de consequências morais, como qualquer ciência ou forma de conhecimento. A seguir, iremos transcrever de suas obras uma série de pensamentos do Druida de Lyon, a fim de observarmos que ele não vacilou nessa questão e sempre procurou deixar claro, de modo bem didático, o que pensava a respeito do caráter e da natureza da doutrina espírita.

O Que é o Espiritismo

“O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos e de suas relações com o mundo corporal.” (p. 44)

“O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência e não se ocupa das questões dogmáticas. Essa ciência tem consequências morais, como todas as ciências filosóficas.” (p. 102)

“O seu verdadeiro caráter é, portanto, o de uma ciência e não o de uma religião.” (p. 103)

“O Espiritismo conta entre os seus partidários homens de todas as crenças, que nem por isso renunciam às suas convicções: católicos fervorosos, protestantes, judeus, muçulmanos, e até budistas e hindus.” (p. 103)

“O Espiritismo não era mais que simples doutrina filosófica; foi a própria Igreja que o proclamou como nova religião.” (p. 100)

“Não somos ateus, porém não implica isso que sejamos protestantes.” (p. 104)

Só “existem duas coisas no Espiritismo: a parte experimental das manifestações e a doutrina filosófica.” (p. 95)

“Sem ser em si mesmo uma religião, o Espiritismo está ligado essencialmente às ideias religiosas.” (p. 116)

A Gênese

“É, pois, rigorosamente exato dizer que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação.” (p. 20)

“O Espiritismo é uma revelação (...) na acepção científica da palavra.” (p. 19)

“O Livro dos Espíritos, a primeira obra que levou o Espiritismo a ser considerado de um ponto de vista filosófico, pela dedução das consequências morais dos fatos.” (p. 40 - Nota de rodapé)

“As religiões hão sido sempre instrumentos de dominação.” (p. 17)

O Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples

“Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões.” (p. 27)

“Homens de todas as castas, de todas as seitas, de todas as cores, sois todos irmãos.” (p. 39)

Há dezenas de outras afirmações de Allan Kardec que poderiam ser aqui citadas, mas não seriam suficientes para fechar a questão. Há fatores antropológicos, sociológicos, psicológicos e históricos a serem contemplados. Estudos recentes no campo da antropologia social demonstram o caráter religioso do Espiritismo brasileiro. O Espiritismo é uma religião, uma forma de culto, foi assim que ele se desenvolveu historicamente. Não há como negar.

Pensadores espíritas de grande envergadura, como Carlos Imbassahy e Herculano Pires, admitiram o caráter religioso do Espiritismo, como uma doutrina de tríplice aspecto (ciência, filosofia e religião), ideia semelhante ao “triângulo de forças espirituais” do espírito Emmanuel.

Apoiado na conceituação do filósofo francês Henri Bergson, Herculano desenvolveu uma interessante tese da religião como fator natural, dinâmica, a chamada religião natural, em uma conceituação próxima à do iluminista francês Rousseau e do pedagogo suíço Pestalozzi, mestre de Rivail.

Por sua vez, pensadores espíritas outros como David Grossvater, Jon Aizpúrua, Jaci Regis e Krishnamurti de Carvalho Dias, apoiados no humanismo kardequiano e no laicismo espírita, conduziram seu pensamento rumo a uma concepção laica, não-religiosa do Espiritismo. O segmento não-religioso é minoria, mas bastante expressivo, dinâmico, aberto ao debate e às novas ideias.

Na dúvida, ficamos com Allan Kardec. Como vimos, ele rechaçou a ideia de uma religião espírita. Rejeitou a palavra religião para definir o Espiritismo. Não há como negar esse fato.

Afinal, quem estará com a razão? Difícil dizer. O tempo dirá...
  
OBRAS CITADAS

KARDEC Allan - O Que é o Espiritismo, trad. Joaquim da Silva Sampaio Lobo in Iniciação Espírita, 5ª ed. São Paulo-SP [Edicel].
KARDEC Allan - O Espiritismo na sua Mais Simples Expressão, trad. Joaquim da Silva Sampaio Lobo in Iniciação Espírita, 5ª ed. São Paulo-SP [Edicel].
KARDEC Allan - A Gênese, trad. Guillon Ribeiro, 36ª ed. Rio de Janeiro-RJ [FEB].
KARDEC Allan - Revista Espírita, trad. Júlio Abreu Filho, 1ª ed. São Paulo-SP [Edicel].

Fonte: Espirit Book - http://www.espiritbook.com.br/profiles/blogs/a-questao-religiosa-no

domingo, 21 de novembro de 2010

Espiritismo Laico ou Religioso?

Por Eliseu F. Mota Júnior

Sabe-se que duas correntes principais dentro do movimento espírita, nacional e internacional, com base nos mesmos textos das obras básicas do Espiritismo, disputam a primazia do acerto sobre a religiosidade ou laicidade do terceiro aspecto da Doutrina Espírita, chegando porém a conclusões opostas, pois enquanto uma delas afirma que o Espiritismo é ciência, filosofia e religião, a outra atesta que ele é ciência, filosofia e moral; por causa disso, os adeptos da primeira dizem que os integrantes da segunda praticam um Espiritismo laico, e estes respondem tachando aqueles de espíritas religiosos. Com quem está a razão?

À luz do puro vernáculo não dá para responder.

Com efeito, o vocábulo Espiritismo (do francês spiritisme), tem sido definido pelos léxicos como “uma doutrina baseada na crença da sobrevivência da alma e da existência de comunicações, por meio da mediunidade, entre vivos e mortos, ou seja, entre os espíritos encarnados e os desencarnados”.

Por sua vez, o laicismo seria uma “doutrina que proclama a laicidade absoluta das instituições sócio-políticas e culturais, ou que pelo menos reclama para estas total autonomia diante da religião”; diz-se que seria também o “sistema dos que pretendem a interferência dos leigos no governo da igreja”, ou, ainda, “de dar às instituições um caráter não religioso ou laico”, que “é o estado de quem vive no mundo, é próprio do mundo, é secular (por oposição a eclesiástico)”.

Finalmente, religioso é um adjetivo que designa “o que é relativo ou conforme a religião”, definida como o “conjunto de práticas e princípios que regem as relações entre o homem e a divindade, através de um culto exterior ou interior”.

Percebe-se que esses conceitos, formulados por meio de signos lingüísticos, são realmente ambíguos, polissêmicos ou vagos, rebeldes ao entendimento e à interpretação, razão pela qual há que se reconhecer a dificuldade das correntes espíritas divergentes para encontrar uma definição consensual da Doutrina Espírita, sem embargo de contarem em suas fileiras com pessoas que conhecem a fundo a língua empregada no texto, estão bem informadas sobre a vida e a obra de Allan Kardec, e dominam como ninguém o Espiritismo e a sua história, o que nos obriga a tentar encontrar uma solução interpretativa para essa polêmica.

Ressalte-se, porém, que essa assertiva de que a Doutrina Espírita precisa de interpretação não implica, de maneira nenhuma, em “alterar ou modificar, a qualquer título, os princípios fundamentais e ensinos do Espiritismo, contido nas obras básicas de Allan Kardec”, como foi apressada e injustamente apregoado, porque tem o objetivo primordial de oferecer ao intérprete espírita — seja o leitor comum, o escritor, o expositor ou o dirigente —, subsídios para posicionar-se diante desse problema: o Espiritismo é laico ou religioso?

Pois bem, depois de muito estudar a questão, não encontramos sustentação doutrinária para considerar o Espiritismo uma religião, porque a textura aberta dessa palavra é ambígua, vaga e polissêmica, o que lhe atribui pluralidade e imprecisão de significados por reunir vários sentidos diferentes, fato aliás que o mestre Allan Kardec, com a sua inegável autoridade, já havia demonstrado à exaustação, principalmente em um artigo publicado na Revista Espírita de dezembro de 1.868.

Por outro lado — e por uma questão de justiça —, levando em consideração as mesmas técnicas de interpretação e os mesmos fundamentos, também não vemos como considerar o Espiritismo uma doutrina laica, que, tal como religião, é uma palavra de textura aberta, ambígua, vaga e polissêmica, o que também lhe confere diversidade e incerteza de significação pela pluralidade de sentidos, de modo que a sua adoção oficial pelo Espiritismo causaria à doutrina danos da mesma intensidade.

Em suma, tentando apenas contribuir modestamente para a superação dessa constrangedora e lamentável divergência entre supostos espíritas religiosos e espíritas laicos, sugerimos que doravante, à pergunta O que é o Espiritismo?, todos nós espíritas, sem qualquer adjetivação, respondamos como Allan Kardec:

“O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência experimental e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos, enquanto que, como filosofia, compreende todas as conseqüências morais que decorrem dessas relações”.

“Podemos defini-lo assim:

O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.”[1]

Com isso acabaremos de uma vez por todas com essas acusações recíprocas, fazendo desaparecer qualquer adjetivo — laico ou religioso — para o substantivo espírita, ou seja, não existe nem espírita laico e nem espírita religioso, senão apenas espírita, o que já é muita coisa, pois Allan Kardec disse que o verdadeiro espírita é reconhecido pela sua transformação moral e pelo emprego de efetivo esforço para domar suas más inclinações.

Referência

[1] Allan KADEC, O que é o Espiritismo?, traduções FEB, IDE, LAKE e Ediciones CIMA.