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quarta-feira, 15 de julho de 2015

[LIVRO] - Machado de Assis e o Espiritismo

A pedagoga Elaine Maldonado, do CCA (Centro de Ciências Agrárias) do campus de Araras da Ufscar (Universalidade Federal de São Carlos) realizou o lançamento o livro “Machado de Assis e o Espiritismo”. A obra é fruto da dissertação de mestrado da pesquisadora em História e Sociedade, defendida na Unesp (Universidade Estadual Paulista).

A pedagoga  traçou um paralelo entre a obra do autor e a trajetória da doutrina espírita tomando como referência crônicas e contos produzidos por Machado de Assis ao longo de 31 anos. 

O Blog dos Espíritas já realizou a leitura da obra e recomenda a mesma para aqueles adeptos que se interessam pela História do Espiritismo no Brasil, assim como para os acadêmicos pesquisadores da doutrina espírita.

O livro pode ser adquirido pelo próprio site da Editora Paco.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Espiritismo Literário

Por Glaucio Cardoso

Publicado em 1881, embora tendo surgido em forma de folhetim no ano anterior, a trajetória do defunto autor impressiona pela exposição crítica, irônica e por vezes até amarga que faz de sua vida. Muitas páginas já foram dedicadas a esse romance ímpar em nossa literatura, grande parte delas enfocando o distanciamento que a morte do narrador das memórias póstumas estabelece. Afinal, pode haver melhor ponto de vista para avaliar a vida e a sociedade que o de quem se encontra afastado de ambas?

Sem procurar penetrar ainda mais neste campo de análise da obra em questão, julgando que já há trabalhos excelentes sobre tal temática, passemos a avaliação de como Machado utiliza-se de idéias colhidas no Espiritismo para a composição das memórias de seu defunto autor.

Comecemos com a própria idéia da obra em si: um morto que escreve suas memórias a partir do além.

Se levarmos em conta que desde o século XVIII surgiram livros atribuídos a espíritos e que Machado foi contemporâneo da chegada dos primeiros livros espíritas no Brasil, poderemos concluir que a referência cultural é clara, não trazendo portanto nada de tão novo assim, mesmo na época em que é publicado, o que levou o temido Silvio Romero a classificá-lo como uma “espécie de espiritismo literário”¹.

Ironicamente, eu diria que machadianamente, Silvio Romero deu-nos a primeira chave para analisar o romance em questão: Espiritismo literário seria a criação ficcional apoiada ou inspirada em conceitos espíritas. O defunto autor das memórias póstumas é, portanto, a representação ficcional dos defuntos autores presentes nas obras espíritas desde os livros organizados por Allan Kardec.

Na explicação ao leitor, o narrador Brás Cubas evita “contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias” alegando que “Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra.” Para tanto ele argumenta que “O melhor prólogo é o que contém menos cousas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado.”.

É um excelente recurso para a) fugir de explicações a respeito do processo da psicografia, i.e., o processo pelo qual o espírito transmite seu pensamento ao médium que o transcreve, tal processo foi amplamente descrito por Allan Kardec em O livro dos médiuns, constituindo um dos mais conhecidos fenômenos mediúnicos; no entanto, como são vários os gêneros pelos quais a psicografia se opera e como havia muita controvérsia sobre os mesmo à época é natural que Machado se abstivesse de o explicar com o estatuto de que melhor prólogo é o que menos diz, ou seja, só diz aquilo que realmente interessa à narrativa; e b) eximir o autor Machado de Assis de qualquer influência ou responsabilidade sobre a obra o que se entende quando levamos em conta que até então Machado havia cultivado uma escrita bem comportada e, por isso mesmo, aceita pelo público leitor de então; se como diz Ronaldes de Melo e Souza “O estatuto ambivalente do narrador desdobrado no encenador e no ator do drama de sua vida singulariza a situação narrativa dos romances machadianos de primeira pessoa” (Souza, 2006:139), não é absurdo julgarmos que tal singularização possui um efeito extremo no caso do romance de memórias póstumas e que, portanto, torna o autor tão distante do narrador que não se lhes pode indicar qualquer tipo de identidade em comum.

Exposição aguda da influência das idéias espíritas na escrita machadiana pode ser encontrada em outras passagens das Memórias. Por exemplo, quando o defunto autor fala de sua reação à morte da mãe: “Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto.” (Assis, 1999: 87).

Há perfeita simetria entre a passagem acima e outras tantas encontradas nas obras espíritas da época. Só para citar uma fonte primária, refletimos que as questões 919 e 919-a de O Livro dos Espíritos tratam especificamente do conhecimento de si mesmo indicando-o como o meio mais eficaz que o espírito, encarnado ou desencarnado, possui para julgar suas ações e confessar-se falho quando tal necessidade se apresenta.

Já na resposta à questão de nº 1000 encontramos a pergunta retórica “De que lhe serve [ao espírito], finalmente, humilhar-se perante Deus, se continua orgulhoso diante dos homens?” (Kardec, 2007: 547), o que nos leva à seqüência das reflexões feitas por Cubas:

Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência (...) Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar se, despintar se, desafeitar se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos, não há platéia. (Assis, 1999: 87-8)

Outro trecho da mesma resposta à questão 1000 aponta-nos mais um exemplo de como Machado exibe sua capacidade de torcer conceitos vários para que estes validem sua narrativa: “Só por meio do bem se repara o mal (...)” (Kardec, 2007 [1857]: 547). Este conceito de reparar o mal com o bem será desenvolvido em várias passagens de toda a Codificação Espírita, notadamente em O Evangelho Segundo o Espiritismo, sendo desnecessário que lhe façamos a transcrição. Parece-me ser este o conceito base para a “lei da equivalência das janelas”: Brás se julga perdoado por roubar a esposa de Lobo Neves restituindo uma moeda achada estabelecendo “que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.” (Assis, 1999: 126).

Longe de pretender esgotar todas as possibilidades de diálogo entre as Memórias Póstumas de Brás Cubas e as idéias espíritas encerro esta parte com uma curiosidade que acredito proposital da parte de Machado: Brás Cubas nasce a 20 de outubro de 1805, pouco mais de um ano depois do nascimento de Allan Kardec em 03 de outubro de 1804, e morre em uma data ignorada do mês de agosto de 1869, sendo este também o ano de morte de Kardec, mais precisamente no dia 31 de março. Coincidência ou simples capricho de Humanitas?

1 - Citado por H. Pereira da Silva em “Sobre os romances de Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas)”. In: ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: SEDEGRA, 1960, p. 5-15.

Publicado no Recanto das Letras em 24/08/2008

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Machado de Assis e o Espiritismo

21:06 Posted by Fabiano Vidal , , ,

No ano que marca o centenário de morte, ou, melhor dizendo, de imortalidade de Machado de Assis, é natural que voltemos a nos debruçar sobre sua obra buscando ainda compreender o processo de formação de um escritor de seu nível. A dimensão da obra machadiana é tal que se torna até o momento inesgotável, sendo possível ao pesquisador encontrar na mesma um vasto campo temático para suas análises.

Como homem de seu tempo, Machado se nos apresenta como um inteligente observador da sociedade, capaz de transformar os acontecimentos mais corriqueiros em farto material para sua produção literária em todas as expressões a que se dedicou.

No texto que hora se inicia, procurarei mapear algumas das referências e usos estilísticos que O Bruxo do Cosme Velho fez a um dos “produtos” importados de França pelos brasileiros: o Espiritismo

Afirmar que Machado de Assis era conhecedor dos conceitos espíritas não é nenhum absurdo e pode ser constatado pelas palavras do próprio escritor. Antes de nos determos na produção literária de Machado, recorramos às suas crônicas a fim de verificar o seu contato com o Espiritismo.

Em crônica publicada no dia 05 de outubro de 1885, na “Gazeta de Notícias”, Machado começa com seu habitual tom jovial: “MAL ADIVINHAM os leitores onde estive sexta-feira. Lá vai; estive na sala da Federação Espírita Brasileira, onde ouvi a conferência que fez o Sr. M. F. Figueira sobre o espiritismo.”.

Na seqüência da crônica, o Bruxo conta ao leitor como (num processo hoje chamado de “projeção”) desprendeu-se do corpo e visitou em espírito a sede da FEB, onde assistiu à palestra na qual se convenceu da inexistência do diabo e jurou converter-se à nova doutrina. Ao retornar a casa encontrou seu corpo animado por um espírito que se identificou como sendo o próprio diabo; este lhe expõe a idéia de que o Espiritismo não passava de mais um modismo condenado ao esquecimento assim que não surtisse o efeito dele esperado.

É evidente que estamos diante de uma das ironias finas de Machado, não nos sendo possível crer na sua viagem espiritual até a sede da FEB ou em sua conversa com o diabo. Entretanto a narrativa que ele faz de sua projeção interessa-nos, sobretudo por mostrar conhecimento do processo envolvido no desprendimento da alma do corpo, conforme descrito em diversos tratados espíritas desde Kardec até os dias atuais. Também é de se ressaltar que Machado estava a par das atividades desenvolvidas pela FEB e das pessoas nelas envolvidas, pois, como é sabido, Nos anos de 1885, 1886 e 1887, a FEB promoveu as “Conferências públicas sobre o Espiritismo” nas quais os princípios da Doutrina Espírita eram expostos ao público leigo por diversos estudiosos membros da FEB entre os quais estava o primeiro vice-presidente da mesma, Manuel Fernandes Figueira.

Na crônica seguinte, datada de 11 de outubro do mesmo ano, Machado volta a falar de sua conversão ao Espiritismo. Vejamos o que ele nos conta.

Fui iniciado quinta-feira, às nove horas da noite, e não conto nada do que se passou, porque jurei calá-lo, por todos os séculos dos séculos. Uma vez admitido no grêmio, preparei as malas para ir estabelecer-me em Santo Antônio de Pádua.

Claro era o meu plano. Metia-me na vila, deixava-me inspirar por potências invisíveis, predizia as coisas mais joviais ou mais melancólicas deste e do outro mundo, reunia gente, e fundava uma igreja filial. Antes de seis meses podíamos ter ali um bom contingente.

Para aquele que possui um mínimo conhecimento do Espiritismo o texto soa altamente risível pelos seguintes fatos:

1- Não há, e nunca houve, no Espiritismo qualquer tipo de cerimônia de iniciação, muito menos juramentos secretos.
2- Não é função prioritária do Espiritismo o intercâmbio mediúnico, mas sim a renovação moral do indivíduo mediante o estudo e a prática da caridade.

Apesar do deslize (creio que proposital), Machado ainda nos demonstra nesta crônica como as práticas religiosas não católicas eram perseguidas na época:

(...) Tudo estava pronto, malas, alma e algibeiras, quando li o código de posturas da Câmara Municipal de Santo Antônio de Pádua, que está sujeito à aprovação da assembléia provincial do Rio de Janeiro. Nesse código leio este ominoso artigo, o art. 113:

“Fica proibido fingir-se inspirado por potências invisíveis, ou predizer cousas tristes ou alegres”.

(...)

Não me digam que o artigo apenas veda a simulação. Os fiscais de Santo Antônio de Pádua não podem saber quando é que a gente finge ou é deveras inspirado.

Mas não foi essa a última vez que os leitores do cronista iriam ler sobre o Espiritismo em suas linhas. Em diversas ocasiões encontramos referências ao Espiritismo nas crônicas machadianas, e em muitos casos nosso escritor demonstra pleno conhecimento do assunto. Passemos a alguns exemplos mais significativos.

3 de julho de 1892 – Expõe sobre a reencarnação, fazendo a distinção entre esta de acordo com o Espiritismo e a metempsicose dos brâmanes. Interessante notar que ele reproduz praticamente na íntegra a inscrição encontrada no túmulo de Allan Kardec: “A lei é esta: nascer, morrer, tornar a nascer e renascer ainda, progredir sempre.” (Assis, 1997: 12).

23 de setembro de 1894 – Mais considerações a respeito da reencarnação e de como ela poderia explicar um caso de acusação de bigamia.

27 de outubro de 1895 – Entre outras considerações gerais surge o questionamento da divergência entre o artigo 157 do Código Penal de 1890, que declara crime “praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios”, e a Constituição Republicana, chamada de “mãe do Código”, que acabava com a religião do Estado.

Há outras referências ao Espiritismo nas crônicas de Machado de Assis que julgo desnecessário enumerar por constituírem meras citações de menor relevância no contexto de cada crônica. O mais importante é ressaltarmos que a penetração da Doutrina Espírita em terras brasileiras marcou profundamente a nossa intelectualidade e que até mesmo nosso maior escritor, embora mantivesse seu ceticismo e tom irônico costumeiros, dialogou de alguma forma com as idéias apresentadas pelo Codificador.

Fontes:

ASSIS, Machado de. Balas de estalo & Crítica. São Paulo: Globo, 1997, p. 103-5.

ASSIS, Machado de. Op cit, 1997, p. 106-7

Texto de Glaucio Cardoso
Publicado no Recanto das Letras em 22/08/2008